Tag: Larry David

  • Crítica | Woody Allen: Um Documentário

    Crítica | Woody Allen: Um Documentário

    A evolução de um artista se mede pelo catálogo conjurado ao longo de tantos anos. De lá pra cá, uma lista que atesta o gênio de um comediante não pode ser menos que homérica, ou mais digna de ser debatida, filme por filme, num documentário feito sob medida a fãs, estudantes e curiosos sobre a vida (e obra) de Woody Allen, o criador dos monólogos, diálogos e de toda a comédia mais textual que visual de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (seu melhor filme), Memórias e Meia-Noite em Paris. Uma mente a serviço de um gênero que dedicou sua vida a aprimorar, muito além do estilo de comedia americana, das lições de Buster Keaton, Charles Chaplin e os lendários irmãos Marx, a trindade que ainda tanto espira Allen em sua máquina de escrever, de onde saíram seus mais de 50 roteiros, sem exceção ou afetações tecnológicas. Ao costurar a vida de um artista, o jornalista Robert B. Weide, fã do humorista, não escapa do humor leve e afiado de seu ídolo no ritmo de seu filme, e tampouco esquece que ninguém é perfeito.

    A tarefa de mistificar Woody Allen e ser justo, ao mesmo tempo, com os altos e baixos da carreira de quem faz praticamente um filme por ano, há quase oito décadas, nunca seria fácil. Reunindo velhos amigos como Diane Keaton e Mia Farrow, as duas musas do judeu inseguro e inquieto, tal qual Penélope Cruz e Scarlett Johansson, um pouco de sangue novo, entrevistas inspiradas pretendem mais revelar que comentar, expondo a arte mais nobre dos documentários a favor da reflexão: levar o fato ao público e deixá-lo ruminar, sem condicionar o rebanho a uma única opinião. E igual nossa relação de amor e ódio com os loucos e normais personagens criados pelo artista, aos poucos vamos descobrindo segredos e resgatando fatos, interessantes o bastante para merecer o registro, de uma vida tão polêmica quanto produtiva, ainda que parcial aos talentos e desejos de Woody. O próprio Martin Scorsese, colega desde os anos 70 (Taxi Driver e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa são clássicos da mesma época), admite que poucos têm tanto a dizer quanto a mente por trás de A Rosa Púrpura do Cairo, Zelig e A Era do Rádio.

    Das mãos de onde saíram tantas reinvenções de um gênero que não se limita mais, também pela contribuição inteligente do cineasta, a provocar apenas aquela risada fácil, Woody Allen: Um Documentário nos remete a lições extraídas dos filmes, dos livros e da carreira que postula e converge numa vida curiosa, voltada à análise das emoções humanas, das traições entre casais, dos laços familiares, das fugas ao passado, do desejo pelas mulheres, das paranoias de viver em sociedade, universos inevitáveis nas histórias do autor. Elevar ao hall das lendas esses aspectos é tarefa de fã, o que certamente torna mais doce o desafio, ainda que incompleto, de emoldurar carreiras tão prolíficas numa obra que vai do jazz à psicologia, sendo divertido e deliciosamente previsível, como pede o figurino. Imagine um documentário sobre Scorsese (o que já está na hora de acontecer): o culto a diversidade cultural e a violência qualificada seriam omitidas? Resposta óbvia.

    Seria loucura afirmar que o documentário de Robert Weide não tem lugar entre os livros sobre o artista, em especial o hilário e amplamente pessoal Conversas com Woody Allen, da editora Cosac Naify, livro-chave para conhecer mais a fundo o que move e mantém na ativa a ostra octogenária que, com suas pérolas, nunca subestimou a inteligência do público. Um documentário quase à altura das fases do ídolo, se não a falta de precisão entre a arte da pessoa, e a pessoa da arte. Se o homem vale mais que o mito, ou vice-versa, o filme não se dá o direito de concluir essa questão, à margem de nosso juízo a partir dessa pendência, dessa falta de postura e coerência. Destaque, mesmo, ao equilíbrio entre o que é lendário na carreira de Allen e o simplório, tal seu platônico amor por sua eterna parceira: uma clarineta.

  • Crítica | Tudo Pode Dar Certo

    Crítica | Tudo Pode Dar Certo

    Tudo Pode Dar Certo

    Woody Allen é um workaholic inveterado. Atualmente aos 74 anos, Allen não demonstra sinais de cansaço e retorna às telonas com sua mais nova sequência: Tudo Pode Dar Certo.

    O Cineasta despontou na indústria em 1965 ao ser convidado para escrever o roteiro de O que é que há, gatinha?, comédia dirigida por Clive Donner, e que além de tudo contou com a atuação de Allen. Em 1969 dirigiu seu primeiro filme, mas somente em 1977 com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa é que teve seu devido reconhecimento. O fato é que Allen desde os anos 60 não parou mais, seja como roteirista, diretor ou ator, mantendo uma incrível média de lançamento de um filme por ano, boa parte deles de extremo bom gosto. E dessa vez não foi diferente.

    Tudo Pode Dar Certo é um retorno às origens, Allen reúne tudo aquilo que o consagrou nos anos 70 e faz uma excelente comédia. Não estou de maneira alguma menosprezando seus últimos trabalhos, longe disso, são todos belíssimos, mas Tudo Pode Dar Certo nos remete  aos seus filmes daquela década que estabeleciam elementos como pessimismo, neuroses e excentricidades como sua veia cômica mais pungente. Uma boa razão para isso, talvez seja pelo fato do roteiro ter sido escrito nessa mesma década, com adaptações para os dias de hoje.

    Para o protagonista do longa, Allen convidou ninguém menos que Larry David para interpretar Boris (alter-ego de Allen), conhecido pela seu sarcasmo habitual, David deixa sua assinatura escancarada no personagem, o que pode agradar alguns e afastar outros. O personagem de David é um físico arrogante e excêntrico, repleto de neuras e ceticismo, além de ser profundamente pessimista ao mundo e aos que nele habitam. Boris já é um senhor, separou-se da mulher e passou a morar sozinho, tendo como amigos um pequeno e seleto grupo de estudiosos onde eventualmente ele se reúne.

    Sua vida rotineira termina na noite em que encontra Melody (Evan Rachel Wood), que foge de casa para tentar a carreira de atriz em NY, sem ter onde morar, Boris aceita que ela passe a morar com ele (Após muita relutância). A partir daí a vida dos dois muda bruscamente, Boris, passa a provocar transformações na vida da garota, antes uma menina fútil, agora passa a enxergar o mundo de outra maneira, discutindo questões existencialistas, se tornando outro “Woody Allen”, mas sem perder um pouco da inocência e até mesmo do otimismo, característica inata de quase todos os jovens.

    Rachel Wood mostra um refinamento artístico por não tornar o seu personagem caricatural, pelo contrário, apesar de todas as mudanças e o espelhamento e admiração que sua personagem tem por Boris, ela ainda consegue deixar sua marca e não emular outro ator, mas também, convenhamos que ter Allen como Diretor ajuda e muito. O elenco de apoio é todo muito bom e são peças fundamentais para o tema abordado no filme.

    Boris traz com ele uma quebra da quarta parede, ao se dirigir ao público e dialogar sobre seu ponto-de-vista e manifestando mais uma vez toda sua excentricidade, tornando a narrativa extremamente direta e fluída. Durante todo o longa, somos martelados com a ideia central do longa, da auto-descoberta, da não-repressão e da liberação de uma sociedade fundada por dogmas e convenções.

    Allen retorna mais uma vez para dizer a quem queira ouvir para abrir sua visão de mundo a novas ideias, experiências, descobertas e relações. Whatever Works (título original) mescla um roteiro repleto de questões existenciais com bom humor. Diversão garantida e uma ótima deixa para refletir sobre sua vida.