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  • Crítica | 8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente

    Crítica | 8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente

    Crítica 8 Presidentes e 1 Juramento

    8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente é um documentário em longa-metragem, conduzido pela veterana atriz Carla Camurati, conhecida por dirigir Carlota Joaquina: A Princesa do Brasil, filme marco zero da retomada do cinema nacional pós-queda da Ditadura Militar. O filme narra os eventos da recém-adquirida possibilidade de voto do povo brasileiro até Jair Bolsonaro.

    O ponto inicial do longa é a campanha das Diretas Já, seguido da posse de José Sarney após a morte de Tancredo. É curioso como não há narração, a produção optou pelas imagens contando a história, associando-as à recortes de jornais impressos de época e anúncios de rádio e televisão.

    O filme possui algumas cenas bastante raras e algumas curiosas. Nos tempos de Fernando Henrique Cardoso são mostrados índios protestando. Esse tom pode fazer o espectador acreditar que o tom do governo seria agressivo, mas não é, na verdade, é bastante respeitoso, ao contrário do que se vê ao falar de seu antecessor, Fernando Collor de Mello, flagrado aqui como um político que não conseguia tomar as rédeas da economia do Brasil.

    O filme não se furta em mostrar que o embrião do Bolsa Família foi originado por outros programas de distribuição de renda da época de FHC, assim como explana a mudança de postura que Luiz Inácio Lula da Silva fez para se tornar um candidato viável politicamente. O longa passa pelos escândalos do Mensalão e a participação do ex-deputado Roberto Jefferson, inclusive destacando momentos pitorescos, como a chegada dele com um olho roxo no Congresso. Não há concessões.

    Curiosamente, as partes que mostram a história do Partido dos Trabalhadores na presidência parecem mais breves, o que é até compreensível, visto que há tantos trabalhos em documentário sobre esses processos, como Entreatos, O Processo, Alvorada e tantos outros produtos que abordaram essa época. Há um belo acerto ao mostrar como as manifestações de 2013 influenciaram a queda de popularidade das figuras de Dilma Rousseff e Lula, assim como também é correta a fala de que tais atos não eram compostos exclusivamente pela direita. Ainda assim se fala bastante do crescimento econômico do país e dos escândalos de corrupção.

    A parte mais correta do filme é quando se destaca como a evolução da internet influenciou a democracia no continente americano e no Brasil. Redes sociais e memes são sabiamente apontados como o fiel da balança para os últimos resultados da política nacional, seja no golpe aplicado em Dilma, como também na popularização de Bolsonaro.

    8 Presidentes e 1 Juramento: A História de um Tempo Presente é uma boa forma de introduzir uma pessoa que nada saiba sobre como o caótico cenário sócio político do país chegou a esse 2021, mas ainda assim carece de um ritmo aceitável, suas mais de duas horas são extensas, e isso faz o documentário parecer um especial de TV de final de ano, trocando os últimos 365 dias para todos os anos pós-Constituição.

  • Resenha | A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que Me Condenam

    Resenha | A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que Me Condenam

    A carreira de Luiz Inácio Lula da Silva é controversa até entre seus defensores e simpatizantes, a quem A Verdade Vencerá: O Povo Sabe Por Que me Condenam é destinado. Aos opositores mais extremos que afirmam que o político tentou implantar o comunismo no Brasil realmente não há o que argumentar, seja só para discutir ou para convencer, uma vez que ignoram a lógica. Na parte detrás do livro que Ivana Jinkings organizou com ajuda de Juca Kfouri, Maria Inês Nassif e Gilberto Maringoni lemos uma frase icônica “(…) não fui eleito para virar o que eles são, eu fui eleito para ser quem eu sou. Tenho orgulho de ter sabido viver do outro lado sem esquecer quem eu era“, e é nesse sentido que o livro se desenvolve.

    O livro desenvolve brevemente o início da trajetória como líder sindical – que Lula iniciou em 1977; passando pela construção do Partido dos Trabalhadores e sua ascensão popular, depois de algumas derrotas eleitorais até finalmente assumir a cadeira de Presidente da República e eleger sua sucessora. Para Lula, a ideia do PT sempre foi a de democratizar o Brasil por meio de seu partido, no intuito de dialogar com a população menos favorecida sem academicismos, de maneira franca.

    Na nota da edição, Ivana destaca duas datas importantes de janeiro de 2018, a primeira como dia 24, onde o presidente foi julgado e (ao ver dela) injustiçado, e dia 31 onde ele recebeu Ivana e outros entrevistadores para conversar. O livro da editora Boitempo contém  mais de 200 páginas e é composto por alguns textos de notáveis, como Luís Fernando Veríssimo, que faz o prólogo, anotações de Eric Nepomuceno, um artigo de Rafael Valim e uma cronologia da vida do politico feito pro Camilo Vannuchi.

    Luiz Felipe Miguel defende a tese de que a prisão de Lula é um segundo passo do movimento que antes cometeu o golpe em Dilma Rousseff, um movimento que visava aprovar medidas antipopulares como a reforma da previdência, que ao ver do escritor só foi freada pela proximidade das eleições, e a necessidade de reeleição dos que compõem o Congresso Nacional. Essa conclusão não é necessariamente acertada, uma vez que a pressão popular realmente pesou contra, além de alguns movimentos de imprensa livre, independente dos votos, até porque claramente boa parte dos que votaram a favor do congelamento do teto de gastos em pastas como Educação, Saúde e Cultura estão entre os candidatos com maior possibilidade de votos na eleição de 2018. Miguel também faz uma mini descrição da trajetória de Lula, dizendo que sua condenação se deu por suas virtudes e não por seus defeitos, e fica difícil analisar esse pequeno texto que não pelo viés de um sujeito que enxerga Lula como um herói incapaz de cometer falhas. Nenhuma simpatia política deveria suplantar o senso crítico, ainda que sua condenação tenha ocorrido de forma injusta.

    A entrevista foi feita nos dias 7, 15 e 28 de fevereiro de 2018, pelos quatros entrevistadores. Há alguns bons momentos nessa conversa, como quando Lula diz que não queria voltar a presidência em 2014, comparando sua carreira com a de um jogador que brilha muito num time e tem medo de um retorno já sem o mesmo brilho. O entrevistado faz questão de deixar claro que não havia cisão entre ele e Dilma Rousseff, e que a imprensa tentou gerar uma situação de inimizade entre os dois, fato que jamais ocorreu ao menos segundo seu depoimento. Parte dessa retórica passa por uma conversa entre Lula e João Santana, publicitário da campanha sua e de Rousseff, onde Santana pediu para ele explicar à futura presidenta que ela era candidata tampão.

    Se percebe até nas criticas que ele faz a Dilma um certo carinho e grande apreço, onde o ex-presidente declara que a achava extremamente inteligente, mas com dificuldades de lidar com a política no dia-a-dia, e sua crítica é válida, opositores e apoiadores sempre repetiram isso, variando o tom entre essas críticas. A diferença de postura de ambos era gigante e exemplificada por Lula ao descrever como conversava com os ministros, sempre ouvindo primeiro o que eles falavam para depois opinar, enquanto Dilma falava antes de todos, praticamente impedindo qualquer um de opinar contrariamente por ter receio de parecer a pessoa como uma detratora, como “O Alguém” que contraria a cadeira presidencial. Desse modo, poucos iam na contramão do discurso da presidenta.

    Lula diz ainda que mudar-se de país impediria sua proximidade com o povo e que ir ao exílio seria uma alternativa se fosse culpado, sendo inocente, não havia como fazer isso. Essa fala soa romântica e até ingênua, mas levando em conta o caráter desse depoimento, faz sentido isso, evidentemente. Goste-se ou não de Lula, é inegável seu poder de oratória único e capacidade de gerar interesse e simpatia em quem o ouve, e a estrutura do livro favorece esse poder por ser uma conversa transcrita é fácil ler as palavras e associa-las ao modo do sujeito falar.

    O teor da discussão é informal, mas se trata de muitos assuntos sérios, como a questão do Pré-sal e a crença do ex-ministro de Relações Exteriores Celso Amorim de que os Estados Unidos tem interesse nisso, inclusive reativando a Quarta Frota Americana, em uma movimentação suspeita – e longa demais até para se discutir aqui, mas que conversa bastante com algumas especulações ligadas aos interesses que movimentam a candidatura e campanha de Jair Bolsonaro.

    Há muita informação e discussões ao longo das 126 páginas de entrevista. A conversa publicada permite que num espaço curto de páginas se discuta a ascensão direitista na América, que afetou El Salvador, Paraguai, Argentina e o Brasil. Lula ainda faz críticas duras ao judiciário brasileiro, as indicações políticas de  Temer, comentários sobre os presidenciáveis e uma leitura bastante sóbria sobre o futuro, inclusive verificando que a ascensão de Bolsonaro tinha grandes chances de acontecer.

    Uma de suas leituras é relativa a forma como o PT deveria se postar. No lugar da frase “Eleição Sem Lula é Fraude”, ele diz que preferia que se proclamasse algo como “Lula é inocente e por isso deveria ser candidato“, e salienta que obviamente que essa sentença não tem síntese, mas contém verdade. Ainda assim, Lula louva demais o legado de seu partido e entre muitas falas, afirma algo importante, que o Partido dos Trabalhadores deu cidadania à esquerda, que vivia marginalizada, um monte de grupelhos escondidos e que de repente tem um guarda chuva grande, com uma estrela vermelha.

    O modo de pensar de Lula, para o período do primeiro semestre de 2018 correu corretamente, mas a realidade é que em épocas de extremismo cada dia conta muito, assim como as semanas e meses também, e em tempos de eleição os cenários são de mutações ainda mais rápidas e extremas. Na fala de Luiz Inácio, o próximo presidente, e portanto o candidato também, precisa ser alguém com credibilidade e que fale a “língua” do povo. A Verdade Vencerá é certeiro em apresentar a versão do ex-presidente sobre os fatos que correram sobre essa fase de sua jornada, com defesas contundentes e suas intenções auto-proclamadas. Talvez essas palavras não provem nada, mas certamente são bem mais convictas que boa parte das acusações existente contra ele.

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  • Crítica | Peões

    Crítica | Peões

    Fruto do que costumou-se chamar de Cinema de Encontro, Peões é um longa de Eduardo Coutinho que investiga os detalhes mais íntimos da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, focando o funcionário raso e suas conquistas trabalhistas, mostrando pessoas que dependem da renda dessa campanha e de como alguns deles conseguiram em meio a um governo neoliberal, alguns avanços do ponto de vista para uma sobrevida profissional mais digna.

    Após alguns momentos de entrevista com pessoas comuns é mostrado um dos lideres do movimento grevista de 1979, em dois filmes, Abc da Greve e Linha de Montagem. Tanto nas imagens de arquivo, quanto nas palavras dos entrevistados, há uma reverencia bastante patente na figura de  Lula, que aquela altura do pleito era franco favorito a ganhar a eleição presidencial de 2002.

    Coutinho gasta muito tempo conversando com gente simples, seja com os funcionários humildes que prestavam serviço aos partidários do PT ou com os parentes desses, e uma boa parte deles parece ser bastante consciente politicamente,  tendo uma base de pensamento tão forte com que alguns assumam-se como comunistas, vendo nessa ideologia um bom norte para os direitos do povo serem respeitados.

    Duas entrevistadas são bastante curiosas e bem enfáticas, inclusive em tom de crítica ao PT ainda antes deles subirem ao poder. Na primeira delas, a personagem reclama que o ideal do Partido dos Trabalhadores que eleva Lula a presidente, não é o mesmo dos seus tempos de militância, alguns anos atrás, ainda que faça a ressalva de que adora Lula e o ache inteligente, mas o seu programa de governo não engloba as mesmas pautas de outrora. A segunda, diz que no começo os partidários do PT eram mais agressivos, e partiam para o enfrentamento direto, sem medo de se machucar ou de serem encarados como violentos ou bárbaros. Os dois discursos são bem opostos a conciliação que se deu nos governos em que o partido esteve na cadeira presidencial, avessos a postura conhecida como Lulinha Paz e Amor, e talvez fossem proféticas quanto aos absurdos ocorridos com o partido no futuro, seja no Golpe a Dilma, na prisão de Lula em 2018 ou no antipetismo alimentado pela imprensa e oposição.

    Peões é um retrato muito realista do povo brasileiro, mostrando pessoas absolutamente comuns e que contrariam a máxima de que brasileiro não gosta e não discute política. As pessoas que são mostradas, cada um do seu modo, demonstram como a militância funciona nas camadas mais populares, provando que a pecha de que a esquerda é formada única e exclusivamente por pessoas abastadas que nunca tiveram necessidades reais é uma visão bastante preconceituosa e irreal sobre ela.

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  • Crítica | Entreatos

    Crítica | Entreatos

    O filme que João Moreira Salles planejou trazer  a luz era para ele, no início do projeto, um mar quase infinito de possibilidades. Uma das idéias que o próprio aventou recentemente, era de que seria um filme sobre as campanhas presidenciais de PT e PSDB, à época, encabeçada na parte tucana por José Serra. Entreatos no entanto amadureceu como as cenas dos bastidores da campanha vencedora de Luiz Inácio da Silva, em uma eleição que por muito pouco, segundo as pesquisas de opinião e intenção de voto, não aconteceu ainda no primeiro turno.

    A intimidade do diretor com seu biografado é tamanha que Salles passeia de avião com o então presidenciável, tendo de legendas as falas dele a fim de tornar fácil de entender as conversas de Lula com Antonio Palocci e outros companheiros políticos.

    Assistir Entreatos nos dias de hoje tem contornos assustadores, principalmente pela quantidade de pessoas que a época estavam no PT, desde pessoas que se afastaram até de campos progressistas, como Martha Suplicy e Fernando Gabeira; aqueles que permanecem à esquerda mas estão distantes do PT hoje, como Luiza Erundina, Luciana Genro; falecidos, como o saudoso Luiz Gushiken e a ex Primeira-Dama Marisa Letícia; e por fim, aqueles que hoje estão impedidos de exercer cargos por problemas judiciais (para se falar o mínimo), como o já citado Palocci e José Dirceu, sempre mostrado como um homem muito próximo do futuro presidente, assim como Duda Mendonça, que foi o mentor de sua publicidade em campanha, responsável em partes pela postura Lulinha, Paz e Amor.

    Walter Carvalho assina a fotografia do longa, que varia muito de qualidade de imagem, uma vez que não é fácil captar cenas de intimidade em meio a uma campanha eleitoral super corrida. A ideia de humanizar o ícone que se formava nos meados de 2002 é muito bem construída, as anedotas que Lula conta são carregadas de carisma, personalidade e graça, mesmo ao falar de passagens que poderiam soar trágicas, há uma carga de comédia embutida típica das falas de pessoas que conseguem ser o centro das atenções onde quer que estejam. Toda vez que a oratória de Lula é posta à prova, ele obtém êxito enorme, uma vez que consegue ser entendido por pessoas de classes econômicas distintas, a despeito até do conhecimento dessas mesmas pessoas, fato que demonstra bem o quão universal é seu discurso e o quanto foi singular a união que aconteceu naquele ano em 2002, união essa que jamais se repetiria tão exitosa quanto aqui.

    https://www.youtube.com/watch?v=M8LFNoky5eQ

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  • Crítica | ABC da Greve

    Crítica | ABC da Greve

    Leon Hirzman é um dos diretores que fundamentou um dos grandes momentos do cinema brasileiro. Quando terminou de filmar Eles Não Usam Black Tie, Hirzman começou a fazer um documentário que permaneceu inacabado até depois de sua morte, em 1987. Em noventa, com ajuda de restauradores, e de algumas imagens inéditas, que substituíram as que foram perdidas nos negativos, vinha a luz finalmente ABC da Greve, que mostra em detalhes o cotidiano dos metalúrgicos grevistas, nos anos setenta na região paulista do ABC — Santo Andre, São Bernardo e São Caetano — núcleo este que obviamente estava bastante relacionada com o longa ficcional protagonizado por Gianfrancesco Guarnieri.

    Em um momento bastante singelo do filme, um dos peões grevistas, sujeito simples e calvo, conversa com uma autoridade militar fardada, praticamente implorando para que ele e seus companheiros não fossem presos, beirando o absurdo pensarmos em trabalhadores terem de pedir autorização para reclamar por seus direitos.

    Apesar de já lidar com a imagem do líder Luiz Inácio da Silva, o Lula, como um dos centros do movimento grevista do ABC, é só com 24 minutos de filme que Hirzman apresenta um perfil do sujeito, utilizando o segundo terço do filme para falar de sua vida pessoal e como foi sua trajetória rumo a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Lula grita, em cima do palanque, para que os grevistas tenham cuidado, evitem andarem sozinhos durante e depois dos atos, sugerindo que esses vão para suas casas assim que acabar o manifesto. Apesar da liderança popular que tem, já é possível verificar o perfil conciliador de Lula, muito distante de qualquer traço revolucionário em suas ações ou que evoque qualquer enfrentamento para além do comumente estabelecido em movimentos grevistas. Todo o discurso é sim de conciliação.

    O final do filme indica o quão o Estado é benevolente com as empresas, que concederam algumas das exigências dos grevistas — não todas, aliás bem longe disso — e ainda tiveram esses prejuízos bancados pelo caixa federal, em uma manobra que de certa forma, explica muito da motivação da ditadura empresarial-militar — algo que pode ser visto em outros filmes desta época como Pra Frente, Brasil e Cidadão Boilesen. Para variar, o Estado à direita favorece o empresariado em detrimento dos direitos dos menos abastados.

    Hirzman jamais conseguiu terminar seu filme, e é irônico como o retrato de um movimento popular como o que ele pinta, termina sem uma vitória categórica, como havia sido anunciado no início da revolta, no entanto, o resultado colhido tem bastante semelhanças com as a forma de governar em um futuro próximo dos objetos que foram analisados em ABC da Greve, onde o que preponderava, era a tentativa de equilibrar a inclusão dos mais necessitados, sem infringir diretamente nos interesses dos poderosos. É evidente que essa análise ainda não daria para ser feita em 1990 no lançamento do filme, mas é curioso como a obra já dispõe de elementos que profetizam boa parte do modus operandi de Lula enquanto líder, denotando inclusive qualidades e defeitos que ajudariam a montar o quadro politico complexo que ocorre no Brasil nessa segunda metade de década de 2010.

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  • Crítica | Lula: O Filho do Brasil

    Crítica | Lula: O Filho do Brasil

    Lula: O Filho do Brasil, de Fabio Barreto, foi lançado em 2009, em meio ao segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A história começa no árido sertão nordestino, com a mãe do protagonista, dona Lindu (Glória Pires) se mudando para perto de seu marido, Aristides Inácio (Milhem Cortaz), um homem bêbado e covarde.

    O pequeno Luiz, vivido neste momento por Felipe Falanga é um verdadeiro herói em casa, mesmo que tenha apenas sete anos. Propostas de adoção por parte de pessoas mais abastadas, que querem dar a chance dele estudar com maior facilidade ocorrem com ele ainda pequeno, assim como um enfrentamento por parte dele com seu pai que não permite que as crianças brinquem e nem estudem. Ainda criança, Luiz é a voz dissonante no ambiente em que está e já se nota ali sua paixão pelo futebol, que evoluiria para o Corinthians, já na fase adolescente.

    Quando começa a trabalhar, Luiz (Guilherme Tortólio) se suja de óleo, para aparentar que trabalhou mais do que realmente fez, enchendo assim dona Lindu de orgulho e satisfação, reprisando o dito popular de que o trabalho dignifica o homem. A intenção de mostrar ele como uma figura heroica soa dúbia e boba, uma vez que também o faz parecer um aproveitador, mesmo que ainda seja um garoto.

    Tanto o contato inicial do metalúrgico, já interpretado por Rui Ricardo Dias, quanto a perda do dedo mínimo da mão direita é mostrado sob um viés piegas, novamente “dourando a pílula” em torno da biografia do ex-presidente. Há um problema também com o ritmo do longa, que acelera e desacelera seus dramas normalmente errando na dosagem do discurso.

    Após o segundo casamento, dessa vez com Marisa (Juliana Baroni), o herói da jornada se engaja mais ainda nos meandros do sindicato, passando então a usar em seus discursos os mesmos tons e sotaques peculiares do Luiz Inácio original, soando ainda mais caricatural do que antes, uma vez que seu intérprete simplesmente esquece o sotaque quando lhe é conveniente, soando rouco em alguns pontos da história e deixando a voz grave de lado em outros.

    Ricardo Dias faz o que pode enquanto lhe é incumbida a função de representar uma figura icônica de nossa história, fato que se torna ainda mais difícil pelo fato de o biografado ainda estar vivo e ativo. No entanto, Barreto traz uma biografia que fala em partes da vida de seu personagem de estudo, mas peca em não assumir lado e se colocar em cima do muro em relação a ideologias políticas, inclusive verbalizando isso através de algumas conversas entre Lula e sindicalistas, tendo inclusive o cuidado para sequer citar o Partido dos Trabalhadores.

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  • Crítica | Muito Além do Cidadão Kane

    Crítica | Muito Além do Cidadão Kane

    Contestatório desde o início, com falas de algumas personalidades conhecidas do grande público, a narração sensacionalista do filme foca na vivência e poderio de Roberto Marinho, idealizador do grupo Globo de Comunicação que tem na sua rede de televisão homônima o seu maior expoente. Produzido pelo Channel Four britânico, Muito Além do Cidadão Kane teve sua exibição proibida dentro do Brasil, mesmo que seu lançamento tenha sido originalmente em 1993, após a abertura política da democracia.

    O foco narrativo do início da fita centra-se na disparidade social e na quantidade exorbitante de analfabetos do país. Quase tão gritante quanto a distância financeira entre os ricos e pobres é a diferença de televisores ligados quase exclusivamente na Vênus Platinada, que até então, eram de 78% da totalidade das casas brasileiros, atingindo o grande público com anúncios publicitários luxuosos extremamente diferentes da realidade econômica dos típicos brasileiros. O consumo era apenas das imagens, já que apenas um terço dos espectadores poderiam comprar qualquer dos produtos mostrados em tela. Apesar disso, o conteúdo ideológico por trás de toda mensagem veiculada é sempre compartilhado.

    As concessões das redes de canais são denunciadas, inclusive aventando-se até a possibilidade de políticos terem poder de controlar uma empresa comunicacional no Brasil, o que obviamente vai ao encontro da maior rede televisiva. O destaque dado ao Fantástico é quase tão execrada quanto as polêmicas aquisições de filiais, criticando o otimismo exacerbado e total falta de conteúdo relevante, que encontra paralelos com a pauta atual do programa.

    A trajetória de Roberto Marinho é reconstruída, desde a fundação do jornal O Globo, feito por seu pai. Uma vez no poder, o grupo se expandiu, primeiro para o rádio e depois para a TV, ganhando concessões dos presidente Juscelino Kubitschek (apoiado por Marinho) e João Goulart (político que seria deposto antes de assumir a presidência, tendo a sua “renúncia” apoiada pelo empresário/jornalista). As falas de Armando Falcão vão muito ao encontro do pensamento do documentarista, que acreditava ser escusos os meios de obter seus licenciamentos mil.

    Em paralelo à transmissão da Copa de 70, aconteceu um boom econômico que permitia ao povo comprar televisores por meio de crédito, um artigo caríssimo, o que obviamente facilitou muito a propagação do canal da família Marinho. A audiência se dividia entre o futebol e os festivais de música, sendo o primeiro algo que fomentava a calada do regime militar, onde não se pronunciava nada sobre política, enquanto o segundo, exibido na Rede Record, mostrava a nata artística brasileira, que tentava, através de suas mensagens subliminares, falar do holocausto político que ocorria.

    Os detalhes da derrocada da Rede Excelsior e da TV Tupi são abordados. Os principais rivais pela audiência, chegando ao ponto dae causar o fim da concessão do primeiro canal, único que havia manifestado descontentamento em o assumir do Regime Militar. Mesmo os que apoiaram a Ditadura eram proibidos de noticiar qualquer situação que causasse a menor possibilidade de frisson nos que dominavam o poder e, segundo alguns dos entrevistados, a emissora ratificava a censura e perseguição a artistas supostamente condenáveis.

    Outro fator focado era a ascensão das novelas desde Selva de Pedra, que foi a primeira novela com 100% de audiência, até Gabriela, que exibia as curvas de Sônia Braga numa reimaginação do conto de Jorge Amado. A influência era tamanha que ditava moda até para aspectos comportamentais, como o advento de discotecas em cidades minúsculas, que sequer tinham tradição no consumo de música disco, mas que, por influência de Dancing Days, precisavam montar espaços assim em sua extensão territorial. Para muitos, o poder do canal se igualava ao de um Estado dentro do Estado.

    Apesar de mostrar o quão promíscuas são as inter-relações da Globo com os governos, até de interdependência dos políticos com os comunicólogos, o roteiro não toma partido de modo resoluto, nem mesmo ao exibir o modo raso como o Jornal Nacional tenciona emitir a comunicação para o Brasil inteiro, dando curtos segundos para notícias políticas, enquanto minutos preciosos são dedicados a parte de exibição de celebridades, sem qualquer cunho informativo maior.

    O cúmulo da manipulação da informação se daria nos episódios com Luiz Inácio Lula da Silva, desde a época de seus serviços com metalúrgicos e líderes sindicais, com negação de muitos dos argumentos das classes até sonegação dos mais básicos, em que se escondia até a quantidade correta de adeptos, sob a alegação de que a ordem viria de cima, da presidência militar. Semelhante a isso foi a não comunicação da eleição de Leonel Brizola, que acabava de voltar ao país e que ganharia a cadeira máxima do estado do Rio. Mais flagrante ainda seria a edição do resumo do debate de seis minutos, entre Fernando Collor e Lula, três dias antes do segundo turno, favorecendo o governador de Alagoas, onde a manipulação que se assemelhava a um informe publicitário causou um furor até dentro da rede, cuja reclamação ocorreu até de membros muito antigos da central de jornalismo como de Armando Nogueira e Wianey Pinheiro, que seriam aposentado e exonerado, respectivamente.

    Os últimos momentos do filme são pautados em mais reclames que discutem o valor da imprensa na formação da opinião pública e na moralidade de uma nação, especialmente em um órgão com tanto alcance como é com a Rede Globo, condizente com a realidade do início de suas transmissões até os anos noventa, com destaque até para o seriado Anos Rebeldes, onde se falaria sobre o hediondo regime, excluindo o papel do canal na legitimação dos anos de chumbo. A mensagem final questiona se o povo deveria se libertar dessa influência, ou ao menos contestá-la, com a trilha de Televisão, dos Titãs, que remete à burrice proveniente de quem assiste ao aparelho de vídeo. A imagem de Marinho é tomada por baratas, na expressão simbólica mais explícita da rejeição da figura do magnata das telecomunicações, por parte dos realizadores do filme.

  • Crítica | Democracia em Preto e Branco

    Crítica | Democracia em Preto e Branco

    Democracia em P e B

    Cuidadosamente focado em sua introdução sem cores – em preto e branco -, o filme de Pedro Asbeg emula a barra pesada da época, com a repressão do Regime Militar ainda sem as “novidades europeias” do futebol, e da democracia. O medo tomava conta da vida dos cidadãos, os mandantes não tinham qualquer pudor em demonstrar o seu poderio, humilhando as pessoas comuns, que não tinham acesso aos mesmos direitos dos que impunham fardas. O contra-ataque precisava acontecer em alguma instância, e sob o som de Núcleo Base do IRA!. uma destas facetas é mostrada, sob os campos de São Paulo; uma outra luta, ligada a igualdade, ao esporte e a música.

    A narração de Rita Lee grafa o quanto havia um não-desejo pela alternância no poder, tanto dos presidentes nacionais militares, quanto no certame do Corinthians, com Vicente Matheus no posto mais alto. A realidade aviltante que ocorria no quadro político brasileiro gritava mais do que qualquer receio “clubístico”, uma vez que a insegurança que tomava os não-poderosos, por sua vez era motivada pela “segurança” dos governantes.

    A derrocada do Brasil fez com que os integrantes da nova chapa do poder no Sport Club Corinthians Paulista se interessassem por um maior progressismo não condizente com os outros tempos, os de Matheus especialmente. Com o tempo, o laranja do antigo presidente, Waldemar Pires. O catalisador desta mudança viria primeiro pela figura de Sócrates, um jogador elegante, inteligente, letrado e inconformado, mas ainda sem um norte, sem uma direção para lutar. Este paradigma mudaria com o acréscimo do lateral Wladimir. O rapaz de pele negra acompanhava as greves no ABC Paulista, se via então como um operário da bola. Dali começava uma discussão mais profunda a respeito dos direitos civis, ainda no elenco de um time de futebol. O último fator para que o grito fosse completo viria com a juventude, com Walter Casagrande Júnior, o centro-avante de apenas 19 anos, que trazia a polêmica do Rock’n Roll na postura, cabelos e na pele para dentro de campo, paro algo além do simples “tatibitate” do futebol.

    Os jogadores passaram a ganhar voz, se valendo até da queda de divisão do time, uma vez que eles disputavam a Taça de Prata. A inflação piorava, o medo de faltar alimento na mesa do pobre aumentava, enquanto o modo de reger via repressão parecia cada vez mais tacanho, com uma trilha sonora que começava a falar mais abertamente sobre a hipocrisia da lei. Viriam Edgard Scandurra com o seu IRA!, a letra de Selvagem dos Paralamas, que louvava o monstro que somente crescia, e claro, o disco de Paulo Miklos e seus Titãs Cabeça Dinossauro, que não mais via o amor como a via para caminhar o povo, e sim mostrava através dos riffs de guitarra como era truculenta a realidade do país. O rock de Frejat, Cazuza, Renato Russo, Ultraje e outras turmas mostravam o que era o pensamento do jovem, como ele via as direções sociais que a nação tomava.

    Sob a tutela do administrador técnico – e também sociólogo – Adilson Monteiro Alves e de Sócrates, começava o que Juca Kfouri e o publicitário Washington Olivetto nomeariam como Democracia Corintiana, onde todos tinham o mesmo poder de voto e peso. Jogadores como Zenon, Wladimir e Casão eram politizados, e ajudariam a quebrar os paradigmas de concentração pré-jogo e do bom-mocismo como método de tratar o esporte. A civilização do time de Parque São Jorge não era obrigatoriamente moralista, ao contrário: Era evoluída, madura, sabendo bem o que se queria.

    Para Sócrates, foi o movimento político dos jogadores que manteve o time bem dentro das quatro linhas. Esta era a base do bom futebol deles, além claro do acesso aos shows de músicos amigos, Blitz, Rita Lee, Maria Bethânia entre outros. A relação dos esportistas com os músicos era bastante intrínseca e íntima, de modo que era quase indistinguível a identidade de um e de outro. A busca pela liberdade de expressão era comum aos dois segmentos, a música era o canal para a liberação, o que não ocorria desde 1968, com o jovem falando para o jovem.

    O pensamento evolui, como dito na narração por Lula, e o advento da Democracia Corintiana passaria a falar também do voto do povo, do voto direto que finalmente ocorreria. A campanha mudaria para DIA 15 VOTE, grafada acima dos números dos jogadores de futebol, o que visava quebrar a deseducação política do torcedor comum, desde os geraldinos e arquibaldos até aos já conscientes de que era preciso modificar o quadro político, e mobilizar a opinião pública.

    Os comícios para as Diretas Já começaram bastante tímidos, com poucas pessoas. E aos poucos o movimento aumentaria, até desembocar no comício da Praça da Sé, de um caráter suprapartidário, com discursos de Ulysses Guimarães, Brizola, Lula, Fernando Henrique, em uma união completamente impensável atualmente, unidos pela quebra da tutelagem do povo brasileiro, para que a população pudesse enfim andar sozinha, reconquistando sua democracia. A rejeição da emenda em 1984 foi um duro golpe na população brasileira; o sentimento de comoção logo deu lugar a sensação de que foram iludidos, inclusive Sócrates, que aceitaria a proposta de venda para a Fiorentina, da Itália.

    Os integrantes daquele time preferem encarar todo aquele tempo com um saudosismo tocante, de que o país voltaria a sorrir, e que havia começado ali a redemocratização do Brasil. No entanto, a sensação de que o pior da ditadura ainda permanecia não poderia ser ignorado, uma vez que o modus operandi policial prossegue semelhante ao do Regime. Até pela última música executada – Até Quando Esperar, da Plebe Rude -, a sensação de Democracia em Preto e Branco não é de otimismo, e sim de uma amálgama entre a melancolia e a objeção, de um país que apesar de um pequeno progresso, ainda tem muito a evoluir; muito esforço a ser executado para que se torne uma república minimamente digna, sendo esse viés o que faz da fita ser algo muito a frente dos documentários contemporâneos.

  • Crítica | O Mundo Segundo Lula

    Crítica | O Mundo Segundo Lula

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    Ao iniciar seu filme com um passeio por Brasília, German Gutierrez demonstra um pouco do que seria a incerteza da subida ao poder por Luiz Inácio Lula da Silva rumo ao palanque máximo do país brasileiro. A cerimônia de passagem de faixa de Fernando Henrique Cardoso, claramente contrariado, simboliza um pouco do que a narradora diz, os resquícios do que a burguesia pensava ao assistir a ascensão de um membro do proletário ao poder.

    Para Lula, sua vitória após tanto tempo é a mostra de uma evolução do pensamento do povo brasileiro, finalmente rompendo com a mentalidade de país colonial e colonizável, sempre subordinando-se às economias de países mais ricos e claramente exploradores. O começo da carreira do político foi feito em plena ditadura militar, em meio a um regime opressor que esmagava o homem.

    De família pobre, demorou a se alfabetizar, o que claramente se reflete nas suas falas tacanhas e repletas de vícios linguísticos, como a supressão do plural. Este defeito serviu bem para ele, ao menos num segundo momento eleitoral, uma vez que o aproximava do povo com quem ele tencionava falar. Aos trinta anos, tornara-se líder sindicalista, apoiando as eleições diretas, ao invés do regime ditatorial, como “único modo do povo se manifestar”. A partir daí, se explora o começo da trajetória do metalúrgico enquanto um governante.

    O horizonte mostrava o povo como um parceiro do político, feliz com o seu modo de tratar as relações exteriores, alguns até surpresos pelas origens humildes de sindicalista, mas as críticas também são devidamente documentadas, ainda que o cunho destas seja deveras tímida e comedida.

    A feitoria do filme foi logo após a reeleição de Lula, e não menciona em nenhum momento os escândalos políticos de seu partido, como o Mensalão, ainda que haja uma pequena menção nos letreiros ao final, claro, destacando-se o crescimento do país em um cenário mundial. A sensação de O Mundo Segundo Lula é um filme institucional é enorme, ao analisar-se seu caráter chapa-branca, mas é importante de ser analisado na contemporaneidade, especialmente pela avalanche de desinformação que corre a rede mundial em relação aos avanços do país nos anos em que Luiz Inácio foi presidente da República Federativa do Brasil, e a respeito de quem tem ou não lutado ao lado do proletariado brasileiro. Nisto, o filme de Gutierrez traça um bom prospecto, obviamente atentando para o bom mocismo do político.

  • Crítica | Marighella (2012)

    Crítica | Marighella (2012)

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    O documentário capitaneado por Isa Grinspum Ferraz visa mostrar várias facetas de Carlos Marighella como o de um sujeito pacato e ligado a família, longe demais da imagem pintada pelos mandantes do regime que o pintavam como o pior dos terroristas subversivos e inimigo número um do Estado. A narração da sobrinha de Carlos revela que o filme começou a ser feito de fato após a morte do líder revolucionário.

    No início da fita, são lidas cartas do próprio punho do “anarquista da Sicília”, provindo de uma miscigenada herança entre o italiano Augusto Marighella e da negra Maria Rita, criado em uma casa onde tinha spaghetti e caruru, não havia como crescer sem ser questionador, desde a infância ele não entendia porque o pobre precisava se matar de trabalhar para chegar ao final da vida sem ter absolutamente nada.

    Já muito novo ele se engajaria ao comunismo autodeclarado, levando à Bahia, sua terra, o discurso contra a oligarquia, incitando o povo à revolução. O comunismo baiano dos anos 1930 era contra o integralismo principalmente, e não era alinhado a Karl Marx, até pela dificuldade do acesso, era feitos de mulatos, como Jorge Amado, Edson CarneiroCouto Ferraz, um grupo que vivia a utopia, mas não se desgarravam da realidade marginal baiana. Os intelectuais precisavam sair da neutralidade e se declarar fascistas, comunistas ou liberais, graças ao novo quadro político mundial, aos poucos “os pingos eram postos nos is”. A ida de Marighella ao Rio de Janeiro já culminara numa prisão, acusado pela imprensa à época, de perturbar a paz e não colaborar com a boa ordem do Estado.

    A escolha pelas imagens das paisagens e belezas naturais contrastam com os recortes de jornais, quase sempre explicitando uma luta e perseguição muito violenta ao “cavalheiro Marighella”, que variam entre prisões e comícios. Carlos e outros militantes de bigodes grossos se associavam a Luis Carlos Prestes, sua dificuldade nas manifestações era o de parar de falar e terminar seus discursos. Graças ao Presidente Dutra, o Partido Comunista Brasileiro foi tornado ilegal e Carlos Marighella passou a viver na clandestinidade, seu primeiro filho só viria a conhecê-lo aos sete anos de idade. Em meio a paranoia mundial, eram veiculados comerciais estadunidenses muito engraçados, com “animações desanimadas” mostrando o poderio soviético, explodindo símbolos do capital, como A Estátua da Liberdade.

    A posição de Marighella era diferente da de Brizola, Goulart e outros tantos pensadores. Ele viajou para a China, para a União Soviética a fim de conseguir instrução sobre o estado totalitário socialista. Um momento emocionante é quando sua esposa Clara Charf, declara que ele não sabia falar chinês e que ele havia feito um dicionário desenhado do idioma, mas que o livro foi tomado pelas autoridades, numa das invasões da polícia a sua residência. O “mulatão” cada vez se precavia mais e alertava seus colegas de que eles não resistiriam a caça após o Golpe Militar. Seu argumento era de fuga, mesmo após as falas de Jango de que o vice, uma vez empossado presidente, teria uma resposta rápida a ação dos militares. Ele era muitíssimo bem informado, parecia prever as artimanhas e a movimentação dos homens de farda.

    Sua postura se tornaria ainda mais extremista, rompendo com o partido após a sua prisão e a ida a Cuba, em uma viagem clandestina. Se declarara um revolucionário, ligado às massas e inconforme à maneira cordata com que a esquerda se portava de forma muito inocente e submissa aos caprichos militares, e até essas reprimendas são publicadas carregadas de um conteúdo poetizado. Para ele, o revide devia ser na mesma força e medida, era inspirador, de confiança e admiração, e sobretudo era uma figura simples, ao mesmo tempo que estudiosa e muito inteligente.

    Apesar de sua afeição ao modo de revolução chinês, Marighella queria um comunismo genuinamente nacional, com samba, futebol e cores tão caracteristicamente brasileiros. Ele não era um teórico, participava dos assaltos de forma ativa e veemente. Suas ações não eram freadas pela possibilidade de perecer ou do sacrifício de vidas alheias, das dos seus, em ações de guerrilha que os adeptos já tinham conhecimento e claro, dos seus opositores.

    O modo como a realizadora apresenta a morte do guerrilheiro é sem muito apuro do modo como ocorreu o assassinato, tal artifício emula tanto a forma sem respostas do Regime ao assassinar o seu opositor e também a não necessidade de ser lógico, e claro que o próprio Marighella usava em seus poemas, ainda que nestes escritos ele não retire os seus pés do chão. Carlos Marighella era o libertário utópico, munido da informação, mas que prestou a sua imagem para inspirar o ideal da liberdade do país, o que Isa Grinspum Ferraz fez é uma homenagem muito competente a sua figura, sem ser chapa branca, destacando até seus erros, mas focando a aura do contestador imberbe que ele era, dando à revolução um nome estrangeiro, de difícil dicção e de fácil identificação.