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  • Crítica | Assassinato no Expresso do Oriente

    Crítica | Assassinato no Expresso do Oriente

    Agatha Christie é a romancista mais bem sucedida da história em literatura popular no que diz respeito ao número total de livros vendidos, que juntos venderam por volta de 4 bilhões de cópias no decorrer dos últimos dois séculos, ficando somente atrás de William Shakespeare e da Bíblia Sagrada. Sua especialidade era escrever sobre romances policiais, o que lhe rendeu o apelido de “Dama do Crime”, sendo que seus livros renderam mais de quarenta adaptações para o cinema.

    Assassinato no Expresso do Oriente é um de seus livros mais famosos e, inclusive, já rendeu uma adaptação para a tela grande sob a batuta do mestre Sidney Lumet, em 1974. O filme teve ao todo seis indicações ao Oscar, com Ingrid Bergman levando a estatueta de melhor atriz coadjuvante. Em 2017, coube ao veterano Kenneth Branagh o desafio de dirigir e estrelar uma nova adaptação do livro que promete superar o número de indicações à Academia e quem sabe até mesmo dobrar o número de vitórias em relação à adaptação anterior.

    Tão logo o filme começa, somos apresentados ao simpático belga Hercules Poirot (Branagh), ou melhor, Hercule Poirot, no singular. Dotado de manias pela busca de equilíbrio e simetria (o que já rende boas risadas ao espectador), Poirot é simplesmente o maior detetive do mundo, como ele mesmo se denomina e com cinco minutos de fita, já descobrimos o motivo de tamanho orgulho para com si próprio e para com a sociedade, ao resolver um entrave ao pé do Muro das Lamentações, em Jerusalém. O detetive só quer voltar para sua casa, mas no meio do caminho, recebe notícias a respeito de um caso antigo e importante que o faz adiar seu retorno. É assim que Poirot embarca no Expresso do Oriente, um luxuoso trem de propriedade de seu amigo Bouc (Tom Bateman).

    Dentro dos vagões somos apresentados ao grande elenco principal que compõe a história e que está recheado de bons atores. Johnny Depp é Edward Ratchett, um vendedor de artefatos falsos que angariou diversos inimigos ao longo dos anos. Trabalham para Ratchett seu secretário Hector McQueen (Josh Gad) e seu mordomo Edward Henry Masterman (Derek Jacobi). A jovem Daisy Ridley interpreta a governanta Mary Debenham, acompanhada de seu parceiro, o médico, Dr. Arbuthnot (Leslie Odom Jr.). Judi Dench interpreta a grosseira princesa Dragomiroff e Olivia Colman, sua empregada, Hildegarde Schmidt. Também temos Willem Dafoe interpretando Gerhard Hardman, Michelle Pfeiffer na pele da fogosa Caroline Hubbard, além de Penelope Cruz, que faz a religiosa Pilar Estravados. O elenco ainda é composto por Manuel Garcia Rulfo, Lucy Bointon e Sergei Polunin.

    A paz dos personagens dentro do trem muda quando uma avalanche faz a locomotiva descarrilhar, obrigando toda a tripulação aguardar o resgate. As coisas ficam realmente complicadas quando um dos passageiros acaba por ser brutalmente assassinado em sua cabine durante a noite. Assim, Poirot decide investigar o crime a pedido de Bouc, e o escala para auxiliá-lo na investigação, uma vez que foi o único que dormiu fora do vagão em que ocorreu o crime, estando livre, portanto, de qualquer acusação, sendo todos os outros suspeitos em potencial.

    O filme respeita exatamente aquilo que o gênero precisa e tudo que está em cena é para criar, de forma proposital, confusão na cabeça do espectador. Então, com o desenrolar da trama, mas antes do assassinato, aquele que assiste faz as suas apostas sobre quem será morto, sobre quem será o assassino, etc. Inclusive, temos desde o suspeito óbvio, até algumas pistas que estão na cara do espectador, mas que nem o olhar mais atento poderá sacar a jogada, além de reviravoltas interessantíssimas que culminam com o desenrolar do caso e que mexem com Poirot de forma profunda.

    Os méritos – além de Agatha Christie ser totalmente responsável por ter criado todo esse universo, também são do roteirista Michael Green, que recentemente trabalhou em histórias e roteiros de filmes como Logan, Alien: Covenant e Blade Runner 2049, além de ter escrito e criado a série American Gods. O trabalho de direção de Kenneth Branagh desenvolveu um estilo de filmagem bastante interessante, sabendo se valer dos espaços restritos que tem a sua disposição em um trem, gerando cenas interessantíssimas de dentro das pequenas cabines e apertados corredores. Há de se destacar ainda, o belo plano-sequência que funciona em prol do roteiro, apresentando cada um dos personagens, como também a tomada aérea onde a câmera do diretor enquadra seus personagens em um corredor quase como remetendo a um tabuleiro de xadrez, com a disposição de suas peças. Seu trabalho como diretor sempre se dá em função da narrativa, como por exemplo nas cenas de interrogatório, onde os seus enquadramentos se dão através de vários espelhos, denotando como cada um desses personagens podem ser multifacetados.

    Mas o destaque mesmo vem de sua brilhante atuação, que não seria de se estranhar se lhe rendesse sua quinta indicação ao Oscar. Aliás, existem grandes chances do personagem entrar para o “hall da fama” de queridos personagens da cultura pop. Branagh, ator provindo do teatro shakesperiano, sabe como ninguém construir a figura de Poirot em todo o seu desenvolvimento dramático, dosando quando necessário sua excitação em atuações mais contidas e extrapolando suas emoções em outros momentos. O cineasta sabe como ninguém colocar o peso das escolhas, ações e palavras de seu personagem.

    Vale destacar que o filme termina com um gancho para adaptar outro clássico de Christie que também tem o detetive Poirot como protagonista, Morte No Nilo, de 1937. Assassinato no Expresso do Oriente agradou tanto os executivos que o sinal verde para a nova adaptação foi dado e deve trazer novamente Branagh tanto na pele do maior detetive do mundo, quanto na cadeira de direção.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Blade Runner 2049

    Crítica | Blade Runner 2049

    Havia muita expectativa em relação a Blade Runner 2049, fosse pelo óbvio fato de Blade Runner – O Caçador de Androides ser um clássico absoluto, injustiçado pelos produtores da Warner Bros à época, ou pelo fato da de Dennis Villeneuve,  uma promessa de grande cineasta desde o começo de sua carreira, assumir a direção. A realidade é que a continuação, lançada 35 anos após o primeiro filme, tenta expandir o conceito pensado por Hampton Fancher e David Webb Peoples, roteiristas do original, utilizando com maior vigor os temas de Phillip K. Dick.

    A história é contada através do olhar do caçador KD6.3-7, ou simplesmente K, vivido por Ryan Gosling. Desde o começo a trama informa que se trata de um replicante mais avançado que os modelos Nexus, da Tyrell Corporation. Uma das criações de Wallace (Jared Leto), um novo eugenista que se valeu dos espólios de seu antecessor para, basicamente, criar outros replicantes, supostamente menos agressivos e predatórios que os anteriores. Parte da base narrativa passa também por Luv (Sylvia Hoeks), um dos modelos mais avançados dessa era.

    K vive sozinho, com uma inteligência artificial holográfica, interpretada por Ana de Armas. O conceito por trás dessa tecnologia e identidade serve para contrapor a coisificação ocorrida com Rachel no primeiro Blade Runner, elevando a discussão para um tema mais progressista, quase significando um pedido de desculpas pela atitude de Deckard (Harrison Ford) ao forçar a replicante a dormir com ele. É a partir das discussões com a holografia que K passa a sonhar com upgrades em seu destino, com sonhos envaidecidos, que poem em cheque a questão desses modelos terem alma ou não.

    A direção de arte tem atenção as referências do primeiro filme, relembrando até mesmo o terrível spin off  Soldado do Futuro em alguns momentos. A tecnologia retro e suja insere a sequência na mesma tônica do primeiro filme, sem exagero e nem fan service. Parte da construção primorosa desse retorno ao universo de Dick é culpa de Roger Deakins, que retorna ao trabalho com Villeneuve para apresentar enquadramentos grandiosos, valorizando a utilização de efeitos práticos. Tudo no cenário tem textura e realismo impressionante.

    Em tempos de Atômica e John Wick, é natural que haja uma cobrança por lutas mais realistas. Não é o caso em 2049, já que os personagens são super humano. Assim, os embates físicos são organizados com golpes secos e certeiros, fato que valoriza também o roteiro e as cenas. A trilha de Benjamin Wallfisch e Hans Zimmer segue a mesma linha de Vangelis, ainda que nos momentos em que a música interfere na trama não sejam tão brilhantes.

    A persona de K lembra muito mais o Deckard de Androides Sonham com Ovelhas Eletrônicas do que o Deckard de Ford no filme de 1982, em especial por ele não ter a dúvida sobre sua identidade genética. Todos os anseios do personagem são próximos de suas posses eletrônicas, seja na relação que tem com a inteligência artificial Joi, como também na necessidade de fazer upgrades no sistema. A fé que o personagem põe no discurso programado da inteligência, nos faz lembrar também a crença do Deckard original de que sua vida melhoraria graças ao animal artificial que compraria, uma vez que a evolução tecnológica é um dos principais motes do livro de Dick.

    O roteiro de Fancher e Michael Green levanta questões filosóficas diferentes do original, em especial no embate entre o legado de Tyrell e a vaidade humana como ponto primordial da vida, mesmo que a inorgânica. O desfecho de K e Deckard gera  discussões válidas, que levam em conta o preço da liberdade e o esforço para travar uma guerra por ela. De certa forma, o filme remonta a discussão ocorrida em um episódio de Jornada nas Estrelas: a Nova Geração, a respeito da individualidade do androide positrônico Data, analisando suas liberdades e escolhas. Caso haja de fato a exploração do cliffhanger de Blade Runner 2049 com continuações vindouras, há um valido argumento para uma sequência. Porém, há chances delas falharem como o péssimo Matrix Revolutions. Como obra fechada, o filme segue de maneira criativa e inspirada, unindo-se com qualidade aos pontos inteligentes do clássico.

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  • Review | American Gods – 1ª Temporada

    Review | American Gods – 1ª Temporada

    Em parceria com o canal Starz, Bryan Fuller e Michael Green começaram a adaptar a obra de Neil Gaiman, Deuses Americanos, nesta primeira temporada de American Gods, os showrunners dão vazão a uma introdução desse mundo fantástico onde deuses mitológicos antigos tem de lidar com novas divindades e entes de adoração do homem moderno. Este é apenas o tomo um da história, e esse aspecto introdutório pode desagradar o público não acostumado a literatura e narrativa de Gaiman, e a princípio terá em torno de três temporadas para adaptar o livro em si – uma continuação está sendo terminada neste momento, pelas mão do próprio autor.

    O começo mostra a emigração da Europa para o Novo Mundo, primeiro no passado e depois na atualidade, tendo ambas encarnações uma proximidade grande com o barbarismo, tanto nos invasores piratas quando nas figuras de Wednesday (Ian McShane) e Shadow Moon (Ricky Wittle). Após ser liberto da prisão, Shadow se vê obrigado a fazer uma viagem de avião, mesmo se sentindo desconfortável e decide fazer o restante de trajeto de carro, movido pelo receio de voar depois de um pouso forçado por mal tempo. Em seu caminho rumo ao enterro de sua falecida esposa, Laura (Emily Browning) ele é novamente abordado por Wednesday, que lhe oferece um trabalho estranho, e o mesmo só aceita depois de um embate com Mad Sweeney (Pablo Schreiber), um sujeito estranho, que representa os leprechauns da cultura irlandesa.

    A dicotomia dos primeiros momentos está entre na recém adquirida liberdade de Shadow e a invasão que ocorre em solo americano. Apesar de as atmosferas serem completamente diferentes, o rumo das duas trajetórias tem em comum alguns pontos, seja na primeira, mais mundana com a perda de entes queridos do protagonista- ou a quase conclusão dessa perda, uma vez que se trata também da condição de mortos vivos-  ou a conclusão mais universal com o conflito entre os divinos. Apesar de ter um norte diferente para ambas situações cada uma dessas serve como o início para uma outra jornada, que por sua vez, ajuda a igualar gradativamente mortais e divindades no mesmo jogo, tendo até um resgate dessas questões mais pessoais, que obviamente são elevadas ao patamar de importância do que é levantado por Wednesday.

    O primeiro contato de Shadow e Mad Sweeney é visceral e imaturo com provocações e brigas irracionais e baseadas em clichês bobos, que redundam em questões básicas de orgulho e soberba, questões essas muito comuns no cotidiano do homem adulto comum, expondo ali a diferença básica entre o sujeito ordinário e o divino, ainda que um tenha sido baseado no outro e criado a imagem e semelhança desses. Essa mistura enriquece demais a trama, ajudando até em outro aspecto do programa, como a questão de vida e morte, tratadas também como entes semelhantes, seja pelas divindades de Anubis (Chris Obi), deus egípcio do pós-morte ou pela nova trajetória da undead Laura Moon. O entrave entre os dois é um dos pontos altos de Git Gone, quarto episódio desse ano inicial.

    A postura de Shadow é blasé, como um elemento fora daquele novo mundo, agindo como um personagem orelha mas que dá de ombros para todo aquele novo mundo que se apresenta, resignado pelo conjunto de sensações que começou a sentir ainda em cárcere. Isso evidencia um dos pontos altos da série, a despeito até dos vários problemas de roteiro, as atuações do elenco em geral vão muito boas, não só de Whittle, mas também Browning, que desenvolve um papel adulto e nada maniqueísta, utilizando a dramaticidade da atriz para muito além de sua zona de conforto, enquanto seu esposo consegue reunir em si tanto as características de um neófito recém chegado a um novo cenário e um guerreiro predestinado e astucioso, que ainda não tem total consciência disso.

    O texto que Fuller comanda faz lembrar muito os defeitos de outro produto seu, Hannibal, no sentido de postergar o confronto, deixando as partes dramáticas interessantes da literatura original sempre para depois, ainda que essa situação seja menos gritante neste American Gods. De positivo, há o acréscimo da figura mitológica e repaginada de Hefesto/Vulcano, deus greco-romano responsável pelas armas olímpicas, mas que tem um final estranho em comparação com o lema do programa – deuses são reais se acredita neles – mas que ainda assim é apresentado sob uma égide madura e sucinta. Os episódios posteriores já se dedicam mais a trabalhar o background de algumas pessoas, ainda que soem repetitivos às vezes. O interesse do público geral é retomado perto do final, quando se discute um banquete a Odin.

    Os 59 minutos de Come to Jesus, deveria amarrar algumas pontas soltas, além de referenciar diretamente ao tal plot da temporada, que envolve não só Wednesday e seres antigos, mas também os novatos, em especial a figura da mídia, executada brilhantemente por Gillian Anderson – que faz papéis como os de I Love Lucy, Ziggy Stardust, Marilyn Monroe e Judy Garland – da tecnologia, executado por Bruce Langley, além do misterioso Mr. World (Crispin Glover) que aparece pouco, ainda que seu papel seja enorme na trama principal.

    Nesse ínterim, algumas encarnações de divindades aparecem, entre elas, múltiplas de Jesus Cristo, ser este já referenciado anteriormente em uma sequência com os mexicanos atravessando a fronteira com o país de Donald Trump, em busca de uma vida melhor, recebidos é claro por calorosos assassinos que chacinam os latinos. Esse cuidado em retratar várias facetas da mesma figura de adulação serve de comentário irônico a tantas denominações cristãs e pseudo cristãs, que reclamam para si uma versão própria das escrituras canônicas da Bíblia Sagrada, pervertendo a letra fria ao seu bel prazer, para basicamente adequá-las aos seus preconceitos e ideias tacanhas, assim como também referencia aos crentes mais tolerantes e preocupados com o bem estar do próximo.

    A identidade de Wednesday é secundária, ainda que haja alguma pompa ao se revelar isso – mesmo com todos os indícios anteriores, como o uso de corvos para sempre se referir a ele e a referência obvia do dia da semana que o batiza – e mais na união entre a Mídia, Tecnologia e Mr. World, além é claro de Bilquis (Yetide Badaki), personagem apresentada anteriormente, mas esquecida desde o segundo episódio. Essa união é curiosa, pois reúne veteranos e novatos no panteão em torno do mesmo adversário, que é Wednesday.

    Há uma cena, no começo do season finale que resume bem o caráter desta temporada. A dupla de protagonista e mentor ficam a espera do discurso de Anansi (Orlando Jones) explicar a origem de alguns dos seres mágicos (em especial Quilbis) e a posição deles é confortável, sentados de roupão em cadeiras suntuosas, envoltos em uma atmosfera de luxo, desfrutando de uma história cheia de requintes, tanto em detalhes quanto em curvas dramáticas, mas sem um fim programado, sem um desfecho pensado. O espectador se sente exatamente neste ponto, apreciando um produto que lança mão de uma linguagem tipicamente cinematográfica, com uma fotografia e direção de arte belíssimas (mesmo com alguns efeitos defasados pelo claro orçamento típico da TV) com o rompimento de inúmeros paradigmas conservadores, mas ainda assim com uma trama que não resulta em conflitos maiores, deixando sempre o clima para um momento posterior. Hannibal não teve um fim programado, e terminou sem conclusões para a grande maioria de seus arcos, e a sensação de déjà vu se aproxima perigosamente do lançado em American Gods, que parece ser esticada exatamente para capturar a atenção dos maníacos por séries fantásticas, que tem muito a apreciar ainda, mas que certamente não tem um total agrado em sua experiência como público por faltar o fechamento desses enredos.

    https://www.youtube.com/watch?v=tLZrqTxmdv0

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