Resenha | O Legado de Júpiter – Livro Dois
Os heróis falharam, o mundo não ficou cor-de-rosa e com nuvens de algodão, e sempre vai haver o mal porque faz parte da condição humana. Todo o resto é utopia, e na série O Legado de Júpiter (leia nossa resenha do Livro Um) parece que o desencanto com “os super-heróis vão salvar o mundo” nunca foi tão forte, desde que o Comediante levantou a seguinte questão, em Watchmen: “precisamos salvar as pessoas, mas delas mesmas”. Certo ou não, pessimista ou não, os humanos fantásticos de Mark Millar (Kick-Ass) habitam a ultrarrealista dimensão da neutralidade, aonde o bom e o mal não são muito diferentes, exceto quando alguns não veem problema nenhum em matar os outros para alcançarem seus delírios de poder.
Após exterminarem o poderoso Utópico no Volume 1 da saga, os super-heróis estão sem freios e se tornaram intimidadores, sem ética ou moralidade alguma, e deixaram a Casa Branca e os Estados Unidos sob seu regime semi ditatorial, já que, na visão deles, estão levando a humanidade e seus governos a um novo nível de progresso civilizatório – e que os beneficie acima de todos, é claro. Enquanto isso, um grupo de exilados consegue enxergá-los como a ameaça que eles realmente são, presentes apenas em solo americano ainda, e para detê-los, começam a recrutar vários heróis fora de atividade, escondidos na Índia, Brasil ou na Antártida, para uma grande luta de poderosos. O mundo está em jogo, e neste cenário, há deuses e demônios entre nós, por mais que ambos nos vejam como reles insetos impotentes.
É curioso como a parte 2 de O Legado de Júpiter dialoga, numa ótica oportuna, sobre o conceito de liberdade e o preço que vale a pena se pagar para obtê-la, em teoria. Enquanto o filho inescrupuloso do Utópico, o jovem e bonito Brandon acha que a Terra é o seu parque de diversão conquistado pôr direito, sua irmã Chloe não apenas quer vingança por seu pai, mas se sente na obrigação de livrar o mundo de seres como Brandon, que usam tudo e todos como marionetes a seu bel prazer – e necessidade predatória, vendendo liberdade como se fosse um slogan eleitoral. Nada mais verdadeiro. Se antes a bondade existia por si só, e bastava, agora os heróis são “bons” apenas para impedir a destruição do mundo, e deles mesmos por consequência. A vilania nunca dorme, e nunca some, por mais que os Coringas e os Thanos do século XXI se enxerguem como os verdadeiros salvadores, inquestionavelmente nobres no lema de que os fins justificam os meios. Um ledo engano, é claro.
Se há um consenso entre vários filósofos ao longo dos séculos, é de que o Mal é sórdido o bastante para cegar os seus hospedeiros, confundi-los, e entregá-los junto ao mundo e o seu sistema a tragédia iminente. A série de Miller, e belissimamente ilustrada por Frank Quitely, põe em cheque o lugar de “deuses” e “demônios” em um mundo complexo e caótico já sem eles, e que na presença deles atinge seu ápice de desordem, com pessoas com dons incríveis servindo a seus interesses pessoais. A sobrevivência de seus planos. E se Mark Zuckerberg pudesse ler nossos pensamentos, sem a ajuda de algoritmos virtuais? E se alguns atletas tivessem super atributos físicos, e o presidente da Amazon conseguisse controlar os elementos da natureza? Quem melhor usaria desses dons: os poderosos, ou pessoas comuns? Os dois volumes de O Legado de Júpiter respondem a essa e outras perguntas de maneira um tanto espetacular demais, mas certamente reflexiva e simbólica o bastante para agradecermos o fato de não existir um Superman.
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