Crítica | Mad Dog: Inside the Secret World of Muammar Gaddafi
Apesar de iniciar-se exibindo os pontos altos e positivos da história do antigo soberano libanês Muammar Gaddafi, o documentário televisivo Mad Dog: Inside the Secret World of Muammar Gaddafi exerce basicamente a função de crítica nada velada a um constante inimigo do Estado americano, tomando por base a opinião pública geral, que praticamente exclui as controvérsias que garantiriam ao “Cachorro Louco” aspectos tipicamente humanos.
Gaddafi é tratado basicamente como um terrorista. Seu desígnio seria indicar quem passaria pela lâmina estatal, quem tombaria ante sua sabedoria e sapiência. Os relatos dos que foram aprisionados e fugiram para contar suas histórias são simplesmente aterradores, sob uma trilha sonora incidental que martela uma culpa maniqueísta sobre a persona vilanesca de Muammar, reprisando o arquétipo de mal governante persa propagada pelo ocidente, desconsiderando qualquer nuance em seu comportamento ou modus operandi, modo idêntico ao que tantos outros líderes do Oriente Médio foram retratados.
O roteiro analisa a quantidade exorbitante de mortes ordenadas pelo líder político, com discursos inflamados da parte dos que sofreram nas suas mãos do cruel regime. O viés de desdém prossegue cada vez maior. O crescimento do nível de críticas ao modo de lidar com seus cidadãos é desmedido e foca na “obsessão” do ditador em providenciar a sua bomba atômica, dita no documentário como uma prática comum e quase obrigatória por parte dos países islâmicos, discurso que associa a estes países a única causa para os conflitos bélicos das últimas duas décadas.
O panfletarismo não é nada velado: o discurso parece propagandista. Um depoimento totalmente parcial que piora ainda mais ao analisar o desejo de expandir que fez Gaddafi viajar pela África, unindo um sem número de falas pejorativas, dessa vez de seus primos continentais.
Morte e tortura não são práticas banalizáveis. O discurso político dentro de qualquer contexto interfere demais no ideal, visto que, para que qualquer sistema político e econômico funcione, são necessárias ações e atividades humanas, mesmo nos regimes que exploram trabalho escravo. No entanto, a intenção de Mad Dog: Inside the Secret World of Muammar Gaddafi em invalidar cada um desses comportamentos nefastos acaba se assemelhando mais a uma novela de cunho sensacionalista do que o retrato de um homem cruel. Algo que, em outras palavras, serve para confortar o cada vez mais presente pensamento do americano médio, que apóia a todo custo as ações expansionistas de seus mandatários, ação que na prática pouco diferencia-se do modo de operar do “Cachorro Louco”.
Um dos poucos adjetivos positivos lançados em tela é a capacidade que o biografado tinha em manter os cidadãos do seu país pensando junto a ele, e que apoiavam até as ordens mais esdrúxulas e fascistas. Tudo graças ao carisma que ele exalava, o que trouxe uma boa razão para Gaddafi ter chegado tão alto e permanecido no poder por tanto tempo.
Dedica-se muito tempo para fazer um retrato amargo de uma figura controversa, não mostrando qualquer momento de sua humanidade. O intuito do documentário é pintar uma figura maniqueísta de alguém indigno de pena, compaixão ou remorso alheio. Um sujeito de olhos negros, cuja janela da alma só exprime a maldade infinita. Na prática, é o grito popular desmedido e violento; o mesmo discurso de uma multidão ensandecida que busca espancar os que a oprimiam; dos mesmo hipócritas que, até então, não percebiam os próprios erros e que louvavam a figura do Estado maior.