Review | Narcos – 2ª Temporada
Após o reencontro entre José Padilha e Wagner Moura na primeira temporada de Narcos, na qual mostrou a ascensão e poder de Pablo Escobar (Moura) e o cartel de Medellín, a segunda temporada, retoma a trama exatamente onde a primeira terminou, com a fuga de Pablo da prisão, relatando o completo declínio e derrocada de seu império, culminando com a sua morte. Não sem antes fazer um relato preciso de uma das tantas histórias existentes não só na Colômbia, mas da América Latina, típica da obra de Gabriel García Márquez, caracterizado pela presença de elementos fantásticos dentro da realidade dura da vida cotidiana. A história de Escobar tem muito do realismo mágico, já que sua trajetória beira o absurdo e o surreal, afinal, entre seus feitos estão a criação de sua própria prisão, um zoológico particular em sua mansão, a explosão de um avião comercial, a morte de três candidatos à presidência, além de jornalistas e outros políticos.
O realismo mágico novamente ganha terreno fértil nesta segunda temporada, continuando a mesclar um enredo semi-ficcional com fatos e personagens reais da caçada ao líder do Cartel de Medellín, sempre sob o ponto de vista do agente da DEA (Drug Enforcement Administration – Agência federal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da repressão e combate ao narcotráfico), Steve Murphy (Boyd Holbrook) – O narrador da história.
A trama se encarrega a desenvolver, principalmente sob a ótica dos Estados Unidos, por meio do DEA, a realidade colombiana, apesar de incluir atores-chave importante no conflito, como o próprio Estado, os narcotraficantes, a guerrilha, e finalmente, os grupos paramilitares. Ator político esquecido na primeira temporada, mas que finalmente passa a ter um papel fundamental no cenário colombiano.
A série continua a demonstrar a ineficiência da política de combate as drogas norte-americana, e aqui, a obsessão anticomunista perde seu peso, diante da queda da União Soviética. Importante reforçar como essa política dá os rumos do Estado colombiano até os dias de hoje, culminando no referendo pelo acordo de paz com a FARC. Fato este relacionado ao fortalecimento dado aos grupos paramilitares de extrema-direita pelo próprio Estado colombiano como também ao apoio direto dos EUA.
Além dos grupos paramilitares, aqui representados pelos irmãos Castaño, a participação do Cartel de Cali aumenta consideravelmente, principalmente com a união desses atores para a criação do grupo justiceiro Los Pepes (abreviação de Perseguidos por Pablo Escobar), com a participação da polícia colombiana e agentes norte-americanos.
Interessante notar como os diretores dos episódios conseguem construir uma narrativa visual da degradação de Pablo e sua família, se antes, em muitos momentos Pablo dividia planos com sua família, aqui pouco a pouco ele passa a aparecer apenas em enquadramentos fechados. A fotografia saturada em tons amarelos e vermelhos traz um pouco do clima colombiano, como também da violência existente e o perigo constante na trama.
A dedicação de Wagner Moura ao personagem é impressionante. O ator ganhou peso, aprendeu espanhol, mimetizou cada trejeito de Escobar, seus olhares, o modo e o tom de suas fala. Uma entrega completa. Holbrook em sua interpretação ao agente norte-americano deu uma carga dramática interessante ao personagem, o que parece não acontecer com a realidade, já que Murphy, em suas entrevistas, já demonstrou ser uma figura bastante desprezível, algo bastante parecido ao que aconteceu em Sniper Americano, com a atuação de Bradley Cooper do atirador Chris Kyle.
Pedro Pascal é um dos pontos altos da série como o agente latino do DEA Javier Peña, dando carisma ao personagem e dinamismo a trama, em momentos que isso se faz necessário. A direção novamente faz um ótimo trabalho ao relatar também por meios visuais que a dupla Peña/Murphy nunca foi plena ao posicionar ambos de forma antagônica quando estão no quadro.
O isolamento é um dos grandes temas visuais existentes nesta segunda temporada de Narcos. Novamente essa questão é levantada, dessa vez por meio do Presidente colombiano César Gaviria (Raúl Méndez). Enquanto Pablo está sempre cercado por seus sicários (assassinos), Gaviria se vê sempre isolado de seus ministros e assessores.
Os demais núcleos de personagens não ganham novas camadas de desenvolvimento, apenas são estabelecidos tal qual sua apresentação na temporada anterior, salvo o caso de Limón (Leynar Gomez), num belo trabalho de construção e desconstrução de personagem, demonstrando a vulnerabilidade de pessoas comuns quando expostos a uma realidade nova, tendo que mostrar o que tem de pior para sobreviver.
Essa discussão é o ponto central da trama. Com o decorrer da temporada, já fica claro que a caçada à Pablo não tem por objetivo acabar com o narcotráfico, mas minimamente a destruição daquilo que ele representa. A simbologia por trás da figura de Pablo Escobar. A desconstrução desses mitos é demonstrada inclusive na volta de do Coronel Horacio Carrillo (Maurice Compte) a pedido do Presidente, reforçando que para o Estado pouco importa a forma empregada na caçada ao Pablo. Os fins justificam os meios.
O desfecho da temporada culmina com a morte de Escobar e a mudança de foco da política norte-americana, agora voltada ao Cartel de Cali. As duas temporadas iniciais podem ser facilmente sintetizadas em uma só, e seu ponto forte está na forma como retrata seus personagens, evitando o maniqueísmo ou caminhos fáceis, típicos de obras do gênero que romantizam ou vitimizam demais um dos lados.
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