Tag: Otto Preminger

  • 10 Grandes Filmes de Tribunal

    10 Grandes Filmes de Tribunal

    Um quarto de casal. Um ringue de luta. Uma corte de tribunal. O que todos esses espaços guardariam em comum além de serem palcos perfeitos para conflitos de (quase) todo tipo? Entre o certo e o errado, e sob a égide das leis de cada país e sociedade, o Cinema vem acompanhando e traduzindo na ficção justiças e injustiças que brotam das suas histórias, e se articulam nas relações humanas.

    Fúria (Fritz Lang, 1936)

    Anos depois de O Vampiro de Dusseldorf, o deus Fritz Lang (ele merece ser chamado assim) rodou esse Fúria, outro manifesto da injustiça que pode infectar a reputação de um sistema judiciário dependendo do caso, mas com um adendo que faz toda a diferença: A direção de Lang, faraônica, dramática e firme como poucas, resultando numa grande e curta obra tão ciente de todo o seu imenso potencial apresentado.

    A Mocidade de Lincoln (John Ford, 1939)

    Nunca pensei ver Henry Fonda, lenda de Hollywood como Lincoln, e a metamorfose na tela é perfeita, refletindo outros júbilos igualmente maravilhosos do todo. John Ford opta pela exploração da formação de um povo, trilhando assim a formação e o destino de um mito nacional. Vale não só pelas cenas na corte, mas vai muito além disso. Filmaço.

    Testemunha de Acusação (Billy Wilder, 1957)

    Billy Wilder adaptando Agatha Christie. Previsível seria afirmar o quanto Wilder era versátil em absolutamente tudo o que produziu, em todos os gêneros, e sob todos os propósitos. Aqui, podemos ver os mais clássicos arquétipos de tribunal acerca do poder de um veterano criminalista que nunca perde um caso, e de todas as reviravoltas que podem habitar o decorrer de uma sentença. Orgulhosamente cinematográfico, conta com um dos melhores finais, diálogos e atuações de um filme da sua gloriosa época.

    12 Homens e uma Sentença (Sidney Lumet, 1957)

    Quando foi preciso uma dúzia de homens trancados numa sala para decidir a culpa ou a inocência de um homem, eis então o palco já citado nesse artigo para o cineasta Sidney Lumet entregar uma das mais poderosas narrativas investigativas da história do Cinema em geral. Obra-prima absoluta e atemporal.

    Anatomia de um Crime (Otto Preminger, 1959)

    Se Lumet aceitou o cenário reduzido para encapsular todo o drama e o suspense que rondam uma acusação incerta, aqui o mestre Otto Preminger extrapola por vezes o espaço reduzido, ampliando assim com majestade o escopo de uma história adaptada de grandes desconfianças morais, tensão jurídica, ciúme e assassinato. Filmão maior que a vida, incorrigível e provavelmente o clássico maior do seu cineasta.

    O Caso dos Irmãos Naves (Luiz Sérgio Person, 1967)

    Cena do filme O Caso dos Irmãos Naves

    Eis um filme que nos faz visualizar, nitidamente, o enorme abismo cego que existe, no Brasil, entre réu e os juízes super poderosos desse país. No estado mineiro, ao denunciarem um crime, os irmãos Naves são tidos como autor do mesmo, torturados por algo que insistem não ter cometido, sendo que quinze anos depois, a vítima reaparece, chocando a todos. A injustiça vai aos tribunais, e lá faz morada, intimidando os humildes denunciados por um sistema sedento por culpados de qualquer forma.

    O Bravo Guerreiro (Gustavo Dahl, 1968)

    Um dos grandes monumentos do Cinema Novo de Glauber Rocha, e cia., O Bravo Guerreiro é quando a embriaguez do sucesso acontece no âmbito político. Personagens divididas em um forte existencialismo social cultivado em um quebra-cabeça perfeitamente bem estruturado, numa excelente direção de atores. Mais uma ótima produção brasileira subestimada pelo povo que despreza a própria cultura.

    Close-up (Abbas Kiarostami, 1990)

    Se a verdade e a mentira duelam numa corte, para Abbas Kiarostami, nosso finado mestre iraniano, não há desculpa maior e melhor para emaranhar realidade e ficção num julgamento sobre tentativa de fraude de identidade. Mesclando um julgamento real, com a encenação de um crime, Kiarostami nos deixou Close-Up como sendo um dos grandes filmes da década de 90.

    O Leitor (Stephen Daldry, 2008)

    O Oscar o fez vilão em 2009, preferindo indicar O Leitor a Melhor Filme ao invés de O Cavaleiro das Trevas e Walle. Quase dez anos depois da polêmica, sobraram duas coisas deste drama de época sobre afiliações nazistas: A atuação soberba de Kate Winslet, e as tensas cenas impactantes de tribunal, onde a atriz desnuda todo seu enorme talento e entrega uma das grandes performances da década passada.

    O.J.: Made in America (Ezra Edelman, 2016)

    Orenthal James Simpson matou a ex-esposa em 1994. Disso, desdobra-se um mural de temas ao redor da figura do esportista, suas motivações de vida, a fama, o racismo, a justiça que o julga, o próprio sentido de sonho americano, etc., etc., etc… Temos aqui uma verdadeira guerra jurídica registrada sem dó, nem piedade, numa maratona biográfica de épicos e inesquecíveis 467 minutos de duração. Livre de qualquer espetacularização gratuita, O.J. é O clássico moderno dos documentários e dificilmente será superado, nos próximos anos.

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  • 10 Grandes Musicais da Era de Ouro de Hollywood

    10 Grandes Musicais da Era de Ouro de Hollywood

    Da revolução técnica de O Cantor de Jazz, ao moralismo cínico mas muito popular de La La Land (o filme mais premiado da história do Globo de Ouro), talvez o gênero da aventura rivalize com o musical a simbolizar os valores que Hollywood tanto se esforça desde o primeiro estúdio do fatídico MGM para passar ao mundo: Escapismo, entretenimento, diversão, diversidade… Entre os anos de 1920 e 1960, nenhuma era na indústria do cinema americano reuniu tantos sucessos: A era de ouro. A seguir, separamos uma dezena de exemplos cheios de uma vivacidade irresistível.

    O Cantor de Jazz (Alan Crosland, 1927)

    O Cantor de Jazz é o representante perfeito para atestar a importância dos musicais para a história do Cinema mundial. A revolução sonora que o filme provocou ainda reverbera feito marolas na técnica empregada num sem-número de obras, de lá pra cá. Mais que um mero expoente revolucionário, é de uma beleza lírica e de uma suavidade narrativa totalmente fora de moda hoje em dia. Um fóssil cinematográfico indispensável, e preso no seu próprio tempo.

    Melodia da Broadway (Harry Beaumont, 1929)

    O primeiro musical da MGM, prestes a completar 90 anos, é muito mais do que um marco, dois anos após o triunfo sonoro do Cinema em O Cantor de Jazz. Melodia da Broadway é o avanço do espetáculo hollywoodiano equilibrando, numa alegoria de romance e muita graça impressa em quadros estáticos e pompa típica dos anos 20, imagens e sons verdadeiramente vibrantes.

    O Mágico de Oz (Victor Fleming, 1939)

    Um desses contos imortais que registram tudo de fantástico de uma época, quando a magia era necessária após a primeira grande guerra, feito antídoto as agruras de uma realidade violenta. Talvez O Mágico de Oz, sobre a aventura da pequena Dorothy, seu Totó e amigos contra a bruxa do oeste seja o filme mais poderoso (e encantador) a atingir o alvo da nossa imaginação.

    Fantasia (James Algar, Samuel Armstrong, Ford Beebe Jr., Norman Ferguson, David Hand, Jim Handley, T. Hee, Wilfred Jackson, Hamilton Luske, Bill Roberts, Paul Satterfield, Ben Sharpsteen, 1940)

    Nunca mais houve um musical na Disney igual Fantasia. Não houve, e talvez não haverá a ousadia histriônica de explorar as possibilidades da animação 2D, na época uma revolução sem igual na arte do espetáculo, através da ótica de composições eruditas clássicas e de energia irrefreável, muitas vezes alucinógena e delirante. Uma viagem do céu ao inferno com Mickey, sua vassoura encantada e o cenário inteiro obedecendo apenas ao ritmo imprevisível das músicas. Mágico e perturbador.

    Sinfonia de Paris (Vincente Minnelli, 1951)

    A grande cena, entre tantas outras de apoteose acachapante, do artista (Gene Kelly) se aplaudindo é heartbreaking num nível pouquíssimas vezes concebível em outros musicais, historicamente falado, e o tempo prova esses momentos como absolutamente atemporais. Um sábio uso de efeitos visuais práticos e truques de edição, todos inesquecivelmente mágicos.

    Cantando na Chuva (Stanley Donen e Gene Kelly, 1952)

    É Teatro e Cinema numa simbiose insuperável, nos tornando reféns de tamanha hipnose. Poucas vezes um filme de estúdio foi tão bem sucedido por ser um filme de estúdio. Um dos grandes entretenimentos que Hollywood já produziu em qualquer gênero da sua história centenária.

    A Roda da Fortuna (Vincente Minnelli, 1953)

    Por mais bem intencionados que foram os irmãos Coen com a refilmagem de 1994 (leia nossa crítica), o filme com Tim Robbins não chega nem perto da genialidade desse verdadeiro épico de Vincente Minnelli, um dos maiores nomes dessa colorida e descompromissada Era de Ouro. Visionário, A Roda da Fortuna pode ser facilmente o símbolo dessa era, revitalizando muito do que já tinha acontecido e apontando para um futuro abarrotado de possibilidades artísticas.

    Carmen Jones (Otto Preminger, 1954)

    Antes dos musicais ficarem cada vez mais, e mais realistas, e afirmarem entre canções e coreografias que não é possível ser feliz na América se você não for branco(a), um tal de Otto Preminger pegou uma ópera e transformou em festa a identidade negra, encapsulada em cinemascope, grandes músicas, atuações e uma glorificação tão própria que até hoje não ganhou concorrente. Carmen Jones é muito mais que pura festa.

    Minha Bela Dama (George Cukor, 1964)

    Logo após o impacto sociocultural de Amor, Sublime Amor, Hollywood refez a cartilha romantizada de um gênero através do classicismo de Minha Bela Dama, com um elenco ímpar e grande inteligência, ao invés de Mary Poppins, este limitado aos vícios que se espera de uma realidade esquizofrênica em que todos dançam no compasso duma infantilidade quase ofensiva.

    A Noviça Rebelde (Robert Wise, 1965)

    O delírio (sustentável apenas pela música) do american life style do recente pós-segunda guerra, em doce movimento, contextos familiares, resgate da magia e canções – essas, sim, mais que deliciosas. A cena da montanha resume toda a graça que pode conter um musical. Se já é difícil ficar indiferente a doçura de A Fantástica Fábrica de Chocolate (desculpe o trocadilho), quanto mais à Noviça Rebelde, e tudo que podemos extrair dele. Que nunca ganhe uma refilmagem.

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  • 10 Filmes com Temáticas Feministas (Pouco Lembrados)

    10 Filmes com Temáticas Feministas (Pouco Lembrados)

    Neste 8 de Março, confira nossa lista de longas com dramas políticos, cinema marginal, lutas contra o preconceito, histórias reais e comédias escapistas.

    Nesta quinta-feira é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Três anos atrás, algumas participantes do Vortex Cultural relembraram a importância deste dia de luta e listaram 10 filmes cujas personagens femininas tinham um traço marcante e alguma discussão sobre o gênero. Em 2018, a seleção é um pouco de resgate de alguns filmes pouco lembrados, mas ainda assim que mostram a importância do feminismo. Fight like a girl!

    (confira também nossa lista de Filmes com Personagens Femininas Marcantes).

    Possuída (Clarence Brown, 1931)

    10 anos antes da histórica independência feminina da protagonista mulher de Rosalind Russell, em Jejum de Amor, Possuída já profetizava a igualdade entre os sexos em plena década de trinta, tão à frente do seu tempo, mesmo que numa concepção estética em partes ultrapassada.

    A Mulher do Dia (George Stevens, 1942)

    Uma guerra dos sexos banhada pela comédia, pelo olhar leve do entretenimento ainda que ácido e satírico de George Stevens, mas o certo aqui é uma coisa só: Depois da presença da jornalista Tess (Katharine Hepburn, fantástica) no cinema americano, o papel das protagonistas femininas nos grandes, pequenos e médios filmes dos estúdios de Hollywood nunca mais foi o mesmo, abandonando a partir de A Mulher do Dia e outros filmes tão importantes quanto inúmeros arquétipos e conveniências que as plateias tanto se acostumaram a tomar como verdade singular, em meio às temáticas das mídias que influenciam essa tal de opinião pública.

    Joana D’Arc (Victor Fleming, 1948)

    Aqui, Ingrid Bergman se faz como o símbolo da liberdade, Joana D’Arc, encapsulando com garra, em suas diversas e poderosas significações dentro do filme, o quanto o símbolo feminino pode ser versátil nas situações compelidas a ele, equilibrando toda a sensibilidade (a flor da pele) de uma pecadora submetida a sua crença, com a força (tão infalível quanto suas estratégias militares) de uma lutadora medieval para alcançar a custosa liberdade francesa contra os ingleses, numa época que ler ou escrever não eram de forma alguma exigências às mulheres – Joana era de fato analfabeta, encontrando na ultra expressiva Bergman uma intérprete ideal.

    Mônica e o Desejo (Ingmar Bergman, 1953)

    A feminilidade jovial e naturalista (e muito mais consequente que muitos críticos acreditam) mostrada por Ingmar Bergman numa das suas maiores polêmicas, sendo essa talvez digna do pódio. Isso porque, nos anos 50, essa liberdade com a figura feminina de uma Lolita foi um escândalo.

    Carmem Jones (Otto Preminger, 1954)

    Antes de Amor, Sublime Amor afirmar (e com toda razão, como a história vem provando) que não é possível ser feliz na América se você não for branco(a), o mestre Otto Preminger pegou uma ópera e transformou (guiado pela imagem de Dorothy Dandridge, a primeira mulher afrodescendente a ganhar o Oscar de Melhor Atriz, se a premiação fosse justa) em celebração simbólica parte da identidade e da realidade negra numa América racista e machista, tudo num cinemascope lindíssimo e contando com grandes músicas, atuações e uma glorificação própria.

    Mamma Roma (Pier Paolo Pasolini, 1962)

    Uma das mais impactantes e profundas odes a mulher na história dos filmes, refletindo na história de uma mãe, a força primordial do feminino, diante de um mundo duro e conflituoso. Acima de tudo, é arte pois é cinema, é de qualidade pois é Pier Paolo Pasolini, mas é vida, pois é materno.

    A Mulher de Todos (Rogério Sganzerla, 1969)

    Primeiro que Rogério Sganzerla não fazia filmes, era esteta de manifestos filmados com uma câmera em cima do ombro através de suas vertigens criadoras que tanto inspirou o cinema brasileiro, antes de ser gourmetizado pelo marketing internacionalista dos anos 2000 pós-Cidade de Deus. Em A Mulher de Todos, nota-se o quanto o cinema marginal era absolutamente incontrolável na sua concepção incômoda às diretrizes eurocêntricas da produção cultural brasileira considerada até hoje como de bom-gosto; um bicho arredio sem rédeas e encarnado aqui pela icônica atriz Helena Ignez, e depois de proferido seu nome, não há mais nada a dizer.

    A Princesa Mononoke (Hayao Miyazaki, 1997)

    Mais uma aula honesta e soberba de cinema por Hayao Miyazaki, indo muito além dos gêneros. É incrível como seus épicos propriamente ditos parecem todos saídos do mundo de “Sonhos”, de Akira Kurosawa. É de fantástica trilha sonora e personagens vivendo esse impiedoso mundo de ação.

    A Vida, Acima de Tudo (Oliver Schmitz, 2010)

    Como a África enxerga o elemento feminino, e como sobreviver ao longo de uma narrativa invariavelmente dramática numa zona que subestima e inviabiliza sua figura o tempo todo sob as égides de um machismo intrincado, culturalmente. A Vida, Acima de Tudo é sobre isso, sobre tudo isso. Sobre uma garota, um mini-mulherão (negro) tentando apenas salvar as suas raízes.

    She’s Beautiful When She’s Angry (Mary Dore, 2014)

    Documentário feminista que resgata, com cenas de arquivo de força impressionante, uma série de relatos de uma história quase apagada pelo passar das décadas, sobre as inúmeras mulheres que fundaram um movimento social formado, e organizado, em nome dos seus direitos gerais, de 1966 a 1971; sobretudo imparcial ao peso de uma voz política subversiva e coletiva, e às atenções conquistadas, mas também as contradições existentes em todo movimento, é um documento filmado fundamental e inspirador, mesmo nos dias de hoje, para aqueles que acham que feminismo e radicalismo podem ser, apesar de tudo, sempre considerados a mesma coisa.

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  • Crítica | O Homem do Braço de Ouro

    Crítica | O Homem do Braço de Ouro

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    Não é estranha a presença de figuras famosas de fora da sétima arte atuando em filmes de Hollywood. Realizam esses papéis tanto por vontade própria, porque desejam se manter relevantes e talvez demonstrar que são capazes de outros talentos, quanto por desejo do estúdio, que teve a brilhante ideia de alavancar assim a bilheteria de um filme que, de outra forma, não teria a mesma visibilidade. Felizmente existem atuações dignas, às vezes até mesmo melhores que a de muitos atores profissionais, e Frank Sinatra se mostrou um deles.

    Baseado no livro de Nelson Algren, com direção de Otto Preminger (Anatomia de Um Crime, Exodus) e roteiro de Walter Newman e Lewis Meltzer, Frank Sinatra vive Frankie Machine em O Homem do Braço De Ouro. Uma pessoa humilde e melancólica, ainda que otimista. Ex-viciado em heroína que retorna a sua vizinhança recuperado e pronto para colocar em prática seu sonho recém-descoberto na prisão. Sonho esse que é ser (santa metalinguagem) um músico. Tudo isso enquanto procura lidar com velhos amigos, antigas paixões, a esposa cadeirante, dificuldades financeiras e a presente tentação de voltar ao mundo das drogas e do crime.

    O nome do filme se mantém no duplo sentido. Frankie é conhecido como “braço dourado” por ser ótimo como banca em jogos de baralho, assim como no que se revela um talento musical de percursionista. Ao mesmo tempo, é no braço que injeta a heroína que lhe foi apresentada como recompensa e alívio para seus sentimentos de culpa. Há, então, um meio que força o indivíduo a se perder, ainda que tenha retornado aparentemente saudável. O argumento de que a força de vontade não é suficiente quando se combate um ambiente hostil.

    Sinatra demonstra uma visível sensibilidade. Algo além do esperado do playboy festeiro que emerge nas mentes de muitos ao ter seu nome mencionado. Não só ele como diversos outros personagens tem seus momentos, como a antiga paixão Molly (Kim Novak) e esposa Zosh (Eleanor Parker), que simbolizam diversos aspectos do hábitos e traumas de Frankie, assim como os gangsteres e manifestações de deslizes, como Louie (Darren McGavin) e Schwiefka (Robert Strauss). Entretanto, isso não pode ser dito sobre todos os momentos do filme. Há a presença de estereótipos que vão e vem, ainda mais de personagens como Sparrow (Arnold Stang). Há até mesmo acontecimentos que destoam do tom realista que se tenta empregar para uma questão séria como o uso de drogas. Isso acarreta em problemas perceptíveis com o tom, mas são compreensíveis devido à época de lançamento do filme, que pode ser visto como uma obra de liberação e transição entre fases de Hollywood.

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    Antigamente, filmes precisavam de um selo de aprovação para garantia de “boa moral”. Uma reação de grupos conservadores americanos “em nome de Deus e da família” após as liberalidades que ocorreram na década de 1920, como os filmes religiosos de Cecil B. DeMille e, mais tarde, a proteção contra a “ameaça comunista”. O acordo, chamado Código de Hays, proibia, entre outras coisas: nudez, drogas, sexo, miscigenação, palavrões, estupro, violência, armas etc… A lista é longa e não se limita a questões explícitas. A simples menção ou indicação a esses atos já acarretava em proibição, e às vezes multa de 25.000 dólares para o estúdio. O conjunto de regras se instalou na década de 1930, ganhou força na de 1940 e perdeu na de 1950, quando se enfraqueceu devido à competitividade que a televisão apresentava, assim como os filmes estrangeiros (Ingmar Bergman e Vittorio De Sica, por exemplo), mas ainda continuou até a década de 1970.

    Um dos ativos diretores contra as normas era Otto Preminger, que desafiou os censores com diversos filmes, tais como Anatomia de Um Crime (que lida com estupro e sexo), Exodus (que contratou o membro da lista negra Dalton Trumbo) e O Homem do Braço de Ouro. Por isso, os aspectos incoerentes. Por mais realista e cru que Otto quisesse ser, havia limites. Não só fiscais, mas também do próprio conhecimento em lidar com temas tabu, como o cinema americano não tivesse visto antes.

    O Homem do Braço de Ouro então, se mostra à frente do seu tempo com uma abordagem que almeja o mais realista e visceral, ainda que tropece no caminho. Deve ser apreciado não só pelos curiosos trabalhos de atuação de Frank Sinatra, mas pelo filme que se mantém, até hoje, por suas qualidades e valor histórico. Ressalta-se que, se fazem filmes como Amor, Drogas e Nova York no novo século, é porque houve precursores que tornaram possível sua existência. O Homem do Braço de Ouro é um atestado da resistência à censura. Uma resistência em nome da arte e da livre expressão. Para poder tornar os cineastas livres e capazes de dizer que conseguiram fazer do próprio jeito.

    Como cantou Sinatra, mas poderia ser Preminger:

    Os registros mostram
    Que eu recebi as desgraças
    E fiz do meu jeito
    Sim, esse era meu jeito

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.