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  • Crítica | Dossiê Jango

    Crítica | Dossiê Jango

    Dossiê Jango

    Organizado por Paulo Henrique Fontenelle, Dossiê Jango traça o perfil de João Goulart. Iniciando com uma narração poetizada, a obra estabelece o histórico de Jango desde a época em que foi vice-presidente da república, em 1956, com Juscelino Kubistchek no cargo máximo da política nacional. Carlos Lyra, Cacá Diegues, Jair Krischke e outros famosos falam sobre a era dourada pela qual passava o Brasil, tanto política quanto artisticamente, com a ascensão do Cinema Novo. Quando se passa a falar dos eventos pós renuncia de Jânio Quadros em 1961, curiosamente o entusiasmo dos entrevistados é derrubado.

    Segundo o longa, a viagem de Jango para a China foi fundamental para a tomada de poder que ocorreria na disputa que duraria até 1964. Há um destaque quase didático do roteiro em explicar que a excursão era justificável, visto que o país era um mercado interessante de se tratar, tanto em importações quanto em exportações. O longa utiliza um tempo demasiado detalhando a movimentação de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, a fim de defender a volta ao país e subida ao planalto de Goulart, contra o recrudescimento dos militares que se iniciava ali.

    Contra as suposições de que iria implantar um regime comunista – já refutado no filme de Silvio Tendler, Jango – o documentário mostra a coalizão contraditória de Goulart em apresentar, de modo muito pacífico, as reformas estruturais e de base, além de propostas de reforma agrária, a um estilo capitalista, distante da visão socialista moderada ou não.

    O filme não tem receio em associar a interferência dos Estados Unidos, mostrando inclusive ligações do presidente Lyndon Johnson e Sr. George Ball temendo que o Brasil se tornasse uma nova Cuba, com proporções continentais. Da parte de pensadores políticos brasileiros, havia o receio de dividir o país, como se fez no Vietnã e Coreia, factoide pouco explorado em filmes documentais antigos.

    A frase do assessor de Jango, Cláudio Braga de que ‘o exilado é um morto vivo’ resume a melancolia do político, que era aos poucos deposto pela tentativa primeiro de parlamentarismo, bem-sucedida em vias práticas, depois pela tomada de poder militar, mesmo que, segundo o Ibope, as intenções de voto subissem para mais de 78%. A gravidade da situação para Jango pioraria de vez com a execução da Operação Condor e a queda da democracia uruguaia e demais nações do cone sul.

    Dossiê Jango é bem mais pessoal em relação ao biografado do que em Jango, de 1984. O mergulho na intimidade ganha importância pela distância temporal entre filme e acontecimentos. Mesmo o escritor Carlos Heitor Cony destaca que a perseguição a Goulart era só mais um eco do auge da Guerra Fria.

    O longa dá vazão a uma teoria da conspiração, logo após tratar sobre o falecimento de Jango, discorrendo sobre a morte quase seguida de Carlos Lacerda, Juscelino e do próprio personagem-título, unindo a tentativa de envenenamento de Brizola no Uruguai, o que justificaria o caráter de dossiê presente no nome oficial do filme, mostrando que um dos motivos do filme foi fortalecer a hipótese e tese de que havia uma mini chacina dos políticos influentes brasileiros, teoricamente capazes de destituir os militares do poder.

    A contestação à palavra dos historiadores ocorre especialmente por parte de seu filho, João Vicente Goulart, que destaca que são estes mesmos estudiosos que defendem a manutenção da anistia. Gasta-se um tempo demasiado, na teoria do amigo uruguaio de Goulart, Foch Diaz, que teria procurado a família do mesmo e que foi ignorado. A partir daí, um relatório seria aprovado e assinado pelo parlamentar Miro Teixeira, que associa o nome do presidente a uma lista de assassináveis, ainda que não confirme que o óbito veio por esses meios.

    A animação, vista no final do filme de Fontenelle, passeia por corredores mal iluminados, repletos de arquivos enferrujados, trancados e lotados de segredos estatais, intactos graças à decisão de não serem violados de modo algum. Dossiê Jango não expõe verdades absolutas, mas serve muito bem ao intuito de gerar discussão e expor conjecturas normalmente ignoradas tanto pelo oligopólio midiático da época, quanto pelos membros atuais da imprensa, que tendem sempre a desmerecer os argumentos a respeito dos contestáveis laudos da morte de Jango.

  • Crítica | Cássia Eller

    Crítica | Cássia Eller

    Com uma breve e elogiada carreira na direção por conta de Loki – Arnaldo Baptista e Dossiê Jango, Paulo Henrique Fontenelle lança novo documentário musical focado em Cássia Eller, uma das grandes vozes do país e cuja carreira terminou precocemente no ápice de seu talento.

    Nos últimos anos, a música brasileira e o gênero dos documentários têm resultado em grandes parcerias narrativas, dando luz a muitas histórias de diversos músicos que, em uma adaptação cinematográfica, talvez não teriam o mesmo apelo ou força do que com este tipo de narrativa. Mesmo o documentário mais tradicional, com depoimentos em ordem cronológica, consegue ser capaz de produzir um bom resumo histórico do biografado e, normalmente, como envolve também alta carga emocional, provoca empatia no público.

    A composição de Cássia Eller se assemelha ao perfil da cantora e foge de um padrão comum de depoimentos e da composição historiográfica natural. O grande desafio de trabalhar uma obra de não-ficção é definir como apresentar uma história já estabelecida por uma trajetória. Dessa forma, Fontenelle compõe em sua montagem uma narrativa própria, selecionando depoimentos em momentos adequados para apresentar a carreira de Eller, além do apoio historiográfico, promovendo um estilo particular. Rearranjando a trajetória da intérprete através do resgate de imagens antigas e depoimentos pontuais, a obra tem o auxílio de uma animação utilizando fotografias produzida por efeitos computadorizados (um recurso que tem sido explorado por diversos documentaristas do país).

    Tímida em sua vida cotidiana, devastadora no palco. A dubiedade de Cássia é um dos grandes assuntos a serem desvendados por esta história. Amigos, familiares e compositores se unem pelas lembranças para entregar relatos carregados de alma e de amor pela carismática cantora que, desde cedo, demostrou desenvoltura vocal e foi amadurecendo com o tempo, realizando interpretações variadas em tons doces, como em O Segundo Sol, um de seus maiores sucessos, e agressivas como em Infernal, ambas do compositor e amigo Nando Reis.

    Como biografia de uma cantora que já saiu de cena, o final se carrega de momentos tristes entre a despedida natural e, muitas vezes, a derrocada artística. Os amigos da intérprete não hesitam ao expor sua fragilidade em relação a fama e a exposição, principalmente após o grande sucesso de seu Acústico MTV, responsável por uma vasta turnê pelo país. Um álbum que revela o auge musical no qual Cássia vivia, saindo de cena no topo de sua criatividade com um inspirado último projeto. Rockeira como era uma das facetas de Eller, sua trajetória de fim inesperado se reflete na repetida e ainda significativa frase de Neil Young, It’s better burn out, then fade away (é melhor se queimar do que desaparecer aos poucos).

    Reacendendo a figura da cantora, Paulo Henrique Fontenelle produz um belo documentário sobre esta cantora de habilidade vocal e talento ímpar que, mesmo fora de cena, possui uma excelente discografia. Um legado musical que permanecerá para sempre na música brasileira.

    Compre: DVD | Blu Ray