Tag: robert pattinson

  • Crítica | O Diabo de Cada Dia

    Crítica | O Diabo de Cada Dia

    Assinada pelo meio brasileiro meio  estadunidense Antonio Campos, a nova produção da Netflix chega sem muito alarde em sua divulgação, apostando no elenco estrelado por Robert Pattinson, Tom Holland, Bill Skarsgard, Sebastian Stan, além de Jake Gyllenhaal como produtor executivo. Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollack, que ainda atua como narrador no filme, O Diabo de Cada Dia é um thriller envolvendo uma série de tragédias que se conecta com a família Russel através de duas gerações, a partir do fim da primeira guerra mundial. 

    Inicialmente, o filme apresenta o personagem Willard (Skarsgard) e seu confronto com a fé após presenciar um soldado morto e crucificado na guerra, momento que faz questionar a existência de Deus e sua bondade, cortando então a relação com o Criador. Essa decisão persegue até a criação de uma família com Charlotte (Haley Bennett) e seu filho, Arkin (Holland). Temendo algo de negativo, Willard retoma seu laço com Deus e transforma sua negação religiosa em obsessão, realizando de forma violenta uma espécie de “pregação” em Arkin, principalmente após a descoberta de um câncer terminal em Charlotte. O núcleo entre a relação de Willard e Arkin se concentra em boa parte do filme e dialoga diretamente com os personagens das subtramas que permeiam o jovem interpretado por Holland. As consequências causadas pelo comportamento e suicídio de Willard criam um Arkin internamente conflituoso, entre rejeição e aceitação, mas aparentemente o único personagem com senso moral para enfrentar uma pequena jornada na perversa região de Ohio nos Estados Unidos.

    A relação com a fé mostrada na apresentação da família Russel é ponto chave da trama, que de forma paralela introduz alguns personagens que futuramente irão cruzar o caminho de Arkin. É a partir dessas histórias que o filme constrói uma genérica crítica à religião e aos atos imorais justificados pela vontade de Deus, com estereótipos já conhecidos como o pastor pilantra que suborna os fiéis com sua devoção e outro com sérios problemas psicológicos que acredita ser um enviado do Criador, um policial corrupto e até mesmo um casal de serial killers presentes na cidade. Situados num mesmo recorte temporal, esses personagens não possuem desenvolvimento na trama, o que é mostrado são apenas as trágicas consequências de suas escolhas, que por ordem do universo colidem com Arkin num rápido intervalo de tempo, trazendo uma sucessão de confrontos que colocam sua vida em jogo. 

    A casualidade no roteiro no momento de conectar  essas subtramas ao retorno de Arkin à cidade natal diminui a relevância do diálogo do filme com sua temática, transformando sequências de assassinato com o casal assassino ou a morte do cachorro em banais, expositivas em tela e vazias no discurso, funcionando apenas como choque visual. O filme que aparentava apenas se preocupar em mostrar momentos que despertam repulsa no público conclui-se nos duelos, que nesse momento já beiram o cômico dado ao desastre dos irmãos Sandy (Riley Keough) e Lee (Stan), indo contra o tom criado na primeira metade, mudando de um gótico thriller “caipira” para uma comédia de tragédias, claramente inspirada em Fargo dos Irmãos Coen, da mesma forma para sua estrutura narrativa.

    Fechando o arco dramático de Arkin com seu pai, O Diabo de Cada Dia transforma Holland num anti-herói do interior, que enfrenta as piores tragédias de forma tão genérica que nos faz pensar se ele não é apenas um amaldiçoado por Deus apenas para testar os limites do que um ser humano pode sofrer durante sua vida na terra.

    Texto de autoria de Mattheus Henx.

  • Crítica | O Rei

    Crítica | O Rei

    David Michôd é um diretor de potencial grande, alguns anos atrás faz Rover: A Caçada e Reino Animal, e mais recentemente, fez um outro filme em parceria com a Netflix, Máquina de Guerra, uma comédia bélica de qualidade discutível. Finalmente chega ao streaming  sua nova produção, O Rei, que conta a historia da transição da coroa para o rei Henrique V.

    A gênese do filme mostra Hal, personagem de Timothée Chalamet, um jovem indolente que vê com maus olhos o fato de a coroa restar para si, uma vez que sua fama de promíscuo é bem justificada, já que ele gosta mesmo de curtir a vida ao invés de trabalhar para a coroa. O roteiro demonstra uma problemática relação com a geração anterior, onde o filho vive brigando com seu pai, Henrique IV, interpretado por Ben Mendelsohn, e nem a doença do seu progenitor o amolece, ou o faz ter apreço pelo trono.

    De maneira lenta e gradual a  trama se mostra cheia  de ardis e armadilhas. As batalhas campais são inclementes e há um belo trabalho para tornar  todos as justas no mais real possível. A reconstrução de cenários, figurinos e atmosfera da época é muito bem encaixada. Todo o visual favorece o drama e o caráter épico dos embates.

    A inconsequência dos jovens cobra seu preço, esbarra na completa falta de noção dos moços em entrar em lutas desnecessários, onde nada além da vaidade justifica o fato delas ocorrerem. As disputas são acompanhadas de bravatas de guerra e discussões entre os reais e os subalternos, mostrando o quão conturbadas são as relações, e o quanto Hal não é visto como o monarca ideal até por seus soldados.

    Michôd traz a luz um filme que destaca a morosidade dos combates desse século, sendo bastante o oposto do épico que normalmente se vê nas aventuras próximas da época da Era Medieval, que dirá as fantasias típicas. Não há nada ali próximo dos produtos comerciais como Coração Valente, Excalibur, a trilogia Senhor dos Anéis ou Gladiador, exceção é claro pelo elenco estelar, composto por Robert Pattinson, Joel Edgerton, Sean Harris, Tom Fisher Mendehlson, que estão para basicamente servir de escada para Chalamet. A maioria das performances são discretas, quase apagadas, mas em momento nenhum são desimportantes, há espaço para cada um expressar sua arte ao seu modo, com nuances e chances de parecerem insanos, entediados ou com qualquer outro estado de espírito possível.

    Ao menos nas mortes de pessoas indefesas, o filme não se acovarda. Os golpes em crianças são secos, as cenas viscerais, causam impacto exatamente por parecerem de verdade, e não algo romantizado. Não há espaço na obra para misericórdia ou para relevar os horrores entre os povos ingleses e franceses. Próximo da meia hora final o longa se torna apoteótico, especialmente considerando que esta é uma obra que busca primar pelo realismo, ainda que não abra mão do gore. O Rei é um filme que dá muitas chances ao seu protagonista de brilhar, e que não trata o espectador como bobo, mesmo quando perde em ritmo há recompensas, com confrontos diretos, violentos e sujos, como de fato eram na época em que foram travados.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | A Infância de Um Líder

    Crítica | A Infância de Um Líder

    Em 2015 foi lançado nos cinemas um filme de temática bem curiosa. O desenrolar da historia começa com cenas de arquivo, do cinema mudo, onde as pessoas estão alegremente se despedindo de alguém, com uma trilha sonora frenética, cuja música incidental causa uma certa  angústia. O ponto de partida de  A Infância de Um Líder é a viagem de uma família dos Estados Unidos que vai até a Europa, na França, para assinar o Tratado de Versalhes, mas eles, em especial o menino Prescott –aliás, o único membro da família que possui um nome – interpretado por Tom Sweet, acabam presenciando uma estranha gênese de ideologia.

    O modo como a história se desenrola é a principio bem inocente, com a ambientação da família a esse novo lar. Logo, uma conversa séria sobre intolerância é travada entre Charles (Robert Pattinson) e o Pai  (Liam Cunningham), em que um deles defende até segregação racial e isso ocorre quando eles simplesmente jogam sinuca e bebem na casa de um deles. Ali já se estabelece que uma atmosfera estranha ronda o menino que protagoniza o drama, pois as conversas dos adultos apresentam argumentos que a priori não deveriam estar entre os diplomatas que assinarão um tratado tão importante para humanidade, principalmente por conta do ponto de vista civilizatório.

    O histórico de Brady Corbet é de ator. Já havia trabalhado com Olivier Assayas (Acima das Nuvens) com Lars Von Trier (Melancolia) entre outros diretores. Sua experiência com grandes cineastas claramente o auxilia na construção da tensão assim como na condução dos atores, que conseguem embalar o espectador dentro dessa aura de estranhamento e desconforto que é presente no roteiro de Corbet e Mona Fastvold. Nenhuma pessoa que fica na frente da câmera parece estar plena de suas faculdades mentais e sentimentos, é como se uma maldição pairasse sobre aquela casa.

    Prescott é um menino peculiar. Ao mesmo tempo que tem uma aparência angelical e quase feminina, ele é incapaz de proferir qualquer palavra. A maior parte dos momentos o garoto se comunica por gestos ou por olhares, alguns deles bem lascivos, bem pequeno ele já olha para sua cuidadora (chamada de The Teachar) interpretada por Stacy Martin como se fosse um mero objeto, devorando-a com os olhos, imaginando como ela ficaria por baixo das comportadas vestes que usa. Ele a vê com ciúmes quando a funcionária conversa com seu pai e essa é somente uma das demonstrações de como seu comportamento é diferente de uma criança comum.

    Corbet não se preocupa em falar do ponto de vista histórico, seu mergulho é psicológico, é na construção mental do passado de um sujeito que fez parte evidentemente de uma parcela significativa da historia do homem sobre a Terra mostrando que já no início da vida havia algo ali, uma insensibilidade digna dos personagens de filmes de terror. Há um texto bem legal sobre o filme, de uma entrevista/analise presente no site Pontos de Vistas, e a comparação que o autor faz de Prescott com Mike Myers do clássico Halloween de John Carpenter é acertada, embora também se notem semelhanças com o personagem do anti cristo Damian, de A Profecia. Paralelos de líderes fascistas com  o Anti-Cristo são comuns e não é à toa.

    Há um plano sequencia, onde a criança tenta se aproximar de uma conversa que seu pai tem como notáveis, em sua casa, a respeito evidentemente do tratado a ser assinado que evidencia algo um pouco perturbador. Seu progenitor pede que Prescott saia dali, pois era uma reunião formal ali, e não poderia ser interrompida por uma criança. A negação de um desejo foi acompanhada da câmera, que o leva até seu quarto, mas esse ato de rebeldia teria uma segunda parte, com o menino andando nu, vestido apenas de um casaco que não esconde suas partes intimas pelos corredores da casa, fato que faz o chefe da família se irar, com a atitude rebelde do menino. A atitude dele pode até ter sido inconsciente, mas claramente não é em vão, e mira um protesto informal a um movimento político que mira a igualdade entre povos, um marco para a época.

    Os momentos finais do filme mostram o menino agindo como um ser incapaz de ouvir os outros e de viver em sociedade minimamente. Nesse caso a autoridade dos pais é desafiada, mais poderia facilmente ser qualquer outro espectro da inteiração social comum ao homem. Ele se torna indócil, irascível, esperneia e não adere a qualquer normal comum a todos, e sua resposta a esse tipo de questionamento é a violência contra quem lhe é querido, cometendo inclusive um atentado contra a personagem de Berenice Bejo, que faz sua mãe. O numero mimado que o garoto faz ganha tons dramáticos e uma música forte, em clima de ópera, que vai crescendo até o final apoteótico, com direito até a um epílogo, que mostra o líder já adulto, sendo saudado pelas forças militares e pelo povo, que abraçava o autoritarismo, de maneira cega e sem maiores julgamentos, tal qual os empregados que tratavam o menino sem impor limites, rédeas ou ordens. Segundo A Infância de Um Líder, a historia é cíclica, tende a se repetir, e o desfecho deste é bem semelhante ao seu início.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.
  • Crítica | Bom Comportamento

    Crítica | Bom Comportamento

    O drama de desajustados Bom Comportamento é o novo longa metragem dos irmãos Benny e Josh Safdie. Os condutores de Amor, Drogas e Nova York trazem um filme que envolve temas polêmicos, relacionando família, roubo e depredação do bem particular e outras tantas questões espinhosas.

    Na trama, acompanhamos a história dos irmãos Connie (Robert Pattinson), um sujeito trambiqueiro que já tem passagens anteriores pela polícia, e Nick (Benny Safdie), um jovem com condições especiais. A primeira cena já demonstra qual a tônica da relação dos dois, com Connie tirando Nick de um teste psicotécnico, por acreditar que aquilo possa prejudicar o bem estar de seu irmão.

    Connie executa um assalto a banco, ainda que não exista nenhuma cena que explicite como se deu esse planejamento. A dupla de parentes utilizam máscaras para encobrir as verdadeiras identidades e se comunicam por meio de recados de papel com a caixa da agência financeira. Não há sequer um sussurro, quanto mais tiros.

    Essa falta de planejamento pode ser uma simples escolha narrativa, obviamente, mas também há a possibilidade dessa ser a primeira mostra do quão fracassada é a mente e o método do protagonista em planejar as ações que toma para sua vida e para a vida do irmão. A ganância e avidez por conseguir mais dinheiro para si e sua companheira, Corey (Jennifer Lason Leigh), o faz falhar no roubo e após uma perseguição frenética. O destino de Nick é ser capturado, graças a um descuido na tentativa de fuga. O dinheiro roubado passa a ser utilizado como uma tentativa de se pagar a fiança do irmão.

    Nesse meio tempo, todo o cenário social dos Nikas é mostrada em detalhes sórdidos, seja na reunião familiar ou nas condições precárias em que a família se encontra. Em meio a incertezas sobre a liberdade de seu irmão e a culpa que o corrói, há uma nova ação de Connie, a fim de tentar salva-lo no hospital onde se recupera. Mais uma vez ocorre um equívoco e ele se vê com uma nova gama de problemas para resolver e esse importe de erros resulta na demonstração clara de que essa história é sobre um ciclo de fracassos de pessoas desafortunadas.

    A cadeia de eventos drásticos que ocorrem nos pouco mais de cem minutos se torna uma odisseia tragicômica. O ritmo absurdamente bem empregado pelos diretores Safdie transforma os momentos mais surreais em verossímeis. A performance do elenco é mais do que acertada, sobretudo Pattinson, que consegue transparecer e transpirar todo o desespero do dia de cão que vivencia, fazendo desse Bom Comportamento um episódio grave e forte na vida de um sujeito desafortunado e à margem da sociedade.

    https://www.youtube.com/watch?v=4UQYwPHXOUk

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Z: A Cidade Perdida

    Crítica | Z: A Cidade Perdida

    z-cidade-perdida

    Baseado no livro homônimo do repórter da New Yorker, David Grann, com roteiro e direção de James Gray, Z: A Cidade Perdida conta a história de Percy Harrison Fawcett (Charlie Hunnam) – explorador britânico que, em 1925, prometendo fazer uma das mais importantes descobertas arqueológicas da história, desapareceu em uma expedição à Amazônia cujo objetivo era encontrar uma antiga civilização. Sabe-se hoje que a suposta localização dessa civilização, para onde se dirigiu Fawcett, é na Serra do Roncador, em Barra do Garças, no estado do Mato Grosso, Brasil.

    Considerado um dos maiores mistérios do período das grandes expedições do início do século XX, o destino de Fawcett tornou-se uma obsessão para centenas de viajantes que o seguiram pela selva impenetrável. Inclusive Grann que, durante sua pesquisa para o livro, embrenhou-se na mata para, entre outras coisas, tentar resolver esse mistério e entender a pulsão obsessiva do explorador em relação à existência dessa civilização perdida e sua cidade.

    Fawcett começou a explorar a Amazônia em 1906, numa missão de mapeamento do interior da mata e delimitação de fronteiras em Brasil e Bolívia, organizada pela Royal Geographical Society. Explorou a Amazônia quase pelas duas décadas seguintes, em mais sete expedições. Retornou a Inglaterra para servir ao exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial, mas logo após o fim da guerra retornou ao Brasil para estudar a fauna e arqueologia local. Durante todo esse tempo, começou a juntar evidências que o levaram a acreditar que havia existido uma civilização muito antiga na selva. Depois de anos juntando evidências e obcecado por encontrar tal lugar, que ele batizou de Cidade de Z,  e embarcou no que seria sua última expedição, em 1925. Levou consigo apenas duas pessoas: seu filho mais velho, Jack (Tom Holland), então com 21 anos, e o melhor amigo de Jack, Raleigh Rimell.

    É compreensível que entre a história real e o filme existam algumas diferenças. Por exemplo, no filme, Fawcett fez apenas 3 expedições à Amazônia e apenas Jack o acompanhou na expedição de 1925. Não haveria tempo hábil para mostrar suas expedições todas, assim como ficaria forçada a introdução de um personagem de última hora, Rimell, apenas para manter a fidelidade histórica. Mas há algo em que o roteiro falha fragorosamente: transpor a obsessão de Fawcett para a tela. E não é falha na interpretação de Hunnam. Simplesmente não há indícios no roteiro de que sua vida girava em torno da busca obsessiva por Z. No máximo, ele parece um explorador insistente ou talvez apenas teimoso, mas não obsessivo. Algo que corrobora isso é o fato de que, no filme, quem o “convence” a organizar essa última expedição é Jack, enquanto que, na realidade o explorador continuava querendo confirmar sua tese e é ele quem convida Jack e Rimell para acompanhá-lo.

    Mesmo para quem não leu o livro, baseando-se na sinopse, espera-se que seja algo aventuresco. Não necessariamente repleto de ação, mas com dinamismo, intensidade (característica sempre citada em descrições de Fawcett). Também não precisaria ser um Indiana Jones – mesmo que o arqueólogo tenha servido de inspiração para o personagem famoso – mas era de se esperar que fosse menos morno e insosso. Afinal, embrenhar-se na selva com os parcos recursos e conhecimentos da época era, com certeza, uma aventura.

    Em certo ponto da primeira expedição, tem-se a impressão de que talvez o roteiro seguiria por um caminho semelhante a Apocalipse Now ou mesmo Fitzcarraldo. Mas foi apenas mais um palpite que não se concretizou. O ritmo da narrativo segue lento do início ao fim. E, mesmo momentos que poderiam prender o espectador se desenrolam de forma previsível e desinteressante.

    Em algumas cenas, parece que Nina Fawcett (Sienna Miller), esposa de Fawcett, e os filhos irão forçá-lo
    a escolher entre a família e sua obsessão, confrontando-o duramente, questionando-o sobre seu papel. Porém é apenas uma ameaça. Há todo esse pano de fundo em sua vida que poderia ser melhor explorado num filme de 140 minutos e que permanece apenas insinuado.

    A fotografia é boa, mesmo não conseguindo criar no público a sensação claustrofóbica de estar confinado na mata fechada. Figurino bastante competente e maquiagem OK, apesar de não envelhecer Hunnam o suficiente na última parte do filme.

    Z: A Cidade Perdida é um filme longo que, se não cativa pela aventura, é um bom retrato de um dos últimos exploradores solitários do século passado e certamente desperta nos que se interessam pelo assunto o desejo de ler o livro em que se baseia o filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Life: Um Retrato de James Dean

    Crítica | Life: Um Retrato de James Dean

    Life

    Falar de cinebiografias não é algo fácil, especialmente quando estas cinebiografias são sobre rostos conturbados, polêmicos, ambíguos, quase sempre uma torrente de emoções e complexidade. O diretor Anton Corbjin já havia se aventurado nesse “gênero” com o cultuado Control, que retratava os problemas pessoais de Ian Curtis, da banda Joy Division. E agora em Life – Um Retrato de James Dean, Corbjin aborda os momentos pré-estrelato da vida e curta carreira de uma das promessas mais genuínas que o cinema já teve, James Dean.

    Curioso é notar que, ao contrário do que o sub-título nacional indica, o filme não é um retrato completo sobre o próprio Dean, mas sim um recorte de um momento específico de sua vida e que fora de grande importância para sua chegada ao estrelato: o desconforto diante das exigências dos estúdios, a reclusão durante a divulgação do filme Vidas Amargas e a amizade construída com o fotógrafo Dennis Stock, e que viriam a ser as imagens capturadas mais famosas de sua carreira. Falando assim, percebemos que este frame da vida de Dean é tão explosivo quanto qualquer outro de sua curta, porém marcante, carreira no cinema. Vemos Dean como uma faceta transbordada de conflitos internos, deslocada do próprio espaço ao qual pertence; um personagem rico e que, num estudo correto, é capaz de render uma análise fascinante sobre sua psique. Mas Corbjin falha justamente no sentimento desta parte da vida de Dean.

    E digo isto pelo fato de Life ser, antes de qualquer outra característica, um filme morno. Há sim, um claro objetivo do roteiro de Luke Davies (de Resgate de Família) em ser cuidadoso e detalhista na desfragmentação da figura de James Dean diante sua visão sobre o mercado cinematográfico, mas não apenas este peca ao ignorar aspectos indispensáveis à figura de James Dean (como sua relação conturbada com as mulheres, algo estranhamente romantizado no filme), como também na construção da relação entre Dean e o fotógrafo Dennis Stock, transformado aqui numa figura redundante e mal delineada por um roteiro e direção que empurram a história a passos de tartaruga. Falta intensidade e paixão em Life, o filme pesa a mão na narrativa modorrenta, na fotografia acinzentada e na contemplação de cada passagem. Life é um filme que tenta encontrar um tom específico e, misteriosamente, se excede nele.

    Tal desestimulação claramente atinge o trabalho do elenco. A escolha de Dane DeHaan para encarnar Dean, mesmo após suas presenças duvidosas em Versos de um Crime e O Espetacular Homem-Aranha 2, parecia promissora diante de sua aparente semelhança com o ator. Mas DeHaan parece bem longe de compreender a real postura de Dean e, num claro quê de indecisão sobre sua postura na tela (ressaltando que o ator havia recusado o papel anteriormente por se achar limitado demais para incorporar Dean), transforma o personagem numa série de trejeitos que tentam emular os aspectos mais visíveis de Dean, como sua fala lenta, o cigarro na boca e a própria personalidade indomável e irritante, transformando-o numa presença desengonçada e caricatural. Robert Pattinson se sai um pouco melhor na pele de Dennis Stock, embora o roteiro pouco valorize a importância de sua figura ao lhe criar um conflito familiar que, no fim das contas, pouco tem a dizer sobre o próprio e, consequentemente, anula qualquer sentimento emocional que poderíamos construir.

    O que faz de Life algo minimamente curioso são as passagens históricas daquele período de Hollywood, como as primeiras tentativas de James por seu papel em Juventude Transviada, além de participações de Ben Kinsgley como Jack Warner e Michael Terriault como o diretor Elia Kazan, presenças também fundamentais na ascensão de Dean. Destacam-se também as inserções das fotografias reais capturadas por Stock durante a reclusão de Dean.

    Mas isso é pouco diante do que Life fica devendo como recorte de um momento tão importante na vida do lendário ator, prejudicado ainda mais por uma narrativa que acredita piamente que o marasmo é seu maior triunfo. Ledo engano, e acaba que Life mais promete do que cumpre.

    Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.

  • Crítica | The Rover: A Caçada

    Crítica | The Rover: A Caçada

    The Rover - A Caçada - Poster BR

    The Rover: A Caçada, trabalho mais recente do cineasta australiano David Michôd, se debruça novamente sobre a violência e a degradação de uma sociedade como tema principal, da mesma forma com que realizou anteriormente Reino Animal, de 2010.

    A trama aqui desenvolvida é construída de forma crua e fria, seja nas atuações, fotografia ou na própria direção. O cenário utilizado só reforça essa temática: extremamente desolador, empoeirado e vazio. Apenas a miséria tem espaço na trama. Michôd reforça isso paulatinamente na tela, assim como o roteiro nos apresenta um mundo que passou por alguma espécie de cataclisma econômico ou ambiental, e o transforma num cenário pós-apocalíptico que ainda respira por aparelhos até o seu derradeiro fim. O mesmo vale para o desenvolvimento dessa história, que se dá de maneira lenta, com ritmo próprio. O que temos é um fim gradual, lento e doloroso.

    A trama inicia-se em algum lugar de um inóspito deserto australiano, onde a lei deu lugar apenas a um estado de violência latente. Neste cenário, somos apresentados a Eric (Guy Pearce), que, após ter seu carro roubado por três homens, decide segui-los para recuperar o veículo. Em sua busca encontra Rey (Robert Pattinson), irmão de um dos assaltantes que roubou o carro de Eric, e havia sido deixado pelo grupo após ser ferido em um assalto. Eric vê em Rey a oportunidade de recuperar o automóvel, enquanto Rey encontra a chance de se vingar por ter sido deixado para trás por seus companheiros.

    Interessante notar como a química entre os dois atores funcionam bem. Pearce novamente entrega uma performance bastante comedida, de poucas palavras, mas repleta de nuances que se desenvolvem ao longo da trama. Pattinson, por sua vez, procura se desvencilhar de seu passado na série Crepúsculo, e assim como já havia sido feito em Cosmopolis, de David Cronenberg, o ator confere uma boa caracterização de um personagem com certa dose de loucura e forte inclinação para a violência. Um belo trabalho do ator que a princípio se esconde atrás de tiques, distúrbio de temporalização da fala e uma prótese dentária, para escancarar um estudo de personagem comovente, voltado ao desespero e à violência contidos dentro de todos nós.

    Michôd parece evocar os trabalhos iniciais de John Hillcoat, A Proposta e A Estrada, além do próprio cenário desolador de Mad Max, para evidenciar sua visão em The Rover. O road movie distópico do diretor expõe uma violência gráfica, e por vezes fetichista, ao longo da trama, reforçada pela visão de mundo cético de suas personagens, com auxílio da fotografia, sempre saturada pelo sol escaldante do deserto ou do próprio cenário poeirento deste mundo.

    The Rover – A Caçada é construído de forma lenta, utilizando o silêncio como método narrativo. Longe de ser um filme óbvio, embora a própria personagem de Pattinson relate em dado momento da trama que “nem tudo precisa ter um significado”, o longa traz importantes reflexões para quem estiver disposto a fazer esses questionamentos.

  • Crítica | Mapas Para as Estrelas

    Crítica | Mapas Para as Estrelas

    Mapa Para As Estrelas 1.5

    A viagem em um ônibus popular que atravessa municípios está longe demais da realidade almejada por Agatha Weiss (Mia Wasikowska, cada vez mais linda e madura), que chega a Hollywood para dar uma volta na limusine dirigida pelo aspirante a ator Jerome (Robert Pattinson). Numa breve conversa, revelam-se as dificuldades que se apresentam ao viver no olho do furacão da cultura pop, surgindo, claro, os graves assuntos familiares que a fazem ser obrigada a ficar longe dos seus.

    A câmera de David Cronenberg trata de variar logo seu foco, mostrando uma família disfuncional, que em níveis diferentes reflete as neuras e paranoias típicas do show business. O pai Sanford, feito por John Cusack – com visual tão bizarro quanto em Obsessão –, é um psicólogo que se vale dos incautos que compram seus livros de autoajuda. Ele é o guia do clã rumo a qualquer possibilidade de sucesso, e investe em carreiras distintas entre os parentes. Seus esforços físicos são mais voltados ao tratamento de uma atriz cinquentenária repleta de crises – interpretada por uma oxigenada Julianne Moore –, que tenta, através de madeixas louras, esconder a real idade (e o envelhecimento físico visto a quilômetros) no intuito de conseguir interpretar um papel que sua mãe fez, em um remake. Havana Sangrand tem sérios problemas psíquicos, encarando com frequência o espectro de sua mãe Clarice (Sarah Gordon), que a atormenta e faz duras críticas a cada performance sua.

    Benjie (Evan Bird) é um jovem menino, que tem sua precoce carreira cuidada pela mãe da família Christina (Olivia Williams). A pressão que sua genitora realiza para que ele tome as melhores decisões possíveis revela – mais uma vez – a profunda perseguição à notoriedade no ambiente que é o mundo dos célebres astros do audiovisual. A tentativa do roteiro de Bruce Wagner é parodiar esse ambiente apontando seus absurdos, que se tornam caricatos pela lente e edição de Cronenberg, exagerando o tema em muitos pontos da trama para provar os pontos que defende.

    Cada um dos humanos parece deslocado da realidade, como se a febre da corrida por glória e renome anestesiasse os personagens, tornando relação e conversa travada por eles artificiais e aéreas. Apesar de não perder o apelo sexual, o visual de Moore e Wasikowska é estranho em algum nível, revelando defeitos estéticos, como marcas e envelhecimento da epiderme, provando que elas são espécimes humanas vvendo pateticamente em um ambiente semifantástico.

    A aura predominante é uma ode ao grotesco. As reações às recusas são intolerantes, especialmente da parte da debilitada Havana. Há estranhamento do público ao analisar os fatos recorrentes da fita. Os inimagináveis exemplos fazem lembrar a face pouco usual do cinema de David Lynch, onde os limites explorados passavam longe do comportamento padrão da indústria cinematográfica e não restringiam o desenrolar de qualquer história. No entanto, o modo como Cronenberg faz seus planos não é tão inspirado, também pelo caráter depressivo de seu conto.

    A esquizofrenia e as cicatrizes de deformação de Agatha não só a diferenciam visualmente dos corpos sem vida que vagam pelo mundo estranho apresentado na película, como também são avatares da insanidade que habita a mente e alma dos fúteis homens que compõem o clã dos Weiss. Uma análise cuidadosa do quadro revela que os demônios que atormentam uma das gerações reverberam na outra, denotando a maldição hereditária e a praticamente incombatível realidade inexorável e incondicional.

    As esferas de perturbação mental variam seus ápices entre as tentativas de morticínio familiar e a quantidade exorbitante de devaneios e ilusões com seres incorpóreos, algo que ocorre a mais de um personagem por vez e cuja razão não é explicada. As maiores possibilidades de origem de tais fatos podem prevalecer no uso abusivo de alucinógenos ou na cada vez mais crescente possibilidade de insanidade do coletivo, igualmente agravados pelo envolvimento com infantes e adolescentes, pessoas cujo caráter e inteligência emocional ainda estão em formação, mas dentro do escopo dessas fantasias.

    A obra segue fiel aos preceitos do início da carreira de seu diretor e faz lembrar, em espírito e algumas cenas violentas, o gore dos clássicos insanos Scanners e A Mosca. Ainda assim, Cronenberg perde em seriedade, repetindo grande parte dos erros de Um Método Perigoso, ainda que, em se tratando de qualidade, Mapas Para as Estrelas esteja anos luz à frente dos últimos filmes do cineasta. O foco em apresentar um deboche inspirado na falsidade ideológica que Hollywood exala é pontual, mas o roteiro que tinha em mãos é bastante atabalhoado, sendo, em alguns momentos, salvo pela ótima direção de atores. Porém, sobra em excentricidade em alguns dos núcleos. O saldo final é positivo, especialmente pelo pastiche e pela referência à crueldade do método e da arte.

  • Crítica | Cosmopolis

    Crítica | Cosmopolis

    Cosmopolis

    “Nós precisamos de um corte de cabelo”, diz Eric Packer (interpretado por Robert Pattinson), um multimilionário de 28 anos, antes de entrar em sua limusine particular e altamente tecnológica. Um presidente está na cidade, um rapper morreu e anarquistas estão realizando manifestações nas ruas. Packer insiste em querer cortar o cabelo. Esse é o cenário que temos ao longo de toda a extensão de Cosmopolis.

    Packer é a clara personificação do poder do dinheiro. Investe todo o seu dinheiro contra o crescimento da moeda chinesa – com o objetivo de inverter a sua valorização -, insiste em querer comprar uma capela e os quadros que estão dentro (mesmo quando não está à venda) e não se importa com o fato de um presidente estar na cidade. Está acima da política, da religião e de todo o resto. O interior altamente tecnológico de sua limusine serve como uma casca para o mundo exterior.

    A contraposição à figura de poder de Packer vem com sua mulher Elise (Sarah Gadon) – com a qual acabou de casar e que é dona de uma enorme riqueza -, que não quer ter relações sexuais com ele. Em um ponto do filme, Elise diz não querer transar com seu marido porque sentiria dor. Não conseguiria fazer o sexo ser impessoal para ela. O dinheiro compra sexo – e Packer de fato tem relações sexuais com várias mulheres durante o filme -, mas não poderia comprar o sexo de sua esposa, que não o ama.

    Aqui vemos uma clara crítica ao capitalismo, que reage contra o movimento natural e linear da história e contra sua queda, ignorando completamente as reações e reagindo contra a teoria marxista de ascensão/queda dos sistemas de produção. Visualmente esta crítica fica muito bem apresentada nas cenas em que Packer permanece calmo e indiferente dentro de sua limusine, enquanto o caos e a anarquia se encontram do lado de fora. Por outro lado, narrativamente, a crítica é fraca e se perde em diálogos que falam muito e dizem pouco.

    A genialidade da direção de David Cronenberg é muito evidente no filme. Por mais de 70% do filme estamos junto de Packer dentro de sua limusine, mas em nenhum momento temos a impressão de que as cenas estão se repetindo. A escolha do elenco foi também um acerto. Considerando a fama dúbia que Robert Pattinson possui devido à sua carreira, ninguém melhor do que ele para representar o tão amado, mas ao mesmo tempo tão odiado, dinheiro. Pattinson foge de seu estereótipo vampiresco sentimental e dá lugar a um milionário excêntrico e de reações frias. Atinge seu ápice contracenando com Paul Giamatti, que rouba a cena com sua excelente atuação, nos últimos 15 minutos de filme, no melhor e mais profundo diálogo de todo o longa.

    Cosmopolis se mostra uma obra complexa e extremamente verborrágica. A falta de linearidade de sua narrativa exige demais de um espectador que procura entender todos os diálogos que se sucedem, porém com pouco sucesso. A genialidade da direção é evidente, como também o é a fraqueza de seu roteiro.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.