Tag: Russell Crowe

  • Crítica | Fúria Incontrolável

    Crítica | Fúria Incontrolável

    Um dos primeiros filmes lançados nos cinemas após o relaxamento das medidas de segurança contra a pandemia, Fúria Incontrolável se pinta como um novo Um Dia de Fúria no seu trailer, ainda que a tal fúria seja direcionada a uma só pessoa. Logo que o filme se inicia, já fica claro que a situação é muito mais grave do que se imagina em um primeiro momento. O que se sucede após isso, é um filme frenético com uma atuação assustadora e onipotente do sempre ótimo Russell Crowe.

    Na trama, Rachel é uma mulher que está tendo um dia horrível. Ela acaba de perder sua maior cliente, seu ex-marido a ameaça com o pedido de guarda do filho do ex-casal, ela se atrasou para levar o garoto para o colégio e ainda precisa lidar com questões de saúde da sua mãe. Quando pega um caminho alternativo para chegar mais rápido na escola do seu filho, se envolve em um pequeno incidente de trânsito com o personagem não identificado interpretado por Russell Crowe. Ao se recusar a pedir desculpas ao homem, passa a ser implacavelmente perseguida por ele.

    Já nos créditos iniciais, uma montagem de fatos e eventos mostra a deterioração das relações humanas, além da escalada da violência. Fazendo analogias, as personagens de Crowe e Caren Pistorius funcionam como representações do que é mostrado nos créditos. Entretanto, o roteiro de Carl Ellsworth falha ao não explorar o máximo que essa premissa permitiria. Ao se resumir como um grande jogo de gato e rato, o filme perde profundidade, ainda que se mostre divertido. As situações vão se sucedendo em ritmo vertiginoso, sem dar tempo para o espectador respirar. Porém, ao se aproximar do final, uma razão para a fúria do Homem fica como uma tentativa de justificar o injustificável, ou pior, procuram estabelecer uma relação de empatia entre o espectador e o maníaco.

    A direção de Derrick Borte tem mão pesada em muitos momentos. A premissa fica subdesenvolvida em favor de um filme frenético. Nesse ponto, temos que elogiar o diretor. As sequências de ação são carregadas de tensão e fazem o espectador ficar colado na cadeira. Outro ponto muito bem explorado são as atuações dos protagonistas. Devido ao filme ser 85 por cento centrado somente neles, seria fácil que o espectador ficasse entediado. Ao contrário, a onipotência de Russell Crowe, aliada à sua atuação fantástica fazem do psicopata ser quase uma força da natureza. Nem mesmo a sequência final que parece saída de um filme slasher é demérito aqui. Já Pistorius se sai muito bem como a vítima da fúria do antagonista. Sua saída do status de mocinha em perigo para alguém que sabe revidar ocorre naturalmente.

    Mais um desses casos em que um roteiro com potencial é mal desenvolvido, Fúria Incontrolável acaba servindo como uma boa diversão escapista para uma tarde tediosa de sábado. Apesar da brutalidade contida no filme, a falta de profundidade do roteiro faz com que seja esquecido em breve, ficando apenas o divertimento.

  • Crítica | Erased Boy: Uma Verdade Anulada

    Crítica | Erased Boy: Uma Verdade Anulada

    Boy Erased: Verdade Anulada é o novo filme de Joel Edgerton, e já causou alguma polêmica no Brasil por ter sua estreia em cinema cancelada perto da data limite. Muito se falou em censura, por ter uma temática LGBT, mas nada se comprovou, e o que se vê já no começo é uma historia emocional, de cunho intimista, que mostra Jared Eamons, em gravações de sua infância, partindo logo para sua fase adolescente, onde é interpretado por Lucas Edges. Seu comportamento aparentemente não é incomum, mas ele guarda um segredo que para os seus, é vergonhoso.

    O personagem mora em uma cidade pequena do Arkansas, e tem de lidar com a família e amigos conservadores – seu pai é pastor batista – e ele é levado por sua mãe, Nancy (Nicole Kidman) há uma clínica hospitalar, que logo se mostra um lugar estranho, um internato onde  os pacientes ficam presos, tem tudo fiscalizado, tem proibições de diários e tem sua privacidade invadida e retirada. Incrivelmente, se fala muito sutilmente sobre qual é a função daquela clínica, as pregações religiosas apelam para falas genéricas que desconstroem a ideia de que ali se persegue um nicho da população e um comportamento sexual.

    O roteiro brinca com sua linha do tempo. Jared é mostrado conversando com seu pai Marshall (Russel Crowe), que aliás, está muito bem), em alguns pontos jogando basquete no colegial, pelo time do Rebels, e até passando por rituais típicos de jovens que estão prestes a ir para a universidade, começando a namorar meninas e até recebendo um carro de seu pai. Entre esses momentos, também são mostrados os internos, como Jon (Xavier Dolan), um jovem que chega sempre atrasado e que tem um comportamento um tanto rebelde, e o palestrante da clínica Victor Skyes, feito pelo próprio diretor do filme, sujeito esse aparentemente mais paciente e compreensivo com os jovens.

    O protagonista é sensível, gosta e artes, de desenhar, tem hobbys comuns como jogar vídeo game, e acaba se envolvendo emocionalmente com outros alunos do tal instituto. Ainda assim, ele frequenta a sua igreja e a de outros, se permitindo assim ouvir a palavra do Divino. Por mais que ele tente mudar seus pensamentos e seus impulsos, ele não consegue, e o filme representa isso muito bem, entre tentativas mais assertivas e outras mais ligadas ao lugar comum, mas o que se percebe é incomodo.

    O fato de não se encaixar nas expectativas de seus pais faz o drama de Jared ser mais universal até do que a fala direta para o nicho de pessoas que tem dificuldade em aceitar sua orientação sexual ou serem aceitas. Isso pode não parecer algo importante, mas é, pois é fácil digerir até para quem tem um preconceito “brando” com pessoas de não hetero-normativas, mostrando a elas o sofrimento que alguém comum tem e como é pesado ter que lidar com o preconceito de terceiros, dos próximos e até o preconceito interno que, apesar de não ser algo natural e originário (em termos freudianos), é adquirido há tanto tempo que parece ser assim, parece ter nascido com cada pessoa.

    Embora em alguns pontos se apele um pouco na carga dramática, o filme é sóbrio, não é afetado, ou demasiadamente panfletário, mesmo que o tema de “cura  gay” pedisse isso. A maior parte do cunho emotivo provém das interpretações, Crowe, Kidman, Edgerton e os atores mais jovens estão muito afiados, e a entrega de Hedges é enorme também. Se percebe o quão aflito e desesperado é o seu Jared, e não é difícil se afeiçoar ou por qualquer um dos que são tratados, e qualquer clichê ou fala de ordem como “não há cura para o que não é doença” não é tão forte quanto a expressão de medo e receio que ele tem ao ver o tratamento de um dos internados que se deixou falhar na repressão sexual, ou nas reprimendas que faz a si por ainda ter sentimentos e pulsões por outros homens.

    Se falta poesia no filme, sobra condenação aos que tentam impor suas verdades, embora o dedo acusatório não seja obvio. O roteiro de Edgerton é delicado até nisso, permitindo que as partes mais comoventes sejam ternas e sem falas, ensurdecendo publico e personagens durante as sessões de tortura, para aplacar a dor e a miséria dos que são julgados e consertados. É um filme forte, com um caráter educativo inclusive para plateias mais novas, como uma versão moderna e mais econômica melodramaticamente falando de Diário de Um Adolescente.

    O filme no final mostra os homens reais que inspiraram os personagens, e é um dos poucos momentos em que ele se permite ser otimista, já que boa parte deles está bem, aceitos por suas famílias, constituindo suas próprias. O final de Erased Boy não é tão sutil e econômico quanto o restante do filme, mas não há nada nele que denigra todo o resto, ou diminua sua força de denúncia, esse funciona perfeitamente como o antônimo de Eu Sou Michael, filme que fala sobre um tema parecido cuja abordagem é estranha e até homofóbica, mas seu mérito maior certamente é o fato dele ser palatável e de fácil compreensão mesmo para a parcela do público mais conservadora, ao menos a que é aberta ao diálogo civilizado.

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  • Crítica | Dois Caras Legais

    Crítica | Dois Caras Legais

    Dois Caras Legais

    Embora tenham históricos profissionais bastante distintos, em Dois Caras Legais, Ryan Gosling e Russell Crowe apresentam-se uma dupla coesa, irreverente e com uma química há muito esquecida nas comédias de ação.

    The Nice Guys tem um quê de irmãos Coen com um ar setentista que está bastante presente não só na trilha, fotografia e nos demais recursos técnicos, mas também na paleta temática do filme. Os dois protagonistas são investigadores que estão seguindo as pistas do desaparecimento de uma garota chamada Amélia e a morte de uma atriz pornô. Aos poucos, os casos se entrelaçam e os rivais precisam se unir para solucionar ambas as questões.

    O longa, como um todo, abusa do politicamente incorreto em diversos momentos. E é curioso como isso é feito de maneira bastante honesta. Trata-se de um produto nonsense. Ou seja, aqui, esse tipo de humor é muito bem-vindo, pois fica óbvia a intenção do roteiro e da direção de rir com o outro, e não do outro. O humor americano, por vezes reduzido ao pastelão, emerge de maneira bastante funcional e de bom gosto – dentro da proposta do filme, é claro.

    Gosling interpreta um pai solteiro, envolvido em problemas com alcoolismo e está muito bem no papel. Talvez, até melhor que Crowe. A verdade é que as duas personas se complementam de maneira muito agradável, mas o roteiro permite que Gosling brilhe mais. Vem do background dele, também, a personagem mais interessante, sua filha Holly, interpretada pela jovem atriz Angourie Rice. Apesar de a “criança adulta” ser um estereótipo bastante clichê, a atriz entrega uma atuação que consegue se desprender o suficiente desse lugar-comum. Seus momentos em tela funcionam como uma boa dose pueril num filme em que a pornografia está presente como pano de fundo.

    Ainda é cedo para arriscar se o filme dirigido por Shane Black – que fez os sensacionais Máquina Mortífera e Beijos e Tiros e o terrível Homem de Ferro 3 – ganhará uma sequência, mas fica evidente que o roteiro trabalha na tentativa de deixar ganchos que sirvam para a construção do texto de um segundo episódio.

    Os destaques negativos ficam a cargo do timing cômico, que por vezes não funcionou, e do tempo de exibição. Em determinado momento fica difícil não sentir o tempo passar arrastado, sobretudo no arco intermediário. Felizmente, o arco final compensa essa sensação dando uma acelerada no ritmo do desenvolvimento dos plots.

    Dois Caras Legais dificilmente será lembrado como um filme grandioso, mas consegue alcançar o feito de misturar ação e comédia nonsense com acontecimentos críveis, o que não é nada simples. É um ponto bastante positivo na carreira cheia de altos e baixos do diretor.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Promessas de Guerra

    Crítica | Promessas de Guerra

    Promessas de Guerra - poster int

    A ficção é capaz de produzir excelentes narrativas. Mas a realidade fornece bases para muitas histórias e, comumente, a frase “baseado em fatos reais” transforma filmes em objetos maiores, como se afirmar a veracidade de um fato causasse maior força na trama.

    Russell Crowe demonstra apreço nas histórias reais ao estrear na cadeira de diretor nesta produção que retorna à Galípoli, em 1919, para apresentar a história de um pai, interpretado por Crowe, à procura de seus filhos perdidos durante a batalha.

    Parte das batalhas da Primeira Guerra Mundial, a Campanha de Galípoli foi uma das mais caras e trágicas da guerra. Em uma tentativa de invasão da Turquia por parte dos aliados, houve um alto número de baixas de ambos os lados, além de falharem na missão de invasão do estreito de Dardanelos. Boa parte do grupo dos aliados era formado por australianos e neozelandeses, que ficaram desconfortáveis com a liderança das tropas britânicas após o feito.

    Anos após esta batalha, Joshua e sua esposa ainda vivem a amargura de não saber ao certo o destino dos filhos. Após o suicídio da esposa, o homem mantém a promessa feita à mulher e parte para a Turquia para encontrar os filhos e enterrá-los no mesmo local da mãe.

    A premissa parte desta promessa como um último ato de amor. Uma dor que reacende o luto no coração da personagem, que busca honrar o amor de uma mãe que nunca superou a perda de seus três filhos queridos.

    Na Turquia, tratado como um estranho em meio a um país que luta pela saída dos britânicos de seu território, o pai é impedido de adentrar oficialmente o local da batalha mas, devido a sua insistência, um dos tenentes acolhe-o para uma expedição que busca encontrar as baixas britânicas anônimas no local. A trama se torna uma representação dos diversos núcleos familiares que foram desintegrados por conta da guerra, e ainda permanecem abalados pela falta de informação sobre seus entes queridos.

    O roteiro de Andrew Knight e Andrew Anastasios focaliza a procura incessante do pai que nada mais tem a perder em sua vida devido à devastação causada pelo belicismo. Concentrar-se em sua história retira parte do drama comovente da guerra, ainda que poucas cenas demonstrem o absurdo e o horror existentes nestas batalhas.

    A estreia de Crowe na direção foi suficiente para lhe garantir o prêmio de Melhor Filme na AACTA, a Associação de Filmes Australianos. Porém, não há nenhuma característica ímpar em sua direção que demonstre um talento nato escondido até então. Sua primeira obra é consistente como um drama, mas não ultrapassa nenhuma barreira além de um filme correto que explora uma história real, narrada pela força dramática diante de um período sempre relembrado e retomado por diversas películas mundiais.

  • Crítica | Gladiador

    Crítica | Gladiador

    O aclamado filme de Ridley Scott inicia-se introduzindo o espectador no contexto tirânico do Império Romano, com o avanço tático a Germânia sendo impetrado. As mãos do personagem principal, passando sobre a mata alta de sua plantação, remetem ao real desejo de seu coração de habitar as próprias terras em paz; distante do estado caótico que a guerra se impõe, onde a ocupação do estrangeiro ultrapassa os limites do aceitável, passando a ser uma obrigação erguida pelos superiores e passada ao exército por convenção, sem muita discussão dos porquês.

    O discurso inflamado – O que fazemos em vida ecoa pela eternidade – não consegue esconder um descontentamento de Maximus (Russell Crowe), ainda sem o modus operandi do imperialismo, mas já portando um inexorável enfado em seu semblante. Analisando a jornada do herói de Joseph Campbell, o chefe do exército não seria o herói clássico, tampouco anti-herói, mas o arquétipo do herói falido, depressivo, que, apesar da adversidade e das belas cenas de combate introdutórias, guarda um ressentimento e azedume pelas ações que é levado a concluir. Quando ele hesita em matar um adversário, nota-se de maneira concreta sua insatisfação, depois proferida para que não haja dúvidas. Sua posição não é a de discutir métodos ou estratégias: ele é apenas um humilde servo, prostrado ante a vontade de Marcus Aurelius (Richard Harris), que está no final da vida, arrependido de tanto derramamento de sangue e especialmente preocupado com o seu legado, e se seria visto como um tirano de acordo com os olhos da História.

    Qualquer fidelidade e compromisso com a cronologia histórica são varridos para bem longe, assim como foram em Coração Valente. De certa forma, há uma amálgama entre muitos períodos do Estado Romano após a ascensão de Júlio Cesar, ainda que tal influência não tenha sido jamais assumida pelos produtores do filme. Tal característica seria impensável para o nível de acesso a informação atual, passados 14 anos da exibição de Gladiador – ainda que o clima de redenção dos poderosos seja bastante atual nas grandes produções hollywoodianas -, e em se tratando de uma obra de caráter revisionista, de discussão do modo violento e arbitrário que os conquistadores tinham com o território descampado mundial.

    Religião, crenças, sedução e ganância se misturam, tentando atravessar o caminho de Maximus. Focado, o soldado não deseja nada além de sua família, suas terras e sua vida simples no campo. A demora do filme em levá-lo ao lugar desejado é demasiado, fazendo do general mais uma vítima da burocracia e de um legado que não pediu para si.

    A decisão de tornar Maximus o regente da República, retomando o panorama político anterior, é bastante fantasiosa, levando a trama para um lado semelhante ao visto em contos mitológicos, mas exibindo as piores facetas do espírito humano, como o amargor de alma do antigo herdeiro, Commodus (Joaquin Phoenix), que, ao perceber que perderia a sucessão do trono, cometeu o maior dos pecados – o que estava ao seu alcance -, ultrapassando qualquer limite ético e moral.

    Ao se recusar a servir ao nefasto novo senhor, Maximus é condenado à morte. Seguindo finalmente seu senso de justiça, ele tem o revide proporcional à sua boa ação, pondo sua família em risco. Após escapar da pena imposta ao personagem, ele consegue a duras penas retornar ao seu lar para assistir, em meio a lágrimas e salivas, ao extermínio dos seus, na maior mostra de degradação em que ele poderia estar até então. De olhos fechados, carregado à força, o sujeito sofre a morte de sua antiga identidade, renascendo com outra alcunha, outro espírito e função social, ainda mais desimportante do que planejava.

    Como em uma peça teatral, a divisão clara por atos permeia o filme, com uma virada no segundo tomo mostrando o herói falido como escravo, digladiando por sua vida e ganhando um sentido novo para a própria existência, ainda que a glória seja cantada ao nome que lhe deram. O Espanhol logo torna-se o mais carismático e amado guerreiro, exibindo uma tenacidade não antes vista nas arenas romanas, tão corajosa que visa, inclusive, desobedecer uma ordem imperial.

    Diante de seu inimigo mortal, Maximus pensa em dar um fim breve ao opositor, mas se demove da ideia ao vê-lo com a criança que se afeiçoou. Após revelar sua real identidade, consegue ganhar uma pequena fama, a ponto de ter soldados novamente dispostos a levantar sua bandeira, além de ter uma ajuda real por meio da apaixonada Lucila (Connie Nielsen), cujo amor incestuoso de Commodus não é correspondido. As coincidências do roteiro são coladas por uma liga demasiada fraca, conveniente demais aos desejos e desígnios do protagonista.

    Como se esperava, o megalomaníaco plano do gladiador em aplicar um golpe de estado no soberano tem seu destino selado. A grandiosidade e magnificência dos cenários da história e do Ethos de Maximus são elevados a patamares quase infinitos, mas perdem seu peso pela disputa final, disfarçada de embate físico desigual. A justiça dificilmente teria seu lugar no combate entre as contrapartes, entre os dois “filhos” de Marcus Aurelius. O problema é o quão apelativo é o confronto épico, banalizado pela teatralidade excessiva da batalha. O dramalhão enfraquece o plot de Maximus e o retorno da liberdade do povo romano. O sonho torna-se algo de cunho barato, feito para um público idiotizado, acostumado a mensagens felizes, não condiz com a época em que se passava o drama do general/gladiador. O merecido descanso do herói é enfraquecido por mais uma mensagem politicamente correta, mudando rumos históricos e traindo qualquer possibilidade de dignidade. Gladiador é considerado por muitos como um clássico, e até caracteriza-se por um expoente interessante na combalida filmografia de Ridley Scott, mas só garante bons momentos em meio às cenas de batalha, uma vez que seu roteiro só serve para tentar justificar porcamente todos os entraves.

  • Crítica | Um Conto do Destino

    Crítica | Um Conto do Destino

    um conto do destino

    Nova Iorque, 1895. Nesta época e local ambienta-se a história rememorada pela narradora, que a inicia com uma releitura do mito de Moisés, usando a cidade americana como o oásis da perfeição, o lugar onde o rebento do casal de protagonistas poderia viver a despeito de tudo: da deportação de seus pais imigrantes (motivada pela tuberculose) e da irrealidade dos fatos e acasos, que influi diretamente no destino da criança, solta em alto mar e sobrevivendo à tragédia. Há um tanto de fantasia em Um Conto do Destino, de Akiva Goldsman.

    As salas palaciais, grandiosas e suntuosas guardam espaço espiritual para que a luz mágica atravesse-as e faça delas cenários semelhantes aos dos clássicos da Disney. Até os personagens são simples, mas não necessariamente vazios, lembrando os arquétipos presentes nos contos infantis. A fotografia de Gary Capo — acostumado a filmes grandiosos, como O Último Samurai, Missão: Impossível 2, Além da Linha Vermelha  flagra ainda mais o caráter de conto de fadas da história amplificado pelos cenários da neve, com cores frias, em contraste com os corpos dos personagens, de cores quentes. A direção de arte de Peter Rogness também é competentíssima, sua experiência em dramas que equilibram emoção e beleza exuberante (Tão Forte e Tão Perto) certamente pesaram na escolha deste para trabalhar no filme.

    Peter Lake (Colin Farrell) é o filho da promessa, mas, por ser descapitalizado, tem de roubar para conseguir seu sustento. No entanto, ele em momento algum é retratado com a máscara da vilania, pelo contrário, salienta-se sua necessidade de fazer os crimes ao mostrar a miséria que vivencia e os milagres que o mantiveram vivo. A honra do personagem é tamanha que um alazão branco de capacidades homéricas aceita ajudá-lo em sua jornada — argumento semelhante aos presentes que Perseu recebeu de Atena —, referência  que se torna óbvia no decorrer da película. Russel Crowe faz o maligno “deformado” Pearly Soames, o vilão de intenções escusas que busca a morte do injustiçado herói, guardando um poder enorme e uma fúria sanguinária, a qual nem sempre é vista em histórias de princesas. A mocinha é Beverley Penn, feita pela bela ruiva Jessica Brown Findlay (de Downton Abbey), que não parece ter ligação com a nobreza mas cujos desejos e desígnios são ligados à honra e dedicação ao sonho, ao infinito e a um mundo ideal. Mesmo que, a priori, o repertório visual e o roteiro lembrem uma história infantil, a trama não poderia ser mais voltada para o público juvenil e adulto, não por tratar temas espinhosos, mas sim por subverter os clichês de fairy tales e associá-los a questões mundanas, como a guerra de classes.

    No pôster do filme, em tradução livre, diz-se que “esta não é uma história de verdade, esta é uma história de um amor de verdade“, como se em nome de mostrar tal sentimento ganhando a vida todo o restante fosse perdoado, até  mesmo a filmagem do impossível e a transposição do realismo, pois a poesia do amor é maior que a frágil barreira da verossimilhança. A realidade pode ser enfadonha e desinteressante quando comparada ao incomensurável tamanho do apego ligado ao sentimento eterno. Os exageros dramáticos do casting não são capazes de destoar do espírito da obra, nem mesmo o over-acting de Will Smith que faz o aprisionado Lúcifer, o qual, demonstrando que o mal é reduzido ao menor denominador comum, é levado à fácil associação ao mito maniqueísta cristão.

    O desenvolvimento da narrativa é tão articulado aos conceitos básicos da moral contidos nos contos de fadas que seu cunho moralista faz a mocinha sucumbir após entregar-se de corpo inteiro ao amor de sua vida, ato de consequências definitivas. A época pedia um findar trágico que abalou a percepção de Peter Lake sobre a vida, jogando-o num limbo desmemoriado e fazendo de sua imortalidade uma vivência de sofrimento na busca de uma musa que não mais existe.

    A trama é levada à contemporaneidade, e a magia do não envelhecimento de Lake só é questionada por uma das filhas dos novos tempos, Virginia — feita por Jennifer Connelly, estonteante como sempre —, a qual não compreende toda a consentaneidade que acometeu a época do início da película, não sabendo como as coisas eram mais simples e menos “discutíveis”. A modernidade destruiu um pouco a percepção do que é possível e do que não é, da possibilidade de milagres acontecerem, mas o encontro entre Lake e ela é o primeiro indício de que tal máxima pode mudar. A tangível condição médica de Abby (Ripley Sobo), a pequena menina cancerosa, também ajuda a derribar a fé de Virginia, mas é este o gatilho que faz Peter Lake retornar às suas atividades como o herói da jornada, levando-o, inclusive, a reencontrar os seus antigos aliados mesmo na urbana Nova Iorque.

    A cavalaria de Soames mudou: ele está fortemente armado e paramentado com as tecnologias contemporâneas, e sua obsessão como guardião de limiar, por fazer o destino do herói encantado algo trágico, prossegue. Em determinado momento, parece que o intuito do mal ganharia mais uma vez a batalha, ampliando a aflição e a dor do mágico protagonista, mas, como na maioria dos contos que inspiraram Um Conto do Destino, o final reúne uma mensagem edificante, igualitária e otimista, de amor correspondido e de encontro dos amantes.

    A estreia de Akiva Goldsman no cinema é emotiva, mas equilibrada, não caindo no pecado do pieguismo e evidenciando uma história que contém muito das suas influências, enquanto artista, de forma reverencial e enxuta.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

    o homem de aço - cartaz

    É fato que todos conhecem a estória do Superman, nem que seja apenas em linhas gerais. Bebê chega à Terra sozinho numa espaçonave oriunda de Krypton. Criado pelo casal Kent, Clark cresce tendo que aprender a lidar com suas habilidades sobre-humanas.

    Apesar de ser mais um filme da franquia Superman, este não é uma continuação dos demais, mas sim, um filme de origem. E, sendo assim, é em torno do início da estória de Clark que gira a trama do filme. Claramente superior a Superman: O Retorno de Bryan Singer ( morno demais, demasiado entediante ) , este investe suas fichas num personagem mais realista, mais sombrio e, contrariando o senso comum, mais alienígena que todos os anteriores. E por conta disso, pode-se arriscar dizer que este não é um filme do Superman – de um homem com superpoderes –  mas sim de um herói ou um deus  em processo de construção.

    O prólogo, interessante mas excessivamente longo no meu entender, nos mostra o conflito que causou a destruição de Krypton e que levou Jor-El (Russell Crowe), um cientista do alto-escalão, a enviar seu filho recém-nascido, Kal-El – que virá a ser Clark Kent (Henry Cavill) – numa espaçonave à Terra. Não conheço os quadrinhos – aliás, o personagem em si não me agrada muito – e, portanto não faço a menor ideia de como “deveria” ser retratado o planeta. Mas a direção de arte acertou ao optar por um aspecto biomecânico, lembrando um pouco os desenhos de H.R.Giger utilizados em Alien.

    E, desde o início, já começam a aparecer os típicos buracos de roteiro, quase inevitáveis nesses filmes de super-heróis. Se, conforme é esclarecido tanto por Jor-El como pelo General Zod (Michael Shannon), todos os kriptonianos já nascem com papéis pré-definidos, o espectador um pouco mais observador certamente se pergunta como Jor-El, predestinado a ser um cientista, luta tão bem quanto (ou quase melhor que) Zod, um soldado nato. Isso e mais a cena “ironman style” em que Jor-El veste sua armadura, diminuem o impacto da sequência do confronto entre eles, enfraquecendo a imersão na trama. Mas ainda assim, esse primeiro terço do filme consegue prender o público o suficiente para querer assistir ao desenrolar da estória.

    A opção de retratar a infância e adolescência de Clark através de flashbacks, ao invés de seguir uma narrativa linear, deu certa leveza e dinamismo à estória. Desse modo, o espectador vai, aos poucos, sendo apresentado ao personagem, conhecendo seu passado, seu convívio com os pais adotivos – Martha (Diane Lane) e Jonathan Kent (Kevin Costner), e o modo como descobriu e aprendeu a controlar seus poderes. Algumas sequências poderiam ser mais curtas, mas não chegam a comprometer o ritmo do filme.

    Aproveitando a deixa, vale ressaltar que a tentativa de reafirmar o personagem como sendo o “homem que veio do céu para salvar a humanidade” é forçada e fora de contexto. O tom messiânico incomoda bastante em vários momentos. O discurso de Jor-El sobre o destino do filho, afirmando que seu papel é ser um “guia” para os humanos atingirem a paz e a felicidade eternas – algo como um nirvana – soa piegas e até meio ingênuo. Como se já não bastasse Clark falar, sem mais nem menos, que tem 33 anos, a cena em que ele aparece numa igreja conversando com um padre, que surgiu do nada na estória, é patética, além de totalmente desconectada da estória.

    O filme não é feito só de cenas intimistas e familiares, logicamente. O que todo fã espera são as sequências de ação, que são inegavelmente muito boas. O problema é que, devido à escala megalomaníaca (justificável), as cenas lembram demais Os Vingadores – principalmente o momento de embate entre Superman e Zod em Metrópolis. E, assim como o prólogo, esta sequência acaba sendo cansativa pela duração extensa e pela falta de estratégia do vilão que afinal, é um militar. E não apenas isso, tem-se a impressão de que toda a ação, a luta, a destruição está concentrada demais nesse momento da estória, quase saturando o espectador.

    Interessante reparar que, apesar de não haver semelhança física, em alguns momentos Cavill lembra um pouco “O Superman”, Christopher Reeve – convenhamos que não é muito difícil ser mais expressivo que Brandon Routh – e o ator consegue dar ao personagem tanto a insegurança de quem ainda não tem certeza de que rumo irá tomar, quanto o carisma do herói que vai “salvar o dia”. Não é atuação digna de prêmio, até pela quase bidimensionalidade do personagem, mas é convincente na medida certa. Kevin Costner e Diane Lane estão ok como os pais adotivos de Clark. Amy Adams consegue tirar de Lois Lane aquele ar de mocinha indefesa em perigo. Mas quem se destaca é Michael Shannon, construindo um vilão a seu modo incorruptível e ao mesmo tempo bastante ameaçador.

    É natural que um reboot  gere estranheza e divida opiniões, e também é natural que não agrade a gregos e troianos – isto é algo inerente aos filmes do gênero. É difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre tornar a estória palatável aos “leigos” e agradar aos fãs de carteirinha. E, apesar de alguns defeitos, Man of Steel é um filme que cumpre sua função de entreter.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

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    O Super-Homem é um dos personagens mais emblemáticos da DC, e do mundo dos quadrinhos em geral, e provavelmente uma das figuras mais lucrativas da indústria de entretenimento mundial. Ainda assim, recentemente a editora vinha encontrando dificuldade em emplacar o personagem no cinema, a falta de qualidade dos filmes era um problema, mas mais que isso, o Homem de Aço parecia não se comunicar com as novas gerações, seu personagem aparentemente obsoleto em uma época de heróis menos maniqueístas, mais ambíguos.

    No entanto, após o sucesso estrondoso da releitura que Christopher Nolan fez do Batman e da Marvel ter vendido com relativo sucesso o Capitão América (ainda mais anacrônico que o Super-Homem) uma nova tentativa se tornou inevitável. Confesso que fiquei surpresa quando um projeto desse tamanho foi parar nas mãos de um diretor que acabava de sair de um fracasso tão absoluto (não por acaso, todo material de divulgação diz apenas “do diretor de 300 e Watchmen“) e cuja fama nunca foi das melhores, mas Zack Snyder, com supervisão de Nolan é preciso dizer, assumiu o trabalho de finalmente tornar o Super-Homem um blockbuster.

    E Homem de Aço faz exatamente isso: ele torna o personagem palatável, viável para o público de hoje, menos patético e bom moço e entrega um filme com boas sequências de ação e altamente vendável. Não é que a direção exagerada e um tanto sem rumo de Snyder não esteja presente, ela está, mas a impressão é que o diretor foi posto na coleira e essa coleira foi entregue na mão de Nolan.

    Em primeiro lugar há um prólogo em Krypton: o filme situa o planeta, apresenta os pais de Kal-El e mostra o como seu mundo desmoronou.  É um mau começo. Embora visualmente impressionante, as cenas deveriam ter uma carga dramática que Snyder é completamente incapaz de segurar, os diálogos soam artificiais e tudo alterna entre vergonha alheia e novela mexicana intergalática, mas felizmente isso passa.

    Mesmo quando chega na Terra, Homem de Aço é um filme de origem, contando como Clark Kent se tornou o Super-Homem. A estrutura é pouco linear e a narrativa alterna entre cenas do presente, da adolescência e da infância de Clark, poderia funcionar na mão de um diretor mais competente, embora eu ache que a narrativa linear e clássica funcionasse melhor em um filme que conta tão obviamente a jornada de um heroi, mas com Snyder tudo parece apenas confuso, ainda que o fluxo não seja seriamente comprometido. Snyder insere, como já é hábito dos filmes de super-heroi, pequenos bônus para os fãs do personagem: a presença de Pete Ross e Lana Lang, um cartaz escrito Smallville (embora o nome da cidade nunca seja mencionado), outro da Lexcorp e outras referências que são divertidas e ajudam a dar substância ao universo que ele está construindo.

    O filme melhora consideravelmente nos momentos que se passam no presente. Lois Lane é a melhor personagem feminina que ja apareceu em um filme do gênero: inteligente, sexy e longe do estereótipo da donzela em perigo. As cenas de ação são bastante boas também, surpreendentemente o filme tem ritmo, tensão e ótimas explosões. A sequência final acaba sendo arrastada (na verdade, o filme todo é uns 20 minutos mais logo do que o necessário), mas não chega a ser ruim.

    Se como filme de ação, Homem de Aço funciona, seus problemas estão justamente na tentativa de fazer drama. O novo Super-Homem é um ser dividido dentre duas identidades, um estrangeiro na terra, algo que potencialmente será rejeitado pelos humanos, mas as cenas de carga emocional não se sustentam, assim como o prólogo em Krypton tem diálogos terríveis e atuações forçadas, Russel Crowe conseguindo ser menos expressivo que uma Kirsten Stewart com preguiça.

    Mas, ainda que muito mal conduzidas, essas cenas servem ao propósito de atualizar o Super-Homem e é preciso reconhecer o enorme mérito da DC em manter o espírito do personagem, ao invés de simplesmente repetir a fórmula que funcionou com o Batman. O Super-Homem é um herói leve, otimista, o símbolo do progresso e da esperança americanos, não é um órfão amargurado que vive nas trevas e Snyder não se esquece disso. O Super-Homem pode chorar após matar um homem mau para salvar uma família, mas ele não hesita em fazê-lo, ele pode se sentir dividido entre a Terra e Krypton, mas não pensa duas vezes quando a escolha é matar humanos para reconstruir seu planeta, ele é essencialmente “bom”, correto e esperançoso. Há um pessimismo de base, uma desconfiança em relação a natureza humana que soa como os temas de Nolan (ele é produtor do filme afinal), mas a conclusão aqui é que é preciso dar o salto de fé, que a humanidade vale a pena.

    Assim, Homem de Aço consegue dar alguma substância a um herói que parecia acabado e esteticamente quase torna a capa vermelha aceitável. Não é um filme de drama e seu foco não é o conflito existencial do personagem, que aliás aparece em cenas muito mal feitas, mas usa essas ferramentas como âncora, jeitos de humanizar o Super-Homem, torna-lo mais plausível e contextualizado para que o público possa aceitar o personagem. Tudo isso, aliado a uma estética fria e um pouco suja que ameniza as pirotecnias cinematográficas de Snyder entregam um filme de ação eficiente que está muito longe de uma obra prima, mas deve conseguir uma bilheteria gigantesca, garantir continuações e assim finalmente emplacar o personagem.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | Linha de Ação

    Crítica | Linha de Ação

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    A consagração de Mark Wahlberg no cinema se consolidou, principalmente, com suas personagens duronas que surgiram desde o inicio de sua carreira. Em mais de dez produções, o ator foi um policial ou esteve do outro lado da lei, sendo este estilo o mais comum em sua filmografia.

    Normalmente, a repetição de um tipo específico de papel provoca cansaço, mas Wahlberg consegue sair-se bem até quando o filme não possui uma estrutura boa o suficiente para se tornar significativo.

    Linha de Ação tem ambientação levemente noir, situando o público em uma Nova York dúbia, em que não sabemos ao certo se a honestidade e a verdade são reais. Sob o mandato do político Nicholas Hostetler, a cidade vive um período atribulado de alguém que é tido como um ladrão mas, para parecer um político honesto, apresenta medidas populistas.

    Wahlberg é o ex-polícial Billy Taggart que, há sete anos, foi desligado da força policial por excesso de vigor em uma ação que matou um estuprador. A opinião pública transformou a atitude em um extermínio e hoje Taggart vive como um detetive particular, sobrevivendo da melhor maneira que consegue, perseguindo maridos infiéis e esposas desconfiadas.

    Quando o prefeito convoca-o para um serviço, o ex-policial acredita que se trata apenas de mais um caso de adultério. Mas a investigação é somente o início de um elemento maior que o envolve.

    Torna-se evidente que a linha divisória da trama situa-se entre o ex-policial julgado erroneamente e o político aparentemente honesto. Apresentando ao público pistas de sua narrativa, a história permanece no preceito básico de um policial desonrado que, ao se ver subjugado, resolve passar a limpo o que está acontecendo para, literalmente, encontrar uma verdade que se sustente.

    Se Wahlberg naturalmente encarna bem o perfil de um policial, Russell Crowe faz um apagado político que nem carisma ou ódio produz. Esta é a segunda interpretação do ator que permanece em uma linha padrão, como se estive sem vontade de dar vida ao personagem. Há uma única boa cena que se destaca, em um debate televisivo com outro político, em que Crowe demonstra seu domínio em frente às câmeras.

    Porém, a personagem fica ausente na maior parte do tempo da trama, como um grande mestre de fantoches, fazendo com que a investigação durante a história não tenha um rival declarado, surgindo com maior força apenas no embate final que, evidentemente, coloca as duas personagens em conflito.

    O desenlace sem reviravoltas formata uma produção que, antes de assistir, o público é capaz de visualizar do começo ao fim, pela trama risível que nada acrescenta e pela vontade ínfima de seus atores em dar maior profundidade aos seus papéis.

    Recomenda-se não ver o trailer da produção, que revela tanto da história que o impacto ao vê-la fica ainda menor.

  • Crítica | Os Miseráveis (2012)

    Crítica | Os Miseráveis (2012)

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    Em 2001, com Moulin Rouge – Amor em Vermelho, os musicais ganhavam novamente destaque nas produções Hollywoodianas, com uma história amorosa que inovava no estilo cinematográfico e ainda era repleto de referências ao pop. Talvez não seja exagero afirmar que, ao lado do Western, é o gênero que mantém suas características próprias, sem diluir-se em uma mistura de gêneros que normalmente situam-se as produções contemporâneas que sempre dão espaço para o humor, ao drama, a ação, perdendo parte dos referenciais de outrora.

    Embora muitos não apreciem o gênero, parte da Era de Ouro do cinema americana foi fundamentada em torno de musicais. O Mágico de Oz, primeiro filme colorido, é uma aventura musical, um exemplo entre tantos outros filmes que transformaram suas canções em sucessos, ganhando força além deles.

    O musical é o gênero mais teatral. Quebra a ideia da verossimilhança a favor da arte. A procura de uma maneira de se expressar com maior intensidade, além da interpretação física e da modulação da fala prosódica. Ao utilizar a música como representação, o público reconhece o distanciamento da vida real, mas, por sua força, aproxima-o pelo elemento emotivo.

    Dirigido por Tom Hooper, do vencedor do Oscar de Melhor Filme Discurso do Rei, Os Miseráveis traz ao cinema a versão do musical da Broadway do romance do francês Victor Hugo. Um dos maiores sucesso do famoso teatro trouxe um conceito inédito ao se filmar o gênero. É o primeiro em que as canções foram realizadas direto da cena, sem a gravação prévia em um estúdio. As interpretações das canções mantem-se a favor da emoção das personagens e do desejo dos atores, mas falham se o ator não possui um bom gogó para conseguir refletir o que sente.

    Na trama, acompanhamos o ladrão Jean Valjean, que após roubar um pão e ser preso, decide redimir os erros de sua vida. Mas aos olhos da lei e do inspetor Javert, nenhuma mudança transformaria sua marginalidade. O que faz o inspetor persegui-lo durante a vida toda. Mesmo tornando-se um homem melhor, Valjean não reconhece o sofrimento de uma de suas trabalhadoras que cai em desgraça após ser demitida. É um novo sinal para recuperar sua crença e prometer que cuidará de sua filha, Cosette.

    A história trabalha, em toda sua magnitude que abrange o século XIX como um todo, o viés do tempo e das mudanças históricas. Acompanhando a vida de personagens que foram marginalizados tanto pelas misérias da vida como pela situação da França como país, aqui situado entre a grande batalha de Waterloo e a Revolução.

    Críticas mencionaram o exagero dramático da produção, mas é necessário pontuar desde já que um musical potencializa as ações representadas com maior intensidade e o próprio romance de Victor Hugo é uma narrativa romântica por sua construção sensível e representação crítica da sociedade.

    O grande pecado do filme é não saber diferenciar que o teatro tem formato diferente do cinema. No espetáculo da Broadway, pode ser funcional uma história de 160 minutos em que quase todas as falas são ditas de maneira cantada. No filme, o efeito soa artificial como se as personagens estivessem obrigadas a dizer suas falas somente dessa maneira. Até os musicais mais antigos se pautavam de maneira equilibrada entre números de dança ou voz e partes faladas que dão sequência a ação. Em uma história que permanece demais sequenciando canção após canção, a força das mesmas se perde. Ainda mais quando a gravação foi feita no decorrer da cena, evidenciando quem tem talento e quem fez aulas específicas para as filmagens.

    O astro da produção é seu protagonista, Hugh Jackman, que expõe seu talento vindo da tradição do teatro e, portanto, familiarizado com o estilo. O algoz da personagem, Russell Crowe, parece desconfortável em cantar, ainda que realize uma boa canção solo. O Oscar dado a Anne Hathaway é uma das premiações que se valeu de sua intensa cena solo, da canção mais famosa da trama, I Dream a Dream. Nas outras personagens coadjuvantes, Sacha Baron Cohen, em seu segundo filme musical, demonstra segurança tanto na interpretação como na voz e parece diferenciar sua carreira entre as produções próprias com personagens excêntricos  e aquelas mais tradicionalista que realiza com outros diretores.

    Tentando manter a fidelidade com o musical da Broadway, mesmo não sendo um espetáculo filmado, Os Miseráveis perde parte de sua alma como uma produção cinematográfica. A inovação de cantar do próprio estúdio não salva excessos que poderiam ser evitados se a adaptação não se apoiasse somente no espetáculo teatral, esquecendo que a sétima arte tem um formato diferente.