Tag: Sofia Boutella

  • Crítica | Fahrenheit 451 (2018)

    Crítica | Fahrenheit 451 (2018)

    Rahmen Bahrani foi escolhido pelo canal a cabo HBO para conduzir a nova versão em longa-metragem do clássico distópico de Ray Bradbury, e a roupagem que ele dá buscar modernizar, não só em cenários, figurinos e efeitos especiais, mas também na abordagem de seus personagens. Guy Montag (Michael B. Jordan), que no romance Fahrenheit 451 é mostrado como um sujeito pacato, torna-se aqui um bombeiro popular, que busca fama e se torna uma micro-celebridade pelo trabalho que faz, além de estar sempre de olho em uma promoção.

    Montag é sempre acompanhado pelo Capitão Beatty (Michael Shannon) e há uma relação amistosa e de admiração entre eles, quase como mentor e pupilo. Os dois passam seu tempo entre exibições em escolas, na frente de crianças impressionáveis, além de perseguirem as pessoas que possuem livros. Uma das razões utilizadas para justificar a queima dos mesmos pelo Ministério é a automatização, que além de tornar objetos antigos como esses obsoletos, também tem substituído a mão de obra humana com as máquinas.

    A escolha do roteiro de Bahrani e Amir Naderi escolhe culpar o culto a tecnologia pelo estado de coisas distópicos do filme, e essa repaginação tinha tudo para ser válida e uma boa forma de atualizar o conceito. Nem há como dizer que no livro de Bradbury isso não estivesse um pouco presente, mas o modo como é conduzido ao longo dos pouco mais de 100 minutos do filme é bastante estranho. Aparentemente, os mais pobres não tem acesso a esse mundo futurista ao estilo Blade Runner (aliás as referências ao clássico de Ridley Scott são muitas, especialmente na casa do capitão, que parece demais os escritórios onde Deckard investigava) e sim bem antiquado, sem luxos ou uso de aparelhos  que possam facilitar  qualquer interação com o cotidiano.

    Behrani sabia que estava trabalhando com um produto bem conhecido da cultura popular, além do que a  primeira versão de Fahrenheit 451 lançada nos cinemas é considerado um clássico de François Truffaut, um dos mais populares e palatáveis de sua filmografia, e claramente faltou um pouco de maturidade ao traduzir o material literário. Há um pouco de sensacionalismo e simplismo no modo como Montag descobre a leitura, e em como Beatty o influencia a evoluir. Talvez esse seja o maior mérito do filme, pois consegue transmitir as sementes entre mentor e discípulo.

    Esse quadro muda um bocado quando Montag se envolve com a bela Clarisse (Sofia Boutella), uma moça que ele encontra como informante de Beatty. Ao perceber essa aproximação, o mentor passa a enxergar seu herdeiro como alguém perigoso, com disposição a ir onde ele não foi, e essa possibilidade é sugerida no livro, mas aqui é tratada como verdade absoluta.

    Shannon faz o vilão que habitualmente costuma entregar, semelhante ao que já havia feito em O Homem de Aço e A Forma da Água, mas não vai muito além disso, e de certa forma, é decepcionante ver o potencial desperdiçado, não tanto pelo seu desempenho, mas sim pelo que poderia entregar ao personagem. Os momentos finais desse do longe remetem, novamente, a Blade Runner de Scott, com belas paisagens sendo mostradas e uma sensação de libertação do mal, embora obviamente seja a consciência de Montag que vaga por ali, e não uma alternativa ao fim do mundo como na adaptação do livro de Phillip K. Dick, mas aqui, este tom não desautoriza todo o restante da  história, ao contrário do filme de Scott, ainda assim, a versão deixa a desejar.

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  • Crítica | Clímax

    Crítica | Clímax

    Baseando-se em uma história real que aconteceu nos anos 90, Gaspar Noé retornou ao circuito em 2018 depois do seu último e controverso trabalho, o longa-metragem Love, de 2015. O argentino francês desde 1998 carrega consigo uma fama de causar grandes reações no público por conta de suas obras provocativas e consideradas por muitos como repulsivas, e o seu novo projeto não deixa de abrir portas para as mesmas interpretações, em uma fusão de gêneros e referências muito bem realizada o diretor entrega o melhor filme experiência do último ano.

    Filmado durante 15 dias e com um roteiro sem falas pré-estabelecidas, Clímax é recheado de diálogos improvisados e extensos planos sequência, esses que trazem coreografias de dança impecáveis. A dança é importante pois no longa acompanhamos um grupo de jovens dançarinos que parecem estar hospedados durante um bom tempo em um galpão afastado da cidade, tudo para que possam passar por longos ensaios. Em uma noite, enquanto comemoram entre si o sucesso do trabalho, as coisas começam a sair do controle quando descobrem que um deles batizou a sangria da festa com LSD. Dividindo o protagonismo com boa parte do elenco, no meio de tudo isso está Selva, interpretada pela hipnotizante Sofia Boutella.

    Noé começa o filme com entrevistas em uma televisão rodeada de DVD’s de grandes clássicos, e ao decorrer da narrativa consegue-se captar as diversas e pontuais referências desses filmes no trabalho do diretor, as cores do longa remetem imediatamente ao surrealismo do Suspiria, de Dario Argento, onde os cômodos carregam personalidades ditadas por suas cores específicas e faz com que a viagem alucinante das personagens aqui as levem a diferentes mundos. A performance poderosa de Boutella, por exemplo, relembra as cenas mais perturbadoras do clássico Possessão, de 1981, a atriz sustenta cenas extensas e indescritivelmente pesadas onde seu trabalho de corpo e voz soam tão reais quanto livres.

    Em alguns momentos Clímax parece até um musical, existem performances de dança perfeitamente coreografadas e bem filmadas que com o tempo se justificam nas diferentes reações que cada dançarino tem com a sangria batizada. Assistimos por dezenas de minutos essas pessoas se expressarem com seus corpos que quando elas já não são mais elas mesmas pelo efeito do alucinógeno, suas respostas corporais revelam uma natureza humana primitiva e nada coreografada, mas sim imprevisível. Em meio a planos sequência extensos e absurdamente complexos, movidos por uma trilha musical quase desconcertante quando no lugar da ironia, nos encontramos como espectadores impotentes, reféns de situações absurdas e que tocam em territórios íntimos. De um lado personagens extrapolando limites, e do outro espectadores imersos pelo choque, o que me faz acreditar que o longa se enquadre tanto como uma experiência, é impossível chegar ao fim de uma hora e meia como uma pessoa imutável, o filme fica com você.

    Noé segue com seu jeito único de filmar, sua câmera aplica estilo e ignora as leis convencionais, vemos de baixo, de cima, vemos girando, e ás vezes nem entendemos o que exatamente estamos vendo. Isso reflete também nos diferentes filmes que Clímax vai se revelando, vamos de um musical para um horror em instantes, é como se o próprio longa como unidade aproveitasse de limites ultrapassados para causar as mais diversas reações. O diretor faz algo parecido com um de seus outros filmes, Enter the Void, e nos embarcando em uma viagem difícil e que nos exige mais do que o normal, e no fim ter passado por essa montanha-russa deixa o mesmo gosto na boca que uma ressaca deixaria.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Atômica

    Crítica | Atômica

    David Leitch sempre foi um operário do cinema, que funcionava normalmente nos bastidores. Dublê, ator e treinador/coreógrafo de luta, seus trabalhos incluem Clube da Luta, Buffy: A Caça-Vampiros e Matrix Reloaded, onde trabalharia com Keanu Reeves e Chad Stahelski, seus parceiros em De Volta Ao Jogo. Leitch co-dirigiu o primeiro filme de John Wick mas não pode ser creditado, e agora, traz à luz seu primeiro longa-metragem realizado de maneira solo, Atômica (baseado na graphic novel de Antony Johnston e Sam Hart), que guarda muitas semelhanças com seu outro filme, ainda que tenha ambições maiores e diferenciadas das de Stahelski.

    As primeiras cenas em que a agente da MI6 Lorraine Broughton aparece são de uma beleza estonteante. A intérprete Charlize Theron exibe não só formosura mas também uma entrega corporal e sentimental enorme. A atriz se prepara para prestar um relatório e contar sobre uma missão que executou no ano de 1989, entre a Berlim Oriental e Ocidental, no epicentro da Guerra Fria. Esse início já estabelece tudo o que o espectador precisa saber: o mundo está em guerra não declarada, essa é a era dos espiões e não há possibilidade de confiar cegamente em momento algum, nem para Lorraine, nem para qualquer outro sujeito.

    Filmes de ação protagonizados por mulheres não são novidades. O Quinto Elemento e a franquia de seis filmes Resident Evil tinham como chamariz a performance de Milla Jojovich. Zoe Saldana também se tornou uma heroína de ação contumaz, e a própria Charlize havia executado alguns papéis, seja no péssimo Aeon Flux, ou no recente sucesso Mad Max: Estrada da Fúria. No entanto, thrillers de espionagem com personagens femininas não é algo que estamos mais habituados a ver, ainda mais um com caráter tão visceral e violento quanto Atômica. De certa forma, o longa reúne os momentos épicos de John Wick: Um Novo Dia Para Matar e da trilogia Bourne, em especial A Supremacia Bourne, que conseguiu equilibrar bem um subtexto de bastante importância com momentos de ação frenética.

    Os personagens são bem desenvolvidos, ainda que muitas dessas participações sejam pequenas. Os personagens de James McAvoy e Sofia Boutella são ótimos exemplos desse desenvolvimento. No entanto, é no apuro visual que mora o maior dos méritos do filme, que traz a luz lutas frenéticas e intensas. Os golpes secos desferidos e recebidos por Lorraine são de uma plasticidade e realidade poucas vezes vistos, mostrando que Leitch tem bastante similaridade com o trabalho de Stahelski, com segmentos tão inspirados quantos os de seu amigo e parceiro.

    Todo o alarde ao redor de Atômica prova-se certeiro. O filme é econômico em explorações dramáticas e prossegue grave no que se propõe a discutir, apesar de haver ali claramente uma ideia bastante idealizada do conflito polarizado no fim da Guerra Fria. Theron está impecável na personagem que entrega e a empatia com o espectador é intensa e imediata, visto que sua jornada, apesar de super-heroica, encontra paralelos com problemas universais. Há uma expectativa muito positiva em relação a Deadpool 2 e aos demais trabalhos autorais de Leitch.

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  • Crítica | A Múmia (2017)

    Crítica | A Múmia (2017)

    A falta de produtos originais faz Hollywood requentar fórmulas antigas com uma tática falida, apresentando tais produtos ao público como se fosse algo novo. Dark Universe, da Universal Studios é apenas mais um expoente desse filão, assim como é o universo da Marvel, DC, Monstros Gigantes (com Godzilla e Kong), e claro, como eram os clássicos de Monstros da Universal. A Múmia, de Alex Kurtzman, é a gênese disso, e como ocorre com seus personagens, parece haver uma maldição sobre sua cabeça.

    A Múmia teve seu primeiro filme em 1932, protagonizado por Boris Karloff em seu papel menos inspirado até então. Nesse ponto, a nova versão é bem fiel, já que tem um Tom Cruise cansado e nada inspirado, na pele do cafajeste bonzinho Nicky Morton, um sujeito que atrás de enriquecer, acaba parando no território da antiga Mesopotâmia, atual Iraque. Lá, se demonstra uma amizade entre ele e Vail (Jake Johnson), além de uma rivalidade/affair com Jennifer (Anabelle Wallis), uma arqueóloga idealista, bastante diferente de Morton.

    No prólogo, é mostrada a origem da criatura, no caso, a princesa egípcia Ahmanet, executada pela (desperdiçada) Sofia Boutella. Essa construção é repleta de boas ideias, mas também se demonstra cheio de problemas de execução, com uma exploração pueril do viés de maldição via sedução, sem conseguir replicar sequer os bons momentos da versão de Stephen Sommers, em 1999, uma vez que esse jamais se aceita como um filme trash, levando-se a sério demais.

    Quanto aos aspectos técnicos, há muitos equívocos, a começar pela fotografia que abusa da neblina e escuridão, matando qualquer chance de susto ou pavor que poderia ocorrer através das aparições do monstros. Os efeitos também são fracos, em especial quando aparecem animais, as escalas de tamanhos são confusas, mostrando normalmente ratos tão grandes quanto gatos e besouros que tem tamanho menor que baratas. O roteiro segue na confusão, tendo entre argumentistas e roteiristas seis pessoas diferentes. Atira-se para todos os lados e pouco se acerta, em especial no tocante as motivações dos personagens, que variam entre a credulidade e o ceticismo muito facilmente.

    A base do filme abuso do maniqueísmo. Não faz sentido a luta do bem contra o mal que é pretendida e claramente o texto tenta alcançar algo que não há como atingir. A pretensão de estabelecer um novo universo a se explorar faz com que as fragilidades dramatúrgicas fiquem ainda mais evidentes, tornando até as participações de Russel Crowe como Henry Jekyll algo caricato e banal. Sua personalidade aliás é de qualidade risível, uma vez que varia entre exposições bobas e show-off de transmutação e discursos piegas e vazios sobre a dicotomia entre humanos e monstros.

    A solução final para a resolução da tal maldição soa tão esdrúxula quanto a vista no recente Esquadrão Suicida, já que grande parte dos poderes envolvendo a tal múmia não ocorreriam se a organização de Jekyll não intervisse como o fez. Apesar de mirar muito alto A Múmia é bastante aquém de seu potencial, servindo apenas como um pontapé muito capenga para a nova franquia do Dark Universe, não convencendo sequer no final que estabelece para si, repleto de contradições que só denigrem as poucas coisas boas levantadas na história.

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  • Crítica | Kingsman: Serviço Secreto

    Crítica | Kingsman: Serviço Secreto

    Kingsman - Serviço Secreto

    A semelhança estabelecida entre Kingsman, a história em quadrinhos, e o filme, é parcial. Há um mote fundamental e cada desenvolvimento é feito à sua maneira, levando-se em consideração as diferentes mídias abordadas. Evitando apropriações indevidas, quadrinhos e cinema dialogam de maneira sincronizada, sem que um exagero de recurso de um ou de outro destoe da história.

    A narrativa de um grupo especial focado em operações especiais sigilosas surgiu durante a parceria do diretor Matthew Vaughn e o roteirista Mark Millar na adaptação de Kick Ass – Quebrando Tudo. Dessa maneira, cada um trabalhou com o mesmo ponto de partida, mantendo certa originalidade nesta obra, que é uma homenagem explícita aos filmes de espionagem antigos que apresentavam um mundo mais polarizado entre bem e mal.

    A referência quadrinesca do longa se mantém nas cenas de ação impossível, mas o foco principal é a paródia dos cinemas de espionagem. Mantêm-se, assim, as referências conhecidas pelo público, modificadas por uma visão que demonstra o quanto tais personagens são anacrônicas e estereotipadas.

    Vaughn continua seguindo em sua carreira uma tendência mista de adaptar quadrinhos mantendo o estilo de cada um mas trabalhando simultaneamente com a linguagem do cinema. As cenas de ação são bem compostas e evitam as câmeras lentas – usadas somente em uma cena de alto impacto –, preservando a referência contemporânea de filmes de ação com cenas ágeis ou brutas.

    Samuel L. Jackson interpreta outro personagem coadjuvante interessante, outra tipificação após o papel de velho escravo em Django Livre. Dessa maneira, o habitual excesso interpretativo do ator (conhecido como o motherfucker Jackson ou o massavéio dos massavéios) é deixado de lado para dar vida a um vilão bobo, um plano maligno e megalomaníaco como de costume, e uma língua presa que explicita sua caracterização de bobo.

    Na fronte dos mocinhos, representando um dos agentes Kinsgman, está Colin Firth como o tradicional britânico educado. O ator evidencia conforto nesse papel de ação e comprova estar sempre coerente em sua interpretação sendo, sem dúvida, um dos britânicos em atividade com maior habilidade em sustentar uma gama de personagens diferentes.

    Exagerando na metalinguagem, com personagens que falam sobre a própria impossibilidade dos filmes de espionagem, Kingsman ri do gênero como Kick-Ass riu dos super-heróis, uma replicação de um conceito realista que, mesmo parecendo cópia, foi bem-sucedida. Como roteirista, Millar demonstra talento em criar narrativas do zero, sem personagem pré-fabricados do eixo DC/Marvel. Ainda que uma parcela de seus leitores aponte-o hoje como um escritor que compõe suas tramas pensando na futura adaptação cinematográfica, o sucesso da produção confirma que o gênero quadrinhos é hoje uma das fontes de inspiração do cinema, tanto como novo argumento quanto como reciclagem de novas maneiras de narrar velhas histórias.