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  • Resenha | Superdeuses: Era das Trevas – Grant Morrison (Parte 3)

    Resenha | Superdeuses: Era das Trevas – Grant Morrison (Parte 3)

    O alvorecer da nova era começou com duas peças fundamentais: o artista Neal Adams, que em suas gravuras priorizava desenhos bem mais realistas que os dos seus antecessores, e, claro, Dennis O’Neil, que buscava referências ao The New Journalism, como Tom Wolfe, Norman Mailer e Jimmy Breslon, tentando tirar os quadrinhos do mundo cartunesco para aproximá-los ao mundo palpável e urbano. A parceria O’Neil/Adams possibilitou a mescla competente de gêneros tão distintos, como ficção científica e jornalismo. A fase dos dois com o Batman mostra isso de forma clara: o retorno ao soturno, tornando o Morcego algo grandioso novamente, deixando de lado a caracterização espalhafatosa e reaproximando-o da figura dos anos 30; lembrando-se, é claro, da invenção de Ra’s Al Ghull, um misto de Moriarty e Fu Man Chu, que remete a duas referências do personagem de Bob Kane, mas imortal, ainda contemplando característica quadrinística fantasiosa. Adams foi um profundo ativista a favor dos direitos autorais da dupla Jerry Siegel e Joe Shuster.

    Nas histórias, o divisor de águas foram as aventuras do Lanterna e Arqueiro Verde em sua fase Easy Rider, feita por O’Neil e Adams. O caráter de Hal foi regredido ao de um novato piloto de testes — novamente — aliado a um repaginado Oliver Queen, politicamente engajado para a esquerda e cheio de “razão”. Um dos pontos altos é a inversão de papéis, em que sua função de pai é questionada como a de um sujeito ausente, ao ver seu parceiro-mirim injetando heroína nas próprias veias.

    Capítulos mais tarde, um sujeito negro indaga a Lanterna o motivo de ele não ajudar a comunidade negra, e, neste momento, surge nos quadrinhos uma das primeiras demonstrações de um negro falando como um negro, e não de um branco pintado cuspindo gírias — sem contar o diferencial traço de Adams. A resposta do herói poderia ter sido altiva, demonstrando que já salvou o universo diversas vezes, o que inclui o povo marginalizado, mas, ao invés disso, ele abaixou a cabeça, assumindo seu papel de colaborador do conformismo e mantenedor do status quo. A dupla ainda delongaria no assunto, apresentando John Stewart como substituto de Hal Jordan, um arquiteto negro de conjuntos habitacionais que abriu mão de sua máscara afirmando que não havia nada em sua vida para esconder. Depois disso, a Marvel apresentou alguns exemplares de Black Heroes:  Pantera Negra de Wakanda; a dupla do Capitão América em sua própria versão de Lanterna/Arqueiro, o Falcão; e o ideal blaxpoitation de cabelo blackpower e roupa de pimp: Luke Cage.

    Um autor mais cáustico que seus contemporâneos era Steve Gerber, que usava sua criação Howard, o Pato para fazer um contraponto aos quadrinhos heroicos. Howard era irônico e até concorreu à presidência, tamanha sua popularidade em meio aos jovens universitários. Gerber também foi responsável pelo supergrupo Os Defensores, formado pelos heróis isolados Hulk, Surfista Prateado, Doutor Estranho. Enquanto isso, o cinema desconstruía a ambiguidade pós-Vietnã e pós-Watergate com a saga Star Wars.

    O autor declara sua predileção pelo punk, ainda que tenha aderido ao movimento em 1978, após sua decadência. O modo de pensar dessa “geração” o influenciou nos escritos que viriam no futuro, e influenciaram também a forma como ele enxergava os mitos heroicos, usando Ali X Superman como figura simbólica do quanto aquele tipo de história tinha se tornado irrelevante para ele.

    Os heróis tradicionais perdiam cada vez mais espaço. O único resquício que ainda permitia era o gênero Space Opera, com seu Star Wars, misturando trama novelesco com ambientação sci-fi. Os X-men de Chris Claremont beberam muito dessa fonte. Len Wein, editor do título, permitiu liberdade a Claremont que enxergou na causa mutante algo muito popular: o apelo à minoria, ou a quem se achava minoria, em especial os adolescentes revoltadinhos. Em 1979, o traço de John Byrne ajudou a dar contornos definitivos e clássicos aos mutantes multi-étnicos e de bandeiras variadas.

    Morrison começa a narrar suas próprias aventuras das primeiras publicações num tom auto-biográfico. Sua vida vira um dos seus objetos de análise, como no capítulo anterior em que descreve sua predileção ao punk rock. O autor passou a escrever o número Capitão Clyde, que teve vida durante 3 anos e 150 aventuras em tiras de jornal, semanalmente.

    Para apimentar ainda mais a recente questão de Grant Morrison contra Alan Moore, o autor destaca os méritos do barbudo escritor à frente de Miracleman, ao mesmo tempo em que destaca a personalidade do sujeito:

    1) Moore usava a falsa modéstia para se promover, dizendo que não era o Messias, mas sua ostentosa barba e ar blasé diziam o contrário.
    2) Seu Marvelman era maravilhoso, pois invertia o mito de Mick Anglo, fazendo de Mike Moran um velho barrigudo decadente — como os fãs de HQ — tornando-se a figura imponente do herói atômico.
    3) O confronto Micracleman x Kid Miracleman  = demonstração de como seria uma luta real entre dois superseres, com direito à crueldade ultrarrealista por parte do vilão onipotente, com sodomias, empalamento e taxidermia às avessas.
    4) Por trás dos panos havia muita subversão, como a homossexualidade disfarçada de admiração de Miracleman Jr.
    5) Futuro utópico, movido por deuses de carne e osso. Criação do selo Vertigo, histórias adultas, com liberdade criativa e royalties para os autores.

    Após o sucesso de Demolidor e Ronin, em que juntava as influências do mangá com a mitologia super-heroica americana, Frank Miller reformula a lenda do Batman, com o seu Dark Knights Returns. O Batman deixou o perfil criado por Bob Kane para assumir um ar mais anti-herói marginal, aproximando-se de Don Corleone e dos cowboys de Eastwood. Sem deixar de mencionar, é claro, os maneirismos do autor, que resgatou formas de narrar pouco convencionais. Morrison destaca Watchmen como um arroubo de criatividade que se utiliza dos mais geniais recursos narrativos, tão únicos e bem urdidos que fazem de Moore uma divindade que desconstrói cada um dos ideais heroicos, inclusive traçando paralelos com os heróis genéricos da Charlton, mas igualando-os ao panteão do universo DC.

    Os quadrinhos europeus tomavam o rumo das graphic novels, com produtos vendidos diretamente nas livrarias, ao invés de lançados em bancas. Já no universo “enfadonho” dos super-heróis, acontecia a mega-saga Crise nas Infinitas Terras, de Wolfman e Perez, que anexava todo o multiverso numa única realidade. A última história do Superman da Era de Prata era a cargo de Alan Moore, criticado por ter feito o alienígena chorar nesta trama. Já em sua reformulação, executada por John Byrne, Clark era atlético e perfeito, de volta ao status de último filho de Krypton.

    O Justiceiro dos anos 1980 tornara-se o anti-herói da direita, implacável como o Batman de Miller, mas sem o “estofo” intelectual de suas histórias. Morrison fala um pouco de seus trabalhos em Homem Animal e a quebra da realidade ficcional, e de Patrulha do Destino, no qual agrupou muitas das influências pop que tanto adorava, inclusive o dialeto dos marginalizados, gays, negros, punks, muçulmanos, quase todos os grupos que sentiam necessidade de serem representados. E, claro, Asilo Arkham, com seu Coringa de salto alto, prenunciando o travesti de Ledger em O Cavaleiro das Trevas, de Chris Nolan. Watchmen foi um divisor de águas, transformando quase tudo que levava o tema “super-herói” em algo bobo. Uma nova forma de abordar os quadrinhos nascia, com Sandman, de Neil Gaiman, como um desses representantes.

    O selo Vertigo era inaugurado, com uma autonomia muito grande junto aos autores, tanto com royalties como com liberdades criativas. A ascensão de Liefeld e McFarlane veio para estourar a bolha dos roteiristas ingleses, que se sentiam os maiores responsáveis pelo sucesso dos quadrinhos. A fórmula de visual superestiloso em detrimento da história predominaria especialmente com a ascensão da Image Comics. O público da Image era a Geração X, que exigia anti-heróis bombados, amorais, com trabucos a tira colo e zero medo de cometer homicídio. Resumindo, o massavéio pelo massavéio, sem necessidade alguma de conteúdo. Spawn teve Gaiman, Moore e Morrison nos roteiros de suas primeiras edições.

    Moore saiu brevemente de sua aposentadoria para mostrar a Batgirl ser aleijada, enquanto Kyle Hayner, o novo Lanterna Verde, encontrava sua namorada esquartejada na geladeira — os comics tradicionais tentavam chocar pelo grotesco, em resposta à violência descerebrada da Image. O último capítulo é introspectivo, onde o autor conta a sua reinvenção como escritor de quadrinhos, e até fisicamente, já que seus cabelos caíam e ele assumia, finalmente, sua careca.

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  • Resenha | Superdeuses: Era de Prata – Grant Morrison (Parte 2)

    Resenha | Superdeuses: Era de Prata – Grant Morrison (Parte 2)

    No final da década de 50, os editores (Mort Weisinger que trabalhara na série de tv) de Superman decidiram explorar a figura heroica em histórias de fantasia-científica (espaciais) difícil de reproduzir em qualquer coisa que não fosse quadrinhos. Os roteiros davam ênfase para o sensacional, e a arte era quase toda por conta de “Wayne Boring”, que Morrison critica como desenhista datado e preso a métodos ultrapassados de contar histórias, o herói de proporções titânicas era reduzido a algo que mãos pequenas poderiam tomar para si.

    O ideal heroico, graças a Weisinger, mudaria muito, do ideal chauvinista social para algo próximo do divino, espelhando a condição e o poderio dos EUA sobre o resto do mundo. Otto Binder e Edmond Hamilton entraram para a equipe criativa e fundamentaram o conceito “familiar” para o antes órfão visitante de Krypton, trazendo uma prima e a legião de Superpets, movimento semelhante ao que Bender e Hamilton fizeram com a Família Marvel de Billy Batson e seu herói movido pelos poderes do mago Shazam. Morrison traça um paralelo curioso entre a fase da revista de Jimmy Olsen onde o repórter se travestia de mulher, macacos etc, com histórias de cunho underground e contestador contemporâneas. Já com Super, as coisas iam por um viés machista em sua relação com Lois, quase sempre punidor com um cada vez maior distanciamento de um enlace matrimonial, esse comportamento tinha um pouco de misoginia presente e evidentemente muito medo do compromisso. Talvez essa postura fosse uma crítica de Weisinger a mulher independente – como Lois Lane, ganhadora de um Pulitzer – com uma mensagem que buscava retomar a figura da mulher submissa e ocupada com os afazeres da cozinha. Talvez a possibilidade mais plausível  para a mudança seja uma resposta ao código de ética, que fala sobre relacionamentos: “a paixão nunca deverá ser tratada de forma a estimular as emoções mais baixas. A abordagem das histórias deve enfatizar o valor do lar e a santidade do casamento.” Ora a indústria era formada por marginalizados, desprezados e rejeitados, que em seu duro ofício tentavam sobreviver, e poderiam através do subtexto passar uma mensagem importante para si. Cada vez mais longe de assuntos que tocassem o político, as histórias dos kryptonianos priorizavam a perfeição física que demonizavam pessoas carecas, gordas ou os desprovidos da beleza dita normal. A quase onipotência do anabolizado herói elevaram as aventuras para patamares cada vez mais absurdos e irreais.

    Surge Robin, o parceiro mirim e personificação da infância perdida de Batman – de onde Frederick Wertham buscou referências, e quem aliadas a paranoia a sua auto-análise, via um comportamento homoerótico. Tal associação parece ter afetado o herói de pernas de fora, tornando sempre inseguro e enciumado de qualquer aproximação de Batman a qualquer ser vivo ou inanimado, achando sempre que seria substituído. Batwoman, Kathy Kane se mostrava uma mulher dominadora e logo arrebatou a atenção do Morcego, com a choradeira de Robin, esta tornou-se na opinião de especialista na revista com maior possibilidade de “conversão” ao “homossexualismo”.

    Os heróis cientistas, representavam o ideal ligado aos anseios de Jack Kennedy – o exemplo máximo era Barry Allen. Flash era o herói preferido de Morrison, e foi este que primeiro quebrou a quarta parede, e o influenciaria em Animal Man. Shwartz fez um universo compartilhado, Flash era amigo de Hal Jordan, que por sua vez conhecia Ray Palmer e por este caminho seguiu a toada.

    Jack Kirby e Stan Lee resgatavam com o Quarteto algo somente visto em Superman de Siegel, heróis espaciais, com poderes espaciais, mas com os pés no chão, mais próximos da realidade que os homens titânicos da DC. A família tinha em seu caráter a mesma vontade de JFK, vencer os comunistas na corrida espacial. Os super-homens Marvel eram cientistas, o Quarteto Fantástico era composto por astronautas, Bruce Banner era físico, Hank Pymm físico de partículas, Parker fazia faculdade de Ciências, Don Blake era médico.

    Lee e Steve Ditko criaram o herói adolescente solo: Homem Aranha. O autor escreveu no final de Amazing Fantasy #15:o herói que podia ser você!” trazendo um novo patamar de realismo para suas histórias. Mais do que isso, Stan Lee tornou algo amedrontador e escuro em algo heroico e multi-colorido, os heróis da Marvel faziam uso do milagre nuclear, sendo este a fonte de poder da maioria dos seus espécimes. Homem Aranha era o herói nerd e trágico. A Marvel parecia ter uma preocupação maior com as consequências dentro das histórias e com o universo compartilhado. Os calcanhares de Aquiles do Marvel Heroes não eram a madeira ou as pedras alienígenas, mas sentimentos e segredos mortais.

    O Batman nos anos 60 era tão pueril quanto o telefilme Cassino Royale de 1967, mas à época e aos olhos de uma criança assistindo aquilo numa televisão de péssima resolução em preto e branco, aquilo tudo era eletrizante. Como na outra Era, outra guerra levaria os heróis a cair em um mar de irrealismo, o Vietnã levou muitos jovens e toda aquela crueldade devastou a auto-estima do americano, que se sentia como um perdedor.

    Julius Schwartz teria a ideia do Multiverso, diferencial da DC, que tentava tirar o atraso junto a Marvel. O exemplo mais notório disso é a história Flash de Dois Mundos, em que o conceito de viagem do Tempo tirou da aposentadoria Joel Ciclone e outros: Sandman, Homem Hora, Pantera, Senhor Destino, Doutor Meia Noite, e outros heróis da SJA e Era de Ouro, fora é claro outras realidades como a Terra X e o Sindicato do Crime. Schwartz dizia que Terra em que vivemos é Terra Primordial, parte integrante do multiverso, e já se inseriu em algumas histórias do Flash, encontrando-se com seu alter-ego.

    Morrison aponta os Novos Deuses como a obra-prima de Kirby, e usa uma fala de Neil Gaiman para exemplificar o que significava para ele: um gênio, que sabia tratar tanto de histórias suas, quanto de personagens de outros autores. Por questão de número de vendas, que não eram baixas, mas eram aquém das expectativas por ter seu nome na capa, foram canceladas, e impediram-no de concluir sua história. O golpe o magoou e ele só pôde concluir sua história na tacanha Hunger Dogs, já geriátrico, com apenas 60 paginas – muito pouco – e seu traço já  estava ultrapassado, além de muito primitivo gracas provavelmente a dificuldade motora que adquirira. Mas ele ainda faria Omac em 1974, que só viria a ser plenamente entendido anos após seu lançamento. Destaca boas sagas da Marvel como eco dos News Gods, usando Guerra Kree-Skull de Roy Thomas, e Odisseia Cósmica e Metamorfose de Jim Starlin. Todas sagas cósmicas, espaciais, viagens de ácido tanto no visual quanto no roteiro bastante louco com um caráter psicodélico de pop art psycho-sci-fi. No fim desta Era a Marvel solidificava-se cada vez mais como editora mais popular e pioneira, a essa altura já desafiara o Código de Ética dos Quadrinhos mostrando Harry se drogando, Rick Jones ficava chapado na zona negativa e tais subversões preveriam a próxima época, de forma cínica e explorando mais o amoralismo.

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  • Resenha | Superdeuses: A Era de Ouro – Grant Morrison (Parte 1)

    Resenha | Superdeuses: A Era de Ouro – Grant Morrison (Parte 1)

    Grant Morrison é um dos expoentes da chamada invasão inglesa dos comics americanos nos idos dos anos 80. Seu começo nos quadrinhos dos EUA foi com Homem Animal, transformando um reles coadjuvante em um personagem com histórias complexas e das mais populares. Com o tempo, angariou bons momentos na retomada à fase séria da Liga da Justiça, repaginou heróis como Batman e Superman (este nos pós-novos 52) e foi responsável por mega-sagas, como DC Um Milhão e Crise Final. Em Superdeuses, Morrison prometeu fazer uma análise meio jornalística e meio literária, no que ele chamava de panteão moderno, apontando os vigilantes coloridos como o novo Olimpo e novo objeto de adoração das multidões. Seu texto – e esta análise consequentemente – se divide cronologicamente em quatro Eras, e esta é a A Era de Ouro.

    Os heróis dos anos 1940 tinham um bocado de ambientação fantástica e o escapismo era uma alternativa para a paranoia das guerras que ocorreram no mundo. O autor escocês relata que se inspirava nos super-feitos dos arquétipos heroísticos para ver seu mundo de uma forma mais positiva e idealizada. A ideia do Super-Homem não precisava ser real, necessitava apenas superar o ideal da Bomba – visto que este começou a desfrutar dos quadrinhos na época da Guerra Fria – no imaginário do pequeno menino sonhador.  O Superman era tido por ele e pelo público como um ideal, físico e comportamental. Seria uma contraposição à grave crise econômica pela qual passava a América, e que ainda repercutia com grandes empresários vivendo em condições de vida miseráveis. Aliada a essas dificuldades, contava também a ascensão de Adolf Hitler como chanceler na Alemanha.

    Um dos pontos mais louváveis é a fluidez que a leitura proporciona. Morrison consegue passar o conhecimento de forma natural, sem ser enfadonho ou didático demais, mostrando conteúdo bastante relevante numa fórmula de equilíbrio pouquíssimo vista em ditos similares. Para ele, a capa de Action Comics, em outro tempos, seria uma referência à industrialização, com ênfase no carro como elemento de fascínio capitalista. Em contrapartida, Superman era assumidamente um representante das classes menos favorecidas,  criado por uma dupla de judeus que se utilizava da historia de Moisés, outro herói libertador.

    “Superman original era uma reação humanista e audaciosa aos temores do período da Grande Depressão, do avanço científico desregrado e da industrialização sem alma”.

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    Superman era a figura poderosa e perfeita, mas a sua contraparte não. Hercules, Teseu e outros heróis eram fortes o tempo todo e não permitiam nenhuma nuance ou dúvida de seu poderio quase infinito. Já Clark Kent era inseguro, com problemas com as garotas, tinha um patrão que o cobrava e um trabalho que exigia muito suor e esforço para ser exercido. Este arquétipo gerava uma fácil empatia nos leitores, assim como Homem-Aranha em seus primórdios – pioneirismo que cabe a Shuster e Siegel, e não a Stan Lee como tanto se fala. A figura de Salvador de outro lugar, papel que o herói veio a tomar com múltiplas interpretações de seu mito, precisa de sacrifícios, e o do Super-homem era o de ser um homem sem pátria, sem passado.

    Batman diferia muito do outro herói da National, com um misto de terror gótico de ar barroco e ficção pulp. Suas primeiras histórias exploravam um mundo mais sujo, urbano, visceral, com vilões ligados ao crime organizado das drogas. Um mundo mais corruptível, especialmente se comparado ao do Super. Seu nêmese, o Coringa, seria de suma importância para a lenda do Morcego. O visual andrógeno e camaleônico precederia David Bowie, Madonna, Lady Gaga e até Prince. Batman era o contraponto do Superman em muitos aspectos: Superman era o dia, Batman a noite; Superman era apolíneo e Batman dionisíaco, apesar de começar como um ícone socialista; Super tornou-se o ideal capitalista, já Batman era a exploração do dinheiro por meio de Bruce e de sua aventura escapista e fanfarrona através do capuz. Era um milionário que descontava sua fúria infantil nos bandidos e reforçava os valores de hierarquia; enquanto Superman era o ideal de combate ao crime exageradamente otimista, Batman era uma busca cínica para a solução dos problemas sociais, por meio da violência punidora.

    Batman e Superman inspiraram muitos, inclusive os criadores da Timely (futura Marvel), que, com seu Namor e Tocha Humana, fazia heróis que “desciam do Olimpo” e personificavam as forças da natureza. Namor tinha uma personalidade um tanto rebelde, prenunciando figuras com James Dean e Marlon Brando, um protótipo do anti-herói. Flash (Joel Ciclone) foi o primeiro super-homem acidental, também prevendo o que seria uma praxe nos heróis-Marvel.

    Nos anos 40, Superman foi transformado em um bom moço mantenedor do status quo, diferente do herói contestador e intervencionista idealizado pelos meninos judeus. Seu viés revolucionário foi tolhido, como a libido de Elvis foi substituída por farda e cabelo de recruta, como um lacaio preso ao esforço de guerra recriado por um setor de propaganda. A coisa mudaria de quadro timidamente com o Capitão América, de Joe Simon e Jack Kirby.

    Morrison ainda destaca o surgimento de alguns heróis marcantes, e faz citações a muitos deles, como Capitão Marvel, Mulher Maravilha, Marvelman etc. Também enfatiza que, com a guerra, o público procurava produtos de cunho escapista, algo para se distrair, figuras heroicas pelo mundo, cada uma com importância única: Astroboy e Gigante de Ferro no Japão; a sensualidade de Barbarella na Bélgica; Diabolik e tantos outros produtos de natureza erótica, ou não, provindos da Itália. Esses personagens costumavam ostentar os estereótipos de seus países como caracterização, ou então usavam as cores da bandeira como uniforme, exemplos de Guardião, Capitão Bretanha etc.

    O período imediatamente pós-conflito sepultou o interesse do público por super-heróis coloridos, distantes demais dos sofrimentos causados pela guerra. A busca pelo irreal prosseguiu para um lado oposto: zumbis, junkies, serial killers, monstros radiativos: ascensão do gênero Sci-fi.

    O americano neste momento era próspero, e diante do poderio da bomba, aqueles vigilantes coloridos e bidimensionais ficaram bobos. A Era de Ouro, como em seu começo, terminou com o Superman ainda em alta, graças, e muito, aos investimentos da TV, com George Reeves. Porém, quase todos os outros eram vendidos cada vez menos.

    Os quadrinhos de terror quase explícitos da EC Comics ajudaram a fomentar um discurso demonizador da mídia, o que acabou atingindo os super-heróis. O nome do imbróglio era Fredric Werthan, e o motivo da discórdia era o seu Sedução do Inocente. Na visão de Morrison, Wertham utilizou os quadrinhos da EC como desculpa, um precedente para atacar  os pueris vigilantes mascarados. Os homossexuais se levantam, querem ser ouvidos e ter seus direitos legitimados. A corrida espacial começa e olhar para uma revistinha tende a ficar menos interessante diante destas e de outras reivindicações.

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