Crítica | O Grande Kilapy
Com um início narrado como um conto de um senhor lusitano de meia-idade, O Grande Kilapy necessita de legendas para ser completamente contemplado e entendido. Curiosamente, é com este mesmo espírito que se faz necessário analisar a trajetória do personagem de Lázaro Ramos. Kilapy é sinônimo de trapaça, golpe, e João Fraga é um autêntico malandro que, em um ambiente que deveria ser para ele o da exploração de mais valia, acaba sendo um picadeiro para suas peripécias.
A atmosfera política do filme compreende o período de ditadura de Salazar, e expõe sem pudor o modus operandi dos repressores aos possíveis comunistas, ainda que aborde tal questão com uma espírito cômico. A Angola, prestes a se livrar do julgo português, serve como símbolo da ainda muito presente escravização dos colonizados, e João servia como uma resposta sexualizada àquela opressão que sofria todo o país, barbarizando as moças de alta classe, como um Don Juan que ainda assim teimava em não se envolver com política.
A direção do angolano Zezé Gamboa é pontual para revelar os meandros do cenário político de seu país. As cenas em plano americano são bem urdidas, pressionando o filme a uma profundidade que não se compreende no roteiro de Luís Alvarães e Luis Carlos Patraquim. O elenco feminino é muito bem amarrado, munido de belas moças que fazem jus à fama de galanteador do personagem-título.
Apesar de estar bastante à vontade no papel, Lázaro Ramos não consegue fazer abrilhantar o filme, sem sequer superar os agravos da produção ser orçamentada por baixo. O conteúdo sequer chega a beirar o ativismo político, mas se preocupa em fazer graça com o tratamento que o exército tem com o cidadão que nada faz. João é vítima da típica e irônica paranoia dos mandatários do regime ditatorial, mas não há uma preocupação demasiada em traçar perfil nenhum de política e nação no argumento original.
Apesar de o final sinalizar uma maior maturidade na discussão, O Grande Kilapy carece de uma abordagem mais assertiva, uma vez que tem buracos imensos no roteiro e uma clara dificuldade em contar uma história que tenta se equilibrar entre uma comédia e um filme de mote político, não acertando nem no humor, visto que faz pouco rir, e nem no espectro social, já que arranha a superfície do que foi o panorama da ditadura angolana. Gamboa até mostra uma boa predileção em suas cenas filmadas, mas nada que salve o filme da mediocridade do circuito.