Tag: Zoë Kravitz

  • Review | Alta Fidelidade – 1ª Temporada

    Review | Alta Fidelidade – 1ª Temporada

    Maior que uma homenagem, Alta Fidelidade é uma jornada de amadurecimento.

    Em dias de isolamento social, uma série que é um afago para os corações obcecados por música e assumidamente depressivos. Alta Fidelidade, o cultuado livro do Nick Hornby que já havia virado um filme dirigido por Stephen Frears acabou de ganhar também sua série. Lançada no último fevereiro no Hulu,canal de streaming da Disney, essa nova versão reverencia o romance e ao mesmo tempo o filme de várias maneiras, fazendo uma atualização considerável na tentativa de contar uma história mais atraente e palatável para um novo público.História que ainda conversa com muita gente, que se vê representada nesse mundo e por alguns de seus personagens,crentes que a cultura pop é o que existe de mais importante na vida. A série é capaz de agradar quem faz seu primeiro contato com Alta Fidelidade, mas funciona muito melhor para os adeptos da filosofia de Hornby em sua obra mais aclamada.

    Ao longo dos últimos trinta anos, Rob (Fleming no livro e Gordon no filme) ganhou status de ícone entre uma juventude fissurada por rock e mal ditava sua miséria pessoal às músicas que viveu escutando e às letras tristes que moldaram sua personalidade. Sem olhar para o próprio umbigo, prega que esse consumo é o que está de fato consumindo as almas de milhares de adolescentes no mundo. Para ele, a culpa da tristeza massiva é da indústria cultural e as pessoas, engolidas por esse fenômeno, nem desconfiam.

    Exaltado por esses vícios e exageros, mas estagnado no mesmo emprego sem qualquer perspectiva de melhora, ruim de grana e persistindo em culpar os outros por tudo de errado em sua vida, não há culto que se sustente.Virou consenso que esse protagonista é o tipo de arquétipo que precisa ser superado. Já que ele não apresenta qualquer redenção em sua trajetória. Rob, começa a história sem entender porque a Laura, sua última companheira o deixou. Durante esse percalço todo ele até descobre, mas não toma qualquer atitude a respeito disso. E termina com Laura mesmo assim, depois de prejudica-la bastante.

    Esse dilema está no coração da nova roupagem de Alta Fidelidade. Como os “desvios de caráter” tratados no filme de vinte anos pegam mal, a produção viu na segunda adaptação uma oportunidade de mudar as coisas. Fazer do protagonista um melhor exemplo (?!), mas ainda problemático. Então, a ideia da mudança mais significativa que esse reboot apresenta: Rob agora é uma mulher do Brooklyn, vivida por Zoe Kravitz. Menos explosiva, mais simpática e igualmente paranoica e apaixonada por seus discos. A Rob da Zoe também não se redime. Se mostra egoísta e não tem medo de ferir os outros, mas não é nem de longe a bomba atômica que John Cusack encarnou um dia.

    Proprietária de uma loja de discos, ela está passando por uma fase turbulenta no amor. Seu relacionamento acabou de maneira traumática e seus últimos dias andam terrivelmente angustiantes por não conseguir emplacar mais nada após esse término. Teve oportunidades, conheceu (e está conhecendo) gente, mas continua perdida. A coisa mais charmosa na história ainda é esse ponto: quem nunca teve o coração partido a ponto de isso destruir completamente sua rotina? Te fazer evitar trabalho e amigos? Rob passeia por todas as esferas de sua vida, relembra os traumas de relacionamentos anteriores, sua relação com a loja e com seu irmão, para chegarmos até o que importa: o quanto esse problema significa pra ela, e claro, isso é realmente um problema?

    Essa abordagem é mais próxima da história original de Hornby. Ao se aproximar mais de Rob como alguém que está emocionalmente quebrada e ao invés de partir para uma guerra contra o EX, ela vai se conhecer melhor. E fazendo isso ao longo de alguns episódios, permite que acompanha a série também se aproxime de Rob e do seu universo. O próprio capítulo que vai contar o background de Simon, ex-namorado dela e hoje atendente de sua loja é uma excelente adição e enriquece o vínculo com tudo o que se passa na trama.

    Muitos tributos são prestados. Coisa que só tem no livro é citada, coisa que só acontece no filme é citada e situações que acontecem nos dois também… As vezes indiretamente e as vezes – palavra por palavra.Até o figurino acaba sendo revisitado. Zoe Kravitz é filha de Lisa Bonet, que faz a Marie De Salle no filme… Mas esses sinais que são distribuídos ao público não são o que define a nova série.A personalidade da protagonista e as pessoas à sua volta são praticamente um começo do zero, claro, com o devido respeito àquilo que é sua fonte.Simon e Cherise são Dick e Barry em sua essência, mas ao serem traduzidos para o ano de 2020 e com a possibilidade de serem melhor trabalhados, eles oferecem mais.

    Para o piloto, a série apresenta na direção o ex-baixista dos Lemonheads, Jesse Peretz que previamente já havia trabalhado numa outra adaptação de Juliet Nua e Crua enquanto quem dirige a maioria dos episódios da série é Jeffrey Reiner (responsável por alguns episódios da segunda temporada de Fargo). É importante que sejam essas pessoas trabalhando em Alta Fidelidade porque é o que ela tem de melhor para oferecer é a imersão e intimidade com as ruas do Brooklyn, com os bares visitados, com a música pulsante, a loja de Rob e com as vidas das pessoas que circulam por ali. O toque de rock que eles trazem possibilita essa magia, especialmente, num momento em que as pessoas se encontram limitadas no que diz respeito a ocupação de espaços.

    É difícil trazer um clássico para conversar com outra geração, e até arriscar passar através dele uma nova mensagem também. Mas Alta Fidelidade consegue, desperta nostalgia e ao mesmo tempo também projeta as questões de numa nova geração, sem abrir mão do que tinha de melhor. Ao recontar tudo isso em paralelo com sua personagem principal, buscando essa nova perspectiva, é a história que amadurece. Se revela como o já que foi, sem arrependimentos, mas ainda o que é e tudo o que pode vir a ser. Conversando com jovens que tem uma relação 100% digital com a música ou sequer pisaram numa loja de discos na vida. Mas com certeza, já levaram um pé na bunda e se afogaram numa música lamentosa.

    Texto de autoria de Gabriel Caetano.

  • Crítica | Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald

    Crítica | Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald

    Após toda uma saga de filmes e livros do bruxinho criado por J. K. Rowling, a escritora passou a escrever os roteiros que adaptavam suas obras, sem intermediários. Em Animais Fantásticos e Onde Eles Habitam a mudança do foco narrativo para um mundo de bruxos mais adulto acerta em cheio, mesmo que o personagem principal Newt Scamander, de Eddie Redmayne, seja absolutamente desinteressante, seus coadjuvantes salvam a exibição. Em Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald há uma tentativa do diretor David Yates seguir esta tônica, mas ele acerta em alguns elementos e erra em tantos outros.

    A história começa em 1927, mostrando Johnny Depp como o personagem vilanesco que dá nome ao longa, com cabelos e barba grande, por conta de seu aprisionamento. Apesar da figura de Depp ser deplorável (ainda mais depois das acusações sérias de assédio feitas por sua ex-companheira), a composição visual é boa, o grisalho dos pelos é bem fotografado e toda a sequência de ação inicial é de tirar o fôlego, valorizando toda a atmosfera barroca da obra, tendo já no início algo que faz valer o ingresso dos fãs a apreciar a adaptação dos personagens de Rowling, o problema é que esse êxito não se repete nas outras partes do filme. Redmayne continua em sua performance monotônica, como uma música que insiste demais na mesma nota, e dessa vez, nem Tina (Katherine Waterston) e Jacob Kawolski (Dan Fogler) tem brilho suficiente para balancear a falta de carisma do protagonista. Fica a interrogação sobre o motivo do retorno de Jacob, já que ele tem pouca ou nenhuma importância dramática real, servindo apenas como alívio cômico que já não funcionam tao bem como no primeiro capítulo da série.

    A nova versão de Alvo Dubledore, de Jude Law, faz um personagem sóbrio, econômico e que demonstra seu brilhantismo e complexidade de maneira bem discreta e sem exageros, como Depp as vezes faz durante os longos 134 minutos de tela. Apesar de pouco contracenarem, Newt e Alvo parecem bem íntimos e as pontas soltas que são amarradas aqui fazem um sentido tremendo.

    Ao menos visualmente o filme acerta e muito. Os tais animais fantásticos são lindíssimos e o design deles é deslumbrante. O dragão / cavalo marinho que aparece no longa é muito superior ao Smaug, de Peter Jackson, mostrado em O Hobbit: A Desolação de Smaug, como aliás havia já ocorrido em outro filme da franquia e de Yates, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2.

    Pelo meio do filme se percebe que o roteiro deste é bastante refém do primeiro filme, ainda que não repita os momentos de brilhantismo do original. Até os personagens que aparentemente morreram retornam, incluindo aí Credence, de Ezra Miller, que tem um papel fundamental na trama, mas sem o corte de cabelo horroroso que tinha antes, ainda que sua caracterização neste episódio não ultrapasse o caráter de caricatura, uma vez que ele não evolui e segue como o garoto sem perspectivas e de olhar baixo.

    O tour pela Europa é injustificado, assim como a enrolação dramática para resolver os problemas, claramente não havia história para durar mais de duas horas e os momentos acessórios soam desimportantes ante a trama de Grindelwald. O ritmo deficitário faz lembrar O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos e Uma Jornada Inesperada. Até as referências e easter eggs soam oportunistas e mesmo o discurso segregador do vilão é também diluído, em mais uma enfadonha referência a Donald Trump e outras figuras execráveis, mas sem dar peso e importância dentro da história. Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald tem bons momentos visuais, mas não tem a mesma qualidade e maturidade do primeiro longa.

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  • Crítica | Insurgente

    Crítica | Insurgente

    Divergente - Insurgente- poster

    Segunda parte da trilogia escrita por Veronica Roth, a sequência de Divergente, lançado há apenas um ano, chega aos cinemas revelando a urgência de produções-pipoca com bilheteria garantida, mesmo que uma trama sem fôlego seja um ponto crítico.

    Como resumo dos fatos anteriores, um vídeo institucional em que a líder, Jeanine Matthews (Katie Winslet), apresenta ao povo, pontua os preceitos básicos desta série distópica na qual a sociedade é divida em facções de acordo com os dominantes psicológicos de cada um: altruísmo (abnegação), amizade (generosidade), audácia (coragem), franqueza (sinceridade) e inteligência (erudição). Entre eles, há quem não se encaixe em nenhuma destas categorias: são os Divergentes, considerados párias por não se adequarem às divisões da sociedade, e por isso são retirados do sistema.

    A trajetória de Tris segue em Insurgente com maior pressão psicológica pelos fatos sucedidos anteriormente. A personagem compreende que representa uma exceção dentro de seu universo, mas não sabe como agir de fato para modificá-lo. Difícil não equipar esta heroína com a personagem central de Jogos Vorazes, Katniss Everdeen. Afinal, narrativas contemporâneas focadas em futuros distópicos com jovens como grandes salvadores têm sido uma tendência literária e, por consequência, cinematográfica. Katniss e Tris possuem personalidades distintas, mas a composição de Tris é feita de maneira menos intensa do que a da outra franquia, resultando em uma empatia proporcional ao carisma e urgência que a atriz Shailene Woodley trabalha em seu papel.

    Tris não soa como uma ameaça urgente ao sistema de governo como Katniss, bem como seu povo parece satisfeito com o sistema de facções. Sendo assim, uma eventual mudança parece seguir mais a vontade interior da garota e do grupo de Divergentes do que um aclame geral da população. Reconhecendo que a personagem central tem pouco carisma, Roth e, consequentemente, os roteiristas Brian Duffield, Akiva Goldsman e Mark Bomback desenvolvem uma intriga sobre um artefato antigo que traria uma mensagem dos fundadores. Porém, para abri-lo é necessário a presença de um divergente. É natural que a única pessoa capaz de abrir o dispositivo seja Tris. O elemento de predestinação é mais um argumento que prova a falta de força desta história que precisa de um incentivo extra para criar conflitos entre os supostos bandidos e mocinhos.

    Mesmo este conflito com uma possível mensagem reveladora é estranho, pois a princípio a garota deseja destruir o artefato e depois desvendá-lo, mesmo que para isso quase perca a vida. Além do argumento frágil, as cenas de ação são bem simples, sem nenhum bom aproveitamento do recurso da terceira dimensão, além dos óbvios e já intoleráveis ângulos de cena que explicitam a imersão com objetos indo de encontro a tela. Mesmo com uma boa verba para produção, nenhuma cena de ação se destaca, e a bonita e potencialmente interessante cena do pôster nem mesmo está presente, sendo uma provável boa cena cortada da produção.

    De qualquer maneira, a última parte está em fase de adaptação para os cinemas e, seguindo a tendência atual, será dividida em duas partes, exibidas uma a cada ano. Difícil saber se haverá tanta história necessária para a produção de mais dois filmes, visto que nesta segunda parte há um vazio que enfraquece ainda mais a trajetória da personagem principal e seu grupo divergente.

  • Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Tomando como base uma ordem mundial diferenciada, pautada no exacerbo do capitalismo e exibindo uma face ainda mais selvagem dos escritos de Marx e Engels, Mad Max: Estrada da Fúria resgata o cinema de George Miller, refundando a franquia que o fez famoso, renovando-a para uma nova geração de aficionados, mas sem ignorar os fanáticos pela antiga trilogia.

    A primeira cena inicia-se com um discurso inflamado de Max Rockatansky (Tom Hardy), lembrando-se de sua condição de cavaleiro solitário, como na outra encarnação de Mel Gibson, intensificada ainda por um trauma que proporciona a si um fantasma, seu tormento, recaindo sobre sua cabeça como uma cachoeira que lava seus pensamentos, inundando sua mente de culpas. A adrenalina destas sensações ataca-o de modo irônico, deixando-o mais uma vez desatento, a ponto de ser capturado, ficando uma boa parte dos primeiros momentos sem sequer ser citado.

    Miller mostra um novo fôlego em sua direção, se distanciando do que fizera na franquia Happy Feet: O Pinguim, apresentando o universo que estreou em 1979 no primeiro capítulo, e fundamentado em 1982 com A Caçada Continua, acrescendo, claro, a estética videoclíptica, não deixando dever nada à direção de realizadores “massavéio”, mas abordando de modo adulto a fita. As cenas de ação têm uma continuidade em estrada impressionante, não devendo em nada tanto aos recentes À Prova de Morte de Quentin Tarantino, quanto a Bullit. As cenas e câmera retrasada têm muito mais significado que os takes adorados por Zack Snyder, remontando a influência de Sam Peckinpah, tanto no ritmo quanto na visceralidade dos momentos violentos do filme.

    A abordagem lembra a de um road movie, por apresentar cenas titânicas– e em sequência – sobre quatro ou duas rodas, em terrenos arenosos, relembrando o eco da predação humana em relação ao seu próprio habitat. As conclusões e reflexões estão espalhadas pelos cenários, e servem a uma análise mais profunda por parte do público, que ainda tem uma miscelânea de sequências interessantíssimas, incrivelmente agressivas, mas sem tanta profusão de sangue ou gore.

    Outro aspecto interessante é a ausência de verborragia, fazendo do roteiro algo sucinto em matéria de falas. Estrada da Fúria é um filme essencialmente visual, seja pelas planícies belas, pelas falésias ou pelo visual grotesco dos antagonistas. O fetiche, tanto das personagens belas, como das parideiras que sofrem a ação de um déspota tirânico trazendo o sex appeal para uma figura grávida, contrasta com a beleza quase infinita de Charlize Theron, que mesmo masculinizada em sua Imperator Furiosa, consegue arrancar um misto de força e sensualidade, concentrando em si quase todo o conteúdo homoafetivo de todos os episódios da cinessérie, sem ter nada de caricatural. A riqueza dos personagens periféricos consegue compensar – mais uma vez – o fato de Max ser um coadjuvante de luxo, na fita.

    A trajetória de Rockatansky é mais uma vez de subida, passando da eterna solidão para a solidariedade capaz de gerar nele um complexo suicida. Max prossegue um pária, possivelmente por ainda não ter superado a perda dos seus no filme setentista, algo agravado, é claro, pelos espectros que o perseguem. O deslocamento dele é notado a todo momento, mesmo quando encontra sobreviventes, pessoas que estariam próximas de sua condição singular, inclusive quando os aventureiros retornam ao lugar onde foram oprimidos.

    A solução final abarca uma mensagem de compartilhamento, que, em análises mais conservadoras, pode ser associada à mensagem de Jesus, que exigia a divisão de riquezas dos que pediam para segui-lo, assim como também abraça uma prática mais socialista, acenando até para alegorias ao texto de Gene Rondenberry na franquia Star Trek. Miller apresenta um blockbuster maduro, inteligente, cuja trilha sonora e edição de som são absurdas e acrescentam demais à trama, ajudando a construir a atmosfera de pavor e enigma. Estrada da Fúria possivelmente abrirá uma sangria com novos rumos para a franquia, apresentando um mundo rico, cujas aventuras e desventuras têm tudo para captar a atenção de espectadores pelo mundo inteiro, e com um protagonista que não deixa nada a desejar à abordagem que Gibson havia inaugurado.

    Ouça nosso podcast sobre a série Mad Max.

  • Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Mad Max surgiu na década de 1980 como um representante dos filmes de baixo orçamento australianos, em específico o clássico O Menino e seu Cachorro. Tornou-se um western moderno em sua continuação (Mad Max: A Caçada Continua), e posteriormente garantiu traços mais claros de sci-fi no terceiro, Mad Max: Além da Cúpula do Trovão, que, apesar de mais heterogêneo e desconjuntado, é também o maior sucesso da franquia até então. Quando lançado, este filme alçou Mel Gibson ao status de estrela e redefiniu o cinema de ação e o futuro distópico no cinema.

    Em Mad Max: Estrada da Fúria, Max Rockatansky (Tom Hardy) é um ex-policial rodoviário que tem sua família assassinada e se vê às voltas de um mundo onde a água e o combustível são escassos, fazendo das estradas locais dominados por gangues de todo tipo. Acidentes nucleares mutantes são comuns, a terra é árida e infértil, e o mar é apenas sal. Nesta espécie de reboot (O filme se localiza entre o segundo e o terceiro Mad Max, ficando na penumbra da classificação), pode-se ver o quanto a mitologia compreendida neste universo solidifica-se e personifica essas três vertentes pelas quais passou George Miller, diretor dos quatro filmes da franquia, para estabelecer seu mundo pós-apocalíptico durante sua, até então, trilogia. É salientado aqui a tradição western do herói sem passado e sem nome vivido por Clint Eastwood na Trilogia dos Dólares, com sua moral ambígua e egocêntrica, destinado a lutar contra seu próprio caminho em uma jornada de destino exploratório, onde as leis são forjadas ao sabor das necessidades e desta moral de quem é sobrevivente. Este anti-herói define-se na busca por redenção, e a redenção neste caso resume-se na busca de um futuro que antes precisa credenciar-se como digno de tão escassa esperança.

    Dentre todos os aspectos de um filme, a narrativa é seu recurso mais poderoso, e o único essencialmente cinematográfico. Sem narrativa não há cinema. Extremamente visual, não há trama a que se ater em Mad Max, sendo possível contar quantas palavras Tom Hardy recita durante os 121 minutos de projeção. Nada mais natural, já que a solidão do isolamento e da culpa torna palavras amargas, e assim Max grunhe os primeiros verbos após diversos minutos de muita areia e vento.

    Ideologicamente atrelado às suas raízes em filmes de baixo orçamento, o diretor filma seus acidentes como quem pinta uma obra de arte, abusando de quadros abertos, para que a audiência aprecie e se deixe levar pela diagramação bem pensada de cada uma das cenas. Sendo assim, Mad Max é, antes de tudo, um exercício extremo de narrativa. Detentor deste poder, George Miller preocupa-se em contar sua história através de olhares, ritmos e a inserção do espectador para dentro da corrida a qual o personagem Max assume ao lado da Imperatriz Furiosa (Charlize Theron), a fim de levar um grupo de mulheres, “As Parideiras”, para longe do julgo violento do líder Inmortal Joe (Hugh Keays-Byrne, ator que viveu o vilão Toecutter do filme original). Outrora imperatriz de um pedaço odioso de mundo, Furiosa assume a missão quando, durante sua fuga dos “Meninos da Guerra”  os servos de Joe , seu caminho cruza com o de Max.

    Como todo bom sci-fi, Mad Max olha clinicamente para o presente, e dele extrai o futuro. Peça ímpar da cultura pop, é possível observar como a construção daquele mundo remete à composição de nossa cultura atual, onde palavras que hoje são veladamente adoradas tornam-se símbolo divino por comparação à nossa própria cultura, e a cultura passada deturpa-se para formar a próxima, como numa representante rococó do passado. “Divindades” de hoje, como o automóvel, o McDonald’s, a Coca-Cola, ou peças de mitologias nórdicas, tornam-se o portfólio cultural do mundo de Mad Max, e essa mistura é o toque de genialidade de Miller ao usar da bagagem comum do espectador para inseri-lo naquele ambiente de maneira familiar, mas sem abandonar a estranheza que um representante das culturas desérticas que deram origem à civilização cristã teria ao ver o mundo de hoje.

    A religião atua como aspecto importante aqui, e assim como nas religiões desérticas (Cristã, Islâmica e Judaica), a solidão e aridez do deserto levam à busca por atenção e perdão divinos, salientando que só há vida gloriosa se for destinada ao paraíso, já que a vida em carne e osso resume-se à penitência. Para salientar este aspecto como crítica, a religião é o destino e forma de vida dos Meninos da Guerra, especialmente do personagem de Nicholas Hoult, tornando-os capazes de qualquer tipo de ato para galgar sua busca sagrada. Na contrapartida, personagens oram diante do medo, unindo diversos gestos ritualísticos das religiões atuais. Quando uma das parideiras é perguntada sobre para quem rezava, denuncia: “Para seja lá quem estiver ouvindo.”

    Ainda em seu papel como produto da cultura pop, Mad Max é o “Transformers que deu certo”, pois é capaz de relacionar cenas de ação grandiosas e montá-las de maneira a ir além de um simples filme, originando uma experiência sensorial. Conhecedor do cinema, George Miller usa inclusive recursos cinematográficos pouco considerados pela crítica no intuito de fazer de seu filme algo inenarrável, como o recurso informal conhecido por Rule of Cool. Normalmente exemplificada nos verbetes de dicionários cinematográficos como “uma caveira tocando guitarra no topo de uma montanha”, a expressão justifica o fato de algo ser considerado legal, como uma peça de enfeite estilístico que vale por si só. Em suas alucinações com a filha falecida, Max visualiza um ambiente de loucura e aspecto visual propositadamente datado e que remete a peças de filmes B.

    A decisão pelo uso de efeitos práticos torna cada frame da película inacreditável, fazendo surgir a dúvida sobre quantas pessoas morreram durante as gravações. Tal coragem é capaz de demonstrar o pleno domínio e lucidez da produção sobre aquilo que é visto em tela, tornando capaz a realização de um filme de 1980 nos dias de hoje. Apesar de truculentas, as cenas de perseguição estão lá não apenas para dar ao filme a pecha de blockbuster ou para atrair o público de maneira fácil, mas sim para interceder pela narrativa. No cinema de ação, os diálogos são traçados com socos, explosões e pela necessidade da perfeição dos gestos. O cinema de ação baseia-se na ideia de domínio sobre o espaço e o tempo; o vencedor é aquele que atira primeiro, alcança mais longe, corre mais rápido e atinge o alvo, ou seja, aquele que melhor controla estas duas variáveis físicas. Nenhuma cena de ação seria relevante sem trazer consigo a significância correta, e pelo domínio do espaço-tempo, Mad Max está entre os melhores representantes do gênero no cinema.

    Atualizado e representante de seu tempo, talvez por algumas gerações de filmes, George Miller reconhece o alcance da ficção científica e traz questões sobre o feminismo e o papel da mulher na sociedade, fazendo da Imperatriz Furiosa a verdadeira protagonista do filme, sendo ela que garante o mote e o desenrolar da trama (e quem dá nome ao subtítulo do filme). Num visual poderoso, é uma personagem que carrega a amargura de uma vida de violência e privações, resumidas em mutilações corporais, na habilidade em sobreviver e na profunda necessidade de redenção. Este poder de síntese pode soar raso numa primeira análise, ou para quem necessite de diálogos mais expositivos, mas é mais do que o necessário para representar neste personagem o estado da arte daquela sociedade.

    Já Max é a própria paisagem. Tão lacônico quanto o próprio deserto, a falta de comunicação reflete um ambiente onde não há espaço para o diálogo na resolução dos conflitos. Embora não seja o protagonista clássico, Max é a balança daquele mundo, é um agente do destino fatalista da Terra pós-apocalíptica, que transforma pessoas em aberrações sociais, incapazes de garantir valor à vida. Essa balança não é justa e sua moral é maquiavélica, mas é a estrada que resta para seguir.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

    Ouça nosso podcast sobre a série Mad Max.

  • Crítica | Divergente

    Crítica | Divergente

    divergente

    Que o cinema é uma arte, institucionalizada como tal, todos sabemos. Mas nenhuma falácia nos ocorre em considerá-lo uma indústria, principalmente depois da vinda de Tubarão às grandes telas, com o desenvolvimento do conceito de blockbuster e a ganância crescente de produtores e produtoras hollywoodianas que se agarram a ideias com maior possibilidade de lucro imediato e duradouro, ou seja, que gerem remessas agora e possam continuar gerando, sejam em sequências e mais sequências, remakes ou reboots. O que esse Fordismo cinematográfico tem nos trazido é uma homogeneização do que é visto em tela. E isso já aconteceu com o gênero do horror e seus grupos de jovens sendo atacados por assassinos ou forças sobrenaturais; na comédia, com a padronização das paródias e, depois, por meio dos filmes discípulos de Se Beber, Não Case!; entre tantos outros gêneros.

    Mas agora o que temos é uma pujança de abarcar todos esses “estilos” de forma pasteurizada, e de modo a atingir o público que mais vai aos cinemas na atualidade: o infanto-juvenil. O filão das adaptações de sucessos literários, dentre esses novos consumidores da sétima arte, surgiu como uma Estrela de Belém para Hollywood. Harry Potter foi o grande carro-chefe em anos, mas o público “teen”, leitores cada vez mais assíduos de obras voltadas à sua faixa etária e que exalavam seus conflitos e olhares sobre um amanhã deturpado, implorou por mais. E foi assim que Stephenie Meyer surgiu no mundo literário, preenchendo as livrarias com quatro obras (e depois mais e mais…) que seriam levadas às telas em cinco filmes, todos sucessos de público, mas nem um pouco de crítica.

    Mais competente e complexa em sua literatura, Suzanne Collins apresenta a distopia de Jogos Vorazes ao mundo e, após o sino de “sucesso estrondoso” ecoar em todos os continentes, a obra foi também levada aos cinemas, sendo recebida com certo louvor, tanto por parte de público quanto por parte de crítica. Daí para frente, a Unilever imaginária dos estúdios adquiriu o direito de todas as obras voltadas para adolescentes e pré-jovens, e passou a saltear, trimestralmente, novas tentativas de fidelização deste público com mais marcas que, no fim, representam o mesmo elemento das anteriores, e por vezes são até de mesma origem. Dove, Seda, Palmolive? A Hospedeira, Instrumentos Mortais: Cidade dos OssosDezesseis Luas e afins? É possível até ver os diretores de todas elas fazendo download da fórmula Meyer-Collins e dando seus sutis “toques de originalidade” em busca de alcançar a mesma popularidade dos produtos padrão. Bem… Mas como nos exemplos citados, nem sempre isso é possível.

    Veronica Roth é a autora de mais uma história embasada em distopias, dando origem a Divergente. Na narrativa, uma guerra devastou o mundo que conhecemos. Em tela vemos Chicago com visual pós-apocalíptico e a tradicional fotografia acinzentada e suja que realça a degradação de várias paisagens, como prédios e antigos estabelecimentos comerciais. Alwin H. Küchler traz também as cores terrosas de seu trabalho em Hanna, contrastando com um branco intenso que emana em momentos específicos do início do filme, para a ambientação da cidade de Divergente. É nela onde vemos a sociedade dividida em cinco facções, nomeadas de acordo com virtudes e representando funções sociais diferentes: Abnegação, Amizade, Audácia, Erudição e Franqueza. Aos 16 anos, os adolescentes nascidos em cada uma dessas macro associações devem escolher continuar em suas comunidades ou migrarem para outras facções. Tris (Shailene Woodley, indicada ao Globo de Ouro por Os Descendentes), de uma das famílias mais tradicionais de Abnegação, descobre em um teste que possui as características de todas as facções, sendo assim apontada como uma Divergente, espécie rara e perseguida pelas demais. Mesmo assim, decide alistar-se a Audácia, facção responsável pela defesa da cidade. É no doloroso processo de deixar seu corpo fraco (abnegado) e desenvolver sua práxis ativa (audaciosa) para fazer parte de sua nova facção, e esconder as perigosas virtudes de ser uma divergente, que o filme se desenrola, até o último fator se tornar impossível.

    O roteiro não traz surpresas para quem já está calejado neste tipo de adaptação, ou ao menos assistiu a Jogos Vorazes. O desenvolvimento da protagonista obedece a uma gradação claramente perceptível e deveras previsível. Mas é o fato de Shailene Woodley (aliás, uma ótima e promissora atriz) ir tão bem no papel de uma adolescente que sempre quis se libertar das amarras de sua sociedade apática e viver na correria dos “malucos” da Audácia, que faz com que o filme segure a atenção de seu público até o final. A jovem parece entender que seu papel não representa apenas uma, mas milhões de adolescentes de 16 anos inconformadas com sua realidade e sedentas por aventura, ação e… um romance aparentemente impossível.

    Nossa… o romance. Saindo das flores e começando a nos ferir com os espinhos da obra, a construção do roteiro para nos conduzir à fatídica relação entre o “malhadão” Quatro (Theo James), um dos líderes da Audácia, e Tris acontece de forma boba e pueril, partindo de diálogos sofríveis do tipo “Cuidado comigo mocinha…”, sob olhares opostos ao que a ideia transmite, à completa desconstrução em minutos de um personagem anteriormente estereotipado com características sólidas de sisudez e apelo à violência. Sabe aquele ditado “para bom entendedor, meia palavra basta”? Pois bem, essa previsibilidade dos rumos do roteiro, disfarçada por diálogos forçados, ainda é completada pela insólita sensibilidade de Neil Burger (O Ilusionista e Sem limites), diretor que acerta pouco em toda obra e que recorre aos recursos fáceis de montagem para mostrar a “evolução” de sua protagonista e ainda usa-os, aliados a repetidos closes, em momentos específicos, para que os fã boys and girls não tenham medo dos rumos da história. Pois tudo simplesmente se realiza como aparenta ser, seguindo novamente a obediência à fórmula consagrada que nos faz experimentar o gosto amargo do plot já previsto, da pseudo-coragem disfarçada do roteiro em se desfazer abruptamente de alguns personagens (oi, Jogos Vorazes?) e em testemunhar superações e mais superações da protagonista e tudo mais que “um filme desses” tem a oferecer.

    Mas talvez uma das coisas que mais irritam em Divergente é sua longuíssima duração. Nada justifica os 140 MINUTOS DE PROJEÇÃO, nem mesmo o doce de coco da Shailene Woodley faz com que alcancemos rapidamente os esperados créditos finais da obra. São exatas duas horas e vinte minutos de uma produção que se estende muito em momentos que não adicionam nada à narrativa, como nas várias comemorações e alegrias da protagonista por suas evoluções ou vitórias. Me remeteu ao insuflado Bling Ring: A Gangue de Hollywood de Sofia Coppola. Cenas como a da personagem sobrevoando por dentre os prédios da cidade de Chicago, sentindo-se finalmente livre de seus antigos grilhões, funcionam muito mais por suas metáforas “sonrisal” altamente didáticas (a felicidade, a superação, o soerguimento) unicamente do que pelo que mostram em seus cansativos minutos de computação gráfica e fotografia de noite azulada.

    Voltando às lentes de Küchler, porém, vemos que na medida em que os 140 minutos de Divergente transcorrem, o que emanava da cor branca (da inocência e abnegação) vai se tornando prata, ganhando densidade, corpo, assim como a crescente (e, aliás, belíssima) trilha sonora de Junkie XL, supervisionada por Hans Zimmer, que, ainda que usada em excesso várias vezes, em outras consegue trazer, de forma simples e suave, sentimentos como melancolia, decepção e medo, complementando a construção imagética Shailene/direção de arte.

    A composição do abrigo de Audácia é interessante. Vezes parecendo um extenso ringue de UFC, vezes um colégio interno “barra pesada”, contando com os tradicionais grupinhos estereotipados (os brigões, o piadista do bullying, o nerd, a tímida e etc), o lugar incorpora bem o momento de ruptura ao qual os adolescentes estão sendo expostos. Em relação às cenas de ação, com ressalvas às lutas que acontecem durante o treinamento (e que novamente remetem a Jogos Vorazes até em seu grau de ousadia contida), Neil aposta mais em cenas sem violência, ou que se deem de forma “limpa”, sem culpas (em simulações de embate ou em sonhos, por exemplo), do que nas que envolvem o conflito em si, o qual tem por base um plano encabeçado por Jeanine (Kate Winslet, é… ela tá no filme), a líder da Erudição que, tal a insipidez na narrativa, mais parece uma mistura do Presidente Snow com a Jessica Delacourt de Elysium. A sub-trama (que depois de revelada se torna trama principal do filme e surge como mote para mais minutos de projeção), apesar de surgir de forma megalomaníaca, fazendo vários movimentos de personagens, trazendo alguns de volta, executando outros, aprofundando o romance, apelando para dramas familiares, prometendo mudar a estrutura de tudo o que vimos até então, faz realmente apenas isso: promete. Algum motor liga, mas o avião de Divergente não decola e voltamos a dormir pois o filme parece não acabar. E o pior? Segundo o E = MC² das adaptações de obras infanto-juvenis, era basicamente isso que esperávamos desde o início.

    Shailene. O mergulho na psiquê de sua personagem, Tris, é o que há de melhor em Divergente. Seu Corra, Lola, Corra onírico é algo que, quando surge, traz esperança. Melhor explorado, mais paciente e frequente, certamente essa particularidade conduziria a obra a um patamar, se não superior, mas singular em relação às outras adaptações. A distopia high school, infantil e genérica da obra, no entanto, faz com que A Hospedeira venha à cabeça. Mesmo que os dois produtos tenham enredos completamente distintos, surgem, porém, da mesma fonte: a Unilever cinematográfica.

    Texto de autoria de Rodrigo Rigaud, do Zona Crítica.