Autor: Vortex Cultural

  • Review | Dear White People – 1ª Temporada

    Review | Dear White People – 1ª Temporada

    07Fazendo um breve exercício de reflexão é possível perceber que o racismo e seus temas correlatos nunca tiveram uma margem de discussão tão ampla quanto no momento atual. Diversos fatores contribuem para que a causa negra seja levada ao centro das conversas em redes sociais, na mídia tradicional e, sobretudo, no mundo da cultura pop. O impacto causado pela polêmica do #OscarsSoWhite, onde diversos atores e atrizes negros boicotaram uma das edições mais brancas da premiação, alegando falta de representatividade do artista negro entre os indicados, somou-se ao quase simultâneo momento de enfrentamento protagonizado pelo movimento negro nos Estados Unidos. A tag #BlackLivesMatter tomou conta do Twitter e transbordou para os noticiários após policiais assassinarem Michael Brown e Eric Garner, no Missouri e em Nova Iorque, respectivamente. O que os dois jovens tinham em comum? Eram negros.

    Algum tempo se passou, mas o assunto continua efervescente e foi neste contexto que a Netflix lançou, na primeira semana de maio, seu novo seriado intitulado Dear White People – ou, em bom Português, Cara Gente Branca. A série chegou ao sistema de streaming logo após o barulho causado pela, não menos importante, 13 Reasons Why. Com um objetivo bastante delicado, ao longo dos dez episódios componentes desta primeira temporada, os roteiristas arriscaram fazer humor não-convencional, temperado com drama e uma forte veia social como sustentáculo desta que já pode ser considerada uma das produções mais sinceras que tocam a questão racial.

    No núcleo da trama está Sam, uma menina negra de pele clara (sim, esse termo existe) que ancora um programa de rádio na Universidade de Winchester. Como a instituição de ensino é composta pela elite branca, Sam encontra em seu programa o espaço necessário para manter acesa a chama da resistência negra entre os estudantes. Curiosamente, a personagem mantém um relacionamento amoroso com um jovem branco. Fato que desperta na trama mais uma das subpautas do movimento negro, os relacionamentos inter-raciais. A maneira como o roteiro aborda o tema, apresentando os dilemas de uma relação entre pessoas de raça diferentes mostra, inclusive, que o próprio movimento negro precisa refletir acerca desta questão.

    Ao longo dos outros nove episódios desta primeira temporada, acompanhamos o contexto dos demais estudantes negros da universidade. São explorados assuntos como homossexualidade negra, hiperssexualização dos corpos negros, solidão da mulher negra, apropriação cultural, criminalização do indivíduo negro entre tantas outras verticais unidas por uma só motivação: o preconceito. Cada episódio narra a perspectiva de um dos personagens pertencentes ao movimento negro de Winchester e é esta dinâmica textual que confere ritmo, autenticidade e alma ao seriado.

    Três diretores principais de cena se revezaram no comando da equipe técnica e do corpo de atores. Entre eles, Barry Jenkins, diretor de Moonlight, vencedor do Oscar 2017. Jenkins dirigiu o quinto episódio da série, dedicado ao personagem Reggie, que representa a ala mais radical do movimento negro e, consequentemente, a ala que mais sofre toda a sorte de preconceitos. Não por acaso, esta quinta parte é a sequência mais densa da temporada. É possível sentir uma diferença gritante do tom empregado, por exemplo, no segundo episódio, um dos mais fracos. A partir da história de Reggie, a série ganha novos contornos e conflui para um lugar bastante interessante.

    São muitos os elementos que fazem desta série um marco. Além de ter uma temática que chama a atenção por si só, Dear White People é um liquidificador de referências pop que ri de tudo e de todos, inclusive de uma das personalidades negras mais poderosas da indústria do entretenimento. A série Scandal, da autora e roteirista Shonda Rhimes é parodiada ao extremo por apresentar uma versão higienizada e pouco realista de uma protagonista negra poderosa e bem sucedida que se apresenta como subserviente em seu envolvimento amoroso com um branco.

    Do ponto de vista técnico e visual, a série peca ao manter a mesma fotografia e composição de cenas em todos os seus episódios. Personagens diferentes pedem óticas diferentes e isso deveria modificar também as cores impressas em cada um dos capítulos. A parte isso, o que sobra é um mergulho nada raso, embora leve, nos problemas vividos por uma população negra inteligente, estudada e engajada que, portanto, tem no tom da pele o único motivador para as dificuldades que vive.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

    https://www.youtube.com/watch?v=ac6X4EYIH9Y

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Rainha de Katwe

    Crítica | Rainha de Katwe

    O acaso e a democracia em caráter alegórico determinam, de maneira resumida, o relato sobre a história real de Sophia Mutasi, uma menina analfabeta, de apenas 11 anos, moradora de uma das regiões mais pobres da capital de Uganda, Kampala. Rainha de Katwe é uma produção da Disney com colaboração da ESPN – outro canal de seu conglomerado – que explora uma delicada e interessante análise sobre a construção do esporte na África e como a participação de mulheres resulta em uma emancipação inclusiva.

    William Wheeler, o roteirista, sentiu a necessidade de esculpir personagens femininas fortes, mas sem desnivelar a tons tendenciosos e maniqueístas. Portanto, entregou liberdade interpretativa para a estreante Maldina Nalwanga, que faz Sophia, e para Lupita Nyong’o, que encena a mãe viúva Harriet. A partir da inclusão do xadrez como objeto de foco no filme, o roteiro contorna situações de tensão e escarne, popularizando o conceito democrático do jogo – ponto positivo para o treinador Robert (David Oyelowo), que para instigar os jovens pobres a participar do jogo, destaca que pode ser a chance para não só mostrar à classe mais abastada da região e do país que é bom no jogo, mas que existe e que é escondido pela desigualdade.

    A direção é da indiana Mira Nair, erradicada nos Estados Unidos. Aqui, ela diversifica a pluralidade de paisagens e culturas do país para evidenciar a existência do povo daquela região, sem apelar a uma perspectiva exótica. Aliada à direção de fotografia de Sean Bobbit, os conflitos internos de Phiona são catalisadores para os embates nos tabuleiros, afinal, como contestar a vida que se segue, sendo que ela pode ser alterada a qualquer momento, para além do próprio alcance?

    Portanto, a narrativa do filme, como muitos contos – próprios ou não – da Disney, é evocar histórias de superação e equiparação além da singularidade daquele universo. Toda a igualdade, todas as chances por uma oportunidade de vencer e sair do anonimato imposto por sociedades e seus braços, são manifestadas em diversas maneiras e claro, quando é sobre um esporte, é um evidente ponto democrático. Quantas pobrezas foram esquecidas ou amenizadas quando se chega em casa de madeirite com comida para dois meses? E quantas dúvidas sobre a dúvida foram esclarecidas pelos mestres, pelos tutores e depois, por si mesmo? Sophia é uma heroína de sua família, de seu povo, e de si mesma.

    Texto de Adolfo Molina.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Sing : Quem Canta Seus Males Espanta

    Crítica | Sing : Quem Canta Seus Males Espanta

    Sing : Quem Canta Seus Males Espanta mais nova animação dos criadores de Meu Malvado Favorito, chega cheio de energia e recheado de canções capazes de encantar o público.

    Na história um Coala que preside um decadente teatro, resolve inovar e promover um gigantesco concurso de talentos musicais, visando assim trazer o anfiteatro de volta para seus tempos áureos. Desde o início somos apresentados aos futuros concorrentes que buscam seu lugar ao sol no mundo do show business através de seu talento musical, personagens que vão desde um Gorila que contraria as expectativas de seu pai para buscar seu sonho de ser cantor até uma Elefoa dona de uma bela voz que espera ansiosamente ser descoberta e provar seu valor.

    A animação segue uma cartilha bastante habitual e nada ousada e é aí que reside seu grande ponto falho. Por mais que o filme seja bem feito e conte com grandes dublagens, ele não ousa ir além e se acomoda em sua fórmula. A obra tem boas sacadas como à escolha da trilha que se alterna o tempo todo e acentua bons momentos com canções que vão do clássico ao pop, de Stevie Wonder até Carly Rae Jepsen. Infelizmente a pluralidade de sua ótima playlist acaba não conseguindo se sustentar por si só.

    Há medida que história avança, ela vai deixando pelo caminho a oportunidade de explorar melhor tudo àquilo do qual ela (a história) dispõe, não se aprofundando em seus personagens e acabando com isso por não gerar ou estabelecer uma grande conexão entre suas estrelas centrais e o telespectador. O final que vai sendo construído o para ser catártico o tempo todo,  acaba se transformando em uma simples resolução dos fatos apresentados. O tão almejado grand finale inerente há musicais e há histórias que buscam consagrar seus indivíduos acaba por soar sem peso suficiente.

    Curiosamente, o filme não é de todo descartável, a narrativa tem seus ápices ao conseguir muitas vezes encantar através da suas respectivas interpretações musicais, é competente em sua comicidade e de certa maneira inspiradora na retratação da obstinação de suas personagens e seus sonhos. Sing : Quem Canta Seus Males Espanta pode não acertar o tempo todo, porém, está longe de ser um desastre. No frigir dos ovos vale a pipoca, vale a diversão.

    Texto de Tiago Lopes.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Mulher-Maravilha | Os Uniformes nas Telas

    Mulher-Maravilha | Os Uniformes nas Telas

    Foram poucas as vezes em que a criação de William Moulton Marston para os quadrinhos conseguiu ver a luz do dia tanto no cinema quanto na TV. Quem sabe exatamente por terem sido tão poucas suas adaptações (diferente dos outros dois membros da Trindade) que cada uma carregue suas particularidades. Através de apenas três temporadas, a super-heroína além ter marcado gerações que vieram, trouxeram ainda uma rica variedade de figurinos para a personagem. Não estamos falando apenas de um dos mais belos figurinos da década de 1970 que Lynda Carter vestia durante os episódios mas de uniformes como Mulher-Maravilha.

    A personagem nos quadrinhos possuí, assim como Superman e Batman, uma variedade de uniformes muito grande, desde a fase de Dennis O’Neil, como também mais à frente nos anos 1990, que depois foi copiado na fase escrita por J. Michael Straczynski. Mas na TV Diana Prince invocava diversos uniformes funcionais com seu giro mágico. Ela tem variações para o mar, terra, e até mesmo pra andar de Skate.

    O site Metv fez uma pequena lista acolhendo os melhores uniformes que Lynda Carter vestiu no papel da Amazona e tomamos a liberdade, nesse clima de expectativa para o filme estrelando Gal Gadot, de adicionar todos os outros uniformes que as demais as atrizes já vestiram no papel da Mulher Maravilha, apesar de serem poucos, cada um tem uma pequena história.

    1 – Visual H.G Peter (Original)

    Provavelmente o mais raro de todos da lista, trata-se do visual talvez mais fiel à sua criação em 1941 desenhada por H.G Peters. Esse uniforme apareceu apenas uma única vez no piloto de duas horas exibido em 1975 para o seriado com Lynda Carter, entregue à ela por sua mãe (Cloris Leachman). Importante ressaltar que, o piloto da série quase transpõe algumas passagens das HQs para a TV.

    2 – Filme 1974 (Cathy Lee Crosby)

    Antes mesmo da série de Carter te-la definido como o rosto da mulher maravilha, a tenista profissional Cathy Lee Crosby foi a primeira a estrelar o papel da personagem em um filme pra TV. Tratava-se mais de uma série de espião, não só descaracterizando a personagem completamente mas a colocando como agente secreta do governo americano. A ideia era trazer uma série a partir disso, e claro, não funcionou.

    3 – Faroeste

    Sem dúvida um dos mais desconsiderados na hora de listar uniformes. A personagem vestiu seu traje western durante o episódio 13 da terceira temporada, “The Bushwhackers”. Além de parecer funcional ele ainda se assemelha em muitos aspectos à uma roupa de velho oeste. Os figurinistas conseguiram modernizar a vestimenta e ainda mante-la casual.

    4 – Whos Afraid of Diana Prince? (Ellie Wood Walker)

    A Atriz que apareceria no seminal longa-metragem Sem Destino – Easy Ryder, de Dennis Hopper, gravou um pequeno piloto para uma possível série de TV da Mulher-Maravilha em 1967, produzida pelo mesmo responsável pela série estrelada por Adam West, William Dozier, e sua performance fascinou pelo tom exageradamente cômico. Se torna claro o que Dozier tinha em mente (algo como “se serviu pra Batman, serve pra ela também”) ninguém sabe exatamente o porque a série foi descontinuada já no piloto. Mas é clara a influência do uniforme original mesmo nessa versão, infelizmente as semelhanças param aí.

    5 – Uniforme Azul

    O uniforme azul foi utilizado em alguns episódios, servindo tanto como traje de mergulho quanto para dirigir uma moto. Principalmente com o capacete.

    6 – Uniforme com Capa

    Uma fusão do uniforme do piloto com capa patriota, talvez apenas lembrando que não só o Super Homem carrega a bandeira americana no uniforme.

    7 – Uniforme de Skate

    Como eu disse, ela tinha um uniforme pra cada ocasião…

    8 – Flashbacks

    A série reviveu e explorou um pouco mais da origem da personagem em um de seus episódios onde não só ela veste a mesma roupa dos quadrinhos usada na Ilha Paraíso, como também utiliza a peruca e máscara para se disfarçar na competição que decidiria qual amazona levaria Steve Trevor de volta ao mundo do Patriarcado.

    9  – Piloto de 2011 (Adrianne Pallick)

    A atriz de Friday Night Lights era pra ter interpretado a personagem em 2011 aproveitando os Novos 52 que tinham acabado de iniciar nos EUA. O Projeto era encabeçado por David E. Kelley, ao lado NBC, e a promessa é que seria um dos grandes lançamentos de 2011. Mas assim como o piloto em 1967, esse também foi cancelado sem nenhum alarde, antes mesmo de ser exibido. O uniforme apresenta alguma semelhança com o uniforme da personagem nos Novos 52, incluindo a calça (que depois foi removida).

    10 – Universo Cinematográfico DC (Gal Gadot)

    Talvez essa seja a grande chance da personagem estrelar de verdade nos cinemas, depois do filme cancelado de Joss Whedon em meados de 2006 é correto dizer que essa é a primeira Mulher-Maravilha vista oficialmente desde 1975 para o grande público, agora com Patty Jenkins na direção (leia nossa crítica de Mulher-Maravilha).

    Assim como Christopher Reeve, o rosto de Carter ainda é e será o primeiro que vem a mente antes mesmo de Gadot, assim como acontece com Henry Cavil. A simplicidade no visual de 1975 nos relembra que não é necessariamente a quantidade de detalhes que vemos numa roupa que a torna crível mas sim o carisma de quem a veste e o esmero que uma boa narrativa invoca ao espectador.

    Texto de autoria de Halan Everson.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Z: A Cidade Perdida

    Crítica | Z: A Cidade Perdida

    z-cidade-perdida

    Baseado no livro homônimo do repórter da New Yorker, David Grann, com roteiro e direção de James Gray, Z: A Cidade Perdida conta a história de Percy Harrison Fawcett (Charlie Hunnam) – explorador britânico que, em 1925, prometendo fazer uma das mais importantes descobertas arqueológicas da história, desapareceu em uma expedição à Amazônia cujo objetivo era encontrar uma antiga civilização. Sabe-se hoje que a suposta localização dessa civilização, para onde se dirigiu Fawcett, é na Serra do Roncador, em Barra do Garças, no estado do Mato Grosso, Brasil.

    Considerado um dos maiores mistérios do período das grandes expedições do início do século XX, o destino de Fawcett tornou-se uma obsessão para centenas de viajantes que o seguiram pela selva impenetrável. Inclusive Grann que, durante sua pesquisa para o livro, embrenhou-se na mata para, entre outras coisas, tentar resolver esse mistério e entender a pulsão obsessiva do explorador em relação à existência dessa civilização perdida e sua cidade.

    Fawcett começou a explorar a Amazônia em 1906, numa missão de mapeamento do interior da mata e delimitação de fronteiras em Brasil e Bolívia, organizada pela Royal Geographical Society. Explorou a Amazônia quase pelas duas décadas seguintes, em mais sete expedições. Retornou a Inglaterra para servir ao exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial, mas logo após o fim da guerra retornou ao Brasil para estudar a fauna e arqueologia local. Durante todo esse tempo, começou a juntar evidências que o levaram a acreditar que havia existido uma civilização muito antiga na selva. Depois de anos juntando evidências e obcecado por encontrar tal lugar, que ele batizou de Cidade de Z,  e embarcou no que seria sua última expedição, em 1925. Levou consigo apenas duas pessoas: seu filho mais velho, Jack (Tom Holland), então com 21 anos, e o melhor amigo de Jack, Raleigh Rimell.

    É compreensível que entre a história real e o filme existam algumas diferenças. Por exemplo, no filme, Fawcett fez apenas 3 expedições à Amazônia e apenas Jack o acompanhou na expedição de 1925. Não haveria tempo hábil para mostrar suas expedições todas, assim como ficaria forçada a introdução de um personagem de última hora, Rimell, apenas para manter a fidelidade histórica. Mas há algo em que o roteiro falha fragorosamente: transpor a obsessão de Fawcett para a tela. E não é falha na interpretação de Hunnam. Simplesmente não há indícios no roteiro de que sua vida girava em torno da busca obsessiva por Z. No máximo, ele parece um explorador insistente ou talvez apenas teimoso, mas não obsessivo. Algo que corrobora isso é o fato de que, no filme, quem o “convence” a organizar essa última expedição é Jack, enquanto que, na realidade o explorador continuava querendo confirmar sua tese e é ele quem convida Jack e Rimell para acompanhá-lo.

    Mesmo para quem não leu o livro, baseando-se na sinopse, espera-se que seja algo aventuresco. Não necessariamente repleto de ação, mas com dinamismo, intensidade (característica sempre citada em descrições de Fawcett). Também não precisaria ser um Indiana Jones – mesmo que o arqueólogo tenha servido de inspiração para o personagem famoso – mas era de se esperar que fosse menos morno e insosso. Afinal, embrenhar-se na selva com os parcos recursos e conhecimentos da época era, com certeza, uma aventura.

    Em certo ponto da primeira expedição, tem-se a impressão de que talvez o roteiro seguiria por um caminho semelhante a Apocalipse Now ou mesmo Fitzcarraldo. Mas foi apenas mais um palpite que não se concretizou. O ritmo da narrativo segue lento do início ao fim. E, mesmo momentos que poderiam prender o espectador se desenrolam de forma previsível e desinteressante.

    Em algumas cenas, parece que Nina Fawcett (Sienna Miller), esposa de Fawcett, e os filhos irão forçá-lo
    a escolher entre a família e sua obsessão, confrontando-o duramente, questionando-o sobre seu papel. Porém é apenas uma ameaça. Há todo esse pano de fundo em sua vida que poderia ser melhor explorado num filme de 140 minutos e que permanece apenas insinuado.

    A fotografia é boa, mesmo não conseguindo criar no público a sensação claustrofóbica de estar confinado na mata fechada. Figurino bastante competente e maquiagem OK, apesar de não envelhecer Hunnam o suficiente na última parte do filme.

    Z: A Cidade Perdida é um filme longo que, se não cativa pela aventura, é um bom retrato de um dos últimos exploradores solitários do século passado e certamente desperta nos que se interessam pelo assunto o desejo de ler o livro em que se baseia o filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Eu Não Sou um Serial Killer

    Crítica | Eu Não Sou um Serial Killer

    Um dos temas mais recorrentes na história do cinema, sem dúvidas, são as neuroses humanas e suas derivações. De Psicopata Americano a Precisamos Falar Sobre o Kevin, o assunto já foi amplamente abordado e desdobrado em filmes que merecem a sua atenção e outros completamente esquecíveis. É nesta segunda seara que se enquadra Eu Não Sou um Serial Killer, do diretor Billy O’Brien.

    Com uma premissa interessante, o filme começa nos apresentando o background vivido por John Wayne (homenagem?), um jovem outsider interpretado por Max Records (Onde Vivem os Monstros). A maneira sincera e sensata com que o ator se entrega a trama talvez seja o ponto mais alto da mesma. Acontece que, embora fique muito claro o interesse mórbido do personagem pela morte e tudo o que ela encerra, o roteiro não consegue definir uma linha de raciocínio que nos permita caminhar pelo devaneio de John de maneira consistente. Em alguns momentos, a fita ganha tons de humor completamente desnecessários (para não dizer incômodos) em um filme que aspira seriedade.

    A família de John é dona do necrotério da cidade. Sendo assim, cadáveres são figuras de presença constante na vida do garoto. Esse contexto é brilhantemente apresentado na cena inicial. Como o rapaz ajuda a mãe em alguns procedimentos com os corpos, o fascínio que os mesmos exercem sobre ele fica muito evidente e é neste momento que o espectador compra a ideia do filme e se entrega para o que vem a seguir.

    Entretanto, os arcos mediano e final caem significativamente no que diz respeito ao arco dramático do personagem. Embora, a série de assassinatos que ocorrem na cidade seja um forte catalisador para as tendências psicóticas e psicopatas de John, o diretor escolheu caminhos não muito inteligentes para evidenciar esse fenômeno. Os diálogos parecem ensaiados demais, pensados demais. Pouco críveis mesmo para alguém que atravessa um momento árido como este.

    Algo que funciona muito bem é a fotografia. Por diversas vezes, os recursos visuais se tornam muito mais interessantes que a própria história a ser contada. Algo que não é exatamente o objetivo de um filme. Apesar disso, não se pode considerar o longa um desastre. A fita carece também de ritmo, de uma concatenação de ideias que estimule no espectador o interesse por saber mais sobre aquilo que está se desenrolando diante dos seus olhos. A trilha sonora do filme cumpre bem seu papel, tentando suprir essa carência rítmica, mas ainda de maneira insuficiente.

    Aparentemente, O’Brien escalou uma montanha alta demais para aquilo que estava preparado a executar. Exemplos recentes, como o já citado Precisamos Falar Sobre o Kevin, apesar de pasteurizados, conseguem ser mais sensíveis ao sentimento do protagonista e, consequentemente, são obras melhor executadas.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Una

    Crítica | Una

    Em tese nenhum tópico é tabu, ou ao menos não deveria ser. Afinal, aquilo que é pouco dito costuma esgueirar-se pelas sombras da sociedade, e ao tema é associada apenas obscuridade e medo. Mas o que parece fazer sentido também é que nem toda forma de se abordar um tema é exatamente adequada.

    Una debruça-se sobre uma história de abuso infantil e seus posteriores desdobramentos sobre a vida do abusador, da vítima, e de suas famílias, onde anos após o abuso, a jovem Una confronta seu abusador e expõem os destroços de sua vida marcada por tribunais, olhares tortos, tristeza confusão. O grande problema deste filme, porém, é sua complacência com o abusador. Tal abordagem já foi usada antes, no clássico livro e filmes Lolita. Porém, em Lolita a empatia com o abusador ocorre por conta da história ser contada sobre seu ponto de vista, mas ao final consegue tornar clara o quão patética é aquela figura de um homem moralmente falido e incapaz de controlar seus desejos, e assim expondo a podridão de conceitos entranhados em nossa cultura. Una, ao contrário, quase tem pena do “sofrimento” do abusador, e quase defende sua paixão pela garota.

    O filme é estrelado por Rooney Mara (Os Homens Que Não Amavam as Mulheres) e Ben Mendelson (Rogue One: Uma História Star Wars), e dirigido por Benedict Andrews, diretor de teatro em seu primeiro longa, sendo baseado na peça Blackbird, do mesmo roteirista de Una, David Harrower. Esta ‘mais longa do que deveria’ explanação sobre quem são os envolvidos na produção é para dizer que o egocentrismo é a tônica desta história. Tão autocentrada em si, que percorre boa parte dos seus longos minutos com dificuldades de estabelecer com eficiência seus personagens, apesar de ter uma dinâmica que consiste basicamente em tentar desenvolvê-los, não possuindo assim nenhuma subtrama que justifique este déficit de atenção.

    Incapaz de ser rigoroso com o abusador, o filme explana de forma quase que protocolar que ele teve a condição de refazer sua vida, enquanto a vítima não. Mas nada disso adianta tão logo ele é colocado constantemente como uma vítima. Um homem perdido que cedeu à um erro bobo, e não como sendo aquilo que é, no alto da maldade que seus atos deveriam estar. Ele é um criminoso. Já Una, é eventualmente mostrada como uma moça confusa, que hoje e talvez ontem usava o sexo de forma autodestrutiva, dando a entender que aquilo talvez tenha sido realmente um romance, e não a história de um homem de 40 anos abusando de uma menina de 13.

    As tentativas de fazer de Una uma pessoa forte que sofreu, mas sobreviveu, soam todas equivocadas, protocolares e fora de tom. A única ideia de seu medo constante é quando o filme demonstra que mesmo as voltas de homens de aparente boa índole, ela está constantemente entrando em tocas de lobos, pois tão logo adentra a fábrica onde irá confrontar seu abusador, o simpático Scott insiste em suas cantadas. Ele realmente parece uma boa pessoa, mas ainda assim à vê como algo disponível simplesmente por ser mulher.

    Equivocado, inconsequente, sem atenção e pobre no discurso, Una não é capaz de discutir os temas que se propõem, e erra em forma e conteúdo.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

    https://www.youtube.com/watch?v=UgiN35SC-hM

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Resenha | Reportagens

    Resenha | Reportagens

    Joe Sacco: o jornalismo é quadrinho e vice-versa

    Joe Sacco (Palestina) talvez seja o jornalista-quadrinista mais conhecido aqui no Brasil. “Reportagens” (Quadrinhos na Cia, selo de quadrinhos da Companhia das Letras) é uma reunião especial de trabalhos dele onde o tema predominante é o conflito ou, mais especificamente, as guerras modernas. Territórios palestinos, Iraque, Chechênia, Índia camponesa, imigrantes ilegais no Mediterrâneo e julgamentos de guerra são as seis matérias que compõem o livro.

    O mérito do autor reside em unir habilmente técnicas das duas áreas de conhecimento. O jornalismo o dá o rigor da apuração: entrevista com as fontes importantes, perguntas imprescindíveis para a investigação, encontra personagens-síntese para a condução da história e adiciona pesquisa para ampliar o conhecimento do leitor sobre o tema. E, do quadrinho, os traços rígidos funcionam como uma foto informativa mesclada com as intervenções que o espaço gráfico permite; as intervenções funcionam como os enquadramentos de um filme e dotam a imagem do movimento que uma foto tradicional não teria.

    Atente que um não sobrevive sem o outro: as informações visuais não se sustentam sem as informações textuais e vice-versa. Aliás, as informações textuais da apuração dão o tom das imagens, pois temos que lembrar que as reportagens são feitas sempre tendo em vista uma quantidade certa de páginas em determinada revista ou jornal. Este o outro mérito do autor: a coesão textual, pilar da imagem.

    Outro fator interessante do trabalho de Sacco é que ele figura nos próprios quadrinhos. Por vezes o jornalismo preza a ausência do repórter ou o trata como um árbitro sempre fora do objeto de investigação, mas o autor opta por outra via talvez por intensificar a experiência de leitura e também endossar o caráter investigativo das suas matérias; assim, fica a sensação de que somos conduzidos junto com o repórter e descobrimos as informações em conjunto. A reportagem desenvolve-se naturalmente, sem amarras ao leitor.

    Quanto ao tipo de desenho, por se tratar de reportagens de caráter informativo, o autor compõe com detalhes; é minucioso nas roupas, armamentos, veículos, pessoas, relevo, interiores das casas etc, sempre com traços sóbrios. Os entrecortes dos quadros são poucos e se atém principalmente ao detalhamento de expressões faciais para intensificar e destacar emoções. Os traços em preto e branco compõem 90% do livro e transmitem, metaforicamente, ambientes rígidos, pouco amistosos e desesperançosos.

    Ao final da leitura, duas emoções distintas: prazer pelo excelente produto estético-informativo (texto e imagens) e tristeza por conta dos crimes cometidos contra os seres humanos nas áreas das reportagens. Joe Sacco é um ótimo exemplo de um jornalista apaixonado pelo ofício de repórter que utiliza uma “nova” plataforma para transmitir as informações que apura. Um trabalho belíssimo que leva o leitor a procurar as outras obras do autor.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Reportagens – Joe Sacco.

  • Sai de cena o ator Roger Moore

    Sai de cena o ator Roger Moore

    Ele interpretou o mais famoso espião de todos em sete de seus filmes, incluindo Viva e Deixe Viver e O Espião Que Me Amava. Saía o duro e cruel Sean Connery de 007 sendo sucedido pelo bem humorado Moore com sua sobrancelha que inevitavelmente ele iria franzir em alguma cena mas aos poucos foi se tornando o ator que mais interpretou o papel, sendo os dele os mais bem sucedidos comercialmente de toda a franquia.

    Sua ternura no papel e sempre armado com a bugiganga mais improvável ao lado de todo um elenco de novos personagens de apoio desenhados ao melhor estilo Ian Fleming trouxeram um ar completamente diferente do que já havia sido mostrado até então. A família do ator Sir Roger Moore confirmou a notícia via twitter após uma longa e dura batalha contra o câncer. Em anúncio seus filhos comentaram: Obrigado Pai por ser você, e ser tão especial para tantas pessoas. O ator faleceu em sua casa na Suíça, rodeado por sua família em seus últimos dias.

    Também incluíram que seu funeral será feito em Manoco, onde ele viveu com sua quarta esposa, Kristina Tholstrup. Eles incluem ainda em comentário: Nossos pensamentos viram agora para Kristina nesse momento de dificuldade, e de acordo com os desejos de nosso pai, o funeral será feito de maneira particular em Mônaco.

    Ao lado de seu papel como Bond, Moore também é conhecido pela séries dos anos 60 The Persuaders!The Saint. Ele também era reconhecido por seus trabalho humanitário, ele foi introduzido a UNICEF por Audrey Hepburn e foi apontado como o embaixador da boa vontade em 1991.

    Texto de autoria de Halan Everson.

    https://www.youtube.com/watch?v=BmtzZM-YZ4k

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Amor & Amizade

    Crítica | Amor & Amizade

    Aparentemente leve e fácil, Amor & Amizade (Love & Friendship) é um filme bem diferente do que estamos acostumados a ver por aí, tanto pelo seu cinismo quanto pela impressão que ele pode causar após os créditos finais. Não é uma produção que é fácil rotular como boa ou ruim, vai bem além disso, e ir além é a principal característica desse longa escrito e dirigido por Whit Stillman.

    A história é baseada no livro Lady Susan, de Jane Austen, no qual acompanhamos Lady Susan Vernon (Kate Beckinsale), uma recém viúva que enquanto é alvo de fofocas sobre seu comportamento duvidoso decide passar um tempo na casa de conhecidos para conseguir um marido para sua filha e talvez para si mesma. Kate finalmente deixa de lado a já desgastada imagem causada pela franquia Anjos da Noite e o remake de O Vingador do Futuro, e abraça maravilhosamente bem sua personagem Lady Susan que carrega o filme nas costas com seus diálogos rápidos, diretos e carregados de um cinismo tão requintado que a atriz parece um anjo, mesmo soltando os piores venenos.

    Longe de ser igual as personagens femininas do cinema retratadas no século XVIII, Susan é tridimensional e carregada de personalidade, tanto é que se pode tentar enxergá-la como vilã, mas não impedirá de também vê-la como heroína desta história que usufrui da “amizade” do título de forma tão particular. Numa trama calma e de diálogos afiados, Amor & Amizade brinca muito bem com as duas palavras que o nomeiam, ainda mais na época retratada, onde os casamentos eram arranjados e as amizades eram escolhidas por interesses; enquanto a personagem principal desperta o puro amor, ela consegue demasiadas coisas pela amizade social. É genial.

    E além de ser principal do longa e aparentemente desta crítica, a personagem de Beckinsale dita o tom de todos os 90 minutos do filme, uma leveza em cenários, figurinos e maquiagem que reflete em seus plots e casa de maneira brilhante com a comédia bem dosada presente no roteiro e principalmente no segundo destaque, a personagem de Tom Bennett, Sir James Martin, uma das mais engraçadas de 2016 e que quando está em cena com Beckinsale leva o filme para um patamar ainda maior.

    Indo além de ser apenas mais um filme de época, Amor & Amizade se destaca com o bom trabalho feito com o pouco orçamento e com a melhor dosagem de humor vista nos últimos tempos, sem deixar de ser elegante e fiel ao tempo em que retrata. O filme, porém, seria perfeito em sua proposta se não tivesse uma montagem problemática, no mínimo duas vezes durante a produção o espectador pode ficar confuso com alguns saltos pequenos no tempo e que oculta cenas importantes que ao decorrer do filme são citadas mas infelizmente nunca mostradas, dando uma incomodante impressão de trabalho mal feito.

    Tendo a melhor performance de Kate Beckinsale e provando que Jane Austen ainda pode render muito nas telonas, Whit Stillman entrega uma pérola que todos deviam assistir e até refletir, principalmente sobre o papel da mulher no século XVIII.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Armas na Mesa

    Crítica | Armas na Mesa

    O dito cinema “liberal” americano vez ou outra entrega filmes promissores com interessantes e profundos debates sobre temas que estão em evidência na sociedade. Porém, quando se faz cinema com um objetivo apenas político sem sensibilidade artística e subestimando o espectador, por vezes temos filmes que apenas raspam na beira de discussões interessantes, mas passam longe de trazer qualquer debate verdadeiramente profundo sobre o que se propõe, e este é o maior problema da nova produção do diretor John Madden, chamado Armas na Mesa (Miss Sloane).

    O filme conta a história de Elizabeth Sloane, personagem ficcional baseada no mundo dos lobistas profissionais do congresso americano, interpretada por Jessica Chastain, que trabalha em uma grande firma do ramo, sempre agindo de formas obscuras no limite da lei. Ao ser contatada pela indústria armamentista para tentar fazer o público feminino comprar armas, tem uma crise de consciência e vai trabalhar em uma pequena firma que quer passar uma lei de controle de armas, mas que quer apenas fazer com que pessoas em listas de terrorismo e criminais não consigam armas tão facilmente, semelhante a polemica que se deu recentemente no país quando Obama lutou em vão para tentar restringir o fácil acesso a armas de fogo no país.

    Ao ter uma suposta crise de consciência, é abordada pelo “outro lado” e vai trabalhar para o lobby a favor de uma maior regulamentação da venda de armas, e aí que a trama começa a desenrolar, pois o telespectador começa a ser jogado de um lado para o outro, como se estivesse vendo um thriller de espionagem, onde uma Elizabeth Sloane começa a ficar cada vez mais fora de controle em sua obsessão pela vitória, o que a leva a decadência final, quando sua antiga equipe a coloca frente a uma comissão de ética do Senado.

    Mas eis que uma antiga e fiel assistente, interpretada por Alison Pill, reaparece. Em uma cena anterior, ela havia sido estabelecida como fiel a Sloane. Depois as duas rompem. E depois, claro, ela se mostra uma infiltrada e na verdade estava trabalhando para Slone durante todo o tempo. Tudo enquanto Sloane dá o seu discurso moralista e destrói a imagem dos bandidos corruptos e malvadões de Washington.

    Desta forma, Armas na Mesa, com a qualidade e orçamento que teve, se tivesse uma história e roteiro à altura, poderia trazer à tona discussões interessantes sobre lobby, sobre o controle de armas, sobre corrupção, sobre qualquer assunto. Mas o que traz é o mesmo moralismo dos libleft americanos e o ar de superioridade intelectual e moral que avassala as produções do gênero. E contar com uma parte do elenco de uma produção tão boa quanto The Newsroom deixa isso ainda pior.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

    https://www.youtube.com/watch?v=591hCwxsNsM

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Resenha | Estrela da Manhã (Trilogia Red Rising) – Pierce Brown

    Resenha | Estrela da Manhã (Trilogia Red Rising) – Pierce Brown

    Em Estrela da Manhã, último livro da Trilogia Red Rising, Darrow já não é mais um infiltrado nas linhas inimigas. Tanto aliados, como inimigos, têm que lidar com a revelação de sua verdadeira identidade e com o fato de que ambos foram enganados por meses. Depois da morte de Ares, o futuro da rebelião parece incerto e como nosso herói está na mãos do Chacal, o destino parece impreciso também. Porém o que mais deixa o vermelho apreensivo é a forma como a guerra mudou sua personalidade e o tornou diferente do jovem que sofria a morte da esposa.

    O Chacal busca desconstruir Darrow, revertendo a manipulação genética e cirúrgica que o transformou em um Ouro, mas também submetendo-o a uma rotina de humilhações para que perca a aura de um dos homens mais admirados daquela sociedade. Mesmo quando vê uma esperança, o herói não consegue se livrar da sensação de que não é aquele que a rebelião precisa. Pierce Brown nos faz sentir o isolamento e a sensação de inadequação do personagem, assim, ansiamos pela batalha que levará ao fim a saga com as mesmas dúvidas do protagonista, e logo nas primeiras páginas deste último livro, não conseguimos imaginar um desfecho possível que não a falha de sua jornada.

    É claro que temos batalhas grandiosas ao decorrer do livro, com alianças constantemente quebradas e renovadas, com muitas reviravoltas e surpresas, porém os grandes momentos do livro são as reflexões de Darrow, em seus monólogos melancólicos e sua incerteza diante de uma missão tão complexa.

    Mesmo ao descrever os aliados, o autor não tem escrúpulos em mostrar suas ações e motivações pouco louváveis, afinal, nem todos que lutam pelo “Levante Vermelho” abraçam as idéias de justiça social e igualdade perante os homens. Pode haver naves e batalhas espaciais, armas com tecnologias inexistentes, mas o que se destaca na narrativa  é a verossimilhança de um exercito de homens a sós defendendo cada um a própria agenda pessoal. Nem mesmo personagens como Mustang, sempre retratada como inteligente e justa, escapam desse escrutínio e por isso, ao virar de cada página, sempre esperamos uma nova traição.

    Embora algumas resoluções pareçam quase mágicas e o grande numero de reviravoltas e planos secretos dentro de planos secretos seja um tanto cansativo, agrada-me que o autor se demore tanto na trama política quanto nas batalhas. É  dessa maneira equilibrada que Red Rising se apresenta muito superior as outras distopias juvenis que foram lançadas aos montes no mercado brasileiro nos últimos anos.

    Compre: Estrela da Manhã (Trilogia Red Rising) – Pierce Brown

    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real. 

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Um Homem de Família

    Crítica | Um Homem de Família

    Relações familiares conturbadas não são exatamente um tema novo e original para o cinema. O mesmo pode-se dizer de produções que abordam a rotina workaholic e seus desdobramentos na vida pessoal dos envolvidos. Um Homem de Família (A Family Man) consegue a proeza de unir ambos os temas de maneira previsível, porém com boas reflexões e alguma boa lição em seu desfecho.

    Os primeiros dez minutos de exibição assustam bastante e, provavelmente, farão alguns impacientes abandonarem a sessão. Acontece que, desde P.S. Eu Te Amo, Gerard Butler não protagonizou nada com muito crédito na indústria. Isso sem falar nas detestáveis e esquecíveis comédias românticas como Caçador de Recompensas, ao lado da eterna Rachel Green Jennifer Aniston. Um Homem de Família começa lembrando muito uma comédia pastelão ambientada num ambiente corporativo. Dane, interpretado por Butler, está em uma disputa particular com uma colega de trabalho, aspirando a uma promoção na empresa.

    Felizmente, poucos minutos depois, o núcleo familiar é inserido na trama. Surgem então a esposa de Dane, vivida por uma Gretchen Mol muito bem em cena, e seus dois filhos. A dificuldade do casal em manter uma relação saudável é evidenciada de maneira bastante convincente. É a boa e velha história do “você trabalha demais” versus o “estou ocupado”. A incompatibilidade do casal transborda a relação meramente afetiva e esbarra até mesmo na dinâmica dos dois na cama. A coisa ganha um tom mais sério quando o filho mais velho de Dane, vivido pelo incrível Max Jenkins (Sense8), é a diagnosticado com câncer. O protagonista entra então em uma montanha russa emocional que oscila entre o bom momento no trabalho e a crise familiar gerada pela enfermidade de uma das crianças.

    O roteiro de Bill Dubuque apresenta algumas inconsistências, sobretudo em seu arco inicial. Sobram clichês e faltam elementos que gerem empatia pelo protagonista logo no começo do filme. O espectador só alcança essa identificação com o personagem na metade do arco intermediário. Em contrapartida, a direção de Mark Williams é bem competente. Aliás, em diversos momentos, a sensação transmitida é a de que as soluções de direção salvaram algumas cenas mal concebidas no roteiro.

    Butler desenvolve bem seu personagem. Nos momentos em que o ator precisa entregar seus melhores sentimentos, a experiência funciona. Mas, de uma maneira geral, está longe de alcançar o mesmo timbre cênico do restante do elenco. A comparação com Gretchen Mol é inevitável, já que ambos dividem a maioria das cenas do longa e a atriz simplesmente engole o ator em todas as oportunidades de diálogo entre os dois.

    Um Homem de Família é uma boa escolha para assistir despretensiosamente e sem esperar algo como o cinema arte. Numa breve somatória de fatores, a balança pende mais para um lado positivo. A história em si não traz novidades, mas talvez seja uma daquelas temáticas que, de tempos em tempos, precisam ser revisitadas e expostas na tela grande.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Minha Vida de Abobrinha

    Crítica | Minha Vida de Abobrinha

    Ícaro é um garoto de 9 anos que responde pelo atípico apelido “Abobrinha”. Logo nos minutos iniciais acompanharemos sua vida sendo totalmente transformada pela súbita morte de sua mãe, fazendo assim com que o garoto seja transferido para um lar adotivo. Já dentro do orfanato, “Abobrinha” irá se deparar com diversas outras crianças marcadas cada qual por situações estruturais familiares complexas. Nota-se pela personalidade dos jovens em questão o quão afetados eles são, por suas respectivas condições e seus traumas traumas inerentes. Enquanto a mãe de Abobrinha padecia com o alcoolismo, o pai de seu amigo de internato, Simon, sofria de dependência química e assim por conseguinte vamos descobrindo aos poucos novos e dramáticos conflitos das outras tantas crianças residentes dali e suas particularidades.

    A animação tem um pouco mais de 60 minutos de duração, não é longa, porém, é incisiva em sua proposta. O esmero da produção é notoriamente incrível, principalmente pela sutileza com que temas tão delicados são abordados e transpostos para a tela. Os conflitos de cada personagem vão se revelando para o espectador aos poucos, de história em história, entre situações e diálogos sem que pra isso seja necessário um super didatismo narrativo. Ainda que se trate de uma obra que têm como carro de frente crianças como protagonistas, o enredo é bastante global e dono de uma linguagem singular, capaz de tocar, emocionar e conscientizar qualquer um — independente de idade ou afins.

    Outro grande atrativo da animação, foi a excelente decisão do diretor Claude Barras de  filmar tal história em Stop-Motion, solução hoje em dia raramente abordada. Stop-Motion (“movimento parado”) consiste-se em uma técnica de fotográfica que em sequência fotografa um mesmo objeto inanimado sob diversos pontos diferentes, criando assim uma ilusão de movimento.

    Minha Vida de Abobrinha concorreu esse ano ao Oscar de melhor animação, prêmio  que acabou sendo ganho por Zootopia: Essa Cidade é o Bicho. Este com certeza é um filme que merece bastante atenção e certamente merece ser visto, seja por seu tema, sua execução ou por  sua intenção. Uma animação que transcende diversos aspectos do gênero e nos brinda  com uma cálida e singular obra de arte.

    Texto de autoria de Tiago Lopes.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Resenha | Nimona

    Resenha | Nimona

    Nimona, quadrinho com roteiro e arte de Noelle Stenvenson, é o gibi com o qual as pessoas facilmente se identificam e gostam. Não sei como explicar, algo lhe chama a atenção e você já começa a gostar antes mesmo de ler. Como dito em podcasts por aqui: fácil de ver (ler), fácil de gostar e fácil de esquecer. Com a diferença que você não vai se esquecer com facilidade desta obra.

    O enredo consiste na chegada de Nimona, uma metamorfa com poderes absurdos, que quer se unir ao vilão daquele mundo, Ballister Coração Negro, no combate ao herói, Ouropelvis (isso mesmo) e a instituição que ele representa. O gibi como um todo surpreende, pois aparentemente se trata de uma história cômica, e realmente o humor é uma de suas principais características, mas vai muito além disso.

    Neste sentido o mais interessante é a quantidade de vezes que a autora nos mostra um aparente clichê e o desenvolve até desconstruí-lo. O primeiro é a própria ambientação, um cenário de fantasia medieval com cavaleiros e uma personagem que pode se transformar em animais mitológicos. Porém, o ambiente de fantasia medieval é repleto de ciência e alta tecnologia. Então, nos deparamos com castelos medievais com capacidade de comunicação parecido com skype ou mesmo com laboratórios de cientistas malucos no subsolo, um dos protagonistas possui um braço mecânico.

    Os personagens também compõe bem a ideia de clichê, que não são na verdade. O vilão, sempre de cabelo preto e com planos diabólicos, o herói louro e bonitão que sempre aparece em horas de necessidade e a própria Nimona, no papel da adolescente incompreendida e rebelde. Mas tudo se trata apenas de fachada, todos os personagens são muito mais do que apenas esses estereótipos, são mais profundos e tornam a história mais complexa e interessante.

    Aliás, a própria história de herói e vilão é bastante questionada, sempre se pensa em pessoas como vilões, talvez o gibi nos mostre que organizações e complexos podem ser mais perigosos. Claro que essas organizações são criadas e geridas por pessoas, mas muitas das vezes a estrutura se impõe sobre a pessoa. Enfim, nos faz pensar em situações bem mais profundas do que a capa do gibi nos faz pensar.

    E, não podemos nos esquecer da grande protagonista, Nimona. Uma personagem interessante e carismática desde as suas características assassinas até o seu complicado psicológico, que vai muito além da tradicional rebeldia adolescente. A arte cartunesca cai como uma luva para o gibi e sua proposta. Novamente o clichê, com esse estilo de desenho se espera algo somente leve e engraçado, e nos é apresentado algo bem maior e melhor.

    Compre: Nimona – Noelle Stevenson

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | O Dia do Atentado

    Crítica | O Dia do Atentado

    Em 2013, durante a tradicional maratona de Boston, que ocorre no feriado conhecido como Dia do Patriota, terroristas explodiram duas bombas em meio a multidão. O atentado, que foi sucedido por uma série de crimes menores, chocou a cidade e a opinião pública mundial, instaurando nos arredores uma constante sensação de insegurança é pânico. É disso que O Dia do Atentado trata.

    Terceira produção da parceria entre o diretor Peter Berg e o ator Mark Wahlberg (os dois já estiveram juntos nos medianos O Grande Herói e Horizonte Profundo), o longa debruça-se quase que integralmente sobre personagens reais que viveram os horrores deste acontecimento. Pessoas que morreram, pessoas que tiveram as vidas alteradas pelo ataque e policiais e agentes que promoveram uma verdadeira caça aos terroristas. Todas essas nuances estão representadas em cena.

    Apesar do personagem de Wahlberg ser apresentado como um protagonista, o princípio do filme aponta vários personagens que possuem participação importante na trama. Todos personagens reais, o que querendo ou não já acrescenta um mínimo de profundidade em todos eles. Curiosamente, o oficial vivido por Wahlberg é um dos poucos personagens fictícios da trama. Mais curioso ainda é o fato do ator ser, de longe, o pior em cena. As poucas cenas que exigem um esforço técnico dele, naufragam por sua incapacidade em imprimir a emoção necessária para gerar empatia com o público. Talvez o protagonismo forçado se deva ao fato do ator ser também produtor executivo do longa.

    Com um abuso quase que excessivo de planos aéreos da cidade, sobretudo durante o crepúsculo e o amanhecer, intencionalmente ou não, o diretor transformou Boston na grande protagonista do filme. A cidade é explorada enquanto organismo vivo. As ações dos personagens têm uma só intenção: restaurar a paz entre os cidadãos.

    Os antagonistas talvez sejam o principal calcanhar de aquiles desta produção. O roteiro opta por construir de maneira bastante orgânica a relação entre dois irmãos muçulmanos, que assistem vídeos caseiros sobre construção de bombas, e que decidem punir a América. O problema aqui está na maneira maniqueísta como os vilões são tratados. Não existe ao menos um personagem muçulmano que ofereça um contraponto ideológico. A ideia que transborda, mais uma vez, é a de que muçulmanos são uma ameaça. É isso beira o desserviço, principalmente em um momento em que o mundo debate a questão dos refugiados.

    Kevin Bacon e J. K. Simmons emprestam maior credibilidade ao grupo de atores. Quando Simmons entra em cena, e são poucas vezes, é impossível desgrudar os olhos dele. Mais uma prova de que o protagonismo forçado de Wahlberg foi um grande equívoco.

    Um ponto bastante positivo é a ousadia do diretor que não economizou em planos-detalhe que evidenciam os estragos causados após os ataques. É possível ver partes humanas sobre o asfalto quente, amputações e muito sangue, com uma realidade poucas vezes vista e sem que soe gratuito.

    A edição imprime um ritmo claustrofóbico, agoniante e muito envolvente. Quando as cenas fortes chegam, o espectador não se choca, pois tudo o que foi feito preparou o terreno para aquele instante. Destaque também para o minidoc acrescido à fita em seu encerramento, contando o momento presente dos personagens reais apresentados no filme.

    Em termos de trama, cinematografia e ritmo, O Dia do Atentado é um dos melhores filmes de seu gênero. Um bom trabalho de direção, coadjuvantes que transbordam talento é uma história com a qual é quase impossível não se importar. É uma pena que o longa não atualize a maneira binária como a religião muçulmana é retratada pela mídia e pela indústria do entretenimento, sobretudo estadunidense.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Paterson

    Crítica | Paterson

    Detalhar uma personagem que é o núcleo do roteiro e da filmagem não é um processo fácil e prático. Toda a resolução será determinada pelos contrastes e conflitos inaugurados a cada contexto e cena do filme. No caso de Paterson, novo filme do diretor Jim Jarmusch, a narrativa  não é aplicada a um indivíduo, mas sim sobre a história de um local, que de tanta resiliência e fatos, possui seu único universo singular. Sua própria estória, em casos, crônicas e, principalmente neste caso, poemas.

    Paterson (Adam Driver), que leva o nome da cidade em seu registro civil, é um motorista de ônibus da cidade e possui uma vida rotineira e simples. Acorda, olha em seu estimado relógio o horário, dá beijos e carinhos em sua esposa Laura (Golshifteh Farahani), come cereais, desce a rua de casa em curvas – a simplicidade da locação é suportada pela fotografia em tons suaves e quentes, como uma metáfora mística mas acolhedora – chega ao trabalho e, antes do fiscal com problemas em sua vida o abordar para iniciar a rodagem, ele escreve um poema por dia em seu caderno.

    Os poemas escritos são tipografados em tela em uma fonte remetente a escrita esferográfica à mão, acompanhado pela narração de Driver. Cada poema dialoga com as constantes micro-mudanças na rotina de Paterson. A ida ao bar à noite quando sai para passear com Marvin, o buldogue francês caro que pode ser sequestrado, graças ao conselho da gangue da cidade. Mas além das alternâncias mundanas, há o ponto chave de todo sentimentalismo do protagonista: Laura.

    Sua esposa é um contraste narrativo, opondo-se às características de seu marido. Enquanto ele apresenta uma apatia e exclusão, usando os poemas como fórmula de escape ao seu próprio imaginário, ela expõe os sentimentos e os pensamentos em elementos narrativos que a destacam. Não só pelas dedicações artísticas e gastronômicas, mas pelo espírito e ideal autônomo e independente. As cores que mais adora são o preto e o branco, chaves visuais que funcionam como elo entre estes personagens. Ambos estão dentro de clichês diários e permitindo-se permanecer na banalidade casual, mas com intuitos de manifestarem para além de seus próprios eixos.

    A direção de Jarmusch foge do maniqueísmo que possa forçar empatia por Paterson. Apenas guia-se em um olhar mais subjetivo e observador, sendo quase que o narrador em terceira pessoa. Seu roteiro apropria-se de um argumento cíclico para inserir novos contextos e nuances relacionados ao endêmico ponto de manifesto narrativo: a poesia. Não apela para uma estante artística ou acadêmica; debruça em um lado mais sentimental e imparcial, culminando em um artigo de citação ou outro a autores reais, mas nada que faça perder o crivo de admiração por parte do protagonista.

    O núcleo de apoio armazena seus próprios conflitos e interesses, todos sendo passagem diária pelo círculo social da cidade. Jarmusch é um diretor que anseia pelo fascínio popular. Não gosta de esconder sua forma de inserir atualidade e espaço temporal-geográfico utilizando referências a gêneros musicais, artistas, poetas e o próprio cinema em sua atmosfera humorística. Concentra todos estes pontos ao centro cultural de suas personagens e criações.

    Então, mais do que sobre o singular e o banal, Paterson acredita na experiência pessoal para contar histórias sobre si mesmo, sobre a cidade, como os relacionamentos e como os indivíduos têm passado por sua escala profissional, pelos finais de semana preguiçosos, pelo aborrecimento da perca da crença. O luto dele aqui se configura mais na derradeira ocasião de descrença. Entretanto, a crença é volátil e inerente ao controle do homem e sua devoção. Fato este, importante para intrínsecos elos no filme.

    Texto de autoria de Adolfo Molina.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Um Homem Chamado Ove

    Crítica | Um Homem Chamado Ove

    Filmes sobre senhores de idade avançada que se tornam vizinhos incômodos não são raridade. De tempos em tempos, surge um novo feel-good movie destinado a temática, geralmente abraçando os clichês da reclusão doméstica, da amargura social e da catarse causada pelo contato com um personagem mais jovem. Tendo em vista esse lugar comum, é com dignidade e inteligência que Um Homem Chamado Ove (En man som heter Ove, 2015) abraça os clichês sem tomá-los como objetivos, e ao fazê-lo, simultaneamente cria espaço para passar suas próprias particularidades.

    Encontra-se Ove Lindahl (Rolf Lassgård) exatamente como se espera: apático e por muitas vezes rude, sempre desgostoso pelos hábitos desordeiros dos vizinhos e sentindo conforto só ao se comunicar com a lápide da falecida esposa, Sonja (Ida Engvoll). Ao ser desligado de suas funções na fábrica que trabalha a 4 décadas, decide também desligar-se permanentemente da vida. A partir desse ponto, o filme divide-se: na parte atual, na qual Ove tenta e falha sucessivamente o suicídio, de maneiras hilárias, e os flashbacks, que ocorrem quase sempre quando o personagem ameaça o sucesso de suas tentativas, explicando sua história e sua conexão (ou a falta dela) com as pessoas ao seu redor.

    Obviamente, existe uma dicotomia entre as duas linhas temporais, valorizada pela fotografia de Göran Hallberg. A atualidade é bela, mas tem cores opacas, enquanto o passado é vibrante. É também interessante como o mundo se “fecha” sutilmente conforme a cronologia da obra avança, com planos amplos quando contando o período da infância, mostrando um mundo a se desbravar, que se estreitam progressivamente ao ponto de enquadrar o condomínio dos dias atuais como uma pequena e apertada maquete.

    O roteiro é dedicado a compor cenas graciosas. Tudo que está lá serve para explicar melhor o protagonista ao expectador ou para passar a empatia necessária para fazer a história funcionar. No entanto, parece haver uma preocupação do diretor Hannes Holm em criar uma sequência de cenas agradáveis ao invés de uma narrativa funcional (e há uma grande diferença).

    A maior prova disso é a falha do filme em estabelecer um antagonista convincente, necessitando de um clímax forçado, provido por um coadjuvante aleatório e exagerado. É nesse instante que, após vários minutos de acerto no tom, composto com graciosidade, acidez e até humor negro, se exagera, tentando compensar a falha da narrativa com um “satã ex-machina”. É triste notar que o momento ápice do trabalho possa causar constrangimento ao espectador.

    O grande trunfo, que permite superar esse momento e qualquer outro defeito do filme, está em seu intérprete principal. Lassgård compõe um protagonista que é sempre carismático, mesmo quando mais intragável, e tem a habilidade de guia-lo por todo um espectro emocional sem esforço aparente. Em determinado momento, o protagonista, em 10 minutos de câmera, vai das gargalhadas à fúria e depois à depressão. Nada parece forçado e o magnetismo de Lassgård é constante.

    Assim a história se desenrola no dia-a-dia de Ove, com os clichês e particularidades trabalhando em conjunto: ele é recluso, mas em razão de seu luto. É amargo com o mundo que não compreende, mas a razão desse desentendimento vem de comportamentos que nos instigam a questionar sua saúde mental (TOC e autismo são possibilidades constantes). A catarse vem em contato com a juventude, mas essa não toma a forma de um adolescente, e sim de Parvaneh (Bahar Pars), mulher iraniana prestes a ser mãe pela 3 vez.

    Há uma pequena bandeira social aqui. Lindahl é grosso com todos, mas não é preconceituoso. Pode-se até dizer que é salvo pelas minorias. Os personagens que frustram seus suicídios cobrem mulheres, imigrantes, muçulmanos e LGBT (esse último, com um arco que termina mal resolvido e esquecido). A situação da Europa atual pode ser metaforizada nessas relações, mas essa não é a mensagem mais importante que se deve extrair.

    Acima de tudo, o protagonista é um homem correto. Segue as regras e nunca age com malícia. Recebe também sua também sua boa parte incompreensão dos outros (e isso é grande parte do motivo pelo qual se apaixonou pela sua esposa). Fica então, um discreto mas relevante questionamento: o mundo que estende a mão aos diferentes do futuro, com suas minorias sociais e pluralidade de modos de vida, o faz de bom grado aos diferentes do passado, que viram seus valores e modo de vida se extinguirem? Há no mundo quem se lembre e acolha aqueles que herdamos de um passado mais rígido? Um Homem Chamado Ove responde: deveria haver.

    Texto de autoria de Felipe Duarte.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Sete Minutos Depois da Meia-Noite

    Crítica | Sete Minutos Depois da Meia-Noite

    O cinema e a literatura fantástica sempre se apropriaram de dramas realistas para a construção de suas histórias, pode-se ver isso pelo movimento estudantil em Harry Potter, por exemplo. Porém, algo muito mais genuíno nasce de quando a realidade, o bom drama, se aproveita de elementos fantásticos para se ilustrar suas mensagens.

    E ilustração é um dos pilares de Sete Minutos Depois da Meia-Noite, longa escrito pelo autor de seu livro de origem O Chamado do Monstro, Patrick Ness e dirigido pelo espanhol J.A. Bayona. Conor (Lewis MacDougall), um garoto que se esconde por trás de suas ilustrações, vive um momento delicado ao ver sua mãe (Felicity Jones) lutar contra uma doença terminal, além de sentir falta do pai ausente (Toby Kebbell) e não se dar muito bem com a estranha avó (Sigourney Weaver). Atormentado por pesadelos e um constante bullying na escola, Conor passa a receber visitar de um monstro-árvore (Liam Neeson) que lhe promete três histórias em troca de uma quarta.

    O filme passeia pelas ilustrações do garoto e nos imerge em ótimas sequências animadas em aquarela que ilustram as histórias contadas pelo Monstro, brilhantemente dublado por Neeson, sendo o grande diferencial da dublagem a capacidade do ator em soar ameaçador e reconfortante ao mesmo tempo. Ainda assim, essas histórias não vão além da questão técnica, tendo a narrativa como um grande equívoco, já que não possuem grande papel como significado e não transmitem o peso necessário quando o filme nos diz a real proposta delas; talvez, apenas a terceira história se encaixe bem além do que o final propõe.

    Quando Conor tem que encarar a realidade, e não tem a presença do Monstro, são os melhores momentos do longa, utilizando-se de uma fotografia sutil, com alguns super-enquadramentos e que se encaixam com uma direção de arte que transmite tanto beleza como significado nos detalhes, principalmente em fotos e objetos pessoais de suas personagens. A montagem do filme é coberta de transições que relembram o que acabara de ser visto em tela e faz com que os momentos fantásticos e os momentos no “mundo real” fiquem bem dosados.

    Os efeitos visuais não são lineares em qualidade, mas pelo menos são crescentes e não chegam a tirar muito a atenção do espectador, a edição do som bastante criativa e original e de um modo genial se dá muito bem com a trilha orquestral nada apelativa de Fernando Velázquez – e isso é de muito mérito em filmes taciturnos como esse. Das atuações, apenas a de Kebbell parece deslocada e a personagem do ator acaba soando desnecessária, tanto para o drama do garoto quanto para o desenvolvimento da doença terminal da mãe.

    Já Lewis carrega muito bem o filme com seu protagonista e nos faz lembrar de maneira muito carinhosa de O Labirinto do Fauno, Onde Vivem os Monstros e Meu Monstro de Estimação, e culpa disso é da direção muito sincera de Bayona, que vem de filmes como O Orfanato e O Impossível, onde soube tratar muito bem o extraordinário quase gótico e o drama familiar. Sete Minutos Depois da Meia-Noite é um filme pesado, melancólico e carregado de mensagens, mas que falha em dar importância para suas histórias centrais, não conseguindo fugir do previsível em sua espécie de “revelação” perto do fim, ainda assim trabalha bem com seu roteiro no que diz respeito a bons diálogos, “amarração de pontas soltas”, e claro, serve de maneira brilhante como retratação de perda, infância, família, invisibilidade, coragem e mais do que tudo: imaginação. Ou uma boa ilustração em aquarela dela.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Personal Shopper

    Crítica | Personal Shopper

    Estreando em Cannes como um divisor de águas (fato que se tornou evidente pelas vaias que brotavam nos intervalos das palmas), o novo feito da dupla Assayas-Stewart é, no mínimo, algo para entrar na lista de prioridades de qualquer um que se interesse por cinema. E a frase anterior pode até carregar um tom de autoridade, mas é nesses filmes de opiniões tão dissonantes que se encontra o que clama para ser visto e discutido, independente de quanto o telespectador amará ou odiará no final.

    Personal Shopper é um longa-metragem escrito e dirigido por Olivier Assayas (Acima das Nuvens, Horas de Verão) e estrelado por Kristen Stewart. Um drama que se mescla com terror e gera uma obra de natureza única, utilizando-se de diversas ferramentas do gênero para tratar de temas complexos, entre eles o luto, ao mesmo tempo que aborda a questão espiritual de maneira distinta. O longa acompanha Maureen, uma médium que busca entrar em contato com seu falecido irmão, ainda que se veja detida de se dedicar completamente a isso graças a seu emprego como personal shopper, relacionamento amoroso e algum tipo de perseguidor.

    O primeiro passo para compreender a densidade desse filme se faz pela percepção do que cerca Maureen. Ela é uma personal shopper, ou seja, é alguém que apresenta discernimento, “gosto”, para selecionar as roupas a serem alugadas ou compradas para compor o guarda-roupa e estilo de quem a contratou, no caso em questão a celebridade Kyra (Nora von Waldstätten). Percebe-se, então, que o atuante nessa profissão é um tipo de avatar, um link entre pessoas de um mundo de status econômica e socialmente elevado e essa atividade mundana tão banal, a compra de roupas. Ao mesmo tempo, Maureen é uma médium. É alguém que apresenta “sensibilidade” para entrar em contato com almas atormentadas, habitantes de outro plano que por algum motivo conseguem atuar no mundo humano. Também médium era seu falecido irmão, com quem logo no início busca contato em uma sequência de “casa assombrada”, já que prometeram entrar em contato um com o outro caso morressem. De duas maneiras, na sua profissão e seu dom, ela demonstra a sensibilidade para atuar como ponte entre realidades, tal como faz uma atriz.

    As atividades previamente citadas se realizam enquanto a personagem encara o doloroso período de luto; o extenso tempo de questionamentos e busca por respostas. O falecimento de seu irmão, inclusive, se deu por uma doença que Maureen também compartilha. É o conjunto de todas essas ações junto ao contexto que a colocam no intermediário entre o que era e o que virá a ser. É o que faz com que transite entre ela mesma e outras identidades, seja alguém como o irmão ou Kyra, a vida ou a morte. Da mesma forma é a natureza da comunicação com seu namorado, que está em outro país, através de vídeo-chamadas; seu perseguidor entra em cena por mensagens de celular, que são utilizadas por uma extensa parte da história enquanto incrivelmente conseguem manter a tensão. E nada disso seria tão bem realizado como é se não fosse a direção de Assayas e atuação de Stewart.

    Kristen Stewart efetua com louvor as dinâmicas demandadas pelo roteiro. As nuances de sua atuação reafirmam a temática geral da obra por manter o luto enquanto aflita, contente, impaciente; por ser ela mesma ao mesmo que não, pois em sintonia com o tema de transição também se faz a personalidade de Maureen. Fator esse que também esteve presente em Acima das Nuvens, longa prévio de Olivier no qual Stewart contracenou com Juliette Binoche. Entretanto, aqui Stewart está grande parte do tempo sozinha, ou com um celular. É um enorme testamento para sua capacidade como atriz o feito de acompanhar o desenvolvimento e manter coerente e coesa, ao mesmo tempo que progressiva, sua interpretação.

    É notável do roteiro a maneira orgânica com que se permite transitar entre os temas; o luto assombra, porém ao mesmo tempo há a relação de Maureen com seu namorado, a questão espiritual e a do perseguidor, além da mescla de gêneros cinematográficos. Por exemplo, a sequência de abertura anteriormente mencionada, a casa assombrada, demonstra as habilidades de Assayas como diretor para além da autolimitação de qualquer estilo que seja. É um diretor que sabe como moldar a atmosfera e o ritmo do que ocorre em cena em prol da cena; seja uma casa assombrada, ou a escolha de alguma roupa de alta costura. Da mesma forma quando corajosamente logo confirma a existência dos espíritos e não brinca com o “será que fantasmas existem?”. Olivier sabe no que deve focar, ou não, para tirar o melhor proveito de sua narrativa.

    As finalidades de Assayas para realizar uma obra como essa não são o ponto principal, já que perceptivelmente ele não busca respostas. Por isso há o desenvolvimento e dispersão de tantos assuntos que se encaixam de forma tão certa nessa história. Esse é realmente o fator mais impressionante: a maneira com que o filme se permite comunicar com a audiência para além de prévias concepções sobre qual o caminho correto para tomar com os atributos aqui apresentados. Há sinais aqui e ali, manifestações de algo que quer comunicar, mas acabamos tendo que nos satisfazem com o vulto; sejam eles o luto, um perseguidor, os espíritos; um olhar, o cinema e nós.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram , curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Neruda

    Crítica | Neruda

    Pablo Larraín vem se consolidando como um dos diretores mais expressivos desta década. Na bagagem, carrega filmes importantes como NO, O Clube e Jackie. Em Neruda ele da um passo a mais, ousando em contar a história do poeta e político chileno Pablo Neruda (Luis Gnecco), através dos olhos do personagem fictício Oscar Peluchoneau (Gael García Bernal), um policial obcecado em prender Neruda, por ser membro do Partido Comunista no final dos anos 40.

    Porém, o que poderia ser uma típica história policial de gato e rato, nas mãos de Larraín se torna um retrato poético e complexo de um período da história do poeta. Complexo, pois o diretor tenta (e consegue) transportar para o cinema o estilo literário do escritor. E isto é dificílimo, afinal, como contar uma poesia através da linguagem cinematográfica? O diretor vai fundo na profundidade dos personagens, deixando claro que existe uma admiração mutua entre perseguido (Neruda) e perseguidor (Peluchoneau), passando longe de uma tradicional cinebiografia, ao se preocupar mais com o que o personagem principal pensa e representa, do que com fatos históricos.

    Claro que o filme tem um conteúdo político, mas o mesmo é tratado de uma forma peculiar,que seria a visão de Neruda sobre o tema. Apesar da clara posição à esquerda de Neruda, o roteiro possui imparcialidade, ao trazer por exemplo, uma bela cena em que uma trabalhadora pobre comunista, que apesar de admirá-lo, o questiona se um dia todos terão acesso à vida burguesa que ele leva.

    Aliás, são vários os personagens secundários interessantes que aparecem na tela, formada por ótimos atores habituais de trabalhos anteriores do diretor, como o incrível Roberto Farías (de “O Clube”), que aqui interpreta um cantor de bordelque entende a essência da arte.

    Apesar de muitas qualidades, inclusive esteticamente, o filme pode ser considerado um pouco cansativo devido ao ritmo lento. Por fim, Neruda consegue o mérito do que se propõe a fazer, poesia, mesmo que cansativa, mas uma bela poesia.

    Texto de autoria de Marcelo Palermo.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram , curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.