Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Águas Rasas

    Crítica | Águas Rasas

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    Com o perdão da injusta comparação, o diretor catalão Jaume Collet-Serra é como Clint Eastwood quando escolhe um filme para dirigir. Ele não entra pra perder ou fazer feio. Assim como o oscarizado diretor, Serra escolhe seus projetos a dedo e o resultado, ainda que não seja de prêmios em festivais ou de produções que acarretam caminhões de dinheiro, é sempre satisfatório por um simples motivo: o público adora seus filmes regados de suspense e o sucesso daquele determinado projeto se dá por meio do boca à boca entre as pessoas. Com certeza algum amigo já te indicou algum filme dirigido por Serra, seja A Casa de Cera, A Órfã, Desconhecido, Sem Escalas ou o estiloso Noite Sem Fim.

    Em tempos de pérolas como a franquia mítica e milionária Sharknado e de produções porcas como Mega Shark Vs Crocosaurus, o gênero que se leva a sério de filmes envolvendo tubarões ficou esquecido após o viral Mar Aberto, fazendo com que o clássico Tubarão, de Steven Spielberg, se mantivesse no topo e com uma larga vantagem em relação às demais produções.

    Blake Lively vive Nancy, uma estudante de medicina indecisa com relação ao seu futuro, mas que adora surfar. Ela, aparentemente, não se dá muito bem com o pai, principalmente após a morte de sua mãe e por isso resolveu viajar o mundo para celebrar sua memória. E é aí que ela resolve procurar uma praia secreta que nenhum nativo revela o nome, sendo que tudo que nós sabemos até então é que a protagonista viaja com uma amiga que não lhe acompanha por estar de ressaca, uma vez que podemos acompanhar junto de Nancy o que ela escreve ou lê quando está em contato com sua amiga ou sua irmã mais nova.

    Chegando à praia, Nancy faz amizade com dois nativos surfistas e o que vemos em seguida é uma série de belas imagens relacionadas à prática do surfe. Nesse ponto, é possível que o espectador se irrite porque a produção não apresenta até aquele momento nada conceitualmente novo, principalmente no que diz respeito aos surfistas e a sensação é de estar assistindo a algum documentário feito por algum canal de esportes radicais. Porém, tudo muda quando os surfistas decidem ir embora, deixando Nancy para uma “última onda”. Acontece que uma baleia morta atraiu um enorme tubarão branco para as águas rasas da praia.

    aguas-rasas-surf-tubaraoFica extremamente difícil escrever sobre o tema sem contar o que acontece, mas, de qualquer forma, o drama da jovem faz com que o espectador a acompanhe de perto, como se estivesse ao seu lado, sentindo, quase que literalmente, sua dor pelas próximas horas, sendo que tudo que Nancy tem para lhe auxiliar são seus objetos pessoais que lhe acompanhavam ao mar, como seu relógio, sua roupa de mergulho, seus brincos e um pingente, além de conhecimentos básicos sobre a movimentação das marés, o que adiciona ainda mais urgência à trama e sua resolução. Vale destacar que não é por acaso o fato dela ser praticamente uma médica, pois qualquer outro surfista sem conhecimentos da medicina chegaria a óbito logo na metade do filme. Uma solução suja, porém, necessária para manter a personagem por tempo suficiente em tela.

    Os méritos de Águas Rasas, curiosamente, não se dão pelas características já conhecidas do diretor que costuma contar histórias peculiares com uma boa dose de estilo, mas sim pelo fato dessa história ser a mais simples possível, onde uma mulher que passa por um trauma faz com que seu instinto fale mais alto do que a própria razão, ainda que quem esteja lá do outro lado seja alguém que está no topo da cadeia alimentar. Dessa forma, créditos também cabem à Blake Lively que mostrou ser uma atriz extremamente versátil nas diversas situações em que a vemos durante quase uma hora e meia de filme. E por que não falarmos da simpática gaivota que, assim como Nancy, passa por drama semelhante? A interação entra as duas é um destaque a parte.

    Com isso, podemos dizer com segurança que Águas Rasas entra para o “hall da fama” de filmes de gênero sobre tubarões.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Review | Mafia III

    Review | Mafia III

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    O jogo Mafia II foi muito criticado sobre a maneira de como utilizou o mundo aberto, obrigando aos jogadores a uma história fechada e com pouco espaço para exploração de Empire Bay. A desenvolvedora Hangar 13 em Mafia III tenta trazer uma experiência completa, ao levar o jogador a explorar a cidade de New Bordeux, uma cidade análoga a Nova Orleans.

    Mafia III tenta fazer algo nobre ao evitar a paródia e a sátira que inúmeras vezes vimos em jogos de mundo aberto, o jogo tem a pretensão de trazer uma trama com personagens mais profundos e temas mais sérios.

    Com relação aos temas, especialmente o racismo é introduzido na franquia de uma maneira que ainda não tínhamos visto nos jogos anteriores. Em Mafia 3 jogamos através da perspectiva de Lincoln Clay, um negro vivendo no sudeste dos Estados Unidos na década de 60, um período turbulento na história americana. Clay, veterano da guerra do Vietnã, retorna para a cidade de New Bordeux, e se vê no meio de uma guerra de organizações criminosas.

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    Depois da primeira hora de jogo bem emocionante, que inclui uma missão de assalto a banco, misturada com flashbacks que contam um pouco o passado de Lincoln e suas motivações, ele coloca em prática o seu plano de vingança pessoal, jurando matar todos que ficarem na sua frente até encontrar o mafioso rival, Sal Marcano o cara que arruinou sua vida.

    Clay começa de baixo, ou melhor, recomeça após ser retirado dele tudo o que amava, e mais ele não só destrói seus inimigos como lentamente vai construindo seu próprio império do crime, recrutando aliados para ir a outros distritos e tomar o território de seus
    inimigos.

    Entre seus principais aliados está Vito Scaletta, protagonista de Mafia II, retornando como um dos subchefes do crime de New Bordeux e se alia a Clay para derrubar Sal Marcano. Os aliados oferecem várias regalias a Lincoln Clay, como por exemplo, aumentar a capacidade das armas entre outras.

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    Com relação ao gameplay, o sistema de direção não é tão fluido, principalmente quando temos que perseguir alguém e atirar ao mesmo tempo, as missões são repetitivas e padronizadas, e apesar da cidade de New Bordeux ser imensa, viva e incrivelmente detalhada, não há muito além das missões.

    Problemas de texturas e inteligência artificial podem ser notados ao você se deparar com inimigos que podem ver através de paredes, alguns bugs aconteceram em mortes de inimigos, como por exemplo, o inimigo ficar quicando no chão após ser morto, eu encontrei esses bugs na versão para Xbox One, pode ser que em outras plataformas isso não aconteça.

    Para concluir o jogo entrega uma boa diversão, em aspectos como ambientação, o roteiro, os diálogos e a trilha sonora, são excelentes. Mafia III tenta ser grande mas a experiência do gameplay deixa a desejar.

    Texto de autoria de Tiago Cesar.

  • Luke Cage: Uma Análise Bíblica

    Luke Cage: Uma Análise Bíblica

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    Se você é cristão ou judeu, tanto faz, precisa reconhecer que a Bíblia é uma fonte privilegiada de referências no universo cultural ocidental. Mas a série Luke Cage, da Netflix, usa e abusa deste recurso bem mais diretamente do que costuma ocorrer.

    O nome original do herói é Carl Lucas e depois é mudado para Luke Cage, o que se manteve foi a referência ao evangelista que aparece, primeiro na mesma forma que usamos no Brasil, e depois no formato traduzido para o inglês (Luke). Lucas foi um médico grego e é representado na tradição iconográfica como um touro. Luke Cage, ou gaiola de Lucas, em tradução livre, parece mesmo um touro, que representa a força extrema, preso em uma gaiola de tramas, corrupção e da própria resistência do herói em recorrer à violência.

    Mas acredite, esta é a referência mais suave. Flashbacks mostram que Pastor Lucas não conseguia engravidar a esposa e acabou gerando um filho em uma funcionária, no entanto, pouco depois deste filho nascer, sua mulher ficou miraculosamente grávida e ele teve um filho legítimo, Luke Cage, chamado por todos de “bebê milagre” e passou a desprezar o filho mais velho, ao qual sequer deu seu nome.

    Os irmãos eram amigos na juventude, mas depois brigaram devido à proteção do Pastor somente em relação ao legítimo. O filho abandonado, Willis Stryker ou Kid Cascavel, não deixou por menos e utiliza todos os mais violentos recursos para acabar com o queridinho do papai. E tem mais, para cada ação, uma citação bíblica de brinde.

    Ok, já conhecemos esta história. Abraão não consegue engravidar sua esposa e sua criada tem um filho dele, Ismael, que é desprezado pelo pai quando miraculosamente sua esposa engravida, já muito velha e nasce Isaac. Ismael e sua mãe, abandonados, partem.

    Na tradição, reconhece-se que os descendentes de Ismael, ou ismaelitas, são os árabes, notoriamente identificados com os muçulmanos. Ora, não é deste circuito que advém uma importante massa de ameaças terroristas (recursos violentos) atacando o ocidente (herdeiros mais ou menos diretos do filho do papai, Isaac)?

    Seria a Marvel e Netflix fazendo mais um discurso clichê à lá Trump contra os árabes terroristas contra os bonzinhos ocidentais? Uma referência persistente não me deixa crer. A abertura da série e a rua em que grande parte da trama se desenrola tem o retumbante nome de “Malcolm X”, um importante líder da luta negra contra a segregação nos EUA e que era muçulmano e defendia a separação entre brancos e negros por meio de táticas violentas.

    Se noutro tempo Malcolm X foi transmutado em Magneto, violento e pró-separação, pela Marvel, nos dias atuais já é bastante consistente o caráter ideológico do “esquecimento” dos últimos dias de Malcolm, em que ele abandonou a tática violenta e a proposta de separação de negros e brancos e concentrou-se no propósito de combater as desigualdades sociais.

    Talvez uma chave de leitura para Luke Cage seja essa, os ismaelitas estão atacando com tudo, mas a saída não é por aí, não é o ocidente seu inimigo e sim o sistema. Ei, senhores muçulmanos, vocês não precisam ser convertidos, nem ter seus territórios ocupados pelo imperialismo, não é o que estamos defendendo, sejam vocês mesmos, mas ouçam seu irmão Malcolm X.

    Texto de autoria de Lucelmo Lacerda.

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  • Resenha | A Dama Oculta – Ethel Lina White

    Resenha | A Dama Oculta – Ethel Lina White

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    Há uma verdade na sinopse do livro de A Dama Oculta: não é nada difícil compreender os motivos que levaram Alfred Hitchcock a transformar a obra de Ethel Lina White em uma de suas obras cinematográficas. E muito disso se deve ao fato de que os méritos da escrita de White também poderiam ser (e foram!) os méritos na direção do Mestre do Suspense.

    Publicado pela Editora Vestígio como parte de uma coleção sobre as obras literárias que inspiraram alguns dos filmes mais notórios do diretor, A Dama Oculta é um prato cheio um intrigante jogo de percepções e desconfianças: no livro, acompanhamos Iris Carr, uma jovem socialite que, após uma viagem com amigos ao continente europeu, resolve retornar sozinha para casa, intimidada por algumas personalidades estranhas que a cercam desde sua estadia no hotel. No retorno, Iris conhece no trem uma senhora animada e faladeira chamada apenas de Srta. Froy e que, após um súbito sono de Iris, some sem deixar vestígios, e com o agravante de que nenhum dos passageiros a bordo parece se lembrar da presença da idosa. E assim, questionando ora sua própria sanidade, ora o envolvimento de alguns rostos nesse mistério, Iris parte em busca do paradeiro da Srta. Froy.

    Para uma temática como a de A Dama Oculta, onde as ações ocorrem num espaço limitado e assim em constante velocidade, seria indispensável que a autora soubesse aguçar a curiosidade de quem lê com os desdobramentos da situação. É um risco o autor jogar sua história dentro de um cenário fechado e não trabalhar com inteligência aquele espaço. Mas Ethel Lina White carrega um trunfo, o de conseguir estabelecer o interesse e a desconfiança do leitor antes mesmo dos principais acontecimentos chegarem ao trem. A escritora não se limita a utilizar Iris como um mero captador de informações para o leitor, e carrega seu olhar até as diversas outras personalidades que irão permear a leitura, por vezes até permitindo que o leitor retenha informações que nossa própria protagonista desconhece. E Ethel Lina White é habilidosa em trazer as informações à tona. Cada nova página nos traz alguma informação que, mais cedo ou mais tarde, virá ser essencial para o encerramento do quebra-cabeça.

    Curioso é também notar como a autora desenha nossa protagonista, e para alguns (e algumas), isto assuma até mesmo um viés feminista, o que não seria nada errado: Iris é uma moça de extrema pertinência, mas que vez ou outra se deixa balancear por sua própria sanidade, algo absolutamente humano. Mas decidida a descobrir o que houve com a Srta. Froy, Iris enfrenta um mar de rostos (a maioria homens, diga-se) que tentam lhe impedir de chegar a uma resposta, que tentam manipular sua própria busca, o que resulta também num jogo de inteligência fumegante entre esses personagens. Nisso, Ethel ainda é esperta em enxertar, com um misto de clareza e sutileza, uma guerra silenciosa entre as mais diversas classes sociais e até mesmo xenofobismo.

    Com um irônico desfecho melodramático (evitado por Hitchcock em sua adaptação), A Dama Oculta é uma leitura facilmente envolvente, divertida, sarcástica (não também à toa, a adaptação de Hitch é considerada o auge de sua fase britânica, algo com o qual o humor da obra flerta) e que, vale ressaltar, chega nesta sua nova edição com uma belíssima capa dura. Que venham os próximos lançamentos!

    Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.

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  • Crítica | O Homem Nas Trevas

    Crítica | O Homem Nas Trevas

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    O uruguaio Fede Alvarez ganhou certa notoriedade em 2009, quando seu curta-metragem, Ataque de Pânico, viralizou pela Internet. Um tempo depois, o trabalho do diretor — que até então só tinha curtas-metragens em seu currículo, chamou a atenção de Sam Raimi e os dois iniciaram uma parceria para trazer à tela grande uma mistura de remake com reboot de A Morte do Demônio, um clássico absoluto do gênero. Embora Alvarez tenha sido competente em sua direção, principalmente no que diz respeito a efeitos práticos e situações bem gráficas como a chocante bifurcação na língua de uma personagem, A Morte do Demônio não convenceu os fãs do original, não agradando, também, aqueles que não conheciam a franquia.

    Contudo, Alvarez ganhou uma segunda chance num projeto totalmente autoral em que divide o roteiro com seu fiel escudeiro, Rodo Sayagues, que também assina quase todos os projetos em que o uruguaio esteve envolvido. Essa segunda chance é o ótimo O Homem Nas Trevas.

    A premissa do filme é bem simples e logo já podemos perceber que a protagonista, Rocky (Jane Levy), junto de seu namorado, Money (Daniel Zovatto) e de seu amigo, Alex (Dylan Minnette), formam uma quadrilha que assalta casas na cidade onde moram e veem num homem cego (Stephen Lang), veterano de guerra, a possibilidade de levantarem dinheiro suficiente para nunca mais cometerem nenhum tipo de delito, visto que o homem recebeu uma ótima indenização pela morte de sua filha, envolvida num acidente de carro.

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    Aqui, Alvarez possui duas cartas na manga, sendo que, a primeira delas foi a sua capacidade de dirigir o pequeno elenco com uma competência ímpar, haja vista a simplicidade do roteiro que acaba por desenvolver uma história que cresce a cada minuto, surpreendendo o expectador em vários momentos, sendo que, no mais, a direção é bem “redonda”, fazendo a tarefa de casa de forma competente no que diz respeito a fazer um filme de suspense/terror, já que temos os closes nos rostos apavorados dos personagens, sem mostrar a ameaça em potencial; aqueles sustos que nos fazem pular na cadeira; algumas doses (comedidas) de violência e, por fim, suspense. Muito suspense, o que faz soar justo o título original do filme, chamado Don’t Breathe, que, traduzindo para o português, seria Não Respire.

    A segunda carta na manga do diretor é o ator Stephen Lang, o personagem cego.

    Lang é um nome que figura há anos nos casts de filmes e seriados em Hollywood e ficou conhecido por ser o principal vilão em Avatar, interpretando um personagem que qualquer um poderia interpretar, mas que se supera em O Homem Nas Trevas, fazendo com que seu personagem, amargurado pela morte da filha, também soe justo ao título do filme em português. Uma grata surpresa que pode render, inclusive, uma indicação de Melhor Ator ou Melhor Ator Coadjuvante no Oscar a ser realizado em 2017.

    Se você é fã do gênero, O Homem Nas Trevas é obrigatório. Caso você não seja, o filme merece uma atenção especial mesmo assim, dado que não se observa nenhuma aresta a ser aparada.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Diário de Bridget Jones

    Crítica | O Diário de Bridget Jones

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    Uma comédia simples e rica em acertos.  Começo meu texto classificando o filme de “simples” pois acredito que justamente aí resida sua riqueza. O Diário de Bridget Jones é uma obra baseada no best-seller da escritora Helen Fielding. Misturando bem os elementos de que dispõe, tal filme foi lançado nos cinemas em 2001 tornando-se instantaneamente um sucesso que fascinou plateias mundo afora. Após essa breve elucidação vamos ao que realmente interessa!

    Na história acompanhamos Bridget Jones (Renée Zellweger), uma personagem extremamente carismática e divertida que aos 30 anos decide repaginar sua vida, expondo em seu diário suas mudanças internas, externas, impressões e devaneios de forma hilária.

    Dentre as várias metas da personagem, algumas progressivamente vão se tornando mais características no desenvolver da trama como – tentar emagrecer, conseguir se estabelecer no trabalho, parar de fumar e de praxe encontrar um grande amor – e é justamente na busca de sua “cara metade” que acompanharemos seu verdadeiro dilema.

    De forma descontraída em uma festa de Pré Réveillon, Bridget se vê apresentada ao Advogado Mark Darcy (Colin Firth), porém, rapidamente descobrimos que ela nutre uma paixão platônica por seu patrão Daniel Cleaver (Hugh Grant).

    A comédia utiliza bem a personalidade totalmente oposta de seus pretendentes para ir gradualmente desenhando para o público o rumo onde tudo ensejará. Hugh Grant faz a linha cafajeste/convencido, que no entanto dá o primeiro passo para conquistar Bridget, chegando à se relacionar com a própria, enquanto isso, Colin Firth que na primeira impressão se portou de forma antipática, acaba paulatinamente (mesmo que de forma engessada) se mostrando doce e cativante.

    Aponto uma acertada trilha sonora que casa muito bem com a proposta, trazendo um frescor muito bom ao longo dessa jornada e sendo incisivo principalmente nos momentos desastrosamente cômicos.

    O Diário de Bridget Jones acaba sendo mais um filme honesto por não esconder de seu público em nenhum momento suas intenções, acertando em cheio em se assumir como foi concebido. É uma comédia deliciosa que despretensiosamente arranca sorrisos e se mostra cativante.

    Texto de autoria de Tiago Monteiro.

  • Crítica | Elvis & Nixon

    Crítica | Elvis & Nixon

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    A história por vezes nos traz, além dos grandes acontecimentos, pequenos eventos que se não serviram para mudar muita coisa, ao menos nos deixarão pistas para compreender melhor uma época e um sentimento. É mais ou menos neste contexto da micro história que o novo filme da diretora Liza Johnson, Elvis & Nixon trabalha. Com um tom claramente humorístico e uma narrativa simples, a história é leve e atraente, tamanho os absurdos envolvidos: Um presidente com a mentalidade em outra época resistindo ao encontro do maior ícone da música daquele tempo, mas que também mostrava dificuldades em entender os novos tempos.

    Em meio a revolução sexual, Woodstock, hippies, os Beatles de cabelos compridos, os Panteras Negras se organizando e Muhammad Ali recusando ir a guerra, Elvis era o símbolo do artista do bem, dos bons costumes e pró-EUA. Ao menos em sua cabeça. Seu plano era se reunir com Richard Nixon e obter uma credencial oficial de uma agencia governamental anti-drogas e ir disfarçado atrás de outros artistas, pois as drogas estariam corrompendo os jovens do país, e por isso eles estavam se revoltando.

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    Essa análise simplista é muito utilizada até hoje por muita gente, mas ganha um caráter cômico ao ser incorporada por Elvis Presley tamanha a sua inocência ao achar que, desta forma, iria contribuir para diminuir o uso de drogas no país (porém sua ex-esposa Priscilla Presley afirmou depois em uma biografia que o objetivo de Elvis com essa credencial era poder andar livremente com suas próprias drogas e armas de fogo).

    Michael Shannon entrega uma ótima performance como Elvis, com seus trejeitos absurdos e voz introspectiva, lutando para ser ao mesmo tempo o astro que todos queriam ser e se manter a criança inocente do interior do Tennessee. Seus companheiros Jerry (Alex Pettyfer) e Sonny (Johnny Knoxville) o ajudam na relação conturbada com o mundo exterior. Jerry aliás é uma figura interessante, pois ao mesmo tempo que gosta de Elvis, não quer mais ser escravo de seus caprichos, lutando ao mesmo tempo para manter Elvis e sua noiva felizes. Kevin Spacey como Nixon também está muito bem, mas Spacey na pele de um presidente soa mais como uma piada interna, referenciando-se ao seu icônico papel em House of Cards. Colin Hanks e Evan Peters como os assessores Krogh e Chapin (que mais tarde seriam implicados criminalmente no caso Watergate) também se mostram figuras interessantes, ao tentar associar a presidência a um ícone do rock. O que na época era extremamente ousado hoje viraria quase regra nas campanhas políticas.

    Porém, o maior mérito de Elvis & Nixon é justamente trabalhar na linha tênue do real e do absurdo que duas das maiores imagens da época se reunindo para tratar de quase nada. Duas figuras em seu auge de popularidade e poder, que alguns anos mais tarde iriam se ver em meio a um escândalo e morte acidental por drogas, como não é incomum dentre moralistas do tipo. Uma história que foi negada por muito tempo pela casa grande, hoje se tornou cult, tendo seu registro fotográfico como sendo o mais requisitado no Arquivo Nacional, virando broche, imã de geladeira, camiseta e tudo mais. É justamente ao tentar entender esse fenômeno de forma honesta que o filme acerta, afinal, os anos 1970 eram uma época louca que tudo estava mudando e muitos lutavam para tudo permanecer o mesmo. Ambos falharam em seu projeto, mas onde cada um falhou cabe somente a cada um de nós dizer.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Demônio de Neon

    Crítica | Demônio de Neon

    theneondemonUm tema como a ditadura da beleza dificilmente traria uma discussão nova ao mundo da arte. É recorrente em todas as mídias conhecidas, sendo visto por muitos como um assunto batido, ainda que de necessária discussão. Mas logo os preconceitos se retraem quando um cineasta como Nicolas Winding Refn (Drive, Só Deus Perdoa) utiliza do tema com toda sua carga visual e autoral.

    Demônio de Neon trata da história de Jesse (Elle Fanning), uma jovem ingênua que decide se mudar para a cidade dos sonhos quebrados e perdidos, Los Angeles, onde busca se tornar uma grande modelo. Em sua jornada conhece Dean (Karl Glusman), um aspirante a fotografo e interesse romântico que deseja ajuda-la. Ao mesmo tempo, chama atenção do trio feminino formado por Ruby (Jena Malone), Gigi (Bella Heathcote) e Sarah (Abbey Lee), modelos experientes que logo se sentem ameaçadas pela presença da jovem Jesse. Aquela que apresenta a beleza da juventude, a beleza ingênua, “pura”. Aquela que carrega o charme até que não mais.

    Se Nicolas afirma que Demônio de Neon é uma mistura de comédia e horror, as atuações reafirmam. As interações e postura das personagens são, por muitas vezes, plásticas e surreais, chegando até mesmo a serem caricatas. Seja por pessoas dentro da indústria como o fotografo Jack (Desmond Harrington), ou por personagens como Hank (Keanu Reeves). O que, por se tratar do mundo da moda, logo se mostra uma escolha acertada, satírica. Com as reações robóticas e bregas desses personagens, há a gênese de um desconforto. Algo que se intensifica a cada conversa mediada por espelhos e desprezos reprimidos, por silêncios e cores.

    A diretora de fotografia Natasha Braier faz de cada frame uma foto a ser pendura e exibida. Assim como permeia todo o filme com uma iluminação de brilho radiante, onírico, que conversa com a personalidade fluida e estado físico de Jesse. Trabalha e constrói o efêmero que cerca toda essa realidade em um ritmo lento e contemplativo. Da mesma forma reage a trilha sonora de Cliff Martinez, com seus sintetizadores rápidos e hipnotizantes como os flashes momentâneos que relembram modelos: você é uma estrela.

    Sendo assim, o tema e a forma conversam até que se tornam indissolúveis. Fazendo-nos perceber que a específica abordagem de Refn e sua equipe tornam Demônio de Neon algo que não funcionaria nas mãos de outras pessoas. Entretanto, ainda que em sua natureza surreal e metalinguística o filme se mostre muito bem-acabado, é no argumento, que permanece em uma zona comum, que estão seus defeitos. Apesar de ter trabalhados com duas mulheres no roteiro, e questões como ditadura da beleza tendo relações diretas também com questões de gênero, Nicolas prefere focar o esforço em tópicos batidos. Os personagens masculinos são os mais rasos, por exemplo. Ainda que demonstrem personalidades abusivas, nã há algo além disso, nem o impacto dos efeitos de suas ações. Não há a atitude “rock and roll”, que Refn tanto prega e se define, para desafiar além do choque visual. Mas não se engane: O Demônio de Neon não é, como tantos desejam afirmar, um filme vazio.

    De certa forma, a grande moral do filme de Refn é sobre os exageros e perdições ao lidar com a beleza em sua forma mais realista: passageira. Seja por aspirantes que desejam estar no holofote, ou aqueles que estão sendo empurrados para fora do palco. Resta os que logo sairão aceitarem, ou lutarem até a morte para permanecer embaixo da luz apática aos seus interesses e intenções, demonstrando o quão vazio é o belo, até mesmo em seus breves momentos. Um momento; uma fotografia muito bem composta. Uma memória do que era e jamais será.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | A Marcha

    Crítica | A Marcha

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    Em 1983, em resposta ao clima nauseabundo da época, repleto de intolerância e violência racial, jovens adolescentes iniciam uma marcha pacifíca, percorrendo mais de mil quilômetros, pelo interior da França, de Marselha a Paris. A “Marcha pela igualdade e contra o racismo”, comumente chamada de “Marche des Beurs” – Marcha dos Beurs (“beur” é a gíria politicamente incorreta para árabe) – aconteceu de 15 de outubro a 3 de dezembro e foi o primeiro movimento nacional anti-racista na França.

    Na vida real, durante a ocorrência de confrontos armados no distrito Les Minguettes (em Vénissieux, um subúrbio de Lyon) um jovem – Toumi Djaïdja, presidente da associação SOS Avenir Minguettes – foi ferido gravemente, vítima de um tiro disparado por um policial. No filme, Mohamed (Tewfik Jallab) é atingido por um tiro ao tentar salvar um mendigo, Hassan (Jamel Debbouze), da perseguição de um cão policial. Depois que Mohamed se recupera do ferimento, seus amigos esperam que ele tome alguma atitude radical. Mas, em resposta, ele surge com a ideia de uma ação apaziguadora, a tal marcha, na tentativa de reduzir a tensão entre a polícia e os jovens moradores de Les Minguettes. Com o apoio do padre Jamel Debbouze e do pastor Jean Costil – no filme, repectivamente, Dubois (Olivier Gourmet) e François (Rufus) – organiza uma caminhada de não-violência, inspirado por Martin Luther King e Mahatma Gandhi, cujas demandas são igualdade de direitos e o fim da injustiça e desigualdade social.

    Em um tom bem documental, o espectador acompanha os problemas – internos e externos – enfrentados pelos caminhantes durante a travessia. E o tom do roteiro – assinado pelo também diretor, Nabil Ben Yadir – não é apenas documental, mas bastante didático na maior parte do tempo, deixando claro que a intenção é ser reconhecido mais pelas ideias que pelas qualidades cinematográficas.

    Há que se reparar na caracterização um tanto quanto estereotipada da maioria dos personagens. Talvez tenha sido feito com o intuito de “encaixar” cada membro da troupe em um arquétipo que facilitasse a identificação com o público. No entanto, soa caricato em excesso em alguns momentos. Principalmente a figura do mendigo como o “bobo da corte”, cuja presença é bastante questionável, para não dizer quase dispensável. Apesar disso, o roteiro não se furta de mostrar que os participantes da caminhada têm, sim, falhas de caráter, medos e manias que dão verossimilhança às interações entre eles. Há bate-bocas memoráveis, tanto por miudezas do cotidiano quanto por questões sócio-políticas. Discussões em que se questiona o o nível de engajamento tanto dos personagens assim como da população em geral; ou a melhor estratégia para que essa mesma população – imigrantes ou não – dê apoio ou mesmo participe mais ativamente; além das inúmeras vezes em que os caminhantes param para decidir a continuação ou não da marcha, por N motivos.

    Lubna Azabal, no papel de Kheira, como sempre numa ótima performance. Dá complexidade à sua personagem, uma mulher árabe de temperamento forte que,em sua intransigência e sua dificuldade em aceitar a opinião alheia, é o contraponto de Mohamed. Parecendo ser mais lúcida que os demais, inicialmente acha que o pacifismo de Mohamed não dará em nada.

    Tecnicamente bem executado, A Marcha se destaca mais pela discussão que incita do que por seu valor artístico.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Foe – J. M. Coetzee

    Resenha | Foe – J. M. Coetzee

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    Neste clássico da literatura contemporânea, publicado originalmente em 1986, o prêmio Nobel J.M. Coetzee reinventa a história de Robinson Crusoé.

    O autor desconstrói a história de Robinson Crusoé, que deixa de ser o narrador-protagonista, colocando a voz narrativa na figura de Susan Barton, náufraga que sobrevive a um motim no navio em que viajava e que acaba “aportando” na ilha de Cruso. Assim como F. Scott Fistzgerald já fizera com Nick Carraway em O grande Gatsby, deixando que o vizinho do herói conte a história de Jay Gatsby, Coetzee deixa a cargo de uma “coadjuvante” a narração das aventuras/desventuras de Crusoé.

    O livro é narrado em primeira pessoa por Susan. E o interessante é que a voz narrativa tem um tom de contador de histórias, com digressões que (felizmente) não atrapalham e se encaixam perfeitamente no contexto. É quase como uma quebra da quarta parede (se o livro fosse um filme). Há vários apartes, como se o narrador estivesse mesmo conversando com o leitor, pedindo permissão para algo ou avisando que falará disso ou daquilo mais tarde.

    “Os olhos do estranho eram verdes, o cabelo queimado tinha adquirido uma cor de palha. Julguei que teria sessenta anos. Usava (permita que eu dê minha descrição completa dele) um colete, calção até debaixo dos joelhos, como se veem marinheiros, usando no Tâmisa, e um boné alto que subia em cone, tudo feito de peles de animais trançadas, com os pelos do lado de fora, e um par de sandálias resistentes.”
    (pag.10)

    Além disso, reforçando a ideia de “contação de história”, o autor usa uma notação toda própria – todos os parágrafos são abertos com aspas, que não são fechadas ao final dele. Na segunda parte do livro, que está em formato de diário, as aspas se fecham ao final de cada dia.

    Aproveitando a deixa, na primeira parte Susan narra sua chegada à ilha de Cruso, a estadia e o resgate. Na segunda parte, narra sua busca por alguém que escreva sua história, na verdade, a história de Cruso e de Sexta-feira. Na terceira e quarta parte acompanhamos o encontro de Susan com seu autor.

    E desde o início, através de Susan, o autor brinca com as palavras, com seu uso, com seus significados, com sua utilidade:

    “Minha primeira ideia foi que Sexta-feira era como um cachorro que obedece a um único dono, mas não era assim. ‘Firewood, madeira para fogo, lenha, é a palavra que ensinei a ele’, disse Cruso. ‘Wood, madeira, ele não sabe.’ Achei estranho que Sexta-feira não entendesse que firewood era uma espécia de madeira, assim como pinewood, pinho, era uma espécie de madeira, ou poplarwood, madeira de choupo, mas deixei passar. Só depois que comemos, quando estávemos sentados olhando as estrelas, como passara a ser nosso costume, foi que falei de novo.
    ‘Quantas palavras em inglês Sexta-feira conhece?’, perguntei.
    ‘As necessárias’, Cruso respondeu. ‘Aqui não é a Inglaterra, não precisamos de muitas palavras.’”
    (pag.22)

    Esse quase desleixo de Cruso com as palavras já se manifestara quando Susan o questiona sobre a manutenção de um diário, um registro do que ocorrera a ele a e Sexta-feira. Enquanto ela julga de suma importância registrar os fatos para a posteridade – fossem ou não resgatados – a Cruso interessa apenas manter-se ocupado com seus terraços e paredes, que, segundo ele, são as únicas coisas que quer deixar para a posteridade.

    Vale destacar que a “brincadeira” com as palavras começa já no título do livro. Até se ler a sinopse, o título não faz muito sentido. Em inglês, “foe” quer dizer “adversário”. Porém – pensei comigo – se o significado do título fosse unicamente esse, teria sido traduzido, certo? Por outro lado, se a história é uma versão da aventura de Robinson Crusoé, nada mais natural que Coetzee brincar com as palavras e usar como título uma versão reduzida do nome do autor do original, Daniel Defoe. Por si só, isso já bastaria – ao menos para mim seria um significado totalmente satisfatório. Porém, Coetzee vai além. Quando Susan procura um escritor para escrever sua história, o “escolhido” é um certo sr. Foe:

    “O senhor me considera, sr. Foe, como sra. Cruso ou como uma aventureira ousada? Pense como pensar, fui eu que deitei na cama de Cruso e fechei os olhos dele, como sou eu que disponho de tudo o que Cruso deixa nesta vida, que é a história de sua ilha.”
    (pag.43) – grifo meu

    E é nessa parte do livro, em que Susan escreve cartas ao sr. Foe e descreve sua busca pelo autor, que Coetzee coloca na voz da narradora uma série de questionamentos sobre a escrita, sobre criatividade, sobre como contar histórias, sobre a arte de entreter o leitor:

    “Escrevo minhas cartas, selo, deposito-as na caixa. Um dia, quando formos embora, o senhor vai abri-las e passar os olhos por elas. ‘Melhor seria se fossem só Cruso e Sexta-feira’, vai murmurar consigo mesmo: ‘Melhor sem a mulher’. No entanto, onde o senhor estaria sem a mulher? Cruso o teria procurado por vontade própria? O senhor poderia inventar Cruso, Sexta-feira e a ilha com suas pulgas, macacos e lagartos? Acho que não. Muitos poderes o senhor tem, mas invenção não é um deles.”
    (pag.66)

    “Escrever se revela um trabalho lento. Depois da agitação do motim e da morte do capitão português, depois que conheci Cruso e vim saber um pouco da vida que ele leva, o que resta a dizer? Havia muito pouco desejo em Cruso e Sexta-feira; muito pouco desejo de escapar, muito pouco desejo por uma nova vida. Sem desejo como é possível fazer uma história?”
    (pag. 80)

    Seria leviano afirmar que Foe é meramente uma releitura da história de Robinson Crusoé feita por Coetzee. A obra é muito mais que isso. Coetzee faz dessa releitura um estopim para analisar o uso da linguagem – principalmente o uso da linguagem para se contar uma história.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

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  • Resenha | Desengano

    Resenha | Desengano

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    Que me perdoem os saudosistas, mas atualmente se vive um dos melhores momentos para se colecionar quadrinhos no Brasil, não só pelo acesso, que com a internet e outros meios de comunicação facilitou bastante o acesso, porém a produção e o espaço para quadrinistas brasileiros tem aumentado (com isso não quero dizer que é ideal, a maioria destes artistas ainda não vivem de quadrinhos, precisam de outro emprego e ocupações, entretanto se comparado com outras épocas já se avançou muito) o que nos faz conhecer novas formas abordagens e novos artistas.

    Entre eles gostaria de destacar Camilo Solano e sua forma prosaica de contar histórias: não se trata de contos épicos ou grandes narrativas de heróis impossíveis, o que se vê é valorização do cotidiano e como esse mundo é extramente rico e capaz de nos mostrar diferentes interpretações e proporcionar boas histórias. Assim é Desengano, onde um jovem rapaz (jovem Camilo na verdade), vai passar um carnaval em uma cidade do interior onde os avós moravam (tradicional viagem de família) e descobre coisas sobre o cotidiano da cidade e dele mesmo que o impressionam, além claro, da descoberta do amor. Sim, a sinopse é essa, simples e aparentemente clichê, mas não se engane (trocadilho ridículo, confesso), Desengano é muito mais do que isso.

    Primeiro a forma como o cotidiano é retratado, não de forma literal ou puramente descritiva, mas de acordo com a representação da personagem principal, toda a HQ é a maneira como Juca (protagonista) vê e entende a viagem, a cidade pequena, as pessoas e a sua própria vida. A realidade muitas das vezes é uma apreensão, quem confere sentido são as pessoas, e Solano consegue deixar isso bem claro através de Juca, a compreensão toda daqueles momentos de acordo com as concepções do protagonista. Muito legal e interessante. Simples, porém sensacional da forma como foi realizado.

    O que nos leva a arte e as cores da HQ, a expressividade é impressionante. Considero uma arte boa quando você não precisa dos balões para te explicar o que está acontecendo, e Desengano consegue atingir isso com êxito, seja pelas expressões caricaturais dos personagens e pelo uso das cores que confere vida para a HQ.

    Gostaria ainda de destacar mais dois pontos: a música e a representação da cidade pequena. Percebe-se que o autor tem um amor pela música muito grande, especialmente por Chico Buarque, o que se pode perceber em várias passagens do quadrinho, as vezes até de forma literal, o que confere um ar bastante interessante.

    Quem conhece a fundo pequenas cidades vai adorar esta história, os tipos e locais retratados pelo autor, apesar de específicos daquela localidade, são bastante comuns em cidades pequenas de forma geral, portanto, você facilmente identifica e se reconhece nos quadros e diálogos (a caixa do mercado questionando sobre a cerveja é uma típica atitude de pessoas em cidades pequenas). Se você for do interior, então, a leitura fica ainda mais legal.

    E por fim, o amor. Que o protagonista descobre em toda essa simplicidade, o que fecha a HQ com brilhantismo. E, não sei se a referência seria essa, mas Rita não lhe roubou o sorriso, e sim, lhe concedeu o sorriso na conclusão da história.

    Sendo assim, se trata de uma bela HQ, com prefácio de Robert Crumb (claramente o autor tem em Crumb sua maior influência), e que mostra que existe um cenário brasileiro de quadrinhos bastante interessante e que um maior espaço para essas pessoas se faz fundamental.

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

  • Crítica | Últimos Dias no Deserto

    Crítica | Últimos Dias no Deserto

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    O deserto é um ambiente iluminado e obscuro, permeado por uma vida subterrânea e um relevo duro e instável. É o cenário perfeito para se perder, e talvez para se encontrar. E este caráter polissêmico do deserto reflete nas 3 religiões concebidas no deserto, cristianismo, judaísmo e islamismo, e suas mitologias, sendo no deserto o local onde a fé é confrontada, idealizada e onde o silêncio ou a insolação permitem que homens de fé ouçam Deus.

    Essas características são tratadas neste novo filme sobre a trajetória de Ioshua, como chamava Maria, ou Jesus (Ewan McGregor, que já nasce como uma escolha problemática pela perpetuação da visão eurocêntrica de Jesus). A fim de encontrar sua fé e a si mesmo, Ioshua peregrina para si no deserto e confronta-se com a tentação do Diabo que o acompanha na intenção de dirimir o relacionamento entre filho e deus-pai e assim tentar o homem santo. Seu jejum é hoje cumprido e celebrado na quaresma, período que antecede a Páscoa. Nesta apresentação de Rodrigo García, na última tentação de Ioshua a característica de sua filmografia de estranheza sobre o mundo ao redor se mantém, com tons bem menos sensacionalistas que seus pares, vemos um Jesus transformando-se em Cristo a partir da provação imposta a si, e punindo-se por não poder salvar a todos. Durante a jornada, Lúcifer (também interpretado por McGregor) surge como um reflexo seu na água, uma visão distorcida de si mesmo, mais charmoso e alegre, mas com uma estranheza e carência tocantes. Aqui o Lúcifer é demonstrado como um filho que perdeu o amor do pai e assim sente-se deslocado de si e do mundo, apresentando-se como um anjo caído e trágico. A interpretação de Lúcifer como uma visão do próprio Jesus demonstra ideia de que o Diabo não apenas como uma figura mítica, mas também uma face do próprio Jesus caso ousasse descer a ladeira escorregadia da perda da fé.

    O deserto é apresentado como uma forma de restauração, pois embora a vida ou fé se mostrem difíceis de serem cultivadas em um local tão árido, é lá onde ambos se tornam mais fortes. O povo do deserto é forte, é robusto, moldado pela geografia e quase sendo uma parte inalienável da mesma. O sofrimento torna o pobre forte e mata o pobre de espírito. A fé é então tão mais forte quanto mais posta a prova. A fé surge neste ambiente porque é então tudo que resta à quem está perdido.

    Toda a mitologia judaico-cristã tem como temas relevantes a solidão, a provação e a devoção. Neste ponto o deserto apresenta participação central, pois suas características representam muito do que se obtém dessas religiões, onde a vida realmente satisfatória é a pós vida. A vida no deserto não é satisfatória, mas olhar Jerusalém ao horizonte é suficiente para alimentar a esperança, e viver no amanhã de sua fé.

    Para apresentar este capítulo da vida de Jesus, o diretor Garcia volta-se para uma abordagem menos glamourosa, evitando o uso de filtros e de trilha sonora, colocando a jornada filmada em perspectiva e inserindo o espectador na trama. Em determinado momento nos é apresentada uma família de nômades do deserto. Pessoas sem nome que são representadas apenas pelos seus papéis e assim, o reflexo desses papéis nas elucubrações de Jesus. O Pai, o filho e a Mãe, em uma trindade pré cristo. O pai, potencialmente perigoso, de alma boa, porém árida, incapaz de conversar com seu filho mesmo quando este está ao seu lado, mesmo quando tentava. A falta de carinho, a falta de fala, a dispersão apesar de dizer seu amor. “Não fale, aja, e quando não puder agir, o silêncio”, diz Jesus à si mesmo em determinado momento. Assim a fala do amor sem sua ação dispersa-se e gera a raiva, a morte do amor e da fé. “Eu não sou um mal filho”, grita o Filho (O excelente Tye Sheridan, porém aqui aquém de sua performance possível) e isto reflete em Jesus, que sem saber o que esperar, implora uma resposta de Deus aos seus apelos. A Mãe adoece, e ameaça ruir aquela família com sua doença. Jesus sente então em si a dificuldade de ser não apenas Santo, mas ser pessoa, flertando com seus sentimentos e sensações apresentando tanta empatia quanto estranheza, sem jamais se encontrar em vida.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Janis: Little Girl Blue

    Crítica | Janis: Little Girl Blue

    Janis

    O fator crucial e fatal para que o diretor Asif Kapadia levasse o documentário (e inevitável vencedor do Oscar na categoria) Amy a um estado de redundância foi sua predileção pelos momentos de maior degradação da cantora pelo álcool e drogas, constantemente associando essa ida ao inferno ao relacionamento de envolvimento doentio com o namorado Blake Fielder-Civil, ignorando assim diversos outros passos na vida de Amy que poderiam ter ultrapassado essa mera imagem estereotipada perpetrada por (quase) todos nós após a partida trágica da artista, incluindo aí seu próprio início e ascensão na música.

    É prazeroso então perceber que a documentarista Amy Berg não caiu nesta mesma armadilha ao retratar a jornada de uma outra artista que partiu de maneira igualmente fatídica: Janis Joplin. E antes que continuemos, é necessário ressaltar que este que vos escreve não se trata de nenhum fã de Joplin, e com certa culpa, confessa conhecer pouco do trabalho da cantora, tendo me relegado a escutar umas poucas obras da artista, aqui colocando no topo a maravilhosa Me and Bobby McGee (e que para minha alegria, é abordada em dado momento do documentário).

    O ponto de êxito em Janis: Little Girl Blue, de fato, é o panorama respeitoso e imparcial que Berg faz da vida de Janis, mas possuindo total consciência de que, apesar de tudo, ela fora uma figura complexa demais para ser totalmente desmitificada em pouco mais de 100 minutos de projeção. Mas Berg faz o que lhe cabe, e busca nas raízes de Janis tudo aquilo que fora indispensável para esta ter sido a pessoa e artista que tanto marcou durante sua breve passagem pela vida.

    E que vida. Experimentamos uma narrativa bastante sensível sobre a infância\juventude de Janis, onde esta não conseguia se adequar as normas impostas sobre si, sentia-se desconfortável por não atender ao padrão de beleza de seu sexo e vivia numa realidade imperada pelo machismo e sexismo, chegando inclusive a ser eleita por seus colegas de faculdade como “o homem mais feio do campus”, um dos fatores decisivos que viriam vulnerabilizar o íntimo de Janis.

    Mesclando uma gama de registros visuais exibem a introdução de Janis no mundo da música e seguindo em frente, passando por sua ascensão e a entrega para as drogas durante esse meio, incluindo também diversas de suas cartas narradas com um toque intimista pela voz da cantora Cat Power, Janis: Little Girl Blue vai gradualmente expondo a garota ingênua, romântica, libertária, ansiosa e esperançosa que havia por detrás das expressões cansadas e voz pesada que se via no palco. Os depoimentos de familiares e amigos não buscam em nenhum momento esconder a realidade que era enfrentada por Janis, algo atestado na forma extremamente aberta com que sua irmã fala sobre a relação de Joplin com as drogas. Vemos aqui uma Janis de pensamentos e atitudes à frente de seu tempo, e ainda assim presa as convenções de uma sociedade que lhe fazia resultar, no fim das contas, a voltar sozinha para casa após cada show. Janis desejava o amor e a felicidade, assim como qualquer outro. Berg é extremamente habilidosa em trazer essa gigantesca humanidade para a figura de Joplin, ressaltando seus momentos de alegria e tristeza, sucessos e fracassos, amores e decepções, desejos e anseios. Para isto, a diretora investe num constante didatismo que, apesar de objetivo, leva a narrativa a um cansaço que é sentido perto dos minutos finais, quando enfim nota-se uma certa insistência em denotar como o consumo de drogas levou a cantora a sua partida inesperada.

    Mas tais extensões são pouco incômodo perto da amplitude com que Berg permite que Janis exiba diante de nós, ali descobrindo e ampliando nossas visões sobre quem era realmente Janis Joplin e quais eram seus anseios, desejos e desesperos. Uma amplitude que talvez jamais seja possível colocar aqui em palavras, pois é o que Amy Berg deixa claro: Janis Joplin era a cantora, a estrela, a promessa, e também era apenas Janis Joplin, uma passageira comum das felicidades e tristezas da vida.

    Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.

  • O que Seinfeld tem para te oferecer?

    O que Seinfeld tem para te oferecer?

    O que Seinfeld tem para te oferecer

    Um breve histórico sobre Seinfeld, uma das sitcons mais famosas da história, e um marco da TV

    Certa vez em um determinado episódio, Seinfeld diz: “O motivo pelo qual se assiste a um programa de televisão é porque ele acaba. Se quisesse uma história longa, chata e sem qualquer sentido, para isso tem-se a própria vida.”. E bem, apesar da tristeza duma série tão querida já estar há mais de 15 anos fora do ar, realmente, algumas coisas merecem acabar por serem muito boas. Na ocasião do anúncio do fim da sitcom, a produtora NBC teria oferecido R$110 milhões à Seinfeld para mais uma temporada, mas de acordo com ele, assim como os Beatles que duraram apenas 9 anos, Seinfeld acabaria, também depois de 9 anos no ar.

    “É incrível como a quantidade de notícias que acontece no mundo, todos os dias, sempre se encaixa perfeitamente no jornal.”

    Seinfeld (1)

    Sitcom, o quê é? Onde vivem? Do quê se alimentam?

    Sitcom, ou, comédia de situação (junção das iniciais das palavras situation comedy), é um estilo de comédia, onde a trama evolui a partir da reação dos personagens a uma determinada situação, incitando uma “reversão de fortuna”, que o personagem precisa resolver nos cerca de 20 minutos do programa. Obstáculos triviais são elevados ao absurdo, e pedem dos participantes reações ainda mais absurdas.

    De acordo com a revista “Entertainment Weekly”, Seinfeld é a sitcom da nossa era – ainda que essas eras sejam distintas entre si. A última referência humorística de uma sitcom foi a clássica Friends, mas agora estamos falando do programa que elevou o medíocre ao mais alto grau de importância na vida cotidiana, já que Seinfeld é frequentemente definida como “uma série sobre o nada”. E, realmente, não existem tramas com romances ou situações dramáticas, é apenas o absurdo do nada em sua melhor forma. É a sitcom perfeita.

    “Por que os relacionamentos são um problema tão grande para os homens? Eu acho que, por alguma razão, quando um homem está dirigindo pela estrada do amor, a mulher é como uma saída, mas ele não quer sair. Ele quer continuar dirigindo. E a mulher diz ‘olha, gasolina, comida, abrigo, essa é a nossa saída, isso é tudo que precisamos para sermos felizes… Saia agora!’ . Mas o homem está focado na placa que diz ‘Próxima saída em 27 quilômetros’ e ele pensa ‘Eu posso chegar lá.”

    Seinfeld (4)

    A história de Seinfeld

    Não há história. Aqui, o termo “comédia de situação” ganha ares de autocaricatura, e as gags assumem para si o papel da trama. Mas há muito sobre o que falar.

    Inicialmente, era para ser um especial sobre como um comediante standup produzia suas piadas, mas por sua qualidade, virou uma série que conta como um comediante e seus amigos enfrentam os revezes da vida.  Diversas vezes indicadas ao Emmy (premiada em 1993) e eleita uma das melhores séries televisivas de todos os tempos, ao lado de Os Sopranos e Os Simpsons (você não acha estranho tantas séries terem como título  o sobrenome de alguém?)

    Geralmente, o enredo levava à situações constrangedoras e inesperadas, que implicavam na interferência mútua dos personagens, uns na vida do outro, mas tudo era resolvido (ou não) em conjunto, no final – ainda que esse, raramente fosse um “Final Feliz” (as coisas sempre davam errado ao fim de cada capítulo, mas o importante era rir disso).

    O programa explorava a vida cotidiana, fazendo os episódios darem continuidade às decisões e rumos tomados pelos personagens, e quase sempre um mesmo tema se desenrolava por toda a temporada, e foi assim por 9 anos.

    Eles nunca aprendiam! Dificilmente uma lição era entendida e absorvida, e todos continuavam errando e errando, num ciclo onde acabavam atolados e tentando rir de si mesmos. Parece, ou não, um retrato fiel da vida real?

    “Há poucos conselhos em revistas masculinas porque não acreditamos que existam muitas coisas além do nosso próprio conhecimento, mas as mulheres sim. Elas querem aprender. Os homens pensam: eu sei o que fazer, apenas me mostrem um corpo nu.”

    Seinfeld (3)

    Quem é quem em Seinfeld?

    Jerry Seinfeld interpreta a si mesmo. Um humorista standup tentando viver de sua arte e sempre se enrolando com seus afazeres, como pagar uma conta no banco, ir ao cinema, se arrumar pra um encontro… O personagem é o autorretrato próprio ator, meio sem jeito, meio estranho… Meio comum demais.

    George Costanza (Jason Alexander)– Amigo de Jerry, é um cara que enche o saco, mesquinho, perdedor, interesseiro e mente sobre sua profissão pra parecer melhor do que é, mas nunca capta a moral da história, e termina exatamente como começou, ou pior.

    Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus)– Você conhece a triz da sitcom “The New Adventures of Old Christine” e Veep- É ex-namorada de Seinfeld, a atual amiga. Ela é inteligente, dedicada, fala demais e sempre reclama dos homens.

    Cosmo Kramer (Michael Richards)– É vizinho do Jerry, e é tão atrapalhado que chega a ser irritante. Vive inventando planos sem sentido e colocando a todos em confusões desnecessárias, mas sempre por agir com ingenuidade, o que torna difícil sentir raiva dele… É o amigo que te aporrinha, mas que ainda assim é seu amigo.

    “Homens e mulheres agem como seus elementos sexuais básicos. Se você observar os homens solteiros num sábado à noite, verá que eles agem como espermatozoides – todos desorganizados, trombando com os amigos e indo na direção errada, como 3 milhões de patetas. Mas o óvulo é bem tranquilo: Bem, quem será? Eu posso me dividir. Posso esperar um mês. Eu não vou a lugar algum”

    Seinfeld (2)

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | As Montanhas Se Separam

    Crítica | As Montanhas Se Separam

    As Montanhas Se SeparamNas primeiras cenas do filme As Montanhas Se Separam há a comemoração do ano novo, mas especialmente de entrada no novo milênio. Um período de transição, movimento. De reação perante as mudanças sociais, econômicas e íntimas. Tao (Tao Zhao) dança Go West, do Pet Shop Boys na primeira cena do filme, já conquistando o público com sua tão real alegria. E assim há a aceitação em acompanha-la por três períodos distintos, e como ela reage em relação ao mundo ao seu redor; suas escolhas e criações.

    Zhangke Jia (Em Busca da Vida, Um Toque de Pecado) escreveu e dirigiu essa carta de amor às memórias e aviso realista ao que o mundo pode se tornar. Ainda que trabalhe com a simplicidade, com o íntimo, os temas abordados por Jia são universais e de interesse geral. Apesar da estranheza que se causará em alguns espectadores devido a cenas surrealistas, a força social do filme impressiona por sua despretensão. Ao focar tanto nos personagens e suas histórias, seus dramas, o cenário local e global, por exemplo o domínio britânico sobre Hong Kong. Além de temas como alienação cultural e capitalismo, que seguem como um pano de fundo que rende camadas e mais camadas ao filme.

    Nos primeiros quarenta minutos, antes do título aparecer, temos a vida de Tao jovem adulta. O principal conflito se faz nos dois homens que brigam pelo amor dela, Zhang Jinsheng (Yi Zhang) e Liangzi (Jing Dong Liang). Um deles trabalhador de minas e o outro um empresário, um deles buscando simplesmente estar presente e o outro impressionar Tao com riqueza e seu crescente estilo ocidental. A mensagem é clara. A próxima etapa se faz 15 anos depois. Tao está divorciada e tem um filho que mora com o pai, longe dela, o que passa a carregar como se configuram as relações de gênero da China. No momento final seguimos o filho de Tao, alienado de suas raízes chinesas e em outro país, alienado de sua família, carente; por acaso, seu nome é Dólar.

    A edição do filme trabalha junto com a fotografia para dar a cada época uma diferenciação técnica. Em um primeiro momento temos o aspect ratio em 4:3, então avançamos e surge o 16:9. Na etapa final já é 2.35:1. Em outras questões, a fotografia não busca chamar atenção para si. A câmera se esforça para manter a atenção em determinado personagem, muitas vezes negligenciando o outro em cena. Os motivos podem variar desde atiçar a vontade de interpretação do público até a importância que um tem em relação ao outro. Da mesma forma, as composições retratam o estado emocional, introspectivo e solitário, dos personagens.

    A atuação de Tao é o aspecto mais poderoso do filme. Carrega em si leveza e honestidade. De novo, simples, sendo perceptivelmente uma característica do diretor. E ainda que muitos o pensem, sua falta na segunda metade não torna o filme pior, já que ele já estabeleceu que não é tanto sobre Tao, quanto é sobre os caminhos que trilha.

    As Montanhas se Separam não é sobre as montanhas em si, mas sim sobre a separação. Os momentos chaves que mudam tudo ao redor delas. Pessoas não foram feitas para viver sempre umas com as outras, nem o mundo foi feito para ser igual. Ele vai seguir e, possivelmente, irá se render a uma homogeneização cultural. Ainda que, tal como construções clássicas, as memórias e as tradições viverão para sempre na paisagem daquilo que não é mais o que foi. Onde houveram risos e gritos e, principalmente, dança.

    Together – we will go our way
    Together – we will leave someday
    Together – your hand in my hand
    Together – we will make our plans

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | O Sono da Morte

    Crítica | O Sono da Morte

    O Sono da Morte - poster

    Os sonhos são elementos poderosos de nosso cotidiano, tanto que a arte se ocupa frequentemente de trata-los. O cinema como arte audiovisual tem as melhores ferramentas para isso, e frequentemente o faz em filmes como A Origem, Vanilla Sky, Cidade dos Sonhos, cada um sob uma ótica diferente sobre o papel do sonho em nossa sociedade e sobre como isso se externaliza em cada um de nós. Se “Seguir seus sonhos” não garante encontrar a felicidade no fim do arco-íris, abandona-los deixam um sabor amargo de algo desperdiçado. Um sonho é um pouco do que nós somos, nos forma, e eventualmente tornam-se fantasmas que no fundo são apenas nós mesmos em conflito interno.

    O Sono da Morte parte de uma premissa que soa tentadora: Imagine que todos seus sonhos possam ser realidade. Assim, seguimos a trajetória de luto de uma família que se despedaçou pela morte de seu filho em um acidente doméstico, e vê na adoção do menino Cody (Jacob Tremblay) a esperança de um recomeço. Rapidamente Cody demonstra sua fascinante capacidade de tornar seus sonhos em realidade, e assim torna-se objeto da idealização de seus novos pais que vêm nele uma chance de cura de suas feridas. A analogia é óbvia, já que crianças são comumente vistas como extensão dos sonhos de seus pais, fazendo com que muitos cresçam sobre uma pressão que eventualmente os força a se reprimirem. Desta forma, a produção tem um objetivo bastante diferente do que seu título nacional sugere, sendo menos um thriller e mais um drama psicológico sobre as dores da perda, e sobre a forma como a memória e subconsciente lidam com os fantasmas acumulados do passado.

    Mas o encanto e poder dos sonhos está justamente no fato deles não se realizarem, de serem uma válvula de escape para temores e vontades sem o risco da vida real. Na vida real a materialização de um sonho implica em enfrentar a distância entre a idealização e o possível. E pior, implica em lidar com os pesadelos. Infelizmente, porém, boa parte do que oferece de interessante ao público ocorre em seus últimos 20 minutos, onde a falta de ritmo incomoda e afasta a possibilidade de emocionar.

    Jacob Tremblay é uma sensação do cinema como há um bom tempo não se via. Talento, carisma e personalidade forte são marcas deste ator mirim, e ele é aqui a melhor coisa do filme. É um ator capaz de provocar sensações reais, mesmo que o roteiro e trama não exijam muito da habilidade do elenco. Apensar dessa não exigência, o quase irreconhecível Thomas Jane consegue colocar-se abaixo das exigências não conseguindo expressar qualquer emoção um pouco mais profunda diante dos eventos fantásticos que presenciava, ou até mesmo em cenas mais corriqueiras.

    Vendido como thriller, O Sono da Morte estabelece-se como um interessante drama acerca da forma com que lidamos com nossos medos e ansiedades, e sobre como estes, quando mal tratados, tornam-se fantasmas ferozes que nos perseguem em sonhos e alcançam a vida real, afetando nossa vida e interação com as pessoas. Por uma falta de foco no que contar, as ideias e premissa interessantes soam deslocadas e amontoam-se em um final apressado demais para impactar o espectador, que sequer tem tempo de sentir receio do perigo ou se emocionar com as perdas que os personagens sofrem, falhando como drama e como terror ao optar por um final excessivamente piegas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Resenha | Patrulha do Destino: A Pintura Que Devorou o País

    Resenha | Patrulha do Destino: A Pintura Que Devorou o País

    Patrulha do Destino - A Pintura Que Devorou Paris - capa

    A Panini Comics tem feito um interessante trabalho em resgatar algumas fases clássicas de personagens pouco conhecidos do público, como a publicação de todo o arco do Monstro do Pântano, no momento em que Alan Moore foi o roteirista e também de o Homem-Animal, de Grant Morrison, como exemplo. Neste esteio um grupo mais underground (é chique o uso de termos em inglês em seu texto, dá a ideia de que você tem um conhecimento maior do que o real, se for em francês então…) entrou neste processo de publicação A Patrulha do Destino, de Morrison, talvez um dos grupos menos conhecidos da DC Comics e também interessantes, já que a sua premissa básica são super seres com poderes bizarros, como se fossem os párias do mundo dos heróis.

    O fato de serem desconhecidos se trata de uma vantagem já que há um a possibilidade de liberdade editorial que não aconteceria em outros personagens. E essa liberdade é o destaque do segundo arco publicado aqui no Brasil A Pintura Que Devorou o País, no qual Morrison, com arte de Richard Case e John Nyberg, que são fundamentais para o sucesso da História, nos apresentam uma verdadeira viagem, tanto no que se trata de conceitos estranhos e interessantes como em termos de exploração de princípios artísticos.

    Basicamente, existe uma pintura que tem o poder de absorver as coisas que estão a sua volta, a Irmandade do Mal, que passou a se chamar Irmandade de Dadá, toma posse desta obra de arte e consegue que ela absorva a capital da França. Neste ponto, a patrulha do Destino entra em cena e na pintura para combater a Irmandade e também devolver paris para a sua realidade.

    Neste ponto que as coisas ficam mais interessantes e a HQ ganha o seu destaque, dentro da pintura existem múltiplas realidade e cada qual obedece a lógica de uma determinada escola artística, o que faz com que o experimentalismo dos desenhistas ganhem força, já que tem emular os conceitos e prerrogativas de cada movimento artístico nas páginas da HQ. Ainda neste quesito de arte, não sei se proposital, mas a capa da edição lembra muito a arte do álbum Ummagumma, do Pink Floyd. Dentro do quadro se descobre uma ameaça ainda maior que une heróis e vilões, e a resolução dos problemas também é sensacional.

    Ainda neste encadernado há outros arcos: “Nos subterrâneos”, “A seita do livro inescrito ou o descriador” e “A alma de uma nova máquina”. Todas são boas histórias, mas destacaria “Nos subterrâneos”, uma passagem que aprofunda em uma das personagens que considero mais interessantes, Crazy Jane (basicamente ela múltiplas personalidades e cada qual tem um poder), se trata de um arco mais sério e interessante no qual se entende como funciona a caótica psique de Jane, porém bem explorado por Morrison.

    Enfim, para quem procura algo diferente, mas ainda tem medo de ler coisas que não envolvam super heróis ou fora do eixo Marvel – DC, se trata de uma HQ bastante interessante de fácil acesso já que é comercializada em bancas e de preço razoável. E também é uma oportunidade de conhecer Grant Morrison em um momento mais inicial de sua carreira.

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

  • Crítica | Café Society

    Crítica | Café Society

    Cafe Society - poster

    Desde o início dos tempos uma capacidade e uma verdade vieram para separar o ser humano dos demais animais. A capacidade é o uso do polegar opositor, usado para apanhar e agarrar, nos permitindo produzir e manipular ferramentas e assim construir mundos. A verdade é a inexorabilidade do tempo, que traz consigo a presença constante da morte e irreversibilidade dos fatos, e assim saber que todos os mundos construídos, reais ou platônicos, uma hora verão seu fim. Será doloroso, haverá angústia, haverá rebelião, mas o tempo atropelará a todos.

    O filme inicia-se com uma declaração de estranheza e amor com a Hollywood de antes e de hoje, com seus egos inflados, vidas boêmias e casamentos de fachada, a Califórnia parece vir sempre com um filtro laranja fazendo de suas paisagens um paraíso tão brilhante quanto estéril, e por isso geratriz de tantas ficções. Desta forma o jovem Bobby (Jesse Eisenberg) muda-se de Nova York para a ensolarada California atrás de dias menos monótonos trabalhando para o seu tio (Steve Carrel), onde se apaixona por Vonnie (Kirsten Stwart).

    E é assim o tempo, compositor dos destinos e tambor dos ritmos.

    É natural pensar que com o passar dos anos Woody Allen tenha tido tempo para repensar sua vida e ações, mas aqui surge o filme onde ele é mais colocado de escanteio, permitindo-se análises mais cruas. Se não é incomum que ele se reinterprete como protagonista de suas histórias, ou que outros atores façam o papel de Woody Allen, aqui ele se coloca como um estereótipo intelectual que faz pouco mais do que um coadjuvante. Um cunhado comunista versado em filosofia, último na hierarquia familiar dos EUA.

    Poucos morrem de amor. Talvez ninguém. Uma hora melhora, e se não melhora é porque há mais do que a rejeição para ter de lidar. Muitos se apoiam na carreira, na ambição, no adorno de ter ao seu lado alguém que satisfaça suas necessidades pessoais e sociais. A parceria amorosa gera todo um ecossistema de vida ao redor, amigos se misturam, amigos são agregados e em algum momento as pessoas optam por substituir a pessoa antiga por outra que lhe sirva a este papel. Este ecossistema nos nutre e dá algum arcabouço para uma vida mais plena e satisfatória. Tão importante quanto o romance é a sua bagagem, e na vista de um amargurado a bagagem é mais importante que a pessoa em si. Nisso estabelece-se protocolos de “gostar” que nunca serão alcançados por uma pessoa real, e não importando mais quão boa a vida, esta será sempre frustrante. A vida é uma comédia roteirizada por um sádico.

    Mas o amor ingênuo, aquele quase impossível surge eventualmente como nota amarga do champanhe de final de ano. Um amor que nunca seria mais do que acabou sendo não deveria pautar vidas inteiras, mudanças de endereço, mudanças de comportamento e nem mesmo saudade. Mas o faz, e faz por percebermos que simplesmente não há amor suficiente para todos.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

     

  • Crítica | Marguerite

    Crítica | Marguerite

    MARGUERITE-movie-poster

    Com roteiro e direção de Xavier Giannoli, e tomando como inspiração a vida da “diva do grito”, a cantora norte-americana Florence Foster Jenkins, o filme conta a história de Marguerite Dumont (Catherine Frot) – uma dama da aristocracia francesa dos anos 20. Assim como Florencee se dedicava à música clássica sem o menor talento para tal, Marguerite é apaixonada por música e ópera, e há anos canta com certa regularidade para um grupo de conhecidos. Qualquer espectador com um mínimo de “ouvido” para música terá o impulso de se proteger, tapando-os, ao ouvi-la cantar(?) numa apresentação logo no início do filme. Mas a mesma pergunta que o público se faz é feita pelos dois penetras dessa festa: “Por que todos a ouvem como ouviram a Por que todos fingem apreciar e ainda aplaudem? Enfim, por que ninguém lhe diz o quanto ela desafina?”.

    Numa versão adulta da fábula infantil “A roupa nova do rei”, logo se percebe que seu círculo de amizades não conta a verdade para não perder “a boca livre”, os convites a suas festas e a seus eventos beneficentes em que ela é sempre incentivada a cantar. E o mundo de aparências se estende a seus empregados, aos músicos que a acompanham, a outros artistas que participam dos mesmo eventos, ao professor contratado para ensaiá-la. Todos com seus próprios motivos para mentir – ou omitir. Seu marido, Georges (André Marcon), até então conivente, insiste com o mordomo, Madelbos (Denis Mpunga) que devem parar com a farsa – que incluía dezenas de flores enviadas nos dias seguintes a seus recitais, em (suposto) agradecimento – e contar-lhe a verdade. Porém Madelbos – que além de mordomo e motorista, era o fotógrafo de Marguerite em sua extensa coleção de figurinos originais de ópera – com sua fidelidade canina a Marguerite segue contratiando o patrão e perpetuando o engodo.

    E, à medida que o filme avança, e vemos Marguerite preparando-se para uma apresentação grandiosa, fora do seu círculo de conhecidos, outra pergunta surge: “Será que Marguerite não percebe o quanto desafina? Será que ela acredita mesmo que canta bem? Ou será que tem consciência da sua ausência de talento? Mas, se tem consciência, qual sua motivação? Apenas alimentar seu ego?”. E em certo ponto, o publico até se pergunta se ela é maluca e se tudo não é parte de seus delírios, de suas fantasias. A atuação de Frot encaixa-se perfeitamente, fazendo Marguerite ultrapassar, sem exageros, a linha entre o real e o surreal. E sempre deixando um traço de dúvida sobre a sanidade da personagem.

    Sendo uma comédia – e também pelo ridículo das cantorias de Marguerite – a fotografia poderia facilmente ter caído para o brega, para o deboche, mas optaram por algo mais sombrio e desolador. A palheta dessaturada, os espaços vazios na casa, a abundância de espelhos, o excesso de badulaques em alguns cômodos deixam o ambiente opressivo e melancólico. É como o espectador se sente após as apresentações desastrosas de Marguerite. Mesmo se talvez ela nem perceba o constrangimento a que se expõe por sua falta de talento, o público se sente mal por ela. É triste vê-la ser falsamente elogiada. Mais triste ainda é vê-la acreditando nas mentiras. Mas enfim, será mesmo que acredita?

    Os figurinos e a trilha sonora são ótimos complementos à direção de fotografia e ao roteiro. Contudo, apesar de o roteiro conseguir ganhar o espectador com a história de Marguerite e cativá-lo com várias piadas envolvendo personagens secundários, é com esse personagens secundários que reside um problema: eles são apresentados, participam de algumas cenas interessantes e até importantes para a trama e depois são deixados de lado. Talvez não fosse intenção do roteirista mostrar, mas não se sabe o destino de Hazel (Christa Théret), a cantora amadora que faz uma substituição em um evento de Marguerite e aparece cantando uma ou duas vezes depois. Ou de Kyrill Von Priest (Aubert Fenoy), o poeta anarquista-bolchevique que vê em Marguerite um modo de enfrentar o status quo. Mesmo Lucien Beaumont (Sylvain Dieuaide) parece ser reintroduzido na história – para sumir em seguida – apenas como uma muleta narrativa.

    A trama é mais trágica que cômica. E o desfecho, onírico e simbólico, talvez não agrade a parte do público, que reclamará de um final em aberto, o qual pouco ou nada explica – ou encerra. Mas com certeza completa satisfatoriamente o arco dramático da história.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Life: Um Retrato de James Dean

    Crítica | Life: Um Retrato de James Dean

    Life

    Falar de cinebiografias não é algo fácil, especialmente quando estas cinebiografias são sobre rostos conturbados, polêmicos, ambíguos, quase sempre uma torrente de emoções e complexidade. O diretor Anton Corbjin já havia se aventurado nesse “gênero” com o cultuado Control, que retratava os problemas pessoais de Ian Curtis, da banda Joy Division. E agora em Life – Um Retrato de James Dean, Corbjin aborda os momentos pré-estrelato da vida e curta carreira de uma das promessas mais genuínas que o cinema já teve, James Dean.

    Curioso é notar que, ao contrário do que o sub-título nacional indica, o filme não é um retrato completo sobre o próprio Dean, mas sim um recorte de um momento específico de sua vida e que fora de grande importância para sua chegada ao estrelato: o desconforto diante das exigências dos estúdios, a reclusão durante a divulgação do filme Vidas Amargas e a amizade construída com o fotógrafo Dennis Stock, e que viriam a ser as imagens capturadas mais famosas de sua carreira. Falando assim, percebemos que este frame da vida de Dean é tão explosivo quanto qualquer outro de sua curta, porém marcante, carreira no cinema. Vemos Dean como uma faceta transbordada de conflitos internos, deslocada do próprio espaço ao qual pertence; um personagem rico e que, num estudo correto, é capaz de render uma análise fascinante sobre sua psique. Mas Corbjin falha justamente no sentimento desta parte da vida de Dean.

    E digo isto pelo fato de Life ser, antes de qualquer outra característica, um filme morno. Há sim, um claro objetivo do roteiro de Luke Davies (de Resgate de Família) em ser cuidadoso e detalhista na desfragmentação da figura de James Dean diante sua visão sobre o mercado cinematográfico, mas não apenas este peca ao ignorar aspectos indispensáveis à figura de James Dean (como sua relação conturbada com as mulheres, algo estranhamente romantizado no filme), como também na construção da relação entre Dean e o fotógrafo Dennis Stock, transformado aqui numa figura redundante e mal delineada por um roteiro e direção que empurram a história a passos de tartaruga. Falta intensidade e paixão em Life, o filme pesa a mão na narrativa modorrenta, na fotografia acinzentada e na contemplação de cada passagem. Life é um filme que tenta encontrar um tom específico e, misteriosamente, se excede nele.

    Tal desestimulação claramente atinge o trabalho do elenco. A escolha de Dane DeHaan para encarnar Dean, mesmo após suas presenças duvidosas em Versos de um Crime e O Espetacular Homem-Aranha 2, parecia promissora diante de sua aparente semelhança com o ator. Mas DeHaan parece bem longe de compreender a real postura de Dean e, num claro quê de indecisão sobre sua postura na tela (ressaltando que o ator havia recusado o papel anteriormente por se achar limitado demais para incorporar Dean), transforma o personagem numa série de trejeitos que tentam emular os aspectos mais visíveis de Dean, como sua fala lenta, o cigarro na boca e a própria personalidade indomável e irritante, transformando-o numa presença desengonçada e caricatural. Robert Pattinson se sai um pouco melhor na pele de Dennis Stock, embora o roteiro pouco valorize a importância de sua figura ao lhe criar um conflito familiar que, no fim das contas, pouco tem a dizer sobre o próprio e, consequentemente, anula qualquer sentimento emocional que poderíamos construir.

    O que faz de Life algo minimamente curioso são as passagens históricas daquele período de Hollywood, como as primeiras tentativas de James por seu papel em Juventude Transviada, além de participações de Ben Kinsgley como Jack Warner e Michael Terriault como o diretor Elia Kazan, presenças também fundamentais na ascensão de Dean. Destacam-se também as inserções das fotografias reais capturadas por Stock durante a reclusão de Dean.

    Mas isso é pouco diante do que Life fica devendo como recorte de um momento tão importante na vida do lendário ator, prejudicado ainda mais por uma narrativa que acredita piamente que o marasmo é seu maior triunfo. Ledo engano, e acaba que Life mais promete do que cumpre.

    Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.

  • 15 Séries Imperdíveis de Todos os Tempos

    15 Séries Imperdíveis de Todos os Tempos

    15 Séries Imperdíveis de Todos os Tempos

    Em tempos de jornalismo de listinha, aí vai uma lista das minhas séries que, além de grande qualidade estética e/ou narrativa, trouxeram grande contribuição para a qualidade na TV. Também coloquei menções honrosas, desonrosas e aquelas sem muita importância, sempre de séries que acompanhei. Para esta lista excluí algumas séries mais famosas e já debatidas em demasiado, que apesar de terem sido influentes, sofreram problemas graves de produção que afetaram sua qualidade, como Arquivo X ou Twin Peaks.

    1. The Wire

    The Wire

    A considerada “série das séries” realista da forma mais ficcional possível. Ou ficcional da forma mais realista possível. O tráfico de drogas. Tensões raciais. O crime. A polícia e todo o caldo cultural americano envolvido em uma narrativa simples, direta, crua e não perfeita, mas sempre honesta.

    2. The Sopranos

    The Sopranos

    A máfia ítalo-americana de Nova Jersey em sua forma mais crua. Com personagens densos e com dilemas sempre interessantes, mesmo os mais simples até os mais esdrúxulos, nunca menospreza o espectador. É O Poderoso Chefão sem glamour, mas com toda sua força narrativa, que também apesar de simples, não perde em nada por isso.

    3. Six Feet Under (A Sete Palmos)

    A Sete Palmos

    Uma família normal do subúrbio da Califórnia, a não ser pelo fato de serem extremamente disfuncionais e serem donos de uma agencia funerária. O humor negro, as alucinações narrativas e os personagens mais inconsequentes possíveis fazem qualquer pessoa se apaixonar pela série. Se você não gostou é porque não estava no momento certo. Veja de novo.

    4. Seinfeld

    Seinfeld

    A sitcom das sitcoms. Larry David e Jerry Seinfeld mudaram a TV quando trouxeram para ela esse formato repaginado da comédia sobre situações mundanas e da relação entre quatro amigos problemáticos e com personalidades diferentes, mas que se complementavam. A ajuda de roteiristas malucos também fez a diferença. Inimaginável a TV sem eles, pois daí surgiu a fórmula que deu origem a Friends e todas as outras sitcoms da atualidade.

    5. Community

    Community

    Um grupo de estudantes de uma universidade comunitária nos EUA seria algo super normal, não fosse o local mais estranho e que juntasse as pessoas mais desajustadas da sociedade no mesmo lugar. Utilizando de referências a cultura pop mas sem se apoiar exclusivamente nela, Community oferece uma comédia de alto nível raramente visto na TV. Por causa de problemas de produção algumas temporadas foram ruins, mas seu legado permanece.

    6. The IT Crowd

    The IT Crowd

    O humor britânico em sua forma. Misturando situações esdrúxulas, tirando sarro de estereótipos de técnicos de TI e de todo o mundo corporativo, essa curta série britânica tem o maior índice de momentos memoráveis por episódios que já vi. São quatro temporadas de seis episódios. Curta demais para algo tão bom.

    7. Mad Men

    Mad Man

    Uma das melhores produções da TV. Mad Men retrata o mundo corporativo da publicidade do auge do american way of life nos EUA, e retrata cruelmente não só o mundo dos negócios, mas também a sociedade da época sem fazer concessões.

    8. Louie

    Louie

    Louis CK aqui deixa de lado seu humor mais escrachado e se volta a uma dramédia com toques surreais e situações inusitadas que divertem ao mesmo tempo que fazem o espectador se questionar porque está rindo daquilo. Também uma das melhores coisas em exibição hoje na TV.

    9. American Dad

    American Dad

    Ao estilo Family Guy, mas mais ácida, mais maluca e mais criativa, American Dad satiriza o estilo de vida americano de forma mais contundente e engraçada do que o principal produto de seu criador. Mesmo com vários problemas de produção, ainda se mantém como uma das melhores animações da TV.

    10. Archer

    Archer

    Uma comédia adulta, só que nem tanto. Ao retratar como seria uma agencia de espionagem conduzida por pessoas com todos os distúrbios sociais e psicológicos possíveis, o resultado não poderia ser outro. É algo como uma mistura de Family Guy com 007, só que melhor que ambos.

    11. Band of Brothers

    Band of Brothers

    Uma das primeiras séries que vi, e uma das primeiras produções fechadas da HBO, que ainda não sabia estar produzindo a chamada “Era de Ouro” da TV. Uma série sobre um destacamento de soldados americanos na 2ª guerra, ao melhor estilo O Resgate do Soldado Ryan.

    12. Sherlock

    Sherlock

    O maior detetive de todos os tempos, mas modernizado. E feito por ingleses, garantindo uma atmosfera típica que só eles conseguem criar. Casos mirabolantes e cada vez mais inverossímeis não importam. A leveza com que os atores interpretam os excelentes roteiros e a química entre todos faz essa uma das melhores séries do gênero. FUJA da versão americana Elementary

    13. Wallander

    Wallander

    Livros policiais são moda na Suécia faz tempo, mas a série Wallander, também britânica, traz o veterano ator Kenneth Branagh como o também policial sueco Kurt Wallander, que além de resolver crimes com um faro policial aguçado, mas sem malabarismos, precisa cuidar dos problemas particulares com seus pais, filha e sempre na corda bamba para não ser vítima do próprio comportamento. Excelente para quem curte um bom drama policial.

    14. Rectify

    Rectify

    Daniel Holden fica preso numa solitária por 15 anos por um crime que não cometeu. É solto por evidencias de DNA e precisa reaprender a conviver em sociedade, mas em uma pequena cidade no interior dos EUA que ainda acha que ele cometeu o crime. Também um excelente drama.

    15. Breaking Bad

    Breaking Bad

    Ok, essa todo mundo viu e nem precisaria falar, mas apesar de todos os problemas narrativos e atalhos preguiçosos, a jornada de Walter White se mostra muito interessante (menos por ele, uma cópia mal feita de Tony Soprano) especialmente por conta de outros personagens como Mike, Saul e outros. Porém, o ponto positivo ainda é a espetacular cinematografia, que ajudava a contar visualmente uma história.

    Menções Honrosas

    Sons of Anarchy (história cafona, mas com personagens interessantes, vale a pena);
    Homeland (interessante história sobre terrorismo mas que as vezes se perde);
    Episodes (Muito boa série de comédia sobre bastidores de uma…série de comédia);
    Treme (do mesmo autor de The Wire, os mesmos elementos, mas dessa vez lidando com Nova Orleans pós-Katrina);
    The Knick (A NY do início do século XX é palco dessa série sobre médicos tentando expandir as fronteiras da cirurgia enquanto lidam com os mais diversos problemas e barreiras. Muito bem contextualizada social e culturalmente);
    – True Detective 1ª temporada (Excelente série policial sobre um culto no sul dos EUA, com um grande destaque para a atmosfera e música americanas da região. Não veja a 2ª);
    Fargo (Baseada no filme dos irmãos Coen, adotando o formato de antologia, possui uma 1ª temporada Ok e uma 2ª excelente);
    Flight of the Conchords (como seria se os hipsters fossem engraçados ou interessantes como pensam que são);
    Séries da Marvel na Netflix (Demolidor e Jessica Jones são boas, mas não perfeitas. Problemas especialmente na narrativa. Mas Luke Cage eu nem vi e já gostei);
    House of Cards (apesar de cansativa, é um interessante debate sobre bastidores da política institucional);
    Mr. Robot (interessante história sobre hackers e cyber ativismo no século XXI, mas o lado pessoal da trama deixa a desejar);
    Black Mirror (Antologia britânica de minicontos de ficção científica com debates muito interessantes sob os mais variados temas);
    Friends (Praticamente a primeira sitcom que veio na esteira do sucesso de Seinfeld, trouxe um humor mais diluído e açucarado, mas a boa química entre os atores e algumas temporadas de nível acima de média – especialmente a 4ª e a 5ª – garante uma boa diversão, mesmo que no final a série perca muito o fôlego).

    MENÇÕES “MEH”

    House M.D. (8 temporadas, OITO, da mesma coisa);
    Californication (7 temporadas, SETE, da mesma coisa);
    Game of Thrones (ok gente, 1ª temporada excelente, mas depois foi só ladeira abaixo, vamos agilizar esse novelão aí. Já, já encontra The Walking Dead na falta de coragem);
    Hannibal (Um clima muito bom, as vezes diálogos interessantes, mas derrapam demais na enrolação e condução da história);
    The Killing (Um clima muito bom, as vezes diálogos interessantes, mas derrapam demais na enrolação e condução da história);
    The Mentalist (Um protagonista interessante, mas só. Faltou desenvolver o lado crítico que começou forte contra os charlatães. A obsessão e consequente resolução desastrosa do vilão principal deixou muito a desejar);
    Boardwalk Empire (De uma 1ª temporada excelente a episódios cada vez mais comuns e uma trama mais diluída em conflitos menores e desinteressantes);
    Agents of Shield. (é tão ok que nem tem muito o que dizer. Não vale a pena nem para se manter por dentro do Marvel Cinematic Universe. Veja só caso não tenha absolutamente nada a ver. Ou caso goste do Phil Coulson e do ator que o interpreta);
    Narcos (era para todo mundo gostar, mas é um discurso sobre drogas tão raso, com vários elementos requentados de Tropa de Elite que… Veja The Wire. É melhor :P);
    Supernatural (Apesar de algumas temporadas muito boas no começo, a série definitivamente abandonou qualquer ambição em meados de sua 6ª temporada, onde os irmãos Winchester se viram morrendo, ressuscitando, visitando o céu, o inferno e no meio de um conflito celestial. Se mantém no ar pela grande audiência, mantida por um público cativo, especialmente de adolescentes).

    Menções Desonrosas feat NÃO VEJA ou PARE DE VER

    The Big Bang Theory (Dez anos de atores repetindo falas, bordões e comportamentos são legais apenas porque fazem referencia a quadrinhos? Zorra Total é mais eficiente que isso);
    The Walking Dead (George Romero já disse que a série é ruim. E é. Drama arrastado, com personagens chatos, e que se baseia apenas em cliffhangers para manter a audiência. Desonesta e mal produzida até o osso);
    Lost (Um dos começos mais promissores com um dos piores finais que já foram exibidos na TV. Não perca seu tempo);
    Dexter (Um dos começos mais promissores com um dos piores finais que já foram exibidos na TV. Não perca seu tempo)²;
    Séries de heróis da DC. Não veja.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.