Autor: Vortex Cultural

  • Resenha | O Golpe de 64

    Resenha | O Golpe de 64

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    “Em 31 de março de 1964, as forças militares brasileiras deflagraram um golpe de Estado contra o presidente João Goulart e instalaram no país uma ditadura que duraria décadas.”
    (quarta capa do livro)

    Oscar Pilagallo, jornalista e vencedor do Prêmio Esso em 1993 na categoria de Reportagem Especializada, juntou-se ao quadrinista, cartunista e ilustrador Rafael Campos Rocha, autor de Deus, Essa Gostosa, para transformar as chatíssimas aulas de História do Brasil numa história ilustrada que conta com riqueza de detalhes esse período conturbado da História nacional.

    A narrativa se inicia 10 anos antes, em 1954, com o suicídio de Getúlio Vargas e percorre os anos seguintes discorrendo sobre as origens e os meandros dos acontecimentos que levaram ao golpe. Com conspirações para todo lado, vilões para todos os gostos e reviravoltas mirabolantes, os fatos históricos deveriam ser um prato cheio para uma trama rocambolesca ilustrada.

    Mas infelizmente, o texto de Pilagallo é didático demais na maior parte do tempo. O leitor se sente de volta à sala de aula lendo um daqueles livros de História do Brasil, só que agora em quadrinhos. Talvez não fosse intenção do autor, mas poderia ter explorado mais a verve romanesca, quase burlesca dos eventos. Trabalhar a narrativa como se fosse ficção, aproveitando-se de aspectos e circunstâncias que parecem tirados duma narrativa ficcional (apesar de infelizmente serem reais), teria deixado a leitura bem mais envolvente.

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    Em contrapartida, Rocha teve total liberdade para ilustrar a história. Apesar de várias imagens serem ilustrações feitas a partir de fotos de acontecimentos da época, muitas delas pendem para a caricatura, enfatizando a faceta non-sense dos eventos. É o que garante o alívio cômico e certa leveza – se é que é possível – à narrativa. Rocha usa muitas metáforas e alegorias visuais para representar as ideias e conceitos expostos no texto.

    Como livro paradidático, deve funcionar muito bem, já que o apelo visual da história em quadrinhos o torna mais palatável aos alunos. Não é uma HQ de entretenimento, é uma HQ informativa. É uma ótima opção para quem tiver interesse em saber mais sobre esse período e não quiser encarar longos textos analíticos.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | As Tartarugas Ninja: Saindo das Sombras

    Crítica | As Tartarugas Ninja: Saindo das Sombras

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    As Tartarugas Ninja iniciou-se como uma HQ underground, em preto e branco e com muita violência, criada por Kevin Eastman e Peter Laird como paródia de trabalhos de Frank Miller com Demolidor, Ronin, e para brincar com os universos mutantes e seus temas de aceitação, tão populares na época. Não parecia ser inicialmente um conteúdo voltado para crianças. Porém, a série animada dos anos 1980 coloriu e trouxe um humor muito mais ingênuo aos irmãos renascentistas adolescentes. Rafael, Donatello, Leonardo e Michelangelo eram treinados e criados pelo Mestre Splinter, ninja afetado pelo Ooze, uma substância mutagênica que também deu origem aos irmãos. Após o sucesso nas telinhas, veio o sucesso nos cinemas com Tartarugas Ninjas – O Filme, filme independente mais lucrativo durante anos, mas seguido de duas sequências que, embora mais produzidas, lucraram menos que o original.

    Na releitura produzida por Michael Bay e dirigida pelo seu pupilo Jonathan Liebesman, Tartarugas Ninja, o tom de aventura se uniu de forma atraente ao visual sujo e steampunk. Os apenas 90 minutos de produção ajudaram a dar foco ao filme de trama quase inexistente.

    Para a continuação, As Tartarugas Ninja: Saindo das Sombras, foi providenciada a mudança de direção, entrando Dave Green. Houve uma precipitação na concepção, pois o filme se mostra quase um reboot de seu original em certos momentos — contando até com reintrodução do quarteto mutante e de suas habilidades — , por replicar os mesmos temas, os conflitos do líder Leonardo com seu impulsivo irmão Rafael e novamente a dificuldade de trabalhar em time e aliar suas qualidades e defeitos. Apesar de repetitivo, ainda é o atrito que melhor trabalha certa profundidade à trama, detalhando as dificuldades do crescimento das responsabilidades da saída da adolescência e a necessidade de alguém compreender seu lugar no mundo, eventualmente buscando ser especial ou apenas tão normal quanto qualquer outro.

    Reaparecem então as tristezas de viver nas sombras e a oportunidade de sair para a luz. Mas, durante a fuga do Destruidor da prisão (com mudança óbvia de ator, décadas mais jovem que no filme anterior), as Tartarugas entram em conflito novamente com o Clã do Pé, e com uma nova ameaça: Krung, o cérebro mutante com tentáculos criado para a série animada, e que tem a intenção de se aliar com o vilão para roubar relíquias espaciais e, assim, dominar a Terra.

    Para ajudá-lo, Destruidor e Krung criam os mutantes capangas Bebop e Rocksteady, personagens também vindos da série animada, e que são excelentes, sendo facilmente a melhor coisa do filme.

    As tartarugas continuam funcionando muito bem em cena: a captura de movimento torna suas expressões críveis e ajudam a compor a cena, tanto as de humor quanto as que buscam um apelo mais dramático. O grande problema está no elenco de apoio, na inserção atrapalhada de certos personagens como Casey Jones (Stephen Amell, canastrão e sem graça) e o Dr. Baxter (O péssimo Tyler Perry). Para fazer alguma conexão com o filme anterior, Destruidor e Vern Fenwick (Will Arnett) atuam como coadjuvantes de luxo.

    Com boas sequências de ação — e a mais interessante delas passando-se no Brasil — e humor físico envolvendo chutes entre as pernas e piadas com comida, Tartarugas Ninja: Fora das Sombras consegue deter a base da animação e introduzir bons elementos visuais e uma relação orgânica com Nova York e seus esgotos. Apesar de os diversos personagens estarem bem distribuídos na ação e em seus papéis, o elenco de apoio funciona mal, perdendo força quando as tartarugas estão ausentes. Sem definir-se bem sobre sua ameaça central, o filme não se sente acanhado em dizer que todo o entorno é uma desculpa para vermos em ação o que faz desses personagens tão relevantes: a força de tartaruga.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Mais Forte Que Bombas

    Crítica | Mais Forte Que Bombas

    mais-forte-que-bombasIsabelle (Isabelle Huppert) ensinou seu filho Conrad (Devin Druid) a como contar uma história. Como toda a mensagem de uma fotografia que se altera com alguns cortes aqui e zooms ali. Isso, que parece um detalhe pequeno, ainda que óbvio para alguns, mostra-se o caminho chave para o que o filme quer passar. Sobre a própria captura e interpretação de momentos que jamais poderão ser o que foram, o que são. Sentimentos que não podem ser visualizados, lembrados em sua integridade, nem mesmo a partir de uma foto de enterro, ou de um filme.

    Mais Forte Que Bombas é dirigido por Joachim Trier (Começar de Novo e Oslo, 31 de Agosto), também escrito por ele e Eskil Vogt (Oslo, 31 de Agosto e Blind). Trata-se dos efeitos da morte de Isabelle, uma famosa fotógrafa de guerra, e de como sua família, formada pelo marido Gene (Gabriel Byrne) e seus dois filhos Conrad e Jonah (Jesse Eisenberg), lida com a perda da mãe e esposa. O filme então segue, a partir desse ponto e da profissão de Isabelle, lidando com a perda, a memória; a pureza dos sentimentos e como fragmentam-se e desorganizam-se em flashbacks e sonhos.

    A história se passa dois anos após o ocorrido com a ameaça de um artigo do New York Times que falará sobre a vida profissional e morte de Isabelle. Detalhes sobre como ela se foi, por qual motivo; do quê o filho mais novo, Conrad, não foi informado devido à idade à época.

    O filme abre em um hospital, após um parto. As mãos de um pequeno bebê segurando os dedos de Jonah. E graças à fotografia esbranquiçada, o resto do filme parece se manter no hospital. No limiar entre a vida e a morte, o luto e a renovação, a negação e a aceitação. Assim também é a montagem, que alterna entre momentos de um mesmo dia, sonhos, flashbacks e narrações de Isabelle de forma fluida. Com uma trilha sonora concisa, se mostra sentimental quando deve. Na maioria das vezes, efêmera.

    E nesse constante balanço se encontram as personagens. Com atuações maduras e coerentes por parte dos atores. As ondulações melancólicas e distintas entre cada um seguem naturalmente, com exceção de um momento plástico aqui e ali. Foco especial para Huppert, que transpõe da forma mais crua e natural possível o papel de alguém com depressão; alguém que morre de saudade de casa, mas não aguenta ficar nela.

    Trier se interessa pelas sutilezas. As memórias que se misturam com os sonhos e nossas percepções individuais. A forma com que Jonah, por exemplo, retorna a sua casa para ajudar o pai na organização do trabalho de Isabelle, mas acaba voltando mais e se tornando mais o que era. Voltando para como era a mãe. A forma como Gene quer se conectar com o filho mais novo, como Conrad ainda sente os estilhaços de dois anos atrás. O estilhaço de um abraço que nunca mais sentirá ao redor da cintura.

    Acima de tudo, Trier entende até aonde pode ir. Há a compreensão de até onde se pode capturar os movimentos e sentimentos, até onde se pode fazer visíveis as rachaduras. E ainda que, em alguns momentos se pareça plástico, artificial, esses são ínfimos perante tamanho tato para uma questão tão abstrata como a saudade e o luto; a memória e a dor. Por isso é possível sentir tanto dele em Isabelle.

    Isabelle gostava de ficar nas zonas de guerra até depois das tragédias. Era isso que para ela importava. A história daqueles que sofreram com a catástrofe. Os enterros, o reconforto. As marcas que se perpetuarão para sempre, as marcas que são mais fortes que as bombas.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • 10 Relações Problemáticas do Entretenimento

    10 Relações Problemáticas do Entretenimento

    A chuva cai torrencialmente lá fora. Ou deveria cair, como contraste com suas lágrimas. Tentando esquecer o amor que se foi, você imagina que um pouco de música poderá distraí-lo. Liga o som mais próximo, e Love Hurts, regravada em versão definitiva pelo Nazareth, cospe dor das caixas de som. Entre soluços, abraçado com seu travesseiro preferido, você diz silenciosamente, afinal está se afogando em lágrimas: o amor fede.

    Reflexo de um sentimento natural do homem, a representação do amor na ficção nem sempre é apoiada no viveram felizes para sempre. A equipe do Vórtex se reúne ao lado de Mariana Guarilha do Miss Bennet para lembrar aqueles momentos cinematográficos e televisivos em que o amor, uma relação ou casamento, não necessariamente nessa ordem, não se tornaram o costumeiro símbolo feliz. Em homenagem ao dia dos namorados, esta lista especial a todos os amores que viraram bruma, como diria Vinícius de Morais em seu Soneto da Separação.

    How I Met Your Mother (2005 – 2014) – Por Filipe Pereira

    Robin e Barney - HIMYM

    A série How I Met Your Mother se desenvolve como versão menos idealizada da também cômica Friends, mantendo a temática de um grupo de grande amigos que convivem com os dilemas da vida adulta, com a triste sina de se não se verem tanto quanto gostariam. Um dos defeitos da série, certamente, é a relação de amor platônico de Ted (Josh Radnor) e Robin (Cobie Smulders), ainda que as saídas para eles não sejam tão covardes e repletas de clichê quanto com Ross e Rachel. No entanto é outro casal que compreende a melhor demonstrativa de acerto e erro. Robin e Barney (Neil Patrick Ellis) são pessoas parecidas, desprendidas de moral e independentes até o momento em que começam a se relacionar. O namoro dá errado, mas retorna próximo do fim do seriado, tomando toda a atenção da sétima e última temporada, focada nos preparativos para a cerimônia. Para Barney é a última chance de tentar se afiliar a uma pessoa só para fugir de um fim de meia-idade solitária. Evidentemente o plano fracassa, mais uma vez sem qualquer pecado capital, indiscrição ou erro de fidelidade conjugal que justifiquem o término, só não se encaixaram mais uma vez as agendas e repertório da dupla. A série tem essa triste sina, de mostrar mais relações que dão errado do que gratificações sentimentais, o que faz dela um objeto raro em meio às comédias norte-americanas recentes.

    Minhas Versões do Amor (Richard J. Lewis, 2010) – Por Thiago Augusto Corrêa

    A velhice é o ponto de partida para as lembranças de Barney Panofsky nesta produção estrelada por Paul Giamatti. Recordando sua trajetória, a personagem explicita seu impulso amoroso e um ímpeto imaturo: casa-se a primeira vez devido à possibilidade de gravidez da mulher e, na cerimônia de seu segundo casamento, se apaixona perdidamente por uma terceira mulher. Panofsky representa a violência das paixões sem equilíbrio e um caráter canalha que nem mesmo a tradição de uma cerimônia foi capaz de impedi-lo. Em um drama sensível sobre as escolhas de cada um de nós, Giamatti, como costumeiro, está excelente na produção que lhe garantiu o Globo de Ouro em Comédia ou Musical em 2011.

    Namorados Para Sempre (Derek Cianfrance, 2010) – Por Flávio Viera

    Namorados Para Sempre

    Derek Cianfrance realiza uma autópsia de um relacionamento fracassado com tons de John Cassavetes e Woody Allen. Namorados Para Sempre é insuportavelmente amargo, uma verdadeira desconstrução dos contos de fadas hollywoodianos aos quais estamos tão habituados. Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams) se encontram nas casualidades do cotidiano e passam a se relacionar de maneira terna e bastante precoce. Pouco a pouco, vamos conhecendo a fundo o desenvolvimento dessa relação ao longo dos anos, do começo promissor ao fim extremamente melancólico. A fotografia e a direção de arte mudam consideravelmente com o decorrer do longa, assim como o aspecto físico e o figurino dos protagonistas. A intensidade das atuações solidificam as razões do colapso da união dos dois. Difícil não chegar ao fim do longa-metragem sem um sabor amargo.

    500 Dias Com Ela (Mark Webb, 2009) – Por Mariana Guarilha

    500 Dias Com Ela

    Tom (Joseph Gordon-Levitt) decidiu que Summer (Zooey Deschanel) é a mulher da sua vida. É uma pena que ela não concorde com isso. Em 500 Dias Com Ela, os dois acabam vivendo um romance casual, no qual fica claro que Summer não tem grandes expectativas, mas o rapaz acredita ter encontrado sua alma gêmea. Tom parece ter assistido a comédias românticas demais e ouvido as músicas erradas, pois acredita que pode de verdade transformar esse relacionamento passageiro em um romance perfeito. Muitas vezes lida como apenas uma “Manic Pixie Dream Girl”, a garota excêntrica e sem muita profundidade que aparece para ensinar uma lição ao protagonista. Summer na verdade só não estava apaixonada, e Tom teria se poupado de uma grande dose de sofrimento se apenas deixasse pra lá e fosse procurar em outro lugar a grande história de amor com que sonhava.

    Sex And The City (1998 – 2004) – Por Thiago Augusto Corrêa

    (L-r) SARAH JESSICA PARKER as Carrie Bradshaw and CHRIS NOTH as Mr. Big in New Line CinemaÕs comedy ÒSEX AND THE CITY 2,Ó a Warner Bros. Pictures release.

    Em uma série que traça um retrato feminino contemporâneo, situado em uma das cidades mais famosas do mundo, nada mais adequado do que uma história de amor desnivelada. Tema desenvolvido desde o episódio piloto, a relação de Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) com Mr. Big (Chris Noth) somente emplaca, quando emplaca, devido a necessidade de um final feliz na trama. A jornada do casal é longa e somente se acertam definitivamente no primeiro filme derivado. Mesmo assim, a relação apresenta dramas pontuais e, dado o histórico de desencontros, se mantém delicada. A dupla representa o tipo de casal que confia em uma relação que, provavelmente, estará fadada ao fracasso.

    Apenas o Fim (Matheus Souza, 2008) – Por Filipe Pereira

    Apenas o FimA melancolia é o mote  do roteiro de Matheus Souza em Apenas o Fim. A jornada da personagem consiste na aceitação de um fracasso romântico sem motivos graves aparentes. Antes da fama oriunda do Porta dos Fundos, Gregório Duvivier vive Antônio, um estudante de cinema nerd e sem qualquer atrativo além do comum. Tem seu namoro findado pela parte feminina, inominada propositalmente para evocar universalidade, interpretada por Erika Mader. A agonia do filme reside exatamente no efêmero e na incapacidade do sujeito em reverter a relação mal-sucedida, além de ser o produto de um tempo único, prevendo a condição da moda atual: namoros curtos ou relações nas quais o desapego é central. O modo como Souza escolhe contar sua história, no campus da PUC, acaba sendo mais um importante elemento narrativo dentro da obra, mais uma vez lembrando o quão desprendida pode ser a geração retratada, servindo como uma metalinguagem autobiográfica.

    Eclipse Total (Taylor Hackford, 1995) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Eclipse Total

    Stephen King confere peso dramático a esta obra que adapta seu romance lançado em 1992. Diferentemente das narrativas românticas anteriores, é a relação abusiva do marido de Dolores Claiborn que se destaca como ponto de arranque da obra e motivo para figurar nesta lista. Magistralmente interpretada por Kathy Bates, o drama é intenso na violência das relações entre tais personagens e, embora configure apenas parte de uma história maior, é preponderante para a reflexão sobre limites da justiça e lei em casos de agressão.

    Thelma & Louise (Ridley Scott, 1991) – Por Flávio Vieira

    Thelma e Louise

    Thelma & Louise, filme de 1991, dirigido por Ridley Scott, é um misto de sentimentos e sensações onde relembramos de temas como a liberdade, amizade, empoderamento feminino, abuso sexual, dentre outros. A trama é voltada para as personagens que dão título ao filme, interpretadas respectivamente por Geena Davis e Susan Sarandon, com as quais acompanharemos a jornada das duas amigas. Como é típico de um road movie, a estrada é mais importante que o objetivo, já que ela servirá como o amadurecimento dessas personagens. Interessante notar que Thelma (Davis), ao iniciar o longa, não passa da típica mulher submissa que passa o dia em sua casa, com o jantar pronto à mesa e a casa arrumada, enquanto o marido dominador lhe destrata e sai com outras mulheres. A jornada da personagem mostrará o seu crescimento e, em contrapartida, a deterioração do seu casamento, culminando no seu inevitável fim. Ainda bem.

    Game of Thrones (2011 -) – Por Mariana Guarilha

    Game Of Thrones

    Não há ninguém como George R.R. Martin pra escrever uma cerimônia de casamento. Se nos relacionamentos da série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo o autor já demonstra um certo ceticismo ao amor que tudo vence, é nas cerimônias que coloca uma dose especial do seu sadismo. Os eventos que ficaram conhecidos como Casamento Vermelho e Casamento Roxo refletem isso. No Casamento Vermelho, graças à traição de Walder Frey, ocorre a chacina de boa parte dos correligionários do Rei do Norte, Robb Stark. Já no Casamento Roxo, graças a uma conspiração, o noivo morre engasgado, graças ao veneno no copo de vinho usado para brindar sua união. As duas passagens já foram apresentadas na série de Game of Thrones, adaptação comandada por David Benioff e D. B. Weiss.

    Relatos Selvagens (Damián Szifron, 2014) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Relatos Selvagens
    Excelente produção argentina, o amargo Relatos Selvagens reúne um poderoso recorte narrativo sobre diversos conflitos da relações humanas. A última história apresentada, O Casamento, implode o falso moralismo dos amores. O exagero cênico é proposital para que cada ação seja ainda mais agressiva. Explosões de fúria, amor e lágrimas conduzem a história que explicita o quanto o amor e os desejos são díspares quando não alinhados em um objetivo. A composição da trama é intensa e o público se sente parte da história como um convidado. O realismo incomoda e aponta como somos frágeis diante de amores e desejos.
  • Crítica | Heróis da Galáxia: Ratchet & Clank

    Crítica | Heróis da Galáxia: Ratchet & Clank

    ratchet and clankHeróis da Galáxia: Ratchet & Clank chegou sem muito alarde. Talvez por conta dos valores envolvidos, falta de um marketing agressivo ou mesmo viral, acabou deixado de lado nas salas de cinema, também por se tratar de um filme voltado a um público específico. Poucos da minha faixa etária ainda se lembram de Ratchet e Clank, já que tais personagens foram criados no mundo dos games no distante ano de 2002, e que, infelizmente, são pouco conhecidos por aqui, embora a franquia possua várias continuações e spin-offs.

    Na trama, um mecânico de naves espaciais, Ratchet, sonha em se tornar um patrulheiro galáctico, apesar de ser um tanto atrapalhado, assim como seu grande herói, o Capitão Qwark, um excêntrico e famoso Patrulheiro. Sua vida muda drasticamente quando, por acidente, Ratchet descobre nos destroços de um veículo espacial um pequeno robozinho, Clank, que possuía os planos de invasão e destruição de todo um corrupto governo galáctico liderado pelo presidente Drek, o qual pretende roubar pedaços de planetas para construir o que seria o planeta perfeito e vendê-lo para lucrar em cima desse novo empreendimento. Nesse momento, cabe apenas a Ratchet, junto a seu novo amigo Clank, se reunir com a tropa do Capitão Qwark para deter os planos do vilão Drek.

    Baseado na franquia de jogos homônima, Ratchet & Clank (título do filme no original), o longa animado, dirigido por Kevin Munroe, conta a mesma história de origem que vemos no jogo lançado nesse mesmo ano de 2016 pela produtora original, a Insomniac Games. Distribuído para PlayStation 4, reestruturando o game original de 2002 da plataforma PlayStation 2 para um novo formato, os gráficos foram atualizados e acontecimentos da história foram repaginados para a plataforma atual. Apesar da linha de raciocínio dos personagens principais ser praticamente a mesma entre os jogos, tanto os acontecimentos da nova versão quanto as motivações do personagem de Ratchet têm suas diferenças, que, no geral, acabam por diluir a história. Mais concisa e elaborada, a trama modifica a dinâmica para algo mais emocionante que casual, em razão da escolha do roteiro em adicionar novos personagens secundários.

    O longa conta uma versão mais simples dos acontecimentos da nova versão e com todo o visual adotado e atualizado dos personagens no jogo de 2016, deixando os gráficos de 2002 irreconhecíveis e com poucas semelhanças com a história original. Porém, se levarmos em conta que a nova versão seria a única base de referência para o filme, a adaptação é bem fiel a seu conteúdo.

    A animação conta ainda com  as vozes talentosas de Paul Giamatti, John Goodman, Bella Thorne, Rosario Dawson e Sylvester Stallone, no elenco de apoio, e também com James A. Taylor e David Kaye reprisando seus papéis de Ratchet e Clank, respectivamente, dessa vez nos cinemas.

    Heróis da Galáxia: Ratchet e Clank peca por não possuir um enredo tão impressionante, mas compensa pelo visual bem colorido e humor bem utilizado ao longo da trama. Apesar de ser destinado principalmente para o público infantil e aos novos admiradores da franquia, se mostra uma animação interessante dentro de seu nicho.

    Texto de autoria de Bruno Gaspar.

  • Crítica | Truque de Mestre: O Segundo Ato

    Crítica | Truque de Mestre: O Segundo Ato

    truque de mestre 2Com o sobrenome Truque de Mestre: O Segundo Ato, chega aos cinemas a sequência do sucesso de bilheteria em 2013, Truque de Mestre. O filme se passa cerca de um ano após os acontecimentos do longa anterior: os Cavaleiros vivem escondidos, aguardando novas instruções do “Olho”, a representação da sociedade secreta que os recrutou no passado; Thaddeus (Morgan Freeman) está preso e Dylan Rhodes (Mark Ruffalo) continua exercendo a função de detetive no FBI, alimentando pistas falsas sobre o paradeiro dos mágicos.

    Praticamente todos os atores retornam à produção, com exceção de Isla Fisher, que interpretou a ilusionista Henley no primeiro filme. Aliás, aqui mora o primeiro problema desta sequência. A saída da personagem é muito mal explicada, sobretudo levando em consideração o fato de todos serem procurados pela polícia. A atriz (e a personagem) é substituída por Lizzy Caplan (Lula) que, convenhamos, representa um avanço e tanto em relação aos alívios cômicos da trama. A atriz se sai muito bem no papel e rouba as atenções sempre que está em cena. Sua interpretação despojada e seu jeito badass lembram muito as personagens de Kat Dennings.

    A outra novidade do filme, o vilão Walter, interpretado por Daniel Radcliffe, não chega a surpreender, mas soa interessante em cena. Daniel definitivamente não consegue se desprender do papel que o tornou famoso, o bruxo Harry Potter. E, em um filme que tem a magia como tônica, a sensação é a de que a qualquer momento o veremos conjurando um patrono ou evocando um avada kedavra de sua varinha.

    Jesse Einsenberg e Woody Harrelson são os maiores destaques positivos no quesito interpretação. Harrelson tem trabalho dobrado, pois dessa vez existe um vilão irmão gêmeo de seu personagem, com personalidade bem distinta, inclusive. É interessante ver o veterano em meio a atores bem mais jovens. Já Eisenberg, tão criticado por acrescentar um tom amalucado e cheio de tiques em seus personagens, tem aqui uma de suas melhores atuações, perdendo apenas para seu papel em Mais Forte Que Bombas, de Joachim Trier.

    A montagem do longa funciona bem no primeiro e último atos, mas deixa algumas falhas bem perceptíveis no ato intermediário, o que evidencia também algumas inconsistências de roteiro e direção. Ou seja, aquilo que começa errado no papel dificilmente pode ser salvo na edição. Além disso, fica a sensação de que ao menos trinta minutos de filme poderiam ser retirados para acelerar a edição e tornar o assistir mais agradável e compassado.

    A Lionsgate Summit parece querer transformar Truque de Mestre em uma franquia e tem tudo para obter sucesso nessa empreitada. A trama é divertida e prende a atenção do espectador. Não representa nenhuma novidade cinematograficamente falando, mas é um belo espetáculo visual. Talvez o público brasileiro não se identifique tanto com a história, pois não temos a mesma relação de deslumbre com o mundo do ilusionismo nutrido pelo povo americano. Ainda assim, vale a pena assistir.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria. 

  • O Breve Adeus de Mignola

    O Breve Adeus de Mignola

    mike mignolaEstamos definitivamente cercados de um riquíssimo universo narrativo, seja literário ou cinematográfico. Inúmeros filmes, livros e histórias em quadrinhos, de todos os gêneros possíveis e para os mais variados gostos. Porém, dentre esse cenário repleto de conteúdo, pouquíssimos são os artistas que verdadeiramente vão além de suas obras, transcendendo os limites da literatura e da imaginação, criando universos inteiros e nos transportando para dentro deles. Mike Mignola definitivamente é um deles.

    Para quem não sabe de quem estou falando, Michael Joseph “Mike” Mignola é um quadrinista americano que começou sua carreira em meados de 1980 fazendo ilustrações na revista em quadrinhos The Comic Reader. Após passar alguns anos trabalhando para grandes editoras como a Marvel e a DC Comics (ilustrando e arte-finalizando trabalhos nas revistas do Demolidor, Punho de Ferro, Hulk, Batman, entre outros), em 1994 Mignola teve sua oportunidade de publicar pela editora Dark Horse Comics um trabalho completamente autoral, escrito e desenhado por ele mesmo, que viria a ser seu maior legado: Hellboy, um demônio invocado do inferno por Rasputin e os alemães nazistas com o intuito de trazer o apocalipse à terra. Porém, Hellboy é descoberto pelo Professor Trevor Bruttenholm e acaba por ser criado entre os soldados Aliados nos EUA. Desse ponto, ao invés de se tornar uma criatura das trevas que busca a aniquilação da humanidade, Hellboy se torna um ser de boa índole, integrante do B.P.R.D. (Bureau of Paranormal Research and Defence), organização secreta do governo americano que combate ameaças sobrenaturais diversas.

    Uma obra recheada de referências culturais e históricas do mundo todo, Mignola usa e abusa das influências obscuras da literatura de H.P. Lovecraft e da narrativa épica de Robert E. Howard para criar algo único. Aliado à sua arte profundamente e claramente inspirada pelo movimento cinematográfico do expressionismo alemão dos anos 1920, Mignola brinca com técnicas de luz e sombra, visando dar mais profundidade às suas histórias de aventura, imersas em uma atmosfera sombria de terror.

    Desde a primeira história sobre o  “meio demônio” mais famoso dos quadrinhos (Sementes da Destruição, 1994), mais de 20 anos se passaram e muito mais histórias foram desenvolvidas no universo de Hellboy. Não apenas o protagonista, mas outros personagens ganharam seu destaque devido ao longo de toda a trajetória do herói, os quais, juntos, foram responsáveis por combater vampiros, lobisomens, fantasmas, demônios e até mesmo deuses antigos.

    Mike Mignola é uma epítome no mundo dos quadrinhos. Não à toa, sua obra durou mais de 20 anos, além de ter recebido duas grandes adaptações cinematográficas e inúmeros spin offs em quadrinhos. Porém, depois de todo esse tempo, ao fim da 10ª edição do arco Hellboy no Inferno, o autor anunciou que vai encerrar seu trabalho no universo do personagem. Como um período de férias, querendo dar um tempo da construção de narrativas para poder explorar a pintura, segundo o próprio autor. Nas palavras do próprio Mike: “Eu não posso dizer ao certo se essa vai ser a última coisa do Hellboy que eu estarei envolvido. Eu não quero colocar uma nota final nisso, mas por enquanto esse é o fim da minha era desenhando e escrevendo sobre o Hellboy”.

    Definitivamente é, de certa forma, uma triste notícia para seus fãs que, como eu, têm um carinho imenso pela obra em quadrinhos do autor, bem como por seus personagens. Mignola é um dos poucos por aí. Um artista indescritível, capaz de extrair complexidade estética e emocional da aparente simplicidade de seus desenhos e de seus roteiros. Uma pequena linha, círculos amarelos na escuridão e silhuetas estranhas são sempre indicativos do mundo obscuro que ele criou ao longo do tempo e a empolgação e a tensão que se passa ao leitor ao sugerir que o desconhecido reside nas sombras de nosso mundo real. Isso é Mike Mignola, e isso é muito do que ele nos deu ao longo dos anos.

    Independente disso, é muito importante que grandes artistas como Mignola deem um tempo para seu trabalho, não apenas pelo esgotamento emocional e físico que trabalhar com quadrinhos evidentemente toma do artista, como também para que possa explorar novos horizontes dentro de sua arte.

    Quando eu matei o Hellboy, a verdade é que ele não foi ao inferno, ele foi para dentro de minha cabeça. Porque o mundo de “Hellboy no Inferno” é o mundo que eu comecei a criar quando tudo começou. Assim, o mundo que eu estou desenhando e pintando é sim o mundo de ‘Hellboy no Inferno’, mas a razão deste ser o pano de fundo deste mundo é porque é o que quero desenhar de qualquer forma. Eu peguei o Hellboy e o joguei em um mundo repleto de coisas que eu queria desenhar. Então agora, enquanto estou desenhando e pintando por diversão, eu vou continuar desenhando este mesmo mundo”, explica o autor.

    Dessa forma, apesar de ficar emocionado em saber que Mignola decide tirar um tempo de Hellboy, dando um aparente fim em seu trabalho, o autor e artista merece esse tempo, essa possibilidade de ir além da sua própria arte e, quem sabe, ser tão inspirador na pintura quanto nos quadrinhos. E isso é inegável, podemos ter certeza de que a mente obscura de Mignola vai se transportar para as pinturas e, de certa forma, creio que todos os seus fãs estarão ansiosos para ver seus futuros trabalhos.

    As mãos do artista nos quadrinhos vão deixar saudade. Espero que só por enquanto, pois acredito que ele ainda tem muito o que nos presentear e muitos mundos obscuros ainda a serem explorados.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Resenha | Filho Dourado (Trilogia Red Rising) – Pierce Brown

    Resenha | Filho Dourado (Trilogia Red Rising) – Pierce Brown

    Filho Dourado - Pierce Brown - capa

    Lançado pela Globo Livros em agosto do ano passado, no selo Globo Alt, O Filho Dourado, de Pierce Brown, é a segunda parte da trilogia Red Rising, lançado pela editora após o primeiro volume, Fúria Vermelha, em 2014.

    Se no primeiro romance, Darrow estava se preparando para uma batalha futura, aprendendo sobre estratégia na Academia em Agea e enfrentando o medo de ser descoberto, em O Filho Dourado a personagem já está totalmente aculturada entre os Ouros, com um alto cargo de Pretor na família Augustus e colecionando sucessos na Escola de Guerra, enquanto ostenta a cicatriz de um Inigualável Maculado.

    Tudo é muito grandioso, as simulações de batalha espacial, os ambientes em que ele habita e sua rixa com a família de Cassius au Belona. Darrow não está mais se preparando para ser um guerreiro; ele é um guerreiro. Porém, há mais que sangue e vísceras em seu caminho. Ares e Dancer, os líderes da revolta que almeja destruir todo o modo de vida dessa sociedade dividida em cores, se calaram desde que Darrow saiu da academia, sem saber mais que diretrizes seguir após ter sobrevivido até então. Como se não bastasse a solidão de sua vida cheia de segredos, uma nova facção dos Filhos de Ares está realizando atentados terroristas e o faz questionar sua missão.

    Seus mais caros amigos estão em cantos longínquos do sistema, e seus inimigos perto demais. Virgínia (Mustang) não entende por que alguém que questionou a ordem social dentro da academia se aliou justamente a seu pai, o Governador de Marte, Nero au Augustus. O governador Nero é um símbolo de tudo o que Darrow questionou em seus tempos de academia. Agora que ganhou a sua marca de Inigualável Maculado, tornar-se Pretor de Augustus não parece o correto a fazer, mas para minar a sociedade por dentro Darrow necessita conquistar um lugar de destaque.

    Assim como no livro anterior, a narrativa tem grandes cenas de ação e momentos mais reflexivos, e é nestes momentos que o autor alcança sua excelência. Cada um dos personagens com mais destaque tem um discurso de impacto sobre a sociedade, todos coerentes com suas trajetórias e capazes de gerar reflexão no leitor sobre a realidade. Após participar de um desfile da vitória, Darrow nos presenteia com a seguinte reflexão: Tradição é a coroa do tirano. Olho todos os Ouros com seus distintivos e sinetes e estandartes, tudo isso sendo usado para legitimar um reinado corrupto e para alienar o povo. Para fazê-los sentir que assistem a um cortejo além da compreensão deles.

    O autor nos apresenta mais divisões e sub-divisões das castas representadas por cores, fazendo com que a sociedade retratada naquele universo se torne cada vez mais complexa. No livro anterior ficamos familiarizados com a estratégia de dominação utilizada para subjugar os vermelhos: competição interna e a promessa de que o seu sacrifício os fazia pioneiros na transformação de um planeta. Em O Filho Dourado conhecemos mais a fundo algumas castas e a estratégica de dominação utilizada com elas, entre as mais expressivas os azuis e os Obsidianos.

    Os Azuis são criados no que o protagonista chama de uma “seita que louva a racionalidade”. São cientistas com áreas de estudo tão específicas que se perdem em cálculos de probabilidades e estatísticas, e não parecem capazes de enxergar a sociedade e a maneira como são subjugados aos Ouros. Sem dúvida, uma crítica à formação que prioriza as Ciências Exatas em detrimento de qualquer reflexão social.

    Os Obsidianos são os soldados altamente especializados. Para controlar sua enorme força subjugada, os Ouros os isolaram nos pólos oferecendo-lhes uma vida de privações e uma religião que os proibia de pegar em armas contra eles, considerados deidades. Em contraste com os cientistas Azuis, que foram alienados com a estrita crença nas ciências e com uma vida confortável, os Obsidianos foram alienados em misticismo e miséria.

    Pierce Brown nos confunde um pouco ao descrever suas cenas de ação, porém as reflexões que o livro propõe são acertadas, e seus personagens são tão carismáticos que qualquer demérito do autor fica eclipsado pelo sucesso de nos envolver irremediavelmente na história que entrega.

    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

    Compre: Filho Dourado (Trilogia Red Rising) – Pierce Brown

    Pierce Brown

  • Resenha | Hellblazer: O Capote do Diabo

    Resenha | Hellblazer: O Capote do Diabo

    Hellblazer_O_Capote_do_DiaboHellblazer e o seu protagonista, o mago inglês John Constantine, podem ser vistos como uma das chaves do sucesso da linha Vertigo, selo adulto da DC Comics. Com histórias que abordavam o tema do ocultismo, junto a uma visão de uma sociedade bastante corrompida e um protagonista carismático a sua maneira (os termos filho da puta e moralmente incorreto seriam mais precisos), tivemos uma série de grandes escritores e artistas durante todo o período de sua publicação até a sua recente incorporação ao universo dos Novos 52 da DC.

    A última fase antes dessa incorporação coube ao competente escritor Peter Milligan, mas que não entendeu bem a proposta do mago inglês e de todo o seu mundo. Em O Capote do Diabo temos o famoso sobretudo de Constantine (peça de roupa tão atrelada ao personagem que só é menos característica do que o hábito de fumar do personagem) roubado pela sua sobrinha e vendido em um site qualquer de negociações pela internet como uma forma de vingança em relação ao seu tio. Isso tudo pareceria normal mas vamos dizer que o capote do mago inglês resolver imitar o “um anel” dos livros de J. R.R. Tolkien.

    Isso mesmo, devido a estar presente em todas as grandes aventuras e negociações demoníacas de Constantine, a peça de roupa passou a ser um tipo de entidade também, com vontade própria. Apesar de velho e sujo seduzia pessoas a usá-lo e os manipulava para fazer maldades ou ressaltar o seu lado mais sombrio. Em outras palavras, o “um anel”.

    A ideia em si não é de toda ruim. A própria condução da narrativa faz com que tenhamos um conto diferente do habitual para o personagem, que tem na sua peça de roupa favorita o seu principal antagonista. Junte a isso os intermináveis problemas familiares do personagem, com o adendo de que Contantine é casado com a filha de um mafioso a esta altura de sua cronologia, e temos uma boa história, nada mais do que isso, e muito longe das narrativas clássicas e ácidas do personagem.

    No encadernado brasileiro ainda há outro pequeno arco, Outra Estação no Inferno, no qual novamente o tema é a relação de Constantine com a sua família e o inferno, especificamente como ele tenta resolver os problemas entre sua sobrinha, a sua irmã no inferno e um gêmeo maligno que possui (sim, teve isso!).

    Nesse segundo arco, Milligan mostra toda a sua inabilidade de lidar com a personagem e o seu universo, que sempre teve na magia e no ocultismo o seu tema principal, mas de forma discreta e sutil. Constantine jamais foi mago de efeitos pirotécnicos e de mexer as mãos e fazer as coisas acontecerem imediatamente. Há claramente uma má interpretação do autor em relação à forma como a magia funciona no universo de Hellblazer. Junte a isso que ir para o inferno e voltar para Constantine funciona quase como um passeio no parque, do tipo “vou ali dar uma volta e já já estou em casa novamente”. Vamos dizer que houve uma banalização desse tipo de situação. Enfim, uma história fraca e que pouco contribui para a já lendária carreira do mago inglês.

    A arte de Giuseppe Camuncolli e Stefano Landini, que não chega a ser tão ruim, também não contribui para salvar a HQ. Têm destaque, porém, algumas artes de capa de Simon Bisley que são apresentadas no interior da revista.

    Uma HQ simplesmente normal, sem nada de mais, que pode agradar aos fãs que sofrem com o mago no universo dos Novos 52, mas a qual se distancia dos grandes arcos e histórias mais antigas.

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

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  • Resenha | The Spirit: As Novas Aventuras

    Resenha | The Spirit: As Novas Aventuras

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    Criado por Will Eisner, o pai das graphic novelsThe Spirit surgiu na década de 1940 como produto do novo filão em voga, as revistas de histórias em quadrinhos, que desde o final da década anterior, com a criação de Superman e Batman, passavam a ganhar status com personagens heroicos, munidos de honra e bravura para enfrentarem inimigos. Inovador para a época, mesmo não possuindo poderes extra-terrenos ou armas poderosas como os heróis da então Action Comics e Detective Comics, The Spirit logo alcançou seu próprio público nos jornais como um inconfundível combatente do crime.

    Publicada inicialmente nas edições de domingo, a trama apresenta o criminólogo Denny Colt – nome verdadeiro do herói mascarado -, que descobre os planos de um inimigo em uma investigação e é assassinado no local. Mas, com o desenrolar da narrativa, descobre-se que o agente da lei estava em animação suspensa, e em segredo passa a usar um codinome e a combater o crime que aterroriza a cidade fictícia de Central City, vivendo escondido no subsolo do cemitério onde fora enterrado.

    Tomadas por uma atmosfera noir, as histórias de Spirit revolucionaram o estilo e a linguagem dos quadrinhos. Influenciado pelos filmes da década de 1940, Eisner dava preferência para o preto e branco, aliados a ângulos e quadros incomuns para os desenhos da época. O contraste em duas cores destaca um ambiente propício manipulado por criminosos malucos e mulheres fatais, combatido por um sujeito inteligente, trapalhão, corajoso e hábil em artes marciais. Como um Cary Grant armado com os próprios punhos para rechaçar os criminosos da cidade grande.

    Durante a Segunda Guerra Mundial, e a consequente convocação de Eisner pelo exército americano, o personagem foi deixado a cargo de outros artistas, mas já sem a identidade com a qual ficou conhecido. No retorno aos desenhos após o conflito bélico, o artista passou quase 10 anos se dedicando à sua criação e a consolidando, mas após essa época voltou-se à produção de material governamental e ilustrações, e não mais aos quadrinhos, aposentando o universo de Denny Colt. Muitas foram as tentativas de republicar a obra, entre elas um curto fôlego no final da década de 1960 com relançamentos de antigas histórias, agora em formato de revista, e a publicação de uma trama escrita novamente pelo próprio Eisner. A partir das três décadas seguintes, o herói passou por diversas editoras, como Kitchen Sink Press e DC Comics, sendo esta posteriormente, em 2007, retomado o personagem no volume único Batman & The Spirit, que o introduzia no universo DC através do roteiro de Jeph Loeb e arte de J. Bone e Darwyn Cooke, e logo após com uma revista própria guiada pela dupla Cooke/Bone.

    Assim como O Sombra – Vol. 1: O Fogo da Criação, outros personagens acabam voltando como revival, e com o detetive mascarado não foi diferente. The Spirit – As Novas Aventuras é o primeiro de dois volumes compilando histórias de uma curta série publicada em 1998 que buscava, ao mesmo tempo, homenagear o herói e renová-lo para os dias atuais a fim de conquistar um novo público. Lançada em 2010 em edição capa dura pela Devir Livraria, a obra é dividida em quatro partes, com capas produzidas pelo próprio Eisner ilustrando o início de cada história. Com artistas e roteiristas consagrados, a edição possui 11 tramas que mostram desde o surgimento do Spirit, até o embate com seus maiores inimigos, como Cobra, Sand Saref e Octopus.

    São histórias curtas a médias que retratam o modo com que Spirit atua como vigilante em Central City com apoio do Comissário Dolan, o único que conhece sua verdadeira identidade, e de seu interesse amoroso, Ellen Dolan. Apesar de contar com os personagens coadjuvantes, a maioria das histórias coloca Spirit como o centro da ação, mas sem a ajuda de Ebony White, o estereotipado sidekick negro retirado da obra provavelmente devido às críticas que recebeu sob alegação de racismo. Nesta obra, Alan Moore retoma com Dave Gibbons a parceria interrompida desde o lançamento de Watchmen e divide quatro histórias com o artista. Destacam-se as duas primeiras: A Refeição Mais Importante, que reprisa a origem do personagem, e Força dos Braços, que faz um diálogo metalinguístico com o Spirit do passado, além de Ontem à Noite Eu Sonhei com o Doutor Cobra, uma história hermética que mostra o herói em um futuro apocalíptico lidando com os monstros do passado – e novamente autor e criatura dialogando com as memórias extratexto. Ressalta-se também O Retorno de Estola de Vison, escrita por Neil Gaiman e ilustrada por Eddie Campbell. Na trama, um roteirista se hospeda em um hotel, presencia o mascarado em uma missão à procura de uma criminosa femme fatale, e se espanta com a realidade, tão inacreditável quanto uma cena escrita para o cinema.

    A homenagem se estende a cada balão de diálogo e em cada traço da edição, supervisionada pelo próprio Eister, que deu à época toda a liberdade para os artistas recriarem o personagem ao seu modo. Todas desenhadas em cores, as tramas diferem das de Eisner por terem cada uma um olhar gráfico próprio do artista e roteirista responsável e, portanto, sem a visão cinematográfica – e única – dos traços de seu criador. Porém, todos os desenhos evocam a dualidade dos traços realísticos, e ao mesmo tempo atrapalhados, que fizeram de The Spirit uma obra ímpar na história dos quadrinhos.

    Como homenagem, The Spirit – As Novas Aventuras trouxe um novo alento para o personagem, que por tantos anos sofreu apenas relançamentos e reimpressões – no Brasil as histórias assinadas por Eisner necessitam de reedição. Com um time de peso, a obra consegue impor qualidade e nostalgia em uma bela edição, que deu a oportunidade para muitos fãs de quadrinhos conhecerem melhor este grande personagem.

    Texto de autoria de Karina Audi.

    The Spirit - Novas Aventuras - Devir

  • Crítica | A Segunda Esposa

    Crítica | A Segunda Esposa

    A Segunda Esposa

    Chegando no Brasil com quatro anos de atraso, A Segunda Esposa torna possível a discussão de diversos temas atuais pela Turquia moderna: a constante aproximação com o progressismo da Europa e as suas raízes orientais ortodoxas e conservadoras.

    Uma jovem turca de 19 anos de um vilarejo no interior se casa com o filho de um casal, mas secretamente se torna a segunda esposa do pai, já que eles se mudam para Viena. Até que ele morre e ela fica perdida no seio daquela família.

    O roteiro do diretor austríaco de origem turca Umut Dag em parceria com Petra Ladinigg seguiu a tradição do cinema oriental e escolheu uma narrativa mais bruta por meio de muitas sequências com pouca ligação. A confusão de informações tornou o filme ainda mais interessante e serviu para a premissa, pois o conflito dos temas deixa os turcos muito confusos. Como se modernizar como sociedade ao se aproximar da Europa e manter seus valores árabes conservadores?

    Neste sentido, a protagonista Ayse, a tal segunda esposa, tem um papel fundamental na discussão, já que todos os conflitos do filme passam por ela. Uma mulher, que foi vendida pela própria família para se casar com um velho já casado com uma esposa doente, tenta se encontrar em dois mundos que ela pouco conhece, a grande Turquia, representada pela família que mora na cidade grande, e Viena, onde irão viver.

    A nova família não a aceita, e ela se sente deslocada deles e da cidade onde vive. Quando o marido morre e ela tenta se afeiçoar a Hasan, descobre que ele é gay, e tem outro envolvimento com o funcionário do supermercado que leva Fatma à loucura e à conclusão do filme. Curiosa é a relação de Fatma, a esposa doente, que acolhe Ayse com amor e afeto, para depois descobrirmos que só o que ela queria era a continuidade da própria família. Ayse se parece mais com uma roupa na máquina de lavar sendo jogada de um lado para o outro até se encontrar e impor a sua vontade perante quem a cerca.

    A direção de Umut Dag é interessante, mas poderia ter sido mais bem trabalhada em algumas cenas com os atores e ter refinado mais o enquadramento. O seu forte foi se guiar pelo roteiro e contar uma história interessante.

    As atuações não são a parte mais interessante do filme como em uma dramaturgia; elas são ofuscadas pelos temas levantados pelo roteiro. O elenco mediano, que poderia ter elevado o filme em qualidade, deixou a desejar. Begüm Akkaya está perdida como Ayse. O grande destaque é Nihal G. Koldas, que interpretou Fatma, a primeira esposa e guia de Ayse no meio daquela confusão, e Murathan Muslu, que viveu Hasan, seu suposto marido.

    A fotografia escura de Carsten Thiele e a edição bruta de Claudia Linzer não acrescentaram muito ao filme quanto deveriam. O departamento de arte também deixou a desejar, talvez pelo visível baixo orçamento da produção.

    A Segunda Esposa deve levantar interesse pelos temas e pela discussão em torno dos imigrantes no cenário mundial, associando a recente onda de imigração árabe atingindo a Europa.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Especial | Irmãos Coen

    Especial | Irmãos Coen

    Nascidos e criados no subúrbio de Minneapolis, no interior dos EUA, Joel e Ethan Coen são dois dos cineastas mais importantes das últimas décadas. Filhos de judeus e professores universitários, a temática judaica e a precisa irreverência sempre estiveram presentes em sua obra, juntamente com elementos difusos como uma violência muitas vezes brutal. Enquanto Joel estudou cinema, Ethan se formou em Filosofia, o que provavelmente contribuiu para alguns dos inúmeros dilemas morais que seus personagens passam em suas histórias.

    Com uma produção vasta, os Coen possuem vários filmes que poderiam ser citados como essenciais. O longa de estreia, Gosto de Sangue (1984), traz já alguns dos elementos que marcariam suas carreiras: o suspense, a tensão, a progressão lenta de eventos e o humor negro. Se em Arizona Nunca Mais eles soltam todo seu potencial humorístico em uma excelente comédia (com também excelente atuação de Nicolas Cage), Ajuste Final traz um filme de máfia compenetrado e focado, cuja única dúvida é por que esse filme não figura entre as principais obras do gênero.

    Barton Fink e Na Roda da Fortuna são produções tão díspares quanto interessantes, mas principalmente o fracasso comercial da última deixou a dupla sob a desconfiança da indústria, que logo se dissipou após três obras excelentes: Fargo e O Grande Lebowski, ambos com toques fortes de comédia, mas que não conseguem se encaixar apenas neste gênero. E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? Também aposta nesse caminho. A adaptação da Odisseia de Homero se passando na época da Grande Depressão garante outra grande experiência dento do universo conhecido dos diretores: a cultura sulista norte-americana.

    Se o esmero técnico ainda brilha em O Homem Que Não Estava Lá mesmo com uma história não envolvente, não se pode dizer na comédia romântica de folhetim O Amor Custa Caro (que justiça seja feita, não era roteiro deles) e no considerado pior filme da dupla, o remake Matadores de Velhinhas. Ambos dispensáveis e muito aquém da qualidade que já os vimos produzir.

    Porém, todo o talento da dupla é escancarado e reconhecido com Onde os Fracos Não Têm Vez, um suspense de perseguição de tirar o fôlego situado em uma época de perda de inocência e sobre a fragilidade do homem. A comédia volta ao centro de suas atenções com a escrachada sátira de espionagem Queime Depois de Ler e o excelente, meio amargo e judaico Um Homem Sério. Esse último, uma imersão essencial nesse caldo cultural tão rico quanto complexo.

    A adaptação do romance western Bravura Indômita garante um espetáculo visual e uma história sobre o oeste americano como poucos filmes recentemente fizeram. O mesmo faz Inside Llewyn Davis com o começo do declínio dos beatniks e de um fracassado cantor folk dos EUA. Já mais recentemente, o roteiro de Ponte dos Espiões garante uma boa história e bons diálogos nas mãos de Spielberg. Já o engraçadinho, porém decepcionante, Ave, César! apesar de tirar esboços de risadas do espectador, não traz a graça do talento à altura dos diretores.

    Sendo assim, os Coen estão consolidados como excelentes autores. Suas principais características, o humor negro refinado, o uso excessivo, porém pontual, da violência enquanto recurso narrativo, e a delimitação de personagens e locais com características marcantes, como sotaques e figurinos exagerados, garantem um toque visual e artístico completo e único em suas obras. A fotografia de um grande parceiro da dupla, Roger Deakins, também ajuda muito a compor todo o espetáculo visual a que propõem. Sem dúvida é uma filmografia a ser apreciada e essencial para se entender não só o cinema moderno e americano, mas a arte como um todo.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

    Filmografia (Diretor)

    (1984) Gosto de Sangue
    (1987) Arizona Nunca Mais
    (1990) Ajuste Final
    (1991) Barton Fink: Delírios de Hollywood
    (1994) Na Roda da Fortuna
    (1996) Fargo
    (1998) O Grande Lebowski
    (2000) E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?
    (2001) O Homem que Não Estava Lá
    (2003) O Amor Custa Caro
    (2004) Matadores de Velhinhas
    (2007) Onde os Fracos não Têm Vez
    (2008) Queime Depois de Ler
    (2009) Um Homem Sério
    (2010) Bravura Indômita (Crítica 2)
    (2013) Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum
    (2016) Ave, César!
    (2018) A Balada de Buster Scruggs

    (Roteirista)

    (2012) 0 Golpe Perfeito
    (2014) Invencível

    (2015) Ponte dos Espiões

    (Produtor)

    (2014) Fargo – 1ª Temporada
    (2015) Fargo – 2ª Temporada

    Artigos

    Filmografia Comentada Parte 1 – Por Douglas Olive
    Filmografia Comentada Parte 2 – Por Douglas Olive

    Atualizado até dia 20/01/2019.
  • Crítica | Ponto Zero

    Crítica | Ponto Zero

    Ponto Zero

    À primeira vista, contar a história de um jovem que sofre bullying multilateral – escola, família e amigos – pode parecer uma tecla já martelada diversas vezes no cinema, mas Ponto Zero traz, talvez, uma das leituras mais interessantes para esta temática e contextualiza muito bem uma Porto Alegre não tão feliz quanto o nome da cidade sugere.

    Acompanhar a rotina do jovem protagonista Ênio é uma tarefa quase que integralmente sufocante. Se na escola o bullying é seu principal rival, em casa o adolescente enfrenta ainda problemas com um pai ausente e potencialmente agressivo e os reflexos que esse comportamento gera na mãe, seja numa projeção dos problemas conjugais para o filho, seja numa espécie de alienação parental que coloca o jovem e o pai em rota de colisão, ainda que com uma postura sempre passiva do garoto.

    Dirigido por José Pedro Goulart, o longa conecta o espectador com um surrealismo pouco frequente nas produções made in Brazil. Em diversos momentos, os recursos adotados lembram nuances de David Lynch, como na cena em que céu e solo trocam de lugar, o que nos remete à confusão presente na mente do rapaz naquele momento.

    Ênio é basicamente invisível, os coadjuvantes dominam mais de 90% das falas presentes no roteiro. Trabalho dobrado para o ainda pouco experiente ator Sandro Aliprandini que precisou abusar de sua interpretação facial e corporal para traçar os contornos de um protagonista complexo e ao mesmo tempo tão simples que quase não é notado. Essa característica da personagem fica bem clara na cena em que o menino passeia de bicicleta pela casa, pela sala de aula e pela cidade sem que ninguém o repare, sem que as pessoas presentes em cena notem a sua existência.

    Um dos trunfos da produção é a trilha sonora, que pode ser sentida quase que desenhando e conduzindo a trama. O recurso, além de ocupar bem seu espaço mais que necessário num filme onde sobram silêncios, ainda cumpre um papel de contexto aplicando um tom ainda mais claustrofóbico para as cenas.

    A direção é bastante assertiva. O realizador fez uso de técnicas pouco convencionais para que o filme soasse o mais natural possível. Atores e parte da figuração só tiveram acesso ao roteiro poucos minutos antes de gravarem cada cena, o que confere maior naturalidade ao projeto. Uma atitude ousada, mas que pode ser encarada como um grande acerto diante do resultado.

    O maior problema no filme é algo já clássico de longas-metragens que possuem caráter surrealístico: o tempo psicológico. Algumas sequências poderiam ser inteiramente deletadas do corte final sem que houvesse perda significativa na compreensão do todo. O tempo de filme, apesar de bastante curto – cerca de 90 minutos – é pesadamente sentido em decorrência de seu estilo. Ainda assim, Ponto Zero é uma produção bastante competente, e Goulart um diretor promissor.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Allan Goldman, Chiaroscuro Studios e a desconexão com a realidade

    Allan Goldman, Chiaroscuro Studios e a desconexão com a realidade

    A Agência Chiaroscuro Studios publicou esta semana uma declaração repudiando a posição do cartunista Allan Goldman, que através do estúdio presta serviços como freelancer para a DC Comics.

    Allan, que chegou a produzir Jovens Titãs e Superman, tem posicionamentos políticos bastante claros e fáceis de identificar mesmo em uma visita rápida vista ao seu perfil no Facebook, sendo a desconstrução da esquerda política sua aparente e principal motivação. Porém, diante do caso da moça de 16 anos vítima de um estupro coletivo na última semana, ele escreveu a seguinte postagem:

    yETG5aMHdOY

    A postagem que estava disponível até pouco tempo, hoje está indisponível ao público. Por não fazer muito sentido, é um tanto complicado entender o seu real posicionamento. Ou ele acha que mulheres e transexuais são sub-cobradas por seus crimes e os homens demasiadamente cobrados, ou acha que é impossível que mulheres estuprem, talvez relacionando o estupro ao sexo e não com a violência de se violar o corpo de alguém. Ambas prováveis abordagens problemáticas.

    Diante da repercussão do caso a Chiaroscuro Studios, que produz também a Comic Con Experience junto ao Omelete, publicou a seguinte nota:

    Capturar

    O estúdio recebeu apoio da maioria do público, com aproximadamente 8 mil “curtidas” e “amei” e apenas sinais de menos de 250 desaprovações na rede social até o momento em que esta matéria era escrita, apesar de notarmos uma organização de usuários para realizar manifestações pontuais na página da agência utilizando imagens de Jair Bolsonaro, mensagens de “Eu Luto pelo Fim do Feminismo” ou mesmo os chamando de intolerantes.

    A insensibilidade e falta de senso de proporção de Allan é notável, e isso em nada tem relação com seu viés político-institucional, mas sim com sua política diária, esta que é pessoal de cada um e que trata de como nos posicionamos em relação ao mundo.

    Ocorreu um crime que claramente mexe com ânimos e que tem sua seriedade intrínseca, porém ele escolheu tratar o assunto com deboche em cima, e regozijo em estar supostamente apontando o dedo em alguma hipocrisia. Isso o torna uma pessoa insensível, egoísta, infantil e que não entende bem os conceitos que ataca (questões de gênero são do âmbito científico, não político).

    Apesar disso tudo, as declarações dele não me parecem criminosas. Veja, mesmo não sendo criminosas, não significa que não serão contestadas pela sociedade. Podem e devem, e viver em sociedade é isso.

    As pessoas estão certas em se opor?

    Sim. Senso de ocasião é relacionado com o que se chama de mentalização, neurônios espelhos ligam observação e ação, e tanto nos permitem bocejar quando vemos alguém bocejar também, quanto compreender o que dizer e quando dizer. Senso que não nos permite rir de uma piada muito engraçada em um velório qualquer. É preciso ler o momento para identificar a abordagem. As pessoas sempre escolhem no lugar de quem irá se colocar e a desaprovação social está presente em todas nossas ações, e por estarem mais expostas devido as redes sociais ao colocar qualquer argumento para o público, estamos sujeitos à sua aprovação ou desaprovação.

    Demais artistas representados pelo estúdio também se posicionaram. Eddy Barrows criticou a agência por ter dado vazão pública ao rompimento, já Cris Bolson, José Aguiar e outros artistas apoiaram publicamente a decisão.

    Uma empresa está certa em demitir um funcionário por suas opiniões políticas?

    Novamente é preciso identificar que a posição político-ideológica não deve ser confundida com sua política pessoal, aquela do dia a dia. Não é aceitável demitir alguém por conta de quem a pessoa vota nas urnas. Isso seria aproveitar-se de uma hierarquia ou relação de necessidade para suprimir o pensamento do outro. A exceção ficaria para o caso de uma defesa claramente criminosa, que possam ferir a integridade física e moral de outras pessoas ou firam os direitos humanos. Embora seja possível defender que o deboche é parte de um comportamento que vê a violência como menos relevante e portanto à propaga, não há um incentivo claro à prática de violência.

    Allan Goldman não perdeu o emprego

    Veja, ele não é um empregado em que se tem uma relação de hierarquia, tão pouco a quebra foi devido seu posicionamento político-partidário, já que ele tem este posicionamento há anos, nunca deixou de demonstrar isso e mantinha suas atividades via a agência.

    A Chiaroscuro agencia e representa não só Allan, como diversos outros artistas, em uma relação de simetria. Na prática, é a Chiaroscuro Studios que trabalha para o quadrinista.

    É preciso supor que o contrato entre ele e o estúdio deva ser um contrato entre duas empresas, algo bem comum neste ramo. A finalização de um contrato é a finalização de uma relação comercial devido uma das empresas promover valores éticos diferentes daqueles pregados pela outra parte, tal como ocorreu com a quebra de contrato de patrocínio da Nike com o boxeador Manny Pacquiao que não teve suas declarações homofóbicas endossadas pela Nike, que buscou dissociação de seu nome com o atleta. Se uma empresa representa outra empresa deve haver alinhamento de valores, mesmo que esses valores sejam direcionamentos de marketing.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Review | Erased (Boku Dake Ga Inai Machi)

    Review | Erased (Boku Dake Ga Inai Machi)

    Boku dake ga Inai Machi PosterEm todas as temporadas do ano, diversos são os títulos de animações japonesas que são lançados simultaneamente. As novidades são tantas que às vezes é difícil decidir o que ver ou não, mas geralmente somos surpreendidos com algumas obras peculiares e impressionantes que podem passar desapercebidas em um primeiro momento, mas que demonstram ser verdadeiras obras primas. Este é o caso de Erased (Boku Dake Ga Inai Machi no original em japonês), animação do estúdio A-1 Pictures e dirigida por Tomohiko Ito, adaptado da obra homônima de Kei Sanbe.

    Satoru Fujinuma é um adulto de 28 anos que fracassou em sua vida em perseguir seu sonho em ser um mangaka e acabou por se tornar um mero entregador de pizza. Apesar de parecer mais um adulto ordinário, Satoru possui uma pequena particularidade: o poder de involuntariamente voltar uma pequena fração de minutos no tempo sempre que algo ruim acontece. Apesar de não controlar esse poder, Satoru sabe de sua existência e sempre que ocorre, tenta observar à sua volta o incidente que ele pode ajudar a evitar e, geralmente, é bem-sucedido. Isso até o fatídico dia em que uma morte plantada para incriminá-lo o faz voltar involuntariamente no tempo para a época em que possuía 11 anos de idade. Sem compreender como foi possível ter voltado tantos anos no tempo, Satoru se vê novamente protagonista de um período de sua vida em que colegas de sua escola foram vítimas de um assassino serial, sentindo-se, dessa forma, compelido a mudar o curso da história e evitar os assassinatos.

    A primeira coisa a se dizer de Erased é de que se trata de uma animação atípica, pois trata com sobriedade de temas bastante sérios: assassinatos, violência infantil e abusos. Ao contrário da maioria das animações japonesas, as quais utilizam recorrentemente de alívios cômicos para compor suas tramas (característica típica de animes tradicionalmente), Erased abraça a sobriedade e a melancolia.

    Somos transportados juntos de Satoru, um adulto no corpo de uma criança de 11 anos, que se vê compelido a salvar outras crianças que em uma linha temporal haviam sido assassinadas por um desconhecido homicida. Diga-se de passagem, esse é um dos grandes méritos dessa obra, uma vez que, diferente de grandes histórias policiais com grandes investigadores, temos uma criança de 11 anos com a mentalidade de um adulto fracassado de 28 anos tentando fazer uma investigação. Isso colabora com a construção da tensão da trama ao longo dos episódios de uma forma satisfatória.

    Erased é uma excelente história sobre viagem no tempo, com todas as diversas consequências e implicações que todo fã de ficção adora no gênero. Porém, muito mais do que isso, trata-se de uma história de relações humanas, de amadurecimento e dos pequenos atos que podem mudar a vida das pessoas para melhor. Acompanhado de uma animação muito bem trabalhada e de uma trilha sonora melancólica que permeia a atmosfera do anime durante toda sua duração, Erased é imperdível não apenas para fãs de animações japonesas, mas para todo o público geral minimamente curioso em assistir diferentes obras de qualidade.

    Contando com 12 episódios, Erased pode ser visto diretamente no site Crunchyroll, com legendas em português e qualidade Full HD.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Adeus, Lenin!

    Crítica | Adeus, Lenin!

    1_zoomResponsável por liderar a safra recente de filmes alemães como Barbara e A Vida dos Outros, que se propuseram a revisitar o passado da ocupação soviética, Adeus, Lenin! se tornou uma grata surpresa pela originalidade da história em um filme que reverencia o próprio cinema.

    A mãe socialista de dois jovens alemães orientais entra em coma meses antes do Muro de Berlim cair e o país se reunificar, e quando acorda seu filho faz de tudo para protegê-la do choque criando uma nova realidade.

    O bom roteiro do diretor Wolgand Becker em parcecia com Bernd Lichtenberg, Achim von Borries, Hendrik Handloegten e Christoph Silber tem como premissa discutir a diegese do próprio cinema de ficção através de uma fábula sobre o tempo. A narrativa precisou encontrar um tom levemente fantástico para que fosse possível construir situações pouco realistas e chegar em uma das duas grandes discussões que o filme se propõe.

    Da mesma forma que nós espectadores só aceitamos entrar em um universo irreal onde pessoas se passam por outras se certos elementos forem verossímeis, o mesmo vale para a mãe de Alex. Para que ela aceite a nova realidade proposta pelo filho, ele tem de criar diversos elementos que façam com que seja verossímil, entre eles a produção de programas de TV, emular embalagens de produtos que não existem mais e etc.

    O tempo é a outra grande discussão do roteiro, e ela surge nas vezes em que a mãe entra em choque com a realidade quebrando a proposta por Alex, forçando soluções narrativas interessantes, como nos casos em que ela saía do quarto com o símbolo da Coca-Cola à vista. Esse embate trazem à tona os motivos nobres de Alex: a princípio seus atos se revelam pensando em preservar a mãe de ter um novo ataque cardíaco, mas através da grande revelação no terceiro ato, quem sempre esteve preso ao passado e não aceita as novas transformações do mundo é ele.

    Por último, o revisionismo histórico sobre o trauma soviético a que o filme se propõe é essencial e reabriu as discussões sobre a outra grande ferida no passado alemão. Apesar de ser uma comédia, o roteiro abraça os problemas tanto da ocupação soviética sob o governo socialista, que cerceava os direitos humanos e dava poucas opções de liberdade e consumo, quanto da mudança radical para o capitalismo, que aumentou o desemprego de funcionários e causou o fechamento de lojas.

    A direção de Wolfgang Becker é sólida e mantém o clima de comédia o filme todo, levemente alternando com o drama quando da necessidade do roteiro. Os leves toques de fantasia nas sequências em que Alex produz a nova realidade para a mãe são o ponto alto do filme, junto com a direção de atores.

    O ótimo Daniel Brühl foi a grande revelação na época interpretando o jovem Alex; Katrin Sass como a mãe, e as participações menores de Maria Simon, sendo a irmã Ariane e Chulpan Khamatova o seu interesse amoroso, Lara, trouxeram qualidade à obra.

    A fotografia de Martin Kukula é levemente fantasiosa e abusa do marrom e principalmente de tons secos que remetem ao passado. A edição de Peter R. Adam mantém o bom ritmo e as duas horas passam sem serem percebidas. Por ser um filme de época, o departamento de arte se destaca bastante graças ao ótimo trabalho de Matthias Klemme como supervisor, no desenho de produção de Lothar Holler, e dos figurinos de Aenne Plaumann.

    Adeus, Lenin! é um dos filmes que se tornou referência nos anos 2000 e traz tantas discussões relevantes que transforma seu tema universal e atemporal.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Amor por Direito

    Crítica | Amor por Direito

    010220161609161Coincidência ou não, Amor Por Direito estreou no final de 2015, alguns meses depois da Suprema Corte dos Estados Unidos aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que só ajudou a reforçar a importância da discussão do tema de direitos civis.

    Após a descoberta de um câncer terminal, uma detetive da polícia de Nova Jersey e sua companheira registrada por união civil lutam para estender o direito da pensão após a sua morte à sua parceira.

    O roteiro bem estruturado do competente Ron Nyswaner, o mesmo de Filadélfia, se baseia no documentário de mesmo nome lançado em 2007 e que ganhou Oscar de curta-metragem. Toda a trajetória de Laurel e Stacie é muito bem conduzida ao longo do roteiro, a evolução das protagonistas é bem desenvolvida. Laurel inicia como uma mulher que esconde a sua sexualidade dos colegas do trabalho e termina como uma defensora do casamento igualitário, ao passo que Stacie vai de destemida porém retraída e acaba como uma mulher forte que aprendeu a lidar com a perda.

    Outro acerto de Nyswaner é trazer a importante discussão da luta de direitos igualitários para os dias atuais e assim levantar perguntas pertinentes. Por que a esposa de uma profissional competente não pode ter o seu direito reconhecido? A crença dos políticos deve se sobrepor aos direitos individuais? Até aonde a vontade da maioria pode prevalecer em detrimento a direitos?

    Porém, o roteiro apresenta alguns problemas. A já dramática batalha de Laurel Hester e Stacie Andree acabou ganhando um maniqueísmo desnecessário com o melodrama. Seria mais interessante trocar os vilões rasos que pouco acrescentam por personagens humanizados para justamente mostrar o absurdo que é a homofobia. O preconceito contra gays é praticado por pessoas comuns, amorosas, com falhas e não somente por vilões caricatos. O que poderia ser um grande filme político universal como o já citado Filadélfia (1993), de Jonathan Demme, Milk (2008), de Gus Van Sant, e Carol (2015), de Todd Haynes, acaba sendo um filme com questões importantes, porém limitado a uma militância que deseja catarse acima de tudo.

    A direção de Peter Sollett é sólida e o seu forte é a direção de atores, ainda mais quando dirige as duas protagonistas. Porém, ele peca ao apelar para a canastrice nas situações maniqueístas em os personagens se inserem. A composição dos enquadramentos nas cenas da praia também são o outro ponto alto.

    A atuação de Julianne Moore é de longe o melhor elemento de Amor por Direito, a evolução da personagem é bem pontuada pela atriz ao longo da narrativa, e do meio para o final do filme quando ela fica doente só reforça seu ótimo trabalho. Ellen Page como Stacie só mostrou a boa atriz que é, contribuindo para a sua versatilidade, e destaque ainda para Steve Carell que interpreta o alívio cômico Steve.

    A boa fotografia de Maryse Alberti é naturalista boa parte da obra, se permitindo um tom onírico nas belas cenas da praia e da sequencia final. A edição de Andrew Mondshein é invisível e cadenciada, mantendo o filme em um bom ritmo, se destacando igualmente nas cenas da praia e no final.

    A boa direção de arte de Patrice Andrew Davidson teve a ajuda do cenário de Joanne Ling, a cenografia de Jane Musky e o figurino de Stacey Battat, além da ótima maquiagem feita por um ótimo time que lembrou a transformação de Tom Hanks em Filadélfia.

    Amor por Direito é daqueles filmes importantes e que merecem ser assistidos mais pela importante história e os temas que levanta do que pela dramaturgia que apresenta.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Review | The Flash – 2ª Temporada

    Review | The Flash – 2ª Temporada

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    A boa primeira temporada de The Flash impôs aos produtores do canal CW o desafio de superar as expectativas ou, ao menos, manter o mesmo nível na segunda temporada, que começou morna e foi lapidada durante o desenvolvimento da série, para a alegria dos fãs. A segunda parte da história de Barry Allen (Grant Gustin) foi no mínimo ousada, uma vez que resolveu entrar de vez na ficção científica e na física teórica, sem medo de causar uma confusão no telespectador. Aqui pudemos nos aprofundar nas teorias do multiverso (bastante conhecido e usado pela DC Comics), além de outros temas bastante intrincados como teorias de força de aceleração e alterações do espaço-tempo e suas linhas temporais alternativas. Podemos dizer que, além das boas subtramas que praticamente todos os personagens estavam envolvidos, foram esses os assuntos principais dessa temporada.

    E não é por menos.

    Por conta dos adventos ocorridos no season finale da temporada anterior, o Flash, por ter salvado Central City de um colapso, participa do seu primeiro Flash Day quando é atacado pelo Esmaga Átomo. Porém, quando Cisco Ramon (Carlos Valdes) e Caitlin Snow (Danielle Panabaker), cientistas do S.T.A.R Labs, descobrem a identidade do vilão, percebem que ele já havia sido morto há um bom tempo. É quando temos o primeiro contato com Jay Garrick (Teddy Sears), um velho conhecido dos quadrinhos. Garrick, que também é um velocista, alega estar preso nessa Terra há alguns meses depois de ser sugado por um buraco negro aberto na sua versão de Central City enquanto lutava com seu mais poderoso inimigo, o velocista Zoom (voz de Tony Todd). Todos chegam à conclusão que tal buraco é o mesmo do final da temporada anterior que serviu de portal entre as Terras. Não demora muito para perceberem que a chuva de vilões meta-humanos dali para frente com o único objetivo de capturar o Flash estão sob o comando do demoníaco Zoom. Com a ausência do Flash da Terra 2, Zoom conquistou aquela Central City. Desses vilões, devemos destacar o Tubarão Rei, que, assim como o gorila Grodd, foi feito completamente num convincente CGI. Vale destacar que na primeira aparição do gigante monstro, Flash é salvo pelo Dr. Harrison Wells (Tom Cavanagh) da Terra 2 que decide capturar os meta-humanos e derrotar Zoom para salvar sua filha Jesse (Violett Beane). Foi formada, portanto, a premissa principal de toda a temporada. Cabe ressaltar a performance de Cavanagh, o melhor ator disparado do elenco.

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    Como dito anteriormente, todos os personagens tiveram seus arcos e subtramas bem desenvolvidos. No caso da família West, Joe (Jesse L. Martin) e Iris (Candice Patton) são surpreendidos por Francine West (Wanessa Williams), esposa de Joe e mãe de Iris que acreditava estar morta. Francine, arrependida de seu passado regado a bebidas e drogas, pede uma segunda chance a Joe para que possa conviver um pouco com sua filha, uma vez que possui uma doença incurável e está há poucas semanas da morte. Ela também traz consigo outro conhecido dos fãs, Wally West (Keyinan Lonsdale), o filho cujo detetive Joe jamais soube de sua existência. Tal acontecimento imprime ao núcleo familiar uma dinâmica interessante, haja vista que, mesmo sendo pai e filho, são duas pessoas que não se conheciam. Importante mencionar que Joe virou o detetive chefe da subdivisão criada especialmente para cuidar da atividade meta-humana na cidade por causa de sua parceria com o S.T.A.R Labs. A primeira agente a se inscrever ao programa é a jovem Patty Spivot (Shantel VanSanten), uma ótima personagem, durona, com um potencial enorme, mas que foi, de certa forma, mal aproveitada, uma vez que serviu apenas para ser interesse amoroso de Barry Allen.

    Cisco e Caitlin Snow, juntamente com o Dr. Wells, aqui abreviado de Harrison para Harry, continuam a ajudar Joe e Barry. Porém, Cisco, por conta da explosão do acelerador de partículas logo no início da primeira temporada, adquiriu poderes que só agora começa a controlá-los, o que traz uma dinâmica interessante, uma vez que o jovem cientista, muitas vezes, foi primordial para a solução de algum impasse durante a temporada. Já Caitlin, a personagem mais fraca de toda a série, teve momentos de protagonismo, já que conhecemos a sua versão diabólica da Terra 2, a Nevasca.

    Além da trama principal, tivemos alguns outros bons momentos, como o retorno do gorila Grodd, Capitão Frio (Wentworth Miller) e do Trapaceiro (Mark Hamill) e da estreia da personagem Kendra Saunders (Ciara Renee) desde o começo da temporada. Sua aparição na série foi para dar origem ao crossover com Arrow e Legends Of Tomorrow. Desta vez, podemos dizer que a reunião dos heróis foi completa, uma vez que Vandal Savage (Casper Crump) tenta assassinar Saunders, a Mulher-Gavião, o que obriga o “Team Flash” a pedir ajuda ao Arqueiro Verde e sua equipe, desta vez contando com todos os personagens das duas séries mais o Gavião-Negro (Falk Hentschel). Esse episódio serviu como aquecimento para a já citada série Legends Of Tomorrow.

    Os crossovers com Arrow não pararam por aí. Ainda tivemos um episódio com o Tubarão Rei, no qual a equipe do S.T.A.R Labs conta com a ajuda da A.R.G.U.S, mais precisamente de John Diggle (David Ramsey) e Lyla Michaels (Audrey Marie Anderson), além de produzir a aparição vilanesca de Laurel Lance (Katie Cassidy) em sua versão da Terra 2 para a Canário Negro, aqui chamada de Dark Siren, cujos poderes são exatamente como nos quadrinhos. E ainda tivemos a viagem sem querer de Flash à Terra 3 para fazer uma participação especial na série da Supergirl que agora passará a ser produzida pela CW.

    No decorrer dos episódios, podemos perceber que a trama principal é severamente mais séria e urgente e a história passa a se centrar nas motivações de Zoom, que quer a todo custo a velocidade do Flash, e na identidade do “homem da máscara de ferro” preso em seu covil. Isso entrega ao telespectador e, principalmente ao fã um final de temporada emocionante e ao mesmo tempo chocante, que chega a fazer um link com o antigo seriado do Flash nos anos 90, estrelado por John Wesley Ship que faz Henry, o pai de Barry Allen, englobando ainda mais a teoria do multiverso. Não só pelo que aconteceu, mas também pelo que está por vir por conta da última atitude de Barry Allen nessa temporada, abrindo um leque enorme de opções e caminhos a seguir daqui para frente, algo que pode dar muito certo ou muito errado. De qualquer forma, os produtores têm uma ótima oportunidade de consertar aquilo que deu errado na série. O ponto de ignição foi marcado.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Horas Decisivas

    Crítica | Horas Decisivas

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    Baseado no livro homônimo de Casey Sherman e Michael J. Tougias – com roteiro de Scott Silver e Paul Tamasy, e direção de Craig Gillespie – o filme conta a história, ocorrida em 1952, do naufrágio de dois petroleiros durante uma nevasca na costa de Cape Cod, Nova Inglaterra. Um barco de pequeno porte da Guarda Costeira consegue resgatar boa parte da tripulação de um deles, o SS Pendleton. O navio foi partido ao meio durante a tempestade, e a tripulação restante na metade que não submergiu luta para mantê-lo flutuando enquanto aguarda o resgate incerto.

    Uma vez que os oficiais do SS Pendleton estavam na parte que afundou, coube ao primeiro-engenheiro, Ray Sybert (Casey Affleck), a responsabilidade de orientar e comandar o restante da tripulação a fim de evitar o desastre iminente. Enquanto isso, no litoral de Massachussets, em Chatham, o oficial Daniel Cluff (Eric Bana) ordena que o capitão Bernie Webber (Chris Pine) organize uma operação de resgate apesar das condições adversas – por que não dizer? – suicidas.

    É uma temática que, mesmo sem saber qual estúdio produziu, seria fácil identificar como “filme Disney”. Há ali toda a ideologia de superação, de trabalho em equipe, de perseverança característicos das produções do estúdio. Os temas não são problema. O problema é a forma como são explorados no filme, do modo mais clichê possível, com frases de efeito que poderiam estar em para-choques de caminhão. E ainda há o agravante de que, por ser baseado em fatos reais, o espectador já começa a assisti-lo sabendo que os personagens terão sucesso e sobreviverão. Parte da tensão e do suspense já se vai aí.

    A narrativa alterna entre o navio prestes a afundar e Bernie com seus companheiros enfrentando o mar furioso em um barco diminuto. O que ocorre com a tripulação é extremamente tenso, com ótimas sequências de ação e momentos de suspense, contando com uma boa atuação de Affleck e dos demais, que conseguem manter o público interessado no futuro desses personagens. Por outro lado, Bernie é um personagem fraco, interpretado por um ator que carece de carisma, não conseguindo dar a Bernie a importância devida e, provavelmente por conta disso, incapaz de causar empatia com o público. Sem contar que o filme se inicia como se fosse uma história de romance água-com-açúcar, algo que talvez desencoraje muitos a continuar a vê-lo. E mesmo a única cena tensa na pequena embarcação – quando estão tentando ultrapassar os bancos de areia – perde força, pois já sabemos que eles conseguirão. Os roteiristas despenderam tempo mostrando as inúmeras tentativas de Bernie, enquanto poderiam ter optado por prolongar as cenas da tripulação do navio, onde realmente estava a tensão da narrativa.

    Não há dúvida de que os personagens são estereotipados. De um lado, Bernie, um oficial cujos companheiros não confiam e que não consegue impor respeito, principalmente por fazer tudo conforme as regras, mas que no final se redime ao tomar atitudes que garantem o resgate dos 32 tripulantes. De outro, Sybert, o engenheiro confinado à sala de máquinas do petroleiro, desprezado pelos demais e que acaba se tornando o herói relutante, por ser o único em condições de juntar a tripulação, já que era o único a ter ideia do que fazer para mantê-los vivos. A diferença é que Affleck dá a Sybert tridimensionalidade e torna-o um personagem que gera interesse do público. Enquanto que a atuação de Pine não muda de tom, mesmo depois de infringir as regras para efetuar o resgate ou após conseguir resgatar a todos.

    Ainda que visualmente o filme seja agradável, com a direção de fotografia de Javier Aguirresarobe – conhecido por seu trabalho em Os Outros -, o roteiro falha em manter o ritmo da narrativa, resultando em excessos que dão vontade de abandonar a história antes do desfecho. E se a fotografia é boa – exceto nas cenas românticas -, o mesmo não se pode dizer da trilha sonora que, excessiva, quer se fazer presente a qualquer custo, insistindo em conduzir os sentimentos do espectador.

    Longe de ser um épico, longe mesmo de ser memorável, é uma aventura Disney que enaltece o heroísmo e o espírito de equipe. Deixe-se assistir, apesar do romance mal encaixado e da falta de ritmo nas cenas do barco de resgate.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Espaço Além: Marina Abramovic e o Brasil

    Crítica | Espaço Além: Marina Abramovic e o Brasil

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    Nascida na Sérvia e famosa por suas intervenções artísticas altamente performáticas, a artista Marina Abramovic é despida diante do público no documentário do diretor Marco Del Fiol. Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil conta em detalhes a incursão da artista pelo país entre os anos de 2012 e 2015 e a maneira como as suas vivências em terras tupiniquins influenciaram diretamente sua espiritualidade e, consequentemente, seu trabalho, dando destaque para os rituais xamânicos, candomblecistas e de tantas outras vertentes religiosas que parecem conectar Marina com um “outro lugar”, onde encontra inspiração e direcionamento para a sua arte.

    Em alguns momentos, as imagens captadas chocam por sugerir dor, sofrimento e angústia. Mas não poderia ser diferente em se tratando de uma das mulheres mais famosas por reconhecer e traduzir o sublime através do doloroso. A sensação é de estar diante de uma grande exposição, passeando pela mente controversa da artista e sendo alvo das emoções que ela desperta.

    A escolha de roteiro ajuda muito a contar essa história, ainda que não haja muito o que contar. O contexto aqui é aberto e multidirecional. São imensos, coloridos e sinestésicos recortes de um Brasil amplo em nuances, significados e sentidos aliados à força do místico. É como se Marina se colocasse como um fio condutor entre o mundo tátil (real) e esse “outro lugar” trazido pelo oculto. A narração em primeira pessoa torna o filme mais digerível, ao passo que aproxima o público tomando-o pela mão e conduzindo o caminho. Não fosse essa a estratégia e muito provavelmente seria difícil quebrar a dureza de algumas sequências.

    Sem dúvidas, Espaço Além não se trata de um documentário de fácil aceitação do público, pois trabalha assuntos e abordagens muito incomuns para a maioria dos espectadores. É um filme de experimentações, de descobertas, de liberdade de pensamento e exercício criativo. Um prato cheio para aqueles mais próximos de uma sensibilidade artística. Talvez um dos melhores documentários-arte desde Pina, de 2011.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Resenha | Três Dedos: Um Escândalo Animado

    Resenha | Três Dedos: Um Escândalo Animado

    tres-dedos-capaUma das histórias em quadrinhos mais surpreendentes e interessantes que li nos últimos tempos: Três Dedos: Um Escândalo Animado, do autor Rich Koslowski, publicada no Brasil pela Gal Editora. Em Três Dedos a história é ambientada em uma realidade distópica na qual os “animados” (Mickey Mouse, Pernalonga, Patolino etc.) vivem na mesma sociedade que as pessoas, ou seja, eles existem de fato, não se tratam de criações ficcionais e, além disso, vivem no subúrbio dessa sociedade, são párias e excluídos dentro desse complexo e engraçado mundo. Até que Rickey Rat (isso mesmo, trata-se do nome verdadeiro de Mickey) se destaca e consegue sair da periferia e fazer grande sucesso em um mercado que pertencia unicamente às pessoas comuns, vamos dizer assim. E, após isso, ele abriu as portas para outros animados que também passaram a fazer parte do showbiz e tiveram uma valorização que nunca tinham conhecido até então.

    Mas a que custo? Esse é justamente o tema da HQ. Já na capa, a figura de Rickey, com um copo de tequila, um charuto na mão e um ambiente de decadência já mostra que a vida desses artistas animados não se tratou de um grande mar de rosas onde tudo deu certo. Aliás, há muitos segredos e muitas histórias mal contadas entre todos esses animados que fizeram sucesso, mas que, no momento em que a história se passa, estão velhos e decadentes. Alguns estão, inclusive, em sanatórios devido a graves danos cerebrais causados por sucessivas pancadas (quem já assistiu minimamente desenhos na vida é capaz de adivinhar quem seria esse). E a grande questão é investigar o que ficou conhecido como “o ritual”, que seria algo como uma ação necessária para os animados fazerem sucesso. Mais do que isso e eu poderia estragar o prazer de ler essa grande HQ.

    tres-dedos-1Em relação à narrativa há alguns elementos bastante interessantes. Em primeiro lugar, toda a história é contada como se fosse a gravação de um documentário. Assim, o narrador poderia ser considerado como o diretor que conduz a investigação e as entrevistas com os animados, os quais poderiam melhor elucidar sobre a questão do ritual. Com isso, o autor vai nos mostrando as “verdadeiras” personalidades de todas as figuras que nos acostumamos a ver com alegria e satisfação na TV. A ideia é mostrar a realidade por trás de personalidades famosas, como se descortinássemos a vida íntima de atores e atrizes que povoam filmes e novelas. Portanto, o autor criou um modelo fácil e bastante atraente para nos contar uma história, e que também difere da maioria das histórias em quadrinhos.

    Esta abordagem também faz com que o leitor tenha uma interação bastante interessante com a HQ, uma vez que você se sente como o próprio condutor do documentário e do gibi (para todos aqueles que não gostam dos termos gibi, revistinha ou outras formas que consideram depreciativas, e que por excesso de zelo preferem História em Quadrinhos ou terminologias mais rebuscadas, busquem se preocupar com coisas mais sérias). Quando uma personagem é entrevistada, não existem “balões” de pergunta, apenas a resposta do entrevistado, o que intensifica essa relação com a narrativa e, usando uma expressão da moda, a “quebra da quarta parede” (outro preciosismo dos dias de hoje).

    tres-dedos-2Sobre a arte é interessante notar o formato da HQ, widescreen, ou seja, mais alongado no comprimento do que na altura, contribuindo para a sensação de assistir a um documentário televisivo ou cinematográfico. Toda a arte é feita em preto e branco, o que confere um ar mais pesado e sério que cai muito bem com a proposta do gibi. Traz uma sensação mais sombria, que é fundamental para determinadas passagens da história contada naquelas páginas, já que algumas revelações não são tão alegres e festivas como os desenhos que acompanhávamos na TV.

    Sendo assim, fica a indicação de uma HQ que traz um tema bastante diferente e corrobora com a possibilidade de se utilizar o formato de história em quadrinhos para contar os mais variados tipos de histórias e temas. Essa HQ prova que não somente heróis e super seres compõem o universo dos quadrinhos. Enfim, se quiser investir em algo diferente, mas de grande qualidade, não pense duas vezes: corra atrás de Três Dedos: Um Escândalo Animado.

    Texto de Autoria de Douglas Biagio Puglia.