Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Rocky III: O Desafio Supremo

    Crítica | Rocky III: O Desafio Supremo

    Rocky III - blu ray
    Dando continuidade ao arco do amado, querido e agora verdadeiramente ídolo de uma cidade, o pugilista Rocky Balboa começa a enfrentar conflitos pessoas e profissionais. Após as lutas com Apollo e com o lutador de luta livre Thunderlips (Hulk Hogan), em um evento beneficente, Rocky deseja se aposentar.

    No entanto, é desafiado por Clubber Lang, interpretado por Mr.T, um lutador agressivo e desmoralizante, que se torna o maior desafio na carreira de Rocky, até então. Consequentemente, Rocky está afetado pela fama e pelo sucesso recorrente, o que determina sua “aparente” falta de comprometimento aos treinos, acarretando na derrota pra Clubber e na perda do cinturão dos pesos-pesados.

    Nesta continuidade de filmes mais sérios, a terceira parte caminha para uma perspectiva mais sábia. As cenas de lutas permanecem agressivas e ferozes, não havendo passividade e defesa. Além, claro, do triste acontecimento que ocorre após a luta, perturbando Rocky.

    Sylvester Stallone, como sempre, emprega muito carisma e personalidade a seu icônico personagem. A química com Carl Weathers apresenta uma nova interface, desta vez como aliados e iniciando uma reformulação em conjunto. O segundo e terceiro atos são basicamente construídos por seus diálogos e cenas de sabedoria.

    A direção é mais elétrica, se mostrando até um pouco acelerada em alguns momentos, mas sem atrapalhar a montagem das cenas. O uso de uma trilha sonora mais sortida, além da clássica Eye of the Tiger deixa as cenas mais vivas.  O roteiro até mesmo explora o racismo e outras vertentes sociais, mas sem tendenciar, por exemplo, Paulie como preconceituoso maléfico.

    Rocky III é um ótimo serviço de manutenção e glorificação do personagem principal. A partir deste filme, que ele começa a aprender e adquirir uma filosofia que o leva consigo, ensinando outros personagens, e principalmente seu filho, em Rocky Balboa.

    Texto de autoria de Adolfo Molina Neto

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  • Resenha | O Demonologista – Andrew Pyper

    Resenha | O Demonologista – Andrew Pyper

    O demonologista – Andrew Pyper

    O primeiro destaque que chama a atenção em O Demonologista foi o design do livro. A editora Darkside Books teve um cuidado absurdo em sua apresentação: a capa que simula uma encadernação artesanal que sofreu a exposição ao tempo, as folhas de rosto e páginas de ilustração, tudo aquilo me encheu os olhos no primeiro contato e foi se tornando melhor a partir do momento em que percebi que havia um diálogo estreito com a história a ser contada. Na trama de Andrew Pyper, O protagonista David Ullman denomina a si mesmo como o homem dos livros velhos. Especialista em mitologia cristã, ele leciona literatura na Universidade de Colúmbia e passa horas debruçado sobre O Paraíso Perdido de John Milton.

    Logo de início fica evidente que o momento em que se passa a história não é um recorte qualquer de sua vida, mas simplesmente a pior crise que já enfrentou. Dono de uma natureza inegavelmente prática, David tem que enfrentar a ruína de seu casamento, as dificuldades em relação à filha adolescente e a morte iminente de sua melhor amiga. A personagem não se sente confortável na própria pele. Um cético que se entrega a encontrar a lógica em narrativas de fé, um homem prático defendendo ideários românticos, alguém amargurado e deprimido que não quer aceitar a derrota em seus relacionamentos mais significativos.

    O terror intensamente presente no livro é representado enfocando um homem que perde tudo o que lhe é caro, inclusive sua mente, do que na figuras de demônios capazes das maiores proezas. Nem por um segundo acreditei que o protagonista estivesse mesmo em contato com estas forças ocultas, e me perguntei várias vezes se essa leitura da obra se devesse apenas por eu ser extremamente cética. De qualquer forma, a sutileza de Pyper parece privilegiar essa interpretação mais realista da história de Ulmman, o demonologista do título.

    Mas não se engane: dizer que o autor é sutil não significa que você não vá temer e ter calafrios. Embora não tenha desenvolvido medo repentino dos caminhos escuros, os recônditos de minha mente nunca me pareceram tão assustadores. Com a elegância de um musicista, o autor faz de cada capítulo mais sombrio e perturbador, explorando os medos mais elementares: ser traído, ficar sozinho, não conseguir se conectar com quem lhe é caro, perder as mais duras convicções. Os terrores diante da inevitabilidade da morte, da ameaça constante da loucura, da força inesperada de uma decepção, são dignos demônios que fazem dessa narrativa tão impactante. Outro diferencial da narrativa são os momentos de grande emoção. Foi uma surpresa me conectar tanto com os personagens de uma narrativa de terror a ponto de chorar com eles constantemente.

    Apesar de O Demonologista ser o primeiro livro publicado no Brasil, Pyper já lançou seis livros, entre eles o aclamado Lost Girls (1999), vencedor do Arthur Ellis Award e The Killing Circle (2008), eleito o melhor romance policial do ano pelo New York Times. Três romances de Pyper tiveram seus direitos vendidos para adaptação no cinema, inclusive esta obra, que deve chegar ao cinema com a direção de Robert Zemeckis, responsável pela trilogia De Volta Para o Futuro, o que me faz ter esperança que logo veremos mais publicações do autor no Brasil.

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    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

  • Crítica | Victor Frankenstein

    Crítica | Victor Frankenstein

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    Na mitologia grega, Prometheu é o titã apaixonado pela espécie humana que roubou o fogo dos deuses e o entregou à nos. Devido a isso, foi severamente punido por Zeus (que tinha medo de a humanidade se tornar tão poderosa quanto os deuses). Acorrentado por toda eternidade no topo de uma rocha, uma águia comia seu fígado que se regenerava no dia seguinte, quando seu calvário recomeçava. O fogo desempenha papel fundamental na história humana, sendo a luz usada como símbolo da engenhosidade e poder. Relacionando-se com os pilares que trouxeram o desenvolvimento da sociedade pré e pós industrial, o fogo é a descoberta mais importante da nossa espécie ao lado da roda e origem de nossas maiores tecnologias. Durante boa parte da história do cinema, o cientista é muitas vezes colocado no papel de Prometeu, como aquele que trará o fogo do conhecimento à humanidade, a vida, a autonomia e roubar o papel que os deuses têm no dia a dia, estando fortemente inserido no clássico literário Frankenstein: ou o Moderno Prometheus de Mary Shelley.

    Aqui, a ideia é subverter uma questão irônica disfarçada na obra de  Shelley: a confusão sobre quem é Frankenstein. O nome muitas vezes atribuído ao monstro é na verdade de seu pai e criador, Victor Frankenstein, e com isso nasce a pergunta sobre quem seria o verdadeiro monstro da história. O filme Victor Frankstein é bem menos complexo do que o romance original, que envolvia uma trama de acusações, romances, assassinatos, bem como uma criatura inteligente e letrada capaz de fazer frente à humanidade.

    Construída por Victor Frankenstein e considerada tão repugnante por seu criador que fora abandonada por ele, “A Criatura” tinha por objetivo encontrar seu próprio mundo, já que do mundo dos seres humanos só conheceu a rejeição. Assassinando o irmão de Victor e o coibindo à construir uma fêmea para viver com ele, a história se envolve em diversas reviravoltas e um grande número de personagens. Boa parte desses elementos aparecem desvirtuados no novo filme, alterando seus propósitos e a linha do tempo.

    Esta nova roupagem conta a história de Victor de maneira bastante energética (James McAvoy, em um excelente trabalho de ator, essencial para dar alguma substância aos bobos diálogos entregues à ele) correndo zoológicos e circos atrás de partes de animais para assim completar sua criação secreta. É no circo que ele conhece Igor (Daniel Radcliffe também muito bem, mas destinado à atuar em situações quase constrangedoras), criatura corcunda e rejeitada, até então sem nome, e que apesar de ser visto como ser repugnante, é dotado de extrema inteligência e empatia. Ao perceber suas habilidades, Victor decide resgata-lo do circo para assim lhe servir de escudeiro em seus experimentos. A partir disso, eles são perseguidos pelo inteligentíssimo e religioso investigador Roderick Turpin (Andrew Scott).

    O próprio título já estabelece um recorte bem específico sobre a ótica com a qual contará sua história, mas em nenhum momento a discussão sobre a ética científica, o medo da ciência e do avanço da tecnologia que permeia questões sobre a existência ou não de um regente superior; além amizade; amor e honra são elaborados em cena. Todas essas são colocadas de maneira à manter Victor como o grande filtro da humanidade e com isso acaba perdendo toda a tese ao longo da jornada do herói e sua dicotomia com a vilania e loucura genial. Há ainda um número grande de personagens secundários que buscam aproximar esta versão do romance de Mary Shelley enquanto apresentam uma nova abordagem à esses elementos, mas que têm como resultado final apenas inchar uma trama que já se satisfaz em caminhos para seguir, porém carentes de substância.

    Novamente o trabalho de ator serve para melhorar o roteiro do instável Max Landis — o qual anunciou em seu Twitter que o roteiro original era incrível e surpreendente, mas que na verdade não é – já é terceiro filme em que usa essa afirmação. A direção de Paul McGuigan lembra muito o trabalho feito por Guy Ritchie para Sherlock Holmes. Inclusive, o diretor já é conhecido por emular o estilo de Ritchie em seus outros filmes. A dinâmica e estética são as mesmas, e ainda que aqui os assuntos sejam essencialmente mais profundos, parece uma versão pior de tudo aquilo que já foi visto com esses personagens.

    O romance original foi concebido numa época de profundas transformações tecnológicas e éticas da ciência da década de 1820, com as experiências de Orsted, a invenção do motor elétrico por Michael Faraday e a posterior unificação do eletromagnetismo por James Clerk Maxwell. As inspirações dos cientistas e experimentos da época são claras, pois no início dos experimentos sobre eletricidade havia o conceito ainda primário de que haveria algum tipo de eletricidade nos objetos e uma eletricidade biológica, esta última contida apenas em espécies vivas e que poderia ser reproduzida de alguma maneira. Foi desta forma que foi realizada a experiência com uso de rãs mortas presas às lanças de cemitérios em dias de tempestades. Durante a queda de descargas elétricas, as pernas das rãs se mexiam devido a geração de uma pequena corrente elétrica que atingia os terminais nervosos do animal gerando espasmos. Para testar mais e melhor esse tipo de hipótese, alguns cientistas usaram pedaços de corpos humanos.

    Com todo um arco improdutivo e baseado em ignorância, com falas artificialmente ateísta e outras artificialmente deístas que obviamente visavam apenas provar o seu contrário para chegar em algum tipo insosso de meio termo sobre o papel da nossa espécie na Terra e dos mitos que criamos, Victor Frankenstein erra ao pensar ser genial aquilo que todos já elaboraram e acaba entregando um material que parece ser apenas um apêndice de referências. Quando ameaça alguma conclusão ou amarração de seus conceitos, o faz olhando para trás numa espécie de gancho para futuras produções. Uma obra problemática, que reforça ideias obscurantistas mesmo sem aparentemente querer fazê-lo, e com tantas dificuldades de compreender e encontrar seu papel quanto seus pobres personagens.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Melhores Animes de 2015

    Melhores Animes de 2015

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    E 2015 acabou. Foi um bom ano, embora tenha sido marcado por algumas decepções. A principal delas foi ver uma obra-prima como O Conto da Princesa Kaguya, a última pedra na grande edificação que foi a carreira de Isao Takahata, ser preteria no Oscar em favor de algo tão medíocre como Operação Big Hero. A falência do Manglobe, estúdio responsável por algumas das séries mais interessantes da década passada, tendo realizado não só meu anime predileto, Samurai Champloo, mas também outros grandes títulos como Ergo Proxy e Michiko & Hatchin, também foi uma notícia recebida com particular tristeza. Além disso, a ocasional derrocada de programas que se mostravam promissores em seus primeiros episódios, como The Rolling Girls e Yoru no Yatterman, acabaram deixando um gosto amargo.

    Mas esse é um post para falar de coisa boa. E, pondo tudo na balança, 2015 proporcionou mais experiências boas do que más. Então, sem ficar enrolando muito, vou tentar demonstrar o porquê reúno nessa lista aqueles que acredito terem sido os destaques da animação televisiva japonesa no ano que passou:

    10. Fate/stay night: Unlimited Blade Works 2nd Season

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    O Ufotable viu seu status de estúdio praticamente infalível sofrer uma drastica alteração em 2015, ano em que a companhia se viu envolvida com a adaptação do jogo Gods Eater, uma produção desastrosa que, após diversos atrasos e adiamentos na entrega de episódios, teve sua exibição interrompida antes da conclusão da série. Porém, ainda que tenha encarrado um fracasso sem precedentes em sua história, o estúdio ainda detém as propriedades que o fizeram um dos mais competentes do Japão, e a segunda temporada de Fate/stay night: Unlimited Blade Works é prova disso.

    Exibidos entre abril e junho, os 13 episódios que concluem a história da 5º Guerra do Santo Graal mantêm a mesma qualidade técnica apresentada na temporada anterior, fazendo uso da combinação dinâmica de animação tradicional e efeitos em CGI, maior característica do Ufotable, para criar cenas que traduzem para a tela a grandiosidade das batalhas concebidas por Kinoko Nasu em sua visual novelnovel que promete render ainda muita alegria para os fãs, vide que um novo projeto, desta vez um longa-metragem baseado na rota Heaven’s Feel, já foi anunciado. Apesar de estar impregnado por momentos de comédia romântica pra lá de dispensáveis, esse anime dirigido por Takahiro Miura vale o tempo nele investido.

    9. Noragami Aragoto

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    Se eu tivesse que apontar uma surpresa nessa lista, certamente seria essa segunda temporada de Noragami, talvez não pelas qualidades intrínsecas da obra, e sim pelas inevitáveis comparações que se faz entre esse apanhado de 13 episódios e o anterior. Se postas lado a lado, Aragoto é, sem dúvida alguma, uma série melhor realizada que sua predecessora, que, ainda que vista com boa vontade, dificilmente seria colocada acima da linha da mediocridade.

    Mas ao que se deve essa evolução? Não houve nenhuma mudança significativa na equipe responsável pelo projeto: o diretor continua a ser o ainda inexperiente Koutarou Tamura, ao passo que os mais do que famosos Toshihiro Kawamoto (Cowboy Bebop; Wolf’s Rain) e Taku Iwasaki (Soul Eater; Tengen Toppa Gurren Lagann) são responsáveis pelo character design e pela trilha sonora, respectivamente. Se um fator foi determinante para esse aumento qualitativo, parece-me ter sido a maior fidelidade ao material original, pois, se a primeira temporada tomou grandes liberdades em relação a este, chegando a inserir todo um arco inteiramente filler, a continuação foi pelo caminho oposto, adaptando de modo bastante respeitoso cerca de cinco volumes do mangá de Toka Adachi, publicado na Shounen Magazine. Um shonen bastante típico sobre deuses da mitologia japonesa em um contexto urbano, protagonizado por Yato, uma entidade quase desconhecida cujo objetivo é angariar seguidores através da realização de pequenos trabalhos, enquanto tenta se desvencilhar de um passado sombrio, Noragami é um anime que dificilmente mudará a sua vida, mas que, dosando bem ação e drama, certamente consegue proporcionar algumas horas de diversão.

    8. JoJo’s Bizarre Adventure: Stardust Crusaders – Egypt Arc

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    E falando em continuação que superam a temporada anterior! Curioso notar que, logo no primeiro episódio desse Arco do Egito, inadvertidamente um novo personagem se junta à equipe que vínhamos acompanhando até então, fato que, embora pareça trivial, serve para dar o tom dos 24 episódios que se sucedem: novas dinâmicas, novos poderes e novos inimigos são tudo que nossos heróis (e o público que os acompanha) encontrarão até o fim de sua jornada, cujo objetivo é derrotar Dio Brando, vilão que, potencializado pelo revival que a série vive, vem se firmando também no imaginário das novas gerações como um dos mais icônicos personagens já criados em terras nipônicas.

    E chegar ao final desse anime é, de fato, como chegar ao final de uma grande jornada, que em seus momentos finais, sobretudo no derradeiro confronto contra Dio, compensa o espectador por todos os prejuízos inicialmente causados por uma estrutura episódica demais. Ao longo dos 48 episódios que compõem Stardust Crusaders talvez tenha havido mais inimigos da semana do que necessário, mas é somente ao passar por todos eles, e por toda a ação, humor e drama por eles engendrados, que o verdadeiro sentido dessa experiência pode ser apreendido. É difícil definir o que torna as histórias do mangaká Hirohiko Araki tão marcantes. Talvez seja sua facilidade de criar poderes e situações engenhosas, sua veia cômica ou sua falta de reserva em matar os carismáticos personagens de sua autoria. Talvez seja uma combinação de todas esses elementos. Seja o que for, esse algo especial foi captado e transportado para a animação do estúdio David Production, que, ouvindo aos apelos e a resposta comercial do público, já anunciou para abril de 2016 o inicio da Parte 4 de JoJo’s Bizarre Adventure. E que venham muitas outras.

    7. Death Parade

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    Yuzuru Tachikawa chamou a atenção da indústria em 2013, quando criou Death Billiards, um dos curtas-metragens concebidos para o Young Animator Training Project’s Anime Mirai (projeto do governo japonês que visa incentivar novos talentos no meio da animação, que é, afinal, um dos patrimônios culturais do país) daquele ano. A ideia tida pelo novato foi das mais interessantes: um além-vida em que pessoas recém-falecidas, ainda não cientes desse fato, são levadas a participar de jogos nos quais, sendo forçadas a encarrar o sentido último de suas vidas, acabam por decidir que caminho seguirão após a morte. E de janeiro a março de 2015 ele teve a chance de desenvolver mais a fundo esse conceito em uma série de 13 episódios, produzida pelo estúdio Madhouse.

    Como diretor e principal roteirista, Tachikawa optou por manter a estrutura episódica estabelecida no curta que deu origem a série, decisão que dividiu público e crítica por conta da oscilante qualidade dos capítulos e do pouco tempo voltado para desenrolar o plot central. Mas, apesar de alguns episódios fracos, a temática e alguns momentos verdadeiramente tocantes por ela trazidos (com destaque para a cena de patinação do 11º, linda  e não apenas contextual, mas também tecnicamente, graças ao trabalho dos animadores Takashi Kojima e Izumi Murakami), garantem o lugar da série entre os destaques do ano.

    6. Durarara!!x2 Shou & Durarara!!x2 Ten

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    Um dos, senão o melhor anime de 2010, Durarara!! esperou mais que o necessário por uma continuação, mas esta, quando finalmente confirmada no final de 2014, apresentou um formato um tanto ambicioso: estando dividido em três cours, cada qual com 12 episódios, a serem exibidos de forma espaçada entre janeiro de 2015 e março de 2016, o projeto se propunha a completar a adaptação da primeira parte da grande série de light novels de Ryohgo Narita.

    E, apesar de uma resposta comercial aquém do esperado e de uma produção visivelmente atrapalhada, que resultou em mudanças questionáveis no character design dos personagens e em episódios de péssima qualidade técnica, as duas primeiras etapas desse projeto, que recebem os subtítulos Shou e Ten, souberam explorar o grande atrativo da série: sua narrativa labiríntica, destituída de protagonistas, que, ao envolver dezenas de personagens em conflitos que vão desde violência urbana entre gangues a incidentes sobrenaturais, consegue construir um fascinante universo cujos astros parecem orbitar em torno do bairro de Ikebukuro. Sem grandes mudanças no time de produção que ainda é comandado por Takahiro Omori, o ás do estúdio Brains Base, Durarara!! talvez tenha sido a melhor continuação do ano passado. O que, em uma lista na qual 5 dos 10 títulos selecionados são, justamente, continuações, quer dizer alguma coisa.

    5. Hibike! Euphonium

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    Quando se aborda o processo de animação como um todo, desde a concepção dos storyboards até a composição final vista em tela, o Kyoto Animation não parece ter concorrente à altura na atual indústria dos animes. Ainda que muitas de suas séries me desagradem, o esmero com que cada uma delas é produzida se mostra quase palpável ao espectador, e isso não é diferente em Hibike! Euphonium.

    Tratando de uma banda escolar disfuncional que precisa se reestruturar e consolidar uma unidade a fim de lutar para chegar à competição nacional de clubes, o anime, embora conte com um roteiro interessante o bastante para manter-nos entretidos ao longo de seus 13 capítulos, só mostra sua verdadeira força nos detalhes técnicos: a animação realística e meticulosamente estudada de performances musicais, o uso feliz de filtros e lindo trabalho de coloração, somados a cenários 3D de uma qualidade poucas vezes vistas em produções televisivas, entre outros fatores que puderam ser observados não em momentos isolados, mas em todos os seus episódios, fazem desta a mais bem-acabada produção do ano.

    4. Osomatsu-san

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    Ainda que tenha contado com alguns concorrentes dignos, como a terceira e última temporada de Working, a grande comédia de 2015 certamente foi Osomatsu-san. Dando nova roupagem a um título que, criado pelo mangaká Fujio Akatsuka nos anos 1960, já contou com várias outras releituras, essa série comemorativa produzida pelo Studio Pierrot, além de celebrar o octogenário de Akatsuka, falecido em 2008, também apresenta o público à versão mais satírica, mais autoconsciente e, possivelmente, mais engraçada dos personagens por ele criados.

    Apresentando seu humor através de esquetes relativamente longas (embora a quantidade varie, um episódio dificilmente conta com mais do que cinco delas, sendo que alguns possuem apenas duas), o programa gira em torno dos gêmeos sêxtuplos da família Matsu, que, caricaturais em suas personalidades opostas, por diversas vezes revelam estar conscientes de sua existência como personagens de anime, fazendo comentários sobre a indústria atual e sobre suas encarnações pregressas. Entretanto, ainda que a metalinguagem seja um grande atrativo, a ótima dinâmica entre o sexteto e seu elenco de apoio e o ritmo frenético do anime já o tornariam altamente recomendável.

    3. One Punch Man

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    Um hit. One Punch Man saiu do nicho e se tornou o anime mais comentado dos últimos anos, conseguindo, por sua temática, atrair certas parcelas do público como os fãs mais ferrenhos de quadrinhos que tendem a olhar torto para produtos vindos do Japão. Balanceando comédia escrachada e ação explosiva, as aventuras de Saitama, um homem capaz de derrotar qualquer inimigo com um único soco e que tem como hobby atuar como super-herói tomaram o mundo de assalto.

    E se 2014 Shingo Natsume foi, ao lado de Shinichiro Watanabe, o responsável por Space Dandy, a série que mais forçou os limites da animação naquele ano, em 2015 ele alçou voo solo e se mostrou capaz de repetir a façanha mesmo sem o auxílio de um diretor veterano, consolidando-se como um dos mais prodigiosos expoentes de uma nova leva de realizadores. Ação. Ação. Ação desenfreada. One Punch Man, embora não tão polido quanto Hibike! Euphonium, ostenta as sequências mais bem animadas do ano passado, realizadas por profissionais que vão desde mestres da animação tradicional até talentos da geração digital, que condensam o que há de melhor na tradição do anime enquanto apontam para seu futuro. Um obra indicada para praticamente todos os públicos, cujo mangá será lançado em breve em nossas bancas pela editora Panini.

    2. Owarimonogatari

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    A verborragia e a forte identidade visual que marcam os estilos Akiyuki Shinbou e de seu pupilo, Tomoyuki Itamura, em todos os seus prós e contras. Enfim, mais uma peça no grande quebra-cabeças que é a franquia Monogatari. Sendo que o curioso é que, embora a cada novo arco o anime se torne mais autorreferencial e difícil de ser penetrada por novos espectadores, cada nova história parece ter também o poder de abalar as convicções daqueles que acreditam já estar familiarizados com esse universo. Característica indispensável para uma boa trama de mistério, Owarimonogatari, assim como as demais adaptações da série de light novels de Isin Nisio, sabe guardar para o momento oportuno suas revelações – e, no decorrer de seus 12 episódios, muitas delas acontecem, a ponto de que se torna até difícil falar sobre o anime sem comprometer a experiência. Verdade seja dita, essa é uma série que só interessa àqueles que vêm acompanhando, já a quase 7 anos, essa longa jornada, que irá continuar em 2016 com Koyomimonogatari e com a trilogia de filmes de Kizumonogatari. É restritivo? Sim. É mais do mesmo? Sem dúvida.  Mas quando o mesmo de sempre é assim tão bom, não vejo por que reclamar.

    1. Kekkai Sensen

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    2015 foi um ano em que realizadores de uma nova safra, como Yuzuru Tachikawa e Shingo Natsume, mostraram estar à altura das grandes expectativas que pairavam sobre eles. Rie Matsumoto, que chamou atenção anos atrás com o lisérgico Kyousougiga, também estava entre esses novos diretores que ainda tinham que se provar perante o público, e, em minha opinião, ela foi aquela que entregou o trabalho mais exitoso: Kekkai Sensen, adaptação do mangá de Yasuhiro Nightow (que será lançado em breve no Brasil pela editora JBC) feita pelo estúdio Bones, é um anime difícil de definir – não é uma comédia, embora o humor seja parte fundamental de sua estrutura, não é focado na ação, apesar desta estar presente em todos os episódios e ser muito bem realizada, tampouco pode ser definido como drama, ainda que não faltem passagens dramáticas no curso de seus 12 episódios. Mas acredito que todos que assistiram esse anime concordam que se trata de uma experiência única, e, talvez por isso mesmo, tão difícil de definir.

    Embalada pela eclética trilha sonora fornecida por Taisei Iwasaki, que perpassa jazz, rock e pop, a série se passa em uma Nova York fantástica (e muitíssimo bem concebida pelo diretor de arte Shinji Kimura, o homem por trás do visual deslumbrante de Tekkon Kinkreet, por exemplo), em que humanos convivem com toda sorte de criaturas monstruosas (cujos designs ficaram a cargo de Toshihiro Kawamoto), parecendo amalgamar aspectos de diversos outras séries (reminiscências de produções muito diferentes entre si, como Cowboy Bebop, Darker than Black e, claro, Kyousougiga, são facilmente percebidas) a fim de criar algo novo. Trata-se de mero pastiche ou de uma forma legítima de remix midiático? Cabe ao espectador decidir. E talvez por isso Kekkai Sensen esteja no topo desta lista – porque, entre os animes lançados em 2015, ele é aquele que precisa ser assistido, quer se goste, quer se odeie o resultado final.

    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Review | The Knick – 1ª Temporada

    Review | The Knick – 1ª Temporada

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    Pense num circulo preto no centro de uma folha de papel branca. Considere uma folha de papel branca com um círculo preto no centro também e depois inverta a ordem da cores. A mudança desses fatores altera a percepção de como o todo funciona sob seu ponto de vista. Mas e se ao seu redor todos tivessem essas mesmas duas folhas, com as mesmas considerações sobre elas, só que chegando a percepções completamente diferentes? Esse é talvez o prisma de The Knick, dirigida por Steven Soderbergh, transparecendo ao longo de suas quase dez horas divididas em pequenos dez episódios que parecem maiores do que são, e que exibem mais do que aparentam e tornam essa história iniciada em 2014 uma das mais incríveis jóias das recentes produções de TV.

    Não é novidade na televisão trazer um profissional competente e renomado de uma área próxima como o cinema e com possibilidade de utilizar muitos recursos graças a seu nome e peso. Não admira, então, que toda a experiência e habilidade sejam um acréscimo para tornar a trama uma narrativa única. Sem abertura formal, apenas uma visão em blur de um objeto, de um par de botas brancas de um cirurgião num prostíbulo chinês e a data de 1900 em seu rosto, a série apresenta o Dr. John Thackery (Clive Owen), após uma operação de placenta prévia, levado ao cargo de cirurgião chefe do Knickerboxer em Nova Iorque, ao mesmo tempo que tem de receber na sua equipe o Dr. Algenor Edwards, um cirurgião negro.

    É estranho perceber que uma série de época passada no ano de 1900 tenha uma trilha composta exclusivamente de música eletrônica. Porém, a trilha é coerente tanto no ritmo frenético quanto ao ar futurístico que o seriado apresenta dentro das condições em que a medicina era praticada. Estranho, frenético e constantemente limpo.  Não é difícil perceber a quantidade de pequenos planos sequência em simples diálogos expositores. A câmera se contorce procurando um ângulo para tentar se encaixar naquela situação, ressaltando a teatralidade e liberdade que os próprios atores devem possuir durante as gravações. Não estamos falando de um House, M.D  do século XIX, ou um E.R – Plantão Médico rústico. Trata-se de um The Wire explorando a psique de uma sociedade, de um vício, de uma profissão muito perigosa e de todo um universo envolto em mudanças que não conseguimos acompanhar, recheado de procedimentos cirúrgicos que são incrivelmente difíceis de distinguir da realidade, principalmente pela montagem sempre funcional. Ainda que os episódios enfoquem muitas personagens, é possível observar diversos ciclos se fechando em pequenos gestos de loucura, genialidade e dor humana realizada de alguma forma.

    O esforço se amplia como um todo, a ponto de não existir um momento específico ao qual esperamos chegar no fim definitivo A série se sustenta construindo um mundo através da perspectiva referencial de cada um de seus personagens. O esmero visual de cada enquadramento proporciona para a narrativa uma miragem bem realizada que esconde a sujeira que circula entre o mundo cercando as personagens. O preto e o branco retornam novamente na fotografia do próprio Soderbergh (que também assina a direção). A sala de operação (além de ser um anfiteatro para exibir cirurgias), é certamente o exemplo mais gritante de todos por sua plasticidade. Porém, é possível ver que todos os protagonistas exibem as cores preta ou branca em algum momento específico de cada episódio e, em cada um deles, intensificando o contraste com objetos e outros atores. Além de cenários que, principalmente dentro do hospital, possuem um sépia sombrio lembrando o efeito da cor preto em luz amarela. Esses elementos tornam The Knick uma pintura em alta definição em constante movimento. Porém, deixa muitas vezes em segundo plano temas abordados pela própria série, uma lacuna proposital para o público. Assim como Thackery no início do primeiro episódio, basta ficar com as pernas estendidas e assistir ao circo funcionando.

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    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Melhores Séries de 2015, por Ligado em Série

    Melhores Séries de 2015, por Ligado em Série

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    Antes de qualquer coisa – e minhas desculpas antecipadas por isso -, vale um salutar aviso: sim, eu vi muitas, mas não todas as séries exibidas ao longo do ano (ainda não assisti às elogiadas temporadas de The Americans e Halt and Catch Fire, por exemplo). Logo, é provável que aquela série que você acompanhou e achou sensacional (porque deve ser mesmo) não esteja nessa lista, visto que o autor infelizmente, por absoluta falta de tempo, teve que negligenciar umas em detrimento de outras. Recado dado, vamos à lista das séries que considero as dez melhores do ano.

    1. Fargo –  2ª Temporada

    Fargo

    Como bem disse Maureen Ryan, crítica de TV da Variety, se a segunda temporada de Fargo tivesse sido apenas sobre o advogado liberal bêbado feito por Nick Offerman já poderíamos ficar satisfeitos. Sorte nossa, portanto, que o segundo ano da série criada por Noah Hawley e inspirada na obra dos irmãos Coen, nos deu muito mais que devaneios de um advogado. Ousada na mistura de elementos (como o sci fi numa trama essencialmente policial, por exemplo) e temas, não é exagero dizer que Fargo alcançou nesse ano níveis artísticos que poucos filmes atingiram. Fiel ao estilo dos Coen, a série, contudo, jamais tentou imitá-lo buscando sempre uma identidade própria que se traduziu, ao longo de seus dez episódios, em momentos genuínos de diversão, surpresas, choques e, por que não dizer, lágrimas, dada a engenhosidade de sua carpintaria dramática e o altíssimo nível de atuação de seu elenco (com destaque para Kirsten Dunst, num trabalho absolutamente marcante).

    2. Mr. Robot – 1ª Temporada

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    Uma simples série sobre um hacker ativista ou um comentário ácido, preciso e direto sobre quem somos como indivíduos e a sociedade em que vivemos? Só essa discussão já valeria um posto entre as melhores do ano para Mr. Robot, mas a série oferece muito mais ao nos lançar como testemunhas oculares no mundo do engenheiro de segurança de TI, Elliot Alderson (Rami Malek), um sujeito tão genial quanto perturbado por crises de ansiedade e que ao se juntar a um grupo ativista, descortina um mundo de corporações e sistemas moralmente e eticamente corruptos. Criada por Sam Esmail, Mr. Robot flerta esteticamente com vários ícones da cultura pop (impossível não lembrar de Psicopata Americano e Clube da Luta, só pra ficar em dois exemplos) para instigar, de forma provocadora, uma reflexão sobre identidade e até que ponto somos manipulados ou nos deixamos ser, por conforto ou inércia, pelo status quo.

    3. Master of None – 1ª Temporada

    Master of None

    O grande mérito dessa ótima surpresa da Netflix? Vender-se como comédia romântica adulta (provavelmente a melhor dos últimos anos, diga-se) para, como quem não quer nada, fazer um estudo elaborado e sensível sobre os conflitos de uma geração em busca de identidade e sobre a efemeridade e contradições de relacionamentos amorosos, paternos e profissionais. Explorando temas tão variados quanto distintos, Master of None – criada pelo comediante Aziz Ansari (de Parks & Recreation), navega com muita fluidez, segurança e graça sobre ideias que geralmente são ignoradas pelo mainstream da TV, mas que aqui ganham o tratamento, a embalagem e o conteúdo perfeito para um binge watching irresistível.

    4. Game of Thrones – 5ª Temporada

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    Popularidade nem sempre é sinônimo de qualidade, mas no caso de Game of Thrones, pode-se dizer, sem qualquer receio, que as duas coisas caminham absolutamente juntas. Aliás, parece que quanto maior a série fica, melhor ela se torna. Em seu quinto ano, a produção da HBO, mostrou-se bem mais madura na abordagem de seus temas e soube dar foco às tramas que realmente importavam (relegando as menores a segundo plano) e consolidando todo o drama daquele mundo fantástico em algo mais tangível à medida em que deu aos conflitos de seus personagens, elementos que os tornassem mais humanos e envolventes (ficamos até com pena da Cersei!). Outros dois pontos que justificam a presença da série nessa lista? Foi a temporada que finalmente ultrapassou a trama dos livros e ainda nos deu aquele gancho final capaz de deixar milhões de fãs mundo afora roendo as unhas de curiosidade sobre o que virá a seguir.

    5. Narcos – 1ª Temporada

    Narcos

    A trajetória quase mitológica de Pablo Escobar; um thriller carregado de inspirações na obra de Martin Scorsese e um amálgama sobre o panorama sócio-político da América Latina nas décadas de 70 e 80. Narcos foi isso e também uma história tão complexa, extensa e incrível, que o exercício da suspensão de descrença (quando o espectador aceita a premissa, por mais fantástica que ela possa ser, em favor do entretenimento) se tornou uma constante tão inevitável ao longo de seus dez episódios, que fica fácil acreditar na frase que é dita por um personagem em determinado momento da série: “Mentiras são necessárias quando a verdade é muito dura para acreditar.”

    6. Transparent – 2ª Temporada

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    À primeira vista, é fácil achar que essa série da Amazon é apenas mais uma dessas comédias com pegada independente sobre uma família disfuncional. Mas não se engane, porque Transparent é uma porradaça no melhor sentido possível da palavra. Contando com a impressionante atuação de Jeffrey Tambor na pele de um pai que passa a se identificar e a viver como mulher (papel que lhe rendeu um merecido Emmy), a série usa o tema e a consequente reação da família para falar, sempre abusando do humor, sobre relações, preconceitos e, principalmente, sobre como o medo de ser rejeitado e os caminhos que alguém pode abraçar para se anular como indivíduo, podem ao mesmo tempo transformar a mais amada das pessoas na mais solitária delas.

    7. The Knick –  2ª Temporada

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    Simples e direto? A primeira temporada é boa, mas a segunda é ótima. Dirigida pelo aclamado Steven Soderbergh, esse novo ano de The Knick ousa ainda mais em sua proposta. Pela perspectiva do Dr. John Thackery (Clive Owen), um homem consumido por contradições e vícios, a série mostra que o pioneirismo em práticas médicas num hospital do início do século 20 funciona tanto como um resumo de como o salto no conhecimento humano e o domínio de novas tecnologias e especialidades transformou a sociedade de maneira impactante, quanto como um exercício que expõe o que temos de melhor e pior como seres humanos.

    8. Better Call Saul – 1ª Temporada

    Better Call Saul

    Uma série focada nas armações de um advogado malandro e filho da puta. Sério, quem não iria se interessar por algo assim ainda mais sabendo que esse advogado era o mesmo que conhecemos trabalhando para o Walter White em Breaking Bad? Era tudo fácil demais, convenhamos, e por isso o que Vince Gilligan e Peter Gold fazem nesse spin-off é ainda mais valioso, já que conseguiram criar algo com uma proposta nova, ainda que ambientada naquele mesmo universo de BB. Nesse contexto, se na matriz vimos um homem “bom” gradativamente tornar-se um monstro, aqui vemos uma sutil inversão da fórmula, com o personagem do ótimo Bob Odenkirk que passa (quase) o tempo todo resistindo à tentação de se dar bem às custas dos outros. Quando a trama começa, ele é um malandro em busca de regeneração querendo provar (e conseguindo em dados momentos) que é melhor que tudo isso que está aí, mas que com o tempo percebe que a realidade é sempre mais avassaladora que simples boas intenções.

    9. Homeland – 5ª Temporada

    From left, Mandy Patinkin, Nazanin Boniadi, Claire Danes and Rupert Friend costar in Showtime's "Homeland," returning for its fourth season on Sunday. (Jim Fiscus/Showtime/MCT) ** OUTS - ELSENT, FPG, TCN - OUTS **

    Não dá para negar que o final da temporada foi anti-climático (e até pareceu um series finale), mas em retrospecto, o quinto ano de Homeland mais pareceu um contundente documentário levemente romantizado sobre os acontecimentos da geopolítica internacional do que um programa de ficção. Explorando terrorismo em solo europeu perpetrado pos simpatizantes do Estado Islâmico; bastidores do jogo político que envolve interesses diversos no conturbado cenário da Síria e as controversas práticas que governos ocidentais usam para ignorar direitos individuais em nome da segurança nacional, a série teve uma temporada bastante madura e que de maneira chocante colocou o espectador na frente de um espelho que reflete, com uma triste perfeição, a complexidade do mundo em que vivemos.

    10. UnReal – 1ª Temporada

    UnREAL

    Uma série sobre os bastidores de um reality show da linha The Bachelor em que várias mulheres disputam o interesse de um cobiçado e rico solteirão. À primeira vista, a premissa não é das mais animadoras, é verdade, mas basta assistir a um episódio de UnReal pra se surpreender com o lado vil da TV em que a única coisa que interessa é explorar (ou criar) dramas custe o que custar em prol da audiência. Na série, a personagem da atriz Shiri Appleby (de Roswell) é uma produtora do programa claramente competente no que faz, mas também consumida pelo conflito de querer dar o que o “espectador (e principalmente sua chefe) quer” e o constante incômodo de ter que manipular as participantes das maneiras mais sórdidas e covardes possíveis. Em resumo: um retrato fiel da verdade nua e crua do que devem ser todos esses “shows de realidade”.

    Davi Garcia é editor e redator do site Ligado em Série.

  • Crítica | Rocky: Um Lutador

    Crítica | Rocky: Um Lutador

    Rocky - poster - blu ray

    A década de setenta foi um período difícil pro cidadão americano. Também conhecida como a Era da Recessão, a OPEP  (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) triplicou o valor do barril após os EUA apoiarem Israel na guerra do Yom Kippur, fazendo com que a inflação aumentasse de forma considerável e, consequentemente, a desvalorização do dólar. Ademais, o povo pôde acompanhar de perto pela televisão o Caso Watergate, que depôs o até então presidente republicano Richard Nixon, eleito de forma esmagadora. O caso em questão, a título de curiosidade, consistiu numa investigação de dois jornalistas do jornal Washington Post sobre o assalto ao prédio Watergate, sede do Partido Democrata, um dos diversos atos de espionagem promovidos pelo Partido Republicano para dar a Nixon certa vantagem na disputa presidencial. Com diversas provas apreendidas, o caso levou-o à renúncia.

    Muitos não entendem o motivo de Rocky – Um Lutador ter feito tanto sucesso. Como pôde um filme de boxe ganhar 3 Oscar, sendo o de melhor filme, melhor diretor e melhor edição? A produção não é um simples filme de boxe, mas um drama que fala sobre superação e, principalmente, sobre as oportunidades que aparecem na vida nas pessoas e no quanto se deve abraçá-las por mais difícil que seja o momento. Justamente o que o povo americano precisava em 1976, quando o filme escrito e estrelado pelo novato Sylvester Stallone foi lançado. A situação não seria ainda mais curiosa se um dos rivais de Rocky – Um Lutador e maior ganhador do prêmio da Academia, em 1977, não fosse Todos Os Homens do Presidente, ótimo filme que conta a história justamente do Caso Watergate. Neste mesmo ano, também disputavam a estatueta grandes filmes como Taxi Driver, Rede de Intrigas, King Kong e Carrie – A Estranha.

    Na trama, Rocky Balboa é um jovem boxeador nascido nos subúrbios da Filadélfia que vive de pequenos trabalhos para se sustentar. O boxe, esporte que ama, não arrecada dinheiro suficiente, o que obriga o tímido lutador a trabalhar para um agiota local. Seu trabalho consiste em cobrar os clientes e eventualmente surrá-los quando se encontram inadimplentes. Uma rotina relativamente mecânica. Acorda no fim da madrugada quando ainda é noite, bebe uma vitamina de ovos crus, sai para correr, passa pela feira e ganha alguma fruta, cobra algum devedor, vai treinar na academia surrada de seu técnico, o velho rabugento Mickey (vivido brilhantemente por Burgess Meredith) e, na volta pra casa, passa numa pet shop para comprar suprimentos para seus peixes e também para ver Adrian (Talia Shire), uma jovem tímida que nunca reage às piadas sem graça que o boxeador lhe conta. Muito de sua timidez vem do assédio moral e do machismo de seu irmão Paulie (Burt Young) que vive alcoolizado.

    A vida de Rocky muda quando o campeão mundial de boxe, Apollo Doutrinador (Carl Weathers) convida-o para uma luta, dando a oportunidade única de um lutador pequeno enfrentar o campeão. Uma bela jogada de marketing visando os milhões de dólares que seriam arrecadados com a luta. É possível sentir um bizarro sadismo por parte de Apollo em querer humilhar Rocky fora dos ringues, aproveitando-se de sua condição social e seu intelecto comum. Aliás, quando se trata da vida da personagem central, podemos perceber a certeira e clara intenção da fotografia ser mais monocromática, adicionando um certo drama decadente e deprimente ao subúrbio da fria e úmida Filadélfia, sendo uma analogia com a situação da classe trabalhadora americana em épocas de recessão. A analogia social que o filme imprime continua no emocionante embate entre Rocky, O Garanhão Italiano e Apollo Doutrinador, onde Rocky claramente representa o povo americano sofrido e diminuto contra o boxeador famoso, o ídolo que representa, de certa forma, o lado orgulhoso dos Estados Unidos.

    Quando os dois boxeadores entram no ringue, os méritos da luta em questão se devem realidade empregada pelo diretor, pela destreza dos atores e pela maquiagem hiper realista das violentas marcas deixadas nos rostos dos lutadores. Vale destacar um ponto curioso da versão dublada brasileira que acabou por alterar o resultado da luta.

    O sucesso do filme se apoia diversos fatores, a começar pela atuação de Stallone que conseguiu emular uma atuação no melhor estilo gente como a gente, fazendo com que a maioria das pessoas, em algum momento, se visse na pele da personagem. O ator também soube calibrar bem sua relação com os outros coadjuvantes, a começar com a química que teve com Talia Shire, principalmente na cena em que Rocky leva Adrian para patinar no gelo e terminando, mais tarde, na cena de seu primeiro beijo. Também fica marcado quando o protagonista está com Mickey, um rabugento que não hesita em criticar Rocky na maioria das vezes que está no ringue, relação essa bem retratada nos filmes seguintes. E, por fim, a relação do diminuto Rocky com o absoluto Apollo. É possível perceber o quanto Rocky é frágil em sua essência, tentando ser gentil ou engraçado e falhando nessa missão, além de estar completamente desacostumado com todas as pompas promovidas por um grande evento de boxe, como entrevistas coletivas, sessões de imprensa e as tradicionais provocações fora do ringue.

    Diante destes fatores, ainda é necessário destacar uma das cenas mais emblemáticas da história do cinema que mostra o treinamento de Rocky para a grande luta com Apollo. Acompanhada de uma trilha carregada emocionalmente pela música Gonna Fly Now, escrita por Bill Conti e terminando nas escadarias do Museu de Arte da Filadélfia, um dos locais mais visitados no mundo por fãs de cinema, a cena faz com que o telespectador se reconheça na motivação de Rocky para também dizer “eu posso, eu consigo”, levando tal situação como exemplo para qualquer situação que possa enfrentar em sua vida, o que vai ao encontro a discussão do início, devido ao paralelo da situação que o cidadão se encontrava ante a péssima situação econômica que seu país vivia.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Melhores Leituras de Quadrinhos de 2015, por Splash Pages

    Melhores Leituras de Quadrinhos de 2015, por Splash Pages

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    Olá pessoal! Meu nome é Guilherme Smee e mantenho o blog Splash Pages cujo foco são os quadrinhos. Minha lista de melhores leituras não poderia conter outro tema além de quadrinhos. Estas foram minhas cinco melhores leituras de 2015.

    O Escultor, de Scott McCloud (Compre aqui)

    O Escultor Scott McCloud

    Já pensou se você pudesse dar forma à sua angústia? Em O Escultor acompanhamos a vida de David Smith, um escultor fracassado que só que morrer. Um dia, a morte o visita oferecendo o poder de modelar qualquer coisa em troca de sua vida ter apenas mais 200 dias. Ele topa. Mas nesse meio tempo, a personagem vai aprender que a vida é muito importante para ser desperdiçada. Uma história potente com uma narrativa incrível, criada por um dos mestres do estudo dos quadrinhos, Scott McCloud, produtor de livros que ensinam sobre quadrinhos através de histórias em quadrinhos como Desvendando os Quadrinhos e Desenhando Quadrinhos. Sem dúvida, esse tijolão de mais de 600 páginas foi a minha melhor leitura do ano. Uma ótima pedida, mas que, por enquanto, só se encontra á venda no site da Editora Marsupial.

    Pílulas Azuis, de Frederik Peeters (Compre aqui)

    pilulas azuis

    Uma graphic novel que fala sobre portadores de HIV, você já leu? Garanto que se você sabe pouco sobre a AIDS, vai aprender muito sobre a doença nessa história. Vai ainda desmitificar vário preconceitos que tinha sobre ela e se encantar com uma história de amor que rompe as barreiras comuns da aceitação humana. Se surpreenderá observando como o cotidiano de soropositivos pode ser mais normal do que imaginamos, ainda mais hoje em dia, já que a HQ se passa há mais de 15 anos atrás, quase no ápice da doença. Mais do que uma história sobre uma doença, Pílulas Azuis traz um conto sobre um amor que a sociedade consideraria quase impossível ou impraticável, mas que Frederik Peeters o autor dos premiados Castelo de Areia e Äama prova que nada é impossível se verdadeiro.

    Sandman: Prelúdio, de Neil Gaiman e J. H. Williams III (Compre aqui)

    Sandman Preludio

    Se você não conhece Sandman, é obrigatório procurar. Uma das histórias mais incríveis e premiadas da história dos quadrinhos, a obra flerta com o literário e traz inúmeras referencias do mundo real em uma trama que trata de sonhos. A série teve 75 edições nos EUA. Sandman: Prelúdio (lançada no país em dois volumes) é a retomada do autor, o renomado Neil Gaiman, ao universo que fez sua carreira deslanchar. Nela descobrimos o que aconteceu antes de Sandman: Prelúdios e Noturnos, ou seja uma prequel para a história. Tanto Gaiman quanto o artista J. H. Williams III demonstram um domínio e evolução da própria narrativa, incomparável com muitas outras histórias em quadrinhos. A frases memoráveis do britânico estão presentes para citarmos e citarmos novamente quantas vezes quisermos. A arte de  é tão encantadora que, mesmo variando no estilo, não falha em nos deixar boquiabertos. E, se você não conhece Sandman, aqui é bom ponto para começar (Leia a resenha completa do Splash Pages).

    Mayara e Anabelle, de Pablo Casado e Talles Rodrigues (Compre aqui)

    Mayara e Anabelle

    Você quer uma HQ brasileira cheia de ação e boas tiradas mas que consiga se identificar? Que não seja aqueles pastiches de quadrinhos americanos como o Super Tupinambá e o Gaúcho Ultra Herói dos Pampas? Mayara e Anabelle é uma boa pedida. As duas protagonistas trabalham na Secaf do Ceará, a Secretaria de Controle de Acontecimentos Fora do Comum do estado, para onde a ninja Mayara acaba de ser transferida. Além de ter de acostumar com sua aclimatação em Fortaleza, Mayara terá de lidar com o estranhamento causado entre ela e a maga Anabelle, personagens que possuem personalidades opostas. O desenho de Talles Rodrigues lembra Byan Lee O’Malley, de Scott Pilgrim Contra o Mundo e o texto de Pablo Casado é mais brasileiríssimo impossível. Esses dois elementos vão fazer você se identificar de cara. Uma ótima leitura, seja para brasileiros ou estrangeiros.

    Trouble, de Mark Millar, Terry e Rachel Dodson (Compre aqui)

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    Sempre li histórias de super-heróis e a melhor desse ano se passa no universo do Homem-Aranha, mas não é bem uma história do aracnídeo. Ela tenta responder a pergunta: o que aconteceria se a Tia May fosse a mãe biológica de Peter Parker? Essa foi a proposta apresentada por Mark Millar, o criador de Kick-Ass: Quebrando Tudo, O Procurado e Kingsman: Serviço Secreto, para a Marvel. A editora comprou a ideia na época, mas a história foi tão duramente criticada pelos fãs que acabou caindo no ostracismo. Só consegui acesso a ela porque comprei numa comic shop por um precinho acessível. Não é que a história, apesar de polêmica, é muito boa? Personagens bem desenvolvidos, com conflitos internos e externos, plot twists interessantes e os desenhos incríveis do casal Dodson. Enfim, tudo que uma boa HQ pede (Leia a resenha completa do Splash Pages).

    Guilherme Smee é idelizador do blog sobre quadrinhos Splash Pages.

  • Friamente Calculado | Guerreiro do Blockbuster – Parte 1/5

    Friamente Calculado | Guerreiro do Blockbuster – Parte 1/5

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    Era uma noite chuvosa e patética. Jackson Good (igualmente patético), após mais uma gravação conturbada do Vortcast, perambulava pelos becos escuros da cidade, cheio de ódio por ter sido mais uma vez humilhado devido seu gosto duvidoso para filmes.

    – Mise-em-scène isso! Mise-em-scène aquilo! Aposto que eles nem sabem o que mise-em-scène significa! – ele resmungava.

    A caminho de seu moquifo ele chutava latas na rua e assustava cachorros com seu comportamento violento.

    – Quem esse Carlos Brito pensa que é? Malditos sejam todos os críticos de cinema! Será que eles não entendem que cinema também é paixão? É explosão?

    Jackson finalmente chegou no prédio abandonado que chamava de casa. Tirou suas roupas molhadas e tomou um banho na bacia de água fria que ficava no canto do cômodo bolorento. Depois se vestiu e se entupiu de macarrão instantâneo e guaraná falsificado, fingindo que aquilo era uma refeição decente. Para terminar a noite com menos dignidade ainda, ele passou algumas horas na Internet, criando perfis falsos e comentando em seus próprios posts no Vortex Cultural.

    O pretenso defensor dos filmes descerebrados logo se entediou e decidiu passar algumas horas no Xvideos. Ele abaixou suas calças e começou sua atividade favorita.

    – Oh, Sasha! Sasha, eu te amo! Se eu pudesse fazer ***** com você! AAAAAHHH! – ele gritou, desmaiando logo após o clímax.

    Ele acordou minutos depois, um pouco desorientado. Quase deu um pulo quando percebeu que havia mais pessoas no seu quarto nojento. Eram dois homens. O primeiro era um sujeito de cabelos e bigodes grisalhos, com traços lituanos, vestido como um coveiro e carregando duas pistolas. O segundo era um asiático, sem camisa, exibindo uma musculatura que parecia ter sido talhada em mármore. De ambos emanava uma aura mística de violência sem limites.

    – Quem…. Quem são vocês? – perguntou Jackson, cagando nas cuecas.

    – NÓS SOMOS AS FORÇAS FUNDAMENTAIS DO CINEMA DE AÇÃO. – responderam os dois em uníssono.

    – O que querem comigo?

    – VOCÊ FOI ESCOLHIDO, FILHO DO JACK BOM, PARA LUTAR COMO O NOVO DEFENSOR DO BLOCKBUSTER! VOCÊ ESTÁ PRONTO?

    – Sim! Eu esperei por isso toda a minha vida! – respondeu Jackson.

    A transformação começou imediatamente. Raios laser e neon envolveram Jackson, despindo-o de suas vestes mundanas e limpando-o. Até mesmo as fezes na sua bunda desapareceram. Em meio a explosões incríveis (ao fundo), ele recebeu um novo vestuário: uma calça jeans surrada, botas de cowboy pretas, uma jaqueta de couro com “Blockbuster Warrior” escrito em vermelho nas costas, um óculos ray-ban, luvas esportivas e, para completar, um coldre carregando um Magnum 44 cano longo. Sua musculatura também se transfigurou: de um patético arremedo de gente, ele se tornou um halterofilista que exalava testosterona pelos poros.

    – A TRANSFORMAÇÃO ESTÁ COMPLETA. AGORA VOCÊ POSSUI HABILIDADES SOBRE-HUMANAS NA ARTE DE METER A PORRADA. ESTÁ PREPARADO PARA SUA PRIMEIRA MISSÃO, GUERREIRO DO BLOCKBUSTER?

    – É claro. Para onde eu tenho que ir? – perguntou Jackson, com uma voz grave.

    – SUA MISSÃO COMEÇARÁ NA COLÔMBIA, NOS CAMPOS DE COCA DAS FARC!

    – Deixa comigo – respondeu Jackson, enquanto acendia um cigarro.

    Leia a Parte 2/5.

    Texto de autoria de “The Nindja”.

  • Crítica | Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força (3)

    Crítica | Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força (3)

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    Maior fenômeno da cultura pop, maior franquia da história do cinema e com o filme mais esperado do ano (possivelmente da década), Star Wars dispensa comentários sobre sua importância. A decepção dos fãs com a nova trilogia encerrada em 2005 era nítida. Tamanha expectativa com a estreia de A Ameaça Fantasma em 1999 só foi igualada pelo tamanho da decepção com filmes tão ruins e que desrespeitavam praticamente todas as premissas estabelecidas na trilogia original. É dentro desse turbilhão de emoções que a franquia ganha em 2015 o primeiro de seus novos episódios, chamado “O Despertar da Força”, dessa vez sob o comando da Disney e direção de J.J. Abrams, com roteiro de Lawrence Kasdan, Michael Arndt e do próprio Abrams.

    Atingir uma expectativa tão grande não era tarefa fácil, e ciente da cobrança (provavelmente injusta) em cima de si, Abrams desde o início resolveu focar justamente onde a nova trilogia falhou: o respeito pela saga original, sua mitologia e simbologia. Dentro deste aspecto, o Episódio VII é muito eficiente. O visual se assemelha muito aos filmes originais, tanto nas cores, vestimentas e designs, como nos pequenos detalhes de botões em centros de comandos, luzes de painéis e toda a arquitetura interna e externa da chamada “Primeira Ordem”, que se assemelhava a do Império, quanto do restante da galáxia.

    A história gira em torno basicamente de dois personagens, Rey e Finn. Rey (Daisy Ridley), residente do planeta Jakku e que sobrevive juntando peças de antigas naves caídas em seu planeta, tanto do império quanto da aliança rebelde, em troca de rações de alimento. Dotada de um espírito perseverante e determinado, Rey sofre naquele cotidiano árduo, ela sonha com a volta de sua família para resgatá-la, já que vimos um flashback onde ela é ali abandonada. Finn (John Boyega) é um stormtrooper que deserta por se recusar a cumprir as ordens que recebe para executar habitantes de Jakku em sua primeira missão, que era recuperar o mapa da possível localização do antigo Jedi Luke Skywalker, em posse do piloto rebelde Poe Dameron (Oscar Isaac) e também buscado pelo vilão do filme, Kylo Ren (Adam Driver). Dameron o esconde em uma unidade BB, chamda BB-8, que encontra Rey, que encontra Finn, que encontram a Millenium Falcon, que é encontrada por Han Solo (Harrison Ford) e Chewbacca (Peter Mayhew/Joonas Suotamo), e de onde a história principal se desenvolve como apresentada nos créditos iniciais: o objetivo é encontrar Luke Skywalker. Os rebeldes querem o retorno do antigo Jedi para ajuda-los, e a Primeira Ordem quer encontrar para destruí-lo, afinal enquanto um jedi estiver vivo, é uma ameaça a seus objetivos.

    Um ponto que o novo filme acerta em cheio é na escolha do novo elenco. Daisy Ridley e John Boyega possuem uma química raras vezes vista em filmes do gênero, o que mostra a noção perfeita dos produtores no casting, e como eles sabiam exatamente o que estavam buscando no filme (ponto positivo para escolherem como protagonistas um negro e uma mulher, tentando tornar o universo de Star Wars mais diverso). Atores mais conhecidos como Oscar Isaac e Domhnall Gleeson (General Hux) também agregam um enorme valor devido a seu talento, mas sempre ajudados por cenas construídas especificamente para os atores darem vida a seus personagens da melhor forma possível. Já Harrison Ford não consegue transmitir de novo o mesmo carisma do Han Solo que vimos na trilogia original. Notório carrancudo a respeito de Star Wars, Ford parece a todo tempo estar em modo automático, e apesar de seu papel funcionar bem na maior parte do tempo, parece não ver a hora de tudo acabar, até mesmo seu figurino demonstra essa preguiça, se assemelhando mais a um cosplay de Han Solo do que o legendário piloto. Tanto que seu destino no filme parece até mesmo saído de uma sugestão sua. Também retornam a seus papéis clássicos Carrie Fisher como a agora General Leia Organa e Anthony Daniels como C-3PO, além de R2-D2 (Kenny Baker).

    Star Wars: The Force Awakens Ph: Film Frame ©Lucasfilm 2015

    Porém, se em todo o respeito ao universo o novo episódio é irretocável, onde ele falha é justamente no excesso de cautela na fórmula da franquia. O Episódio VII recicla praticamente inteira a trama principal do Uma Nova Esperança de 1977. De novo vemos planos escondidos em um robô por um membro da resistência que é capturado pelo vilão principal e por ele torturado. De novo (pela terceira vez) temos uma arma grandiosa capaz de destruir planetas usada como forma de impor a força da “Primeira Ordem” no universo. De novo o plano dos rebeldes é montado em um diálogo expositivo rápido em frente a uma projeção. De novo o plano constituído é destruir essa arma com um ataque aéreo. De novo alguém precisa desabilitar um escudo internamente. De novo temos uma sequência aérea com direito a voos em uma trincheira e a arma é explodida. Tudo filmado de forma muito eficiente e empolgante, sem o marasmo dos episódios I, II e III. Porém, que ainda deixa o fã, lá no fundo, um pouco decepcionado, porque parece que tudo em Star Wars gira em torno de uma arma que precisa ser destruída. Se nos primeiros filmes ao menos o desenvolvimento dessa trama seguia um andamento mais lento, neste capítulo da saga o ritmo frenético do filme mal deixa o espectador respirar para absorver tudo o que está vendo na tela. Não há um momento de pausa, e talvez seja sinal dos tempos, mas um equilíbrio maior neste sentido poderia ter dado mais espaço aos personagens para se desenvolverem de forma mais subjetiva.

    Outro ponto também mal explicado é a origem da “Primeira Ordem”, organização que substituiu o antigo Império. Também não é falado nada a respeito de Kylo Ren e sua ordem, assim como seu mestre, Supremo Líder Snoke (Andy Serkis), o que reflete não uma tentativa de não contar muito da história, e sim um certo descuidado com o roteiro, afinal, essa falta de informação faz com que ambos os vilões não representem uma ameaça tão grande quanto Darth Vader no primeiro filme. Porém, a relação entre o braço militar da Primeira Ordem, representado pelo General Hux (em alusão clara ao nazismo) e o braço místico representado por Ren é muito bem construída, e a crescente tensão e disputa entre os dois personagens pela aprovação de Snoke serve como catalisador para diversas situações interessantes no filme, especialmente para Ren, que mostra uma fragilidade interessante ao se dizer tentado pela luz. Mesmo Adam Driver não entregando uma atuação maravilhosa, seus melhores momentos ainda ficam enquanto usa a máscara e entoa a voz mecanizada e assustadora que emula, propositalmente, Darth Vader. Outro personagem muito esperado pelos fãs, a Capitã Phasma (Gwendoline Christie), possui uma participação reduzida no filme, o que se pode extrair daí dois pontos: a menção a Boba Fett, personagem construído pelos fãs e que nunca fez muita coisa nos filmes, e que ela irá voltar nos próximos episódios, possivelmente com um papel maior.

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    Mas, mesmo com esses pontos negativos, o principal objetivo do filme é mantido, que era resgatar o espírito da franquia e a magia de se contar uma história dentro da mitologia que cativa tanta gente ao redor do mundo. A excelente cena de Rey tocando no sabre de Luz de Luke e tendo seu primeiro contato com a força utiliza de efeitos especiais como deve ser, em favor de se contar uma história. A Força é explicada a ele na cena seguinte por Maz Kanata (Lupita Nyong’o) relembrando os ensinamentos de Yoda em O Império Contra-Ataca, deixando de lado a bobagem pseudo-científica dos midi-chlorians inventada por Lucas em “A Ameaça Fantasma”. Outras pequenas homenagens ao universo também são feitas, quando Finn enfrenta com o sabre de luz um stormtrooper que empunha uma arma que lembra uma vibroblade em um duelo muito bem construído. A opção de Abrams pelos cenários reais ao invés do tão criticado CGI foi louvada por praticamente todos, e o resultado é nítido. Tudo parece real (e é!), nos fazendo acreditar em todo momento em tudo o que está acontecendo na tela. Em momento algum da projeção a credibilidade do filme é quebrada por conta de algum efeito especial mal acabado. Tanto os monstros mais simples quanto as excelentes e bem trabalhadas sequencias de confronto entre as X-Wings e os TIE Fighters passam um realismo que o fã de Star Wars sempre quis ver novamente, mas devidamente atualizado. A leveza do humor também consegue apagar o marasmo das tramas políticas da nova trilogia, e tanto BB-8 (sabiamente utilizado) quanto Finn (e também várias cenas com os stormtroopers) possuem cenas que tiram risos naturais da platéia.

    As cenas de luta também são outro ponto positivo, sendo muito bem feitas e distantes do balé estéril mostrado na nova trilogia, como o próprio Abrams havia deixado claro que iria fazer. Com pouco treinamento, não seria possível os personagens exibirem tamanha técnica nos duelos, o que torna a emoção e a visceralidade dos golpes e defesas ainda maiores. O duelo entre Rey e Kylo Ren, apesar de causar estranhamento inicial (afinal, como ela empunhando um sabre pela primeira vez iria competir com um mestre da ordem Ren?), consegue transmitir em poucos minutos uma carga dramática muito grande, e a superação de Rey utilizando a Força estabelece-a como o que era desde o início, um campo de energia que depende da pessoa usá-la e canalizá-la corretamente, não importando você ter décadas de treinamento de esgrima. O que importa é a Força, sua vontade, determinação e o quanto você acredita fielmente nela. Neste filme a Força é realmente importante e um de seus maiores méritos é justamente mostrar como ela é poderosa. Kylo Ren parando no ar um raio do blaster de Poe Dameron é fenomenal. O uso que faz da Força a todo momento nos mostra mais detalhes do que a saga havia mostrado até então. O mesmo acontece com Rey conforme ela vai descobrindo seus poderes enquanto vai sentindo-os.

    Portanto, “O Despertar da Força” entrega justamente aquilo que os fãs esperavam tanto. Um filme fiel as suas origens e que tratasse todo o seu legado com respeito. J.J. Abrams se declarou fã da franquia por diversas vezes, e talvez esse excesso de respeito tenha tornado o filme seguro demais, sem praticamente tomar nenhum risco sob o ponto de vista narrativo. Porém, com o tamanho estrago feito pelos três filmes anteriores da franquia, essa escolha é perfeitamente compreensível. O que podemos esperar agora é, com o universo novamente consolidado, que novos objetivos sejam traçados e que possamos ver novas histórias ser contadas de outras formas. O Império Contra-Ataca é o que é justamente porque a sua frente tem alguém que entende a linguagem cinematográfica mais do que entende de Star Wars. Entende a motivação por trás de cada personagem e as ações condizentes que eles deveriam tomar. Entende que pequenos detalhes fazem a diferença entre algo comum e algo fenomenal. Não fosse Irvin Keshner, Han Solo nunca teria dito “Eu sei” ao ouvir que Leia o amava. É isso que a franquia precisa.

    O Episódio VIII já tem seu diretor contratado, o novato e promissor Ryan Johnson, que sempre carrega uma atmosfera noir em seus filmes. Com tempo, um bom roteiro e um pouco de sorte, talvez tenhamos algo novo neste sentido. As expectativas agora estão mais altas do que nunca (ainda mais pela cena final do Episódio VII), pois a comparação da sequência ser melhor que o anterior, relembrando os episódios IV e V, será feita. Ao menos agora estaremos felizes esperando o próximo, e não mais apreensivos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Labirinto de Mentiras

    Crítica | Labirinto de Mentiras

    Labirinto de Mentiras 1

    O concorrente alemão ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro não traz muito alarde consigo. Apesar de recorrer ao plano de fundo histórico da Segunda Guerra Mundial, o longa-metragem dirigido por Guilio Ricciarelli elabora uma narrativa leve e sem apelos dramáticos, pela perspectiva mais negativa possível do resgate histórico.

    O filme nos traz Johann Radmann (Alexander Fehling, rosto familiar em Bastardos Inglórios), um jovem promotor que inicialmente, possui um trabalho monótono e pragmático. Sua rotina profissional e pessoal se transforma quando encontra com o jornalista Thomas Gnielka (André Szymanski). A partir de pequenas reuniões, informações e buscas, Johann se vê em meio ao começo dos processos investigativos dos crimes cometidos em Auschwitz, o campo de concentração responsável por massacrar a população judia durante a década de 40, período do conflito.

    Aos poucos, o filme vai dando pequenas pinceladas sobre os fatos que estavam acontecendo treze anos depois do fim dos confrontos. Os processos de antinazismo, a implementação gradual de órgãos americanos na desassociação da influência nazista na sociedade alemã, as divergências dos apoiadores e de quem foi contrário ao regime.

    Outro ponto interessante e um triunfo a ser exaltado é a falta de tendencialidade. O filme não caracteriza o lado nazista como o mais perverso do mundo, o vilão a ser enfrentado sobre todos os custos. Ele sai da ideia opinativa e se baseia em conceitos explicativos e demonstrativos. Há dados, estatísticas, questões técnicas e jurídicas que dão base nos argumentos levantados pelos promotores responsáveis pelas prisões dos agentes nazistas. Mesmo que no final o protagonista tenha seu breakout e desenvolva paranoia a partir de uma infeliz descoberta, este arquétipo não é manifestado no decorrer do longa.

    Guilio estreia de maneira inquietante e elaborativa. Demonstra um jogo de câmeras interessante, planos sequências desbravando pequenos interiores e associando-os às características e situações atuais dos personagens em cena. Há uma intuição construtiva por parte da direção que permite interpretar as nuances pessoais a partir de análises visuais.

    Orgânico, bem calculado, filmado, produzido e com um tema histórico importante, Labirinto de Mentiras é um curioso registro ficcional do início do julgamento de Frankfurt e do combate ao que remanescia do nazismo na derrotada Alemanha.

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    Texto de autoria de Adolfo Molina Neto.

  • Crítica | Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força

    Crítica | Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força

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    A franquia Star Wars talvez seja a maior e mais bem sucedida do cinema. Com o lançamento de Uma Nova Esperança, em 1977, O Império Contra-Ataca, de 1980 e O Retorno de Jedi, em 1983, a saga criada por George Lucas se solidificou de forma poderosa, mudando para sempre a maneira de fazer cinema, devido ao seu pioneirismo nos efeitos especiais, principalmente, além de espetaculares cenas de ação que envolviam batalhas travadas no espaço. A história do jovem órfão Luke Skywalker que, de repente, se vê no meio do embate entre a Aliança Rebelde contra o temido Império Galático, ao lado de icônicos personagens como Han Solo, Chewbacca, Princesa Leia, os simpáticos C-3PO e R2-D2 e o temido Darth Vader, angariou uma horda de fãs espalhados pelo mundo todo. E é assim até hoje.

    No final dos anos 90, para deleite dos fãs, Lucas resolveu mostrar ao mundo como a Galáxia foi dominada pelo Império. Novamente centrando toda carga em cima de um membro da família Skywalker, o resultado foi desastroso. O diretor também foi responsável pelos roteiros e, novamente, foi pioneiro ao usar câmeras digitais, porém, deu um tiro no próprio pé, ao dar uma ênfase maior ao visual, se esquecendo quase que por completo da história. Não adiantou muito contar o que todo mundo já sabia sem ter diálogos ou situações que se sustentassem por si só. Assim, A Ameaça Fantasma, O Ataque dos Clones e A Vingança dos Sith são considerados pelos mais velhos uma mancha na história da franquia.

    Desde o começo, Lucas planejou três trilogias para contar a história da família Skywalker, uma terceira parte que nunca sairia do papel, deixando para os fãs imaginarem o que teria acontecido com os personagens. Contudo, antes mesmo da trilogia prequel, liberou os direitos da história para que o escritor Timothy Zahn desse continuidade à história que se passava alguns anos depois de O Retorno de Jedi.

    Foi então que o inesperado aconteceu. No final de outubro de 2012, a Disney anunciou a compra de todo o grupo da Lucasfilm e, neste mesmo anúncio, foi dada a notícia que, enfim, veríamos na tela do cinema os Episódios VII, VIII e IX, além de filmes derivados. Obviamente a notícia, além de cair como uma bomba na indústria, trouxe mais perguntas do que respostas. Perguntas respondidas aos poucos até a estreia de Star Wars – O Despertar da Força.

    J.J. Abrams foi o encarregado de dar vida ao Episódio VII. Porém, o diretor tinha uma bomba nas mãos: o roteiro de Michael Arndt não era bom o suficiente, além de parecer que o escritor quis desenvolver uma nova história em vez de trazer de volta os velhos conhecidos dos fãs, o que obrigou Abrams a substituir Arndt por Lawrence Kasdan, roteirista de O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi. Com isso, aos poucos, foi ganhando a confiança dos fãs, o suficiente para que a frase “in J.J. we trust” fosse replicada pela internet. Contudo, Abrams tinha um prazo apertadíssimo nas mãos para faze-lo da forma merecida, com efeitos práticos e uma história justa tanto para aqueles que amam a franquia, quanto para os novos espectadores.

    O despertar da força - 01

    Seguindo a “fórmula” das duas trilogias anteriores, o trio de protagonistas foi composto por novatos. A atriz britânica Daisy Ridley nunca tinha atuado em um longa metragem, John Boyega tinha em seu currículo o bom Ataque ao Prédio, cabendo a Oscar Isaac o posto de “veterano” por ser mais conhecido do público. No lado dos antagonistas, temos o ótimo Andi Serkis, Domhnall Gleeson e Adam Driver. O time se junta com Mark Hamill, Carrie Fisher, Harrison Ford, Anthony Daniels e Peter Mayhew, deixando o filme com excesso de personagens, prejudicando, de certa forma, a aparição e o tempo de tela de certos alguns destes.

    Em que pese os créditos iniciais focarem a história no desaparecimento de Luke Skywalker (Hamill), fica claro que a protagonista de O Despertar da Força é Rey (Ridley), uma jovem deixada por sua família no planeta Jakku. Enquanto seus familiares não retornam, Rey sobrevive precariamente no planeta desértico recolhendo sucata em troca de pouca comida como forma de pagamento. O caminho de Rey cruza com BB-8, o robô do piloto da Resistência, Poe Dameron (Isaac). O droide fugindo de um ataque da Primeira Ordem, liderado por Kylo Ren (Driver), esconde informações importantíssimas sobre o paradeiro de Luke Skywalker. A semelhança com Uma Nova Esperança é notória, mas, em momento algum prejudica o desenvolvimento da trama, sendo que em paralelo a estes acontecimentos, também somos apresentados a FN-2187 (Boyega), um stormtrooper sem nome e sem propósito algum para lutar pela Primeira Ordem e que mais tarde é batizado de Finn.

    O primeiro ato é marcado pela química entre os 3 novos protagonistas que funciona bastante. Dameron é cínico e sarcástico, mas de bom coração, Finn é o responsável pelo lado lúdico que a franquia sempre adotou (mas sem soar chato) e Rey é o destaque do filme. Sabe pilotar qualquer veículo, além de ser muito inteligente e conhecer tudo sobre mecânica.

    Demora um pouco para vermos os personagens antigos, porém, a espera vale cada centavo gasto na sala do cinema. Embora a aparição da dupla Han Solo (Ford) e Chewbacca (que não envelheceu um ano sequer, vivido novamente por Peter Mayhew) seja por conta de uma coincidência difícil de acreditar, considerando o tamanho da galáxia (um dos pontos preguiçosos do roteiro), pôde-se perceber que muita coisa mudou desde O Retorno de Jedi. Fato comprovado quando Rey pergunta se o mercenário em cena era Han Solo, a resposta é clara: “eu costumava ser” e a situação a seguir é um divertido momento do filme mostrando um Han Solo mercenário, algo que o espectador nunca tinha visto na prática. Com certeza teremos mais momentos assim se seu filme solo for confirmado.

    Se o lado da Resistência segue na busca por Luke Skywalker, também é esse o objetivo da Primeira Ordem. Aliás, o resquício do Império é um dos pontos mal trabalhados no filme, o que deixa claro que os personagens da Resistência tiveram mais atenção do que os da Primeira Ordem que aparenta ser mais poderosa e mais organizada quando da época do Imperador Palpatine. Aqui, temos a liderança do General Hux (Gleeson, frio, sem nenhum carisma), o cavaleiro Kylo Ren, ambos liderados pelo misterioso Supremo Líder Snoke (Serkis), que ganha este adjetivo por simplesmente ser uma incógnita, uma vez que não faz sentido algum termos um personagem com a magnitude que aparenta ter. Também está presente a Capitã Phasma (Gwendoline Christie), uma stormtrooper imponente com sua armadura cromada, bastante adorada pelos fãs nos trailers, mas que foi uma decepção. A participação de Phasma chega a ser pior que as presenças descartáveis de Bobba Fett e Darth Maul nos filmes anteriores.

    O despertar da força - 02

    Kylo Ren é um destaque à parte. Devoto de Darth Vader, jurou destruir o último Jedi e terminar o que Vader começou. O cavaleiro que não pode ser considerado um Sith é poderoso no uso da Força e não pensa duas vezes em se exibir. O curioso é que Kylo ainda é um tanto quanto cru e demonstra não ter habilidade suficiente com seu sabre de luz, além de ser tão jovem quanto Rey nos momentos em que aparece sem sua máscara.

    A história faz um longo desvio do caminho percorrido por Uma Nova Esperança quando a personagem de Lupita Nyong’o, Mas Kanata, surge em tela. A agradável e milenar alienígena consegue enxergar através dos olhos das pessoas e se torna responsável por esclarecer algumas coisas à Rey, o que faz com que a trama tome um belo caminho, enchendo os olhos de quem assiste, preparando um terceiro ato grandioso, repleto de momentos incríveis, ainda que retorne ao paralelo do filme original.

    O Despertar da Força é repleto de ótimos momentos, tanto do que diz respeito às situações mais engraçadas, quanto nos momentos de ação, bem como de tensão. A perseguição de um caça Tie Fighter à Millennium Falcon faz com que você se agarre na cadeira. – podemos perceber que a equipe da ILM – Industrial Light And Magic teve um cuidado especial com a Falcon (uma nave respeitada inclusive pelos membros da Primeira Ordem). Embora Star Wars não respeite as leis da física, é fácil perceber que a nave de Han Solo é bem mais pesada que o Tie Fighter, fazendo esses e outros pequenos detalhes arrancarem sorrisos tímidos vez ou outra.

    A expectativa cresce quando os personagens clássicos entram em cena. A sensação de nostalgia percorre toda a fita. O veterano e mestre John Williams, mais uma vez, é responsável pela ótima trilha sonora, e assim como em todos os filmes, traz uma trilha original onde busca, em alguns momentos, revisar seus clássicos imortalizados na primeira trilogia. O departamento de arte e o design de produção também são certeiros. As naves que todos conhecemos estão lá, assim como o posicionamento das câmeras, tomadas, ângulos e principalmente nos cockpits dos X-Wings e dos Tie Fighters. O mesmo podemos falar das roupas dos personagens. Como Han Solo diz, sua jaqueta é nova, mas podemos perceber sua clássica camisa branca, sua calça militar e seu cinto com o coldre são os mesmos.

    Embora seja um filme de J.J. Abrams, Star Wars – O Despertar da Força, não é um típico filme do diretor, que procurou de forma respeitosa manter o legado brilhante criado por George Lucas. O resultado é um ótimo filme, repleto de ótimos personagens em uma história divertida, cheia de ação e principalmente emocionante. Promovendo mais um marco cinematográfico e apontando novos caminhos para o universo desta galáxia muito, muito distante.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Star Wars – Episódio VI: O Retorno de Jedi

    Crítica | Star Wars – Episódio VI: O Retorno de Jedi

    Retorno de Jedi - Star Wars

    (Este texto usará como fonte a versão do filme lançada no Blu-ray em 2011, que somou as alterações feitas em 1997 e 2004 na obra original. Essas mudanças no episódio VI podem ser vistas com detalhes neste video)

    O Retorno de Jedi foi lançado em 1983 com grandes expectativas após O Império Contra-Ataca, de 1980, que é considerado pela maioria dos fãs da saga como seu melhor filme. Tamanha qualidade atingida por seu antecessor colocou em cima de “Jedi” uma enorme pressão, já que tal acerto dificilmente se repetiria.

    Dirigido por Richard Marquand, com roteiro de Lawrence Kasdan e George Lucas, e contando com todo o elenco original (Mark Hamill como Luke Skywalker, Harrison Ford como Han Solo, Carrie Fisher como Leia Organa, Anthony Daniels como C-3PO, Billy Dee Williams como Lando Calrissian, Peter Mayhew como Chewbacca, etc), Jedi muda significativamente o legado de Império ao mexer em pontos chave da saga, como motivações e personalidades de personagens, além de inserir outros elementos na história. Não à toa é o filme mais criticado da saga original.

    A obra começa com a busca por Han Solo, ainda congelado em Carbonite e mantido no palácio de Jabba. Toda essa sequência inicial que nos mostra um Luke Skywalker amadurecido também causa um certo estranhamento, pois não é de fato necessária a trama da saga, ou mesmo deste capítulo dela. Com duração de aproximadamente 37 minutos, parece alongada demais se comparada à sequência inicial de Império, criada com o propósito de explicar as marcas no rosto de Luke Skywalker, já que Mark Hamill havia se acidentado gravemente algum tempo antes. Neste filme aliás, Hamill entrega uma atuação não excelente por causa de suas limitações enquanto artista, mas muito melhorada em relação aos primeiros filmes, enquanto Harrison Ford parece estar a todo tempo brincando de atuar, não parecendo querer estar ali.

    Logo após, o filme se divide entre a jornada de Luke voltando para Dagobah a fim de terminar seu treinamento com Yoda, e lá interage novamente com Obi-Wan Kenobi (Alec Guiness) a respeito da revelação do filme anterior de que Vader é seu pai. Ao mesmo tempo, a Aliança Rebelde prepara um novo plano de ataque à nova Estrela da Morte que o Império está construindo em Endor. Este ponto vai atrair as duas maiores falhas do filme. O primeiro é reciclar a história de A Nova Esperança, onde o clímax também envolvia destruir a mesma arma do Império em um ataque espacial. O outro ponto é a inserção dos tão mal falados “ewoks” (nome nunca citado no filme) como coadjuvantes no ataque.

    Originalmente a ideia era realizar esta sequência em Kashyyk com os wookies, mas a opção pelos ewoks já mostra alguns sinais de onde George Lucas estava indo. Os ewoks são uma tentativa clara de infantilizar a trama e torná-la mais leve e palatável às crianças, grande nicho consumidor de produtos da franquia. A captura dos membros da Aliança pelos ewoks e seu ataque contra as tropas do Império que guardavam o gerador do escudo da nova Estrela da Morte é definitivamente o ponto mais baixo da trilogia. Os ataques de paus e pedras contra soldados de armaduras parece um esquete de programa de comédia da TV, tornando a ameaça representada pelo Império mais diluída e enfraquecida frente a sua magnanimidade apresentada no filme anterior.

    Porém, o que salva é toda a sequência entre Luke Skywalker, Darth Vader e o Imperador, que, ciente de tudo o que estava acontecendo, arma um engenhoso plano para tentar trazer Luke ao lado sombrio da Força. Se na luta de Império Luke era um brinquedo na mão de Vader, aqui é o contrário, e assim consegue vencê-lo de forma brutal, flertando com o lado negro. Mas ao perceber o quanto se parece com seu pai, o poupa da destruição total, frustrando os planos do Imperador, que decide então eliminar sua maior ameaça, com “force lightning”, até ser salvo por Vader, que se redime (cena estragada na edição especial, que adiciona dois “No” ditos por Vader, como se essa cena precisasse de algo além). Apesar de na cena final estarmos lidando com três sequências diferentes ao mesmo tempo (Endor, batalha espacial e Luke x Vader), não se torna confuso como no Episódio I, que possui quatro.

    Em perspectiva, a luta final entre Vader e Luke, apesar de curta, se mostra intensa, ao contrário dos balés estéreis dos novos filmes. O sabre é apenas uma ferramenta de um jedi (fato afirmado pelo Imperador, que não o utiliza); a Força é algo subjetivo; as batalhas espaciais são bem filmadas, bem colocadas e possuem propósito claro. Apesar de seus defeitos, é uma produção de qualidade, ainda mais se vista a versão lançada no cinema (com Sebastian Shaw na cena final dos “force ghosts”, e não a cabeça digitalmente inserida de Hayden Christensen, a alteração mais polêmica e preguiçosa da saga, já que Luke nunca conheceu ou viu seu pai mais novo, não podendo assim reconhecê-lo). A inserção de outros planetas comemorando uma suposta queda do Império é também questionável, afinal como todos esses planetas ficariam sabendo disso tudo em questão de horas? E, mesmo se soubessem, como iriam desmobilizar as forças remanescentes do Império em tão pouco tempo?

    Retorno de Jedi foi considerado por muito tempo o ponto mais fraco da saga. Porém, a nova trilogia, de tão absurdamente ruim, fez com que ele fosse redimido. Causa um certo desconforto ver os desajeitados ewoks lutando contra o Império, mas a batalha espacial e o confronto dos Skywalkers dentro da estrela da morte acabam pesando a balança a favor da produção, que, se não encerra com chave de ouro a maior saga da história do cinema, ao menos dá a seus protagonistas um desfecho digno, já que ela ainda possui vários elementos dos filmes anteriores, com seus pequenos toques e características que transformaram a franquia em algo tão grande. Além, é claro, de ainda contar com a sorte de um George Lucas não tão egomaníaco.

    (Para ver todas as mudanças feitas em Star Wars desde seu lançamento, acesse aqui – Em Inglês)

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Sentimentos Que Curam

    Crítica | Sentimentos Que Curam

    Sentimentos Que Curam - poster

    Há alguns anos, o número de doenças psicoemocionais em meio a sociedade cresce cada vez mais, e até pouco tempo, eram vistas como fraquezas psicológicas, falhas de caráter, frustrações momentâneas e “frescuras”. Porém, as consequências de tais doenças têm sido cada vez mais evidenciadas, e passaram a ser vistas não só como uma enfermidade, mas como um verdadeiro problema, uma ameaça a vida.

    O transtorno maníaco-depressivo, a bipolaridade, é uma das mais conhecidas, marcada pelas repentinas mudanças de estados de humor (variando nos níveis de intensidade, de frequência e de duração), com reações maiores do que os gatilhos, e flutuações sempre pendentes para comportamentos e atitudes negativas. Lançado no Festival de Sundance, é daqui que Sentimentos que Curam parte.

    Na trama, um sensível e introspectivo Mark Ruffalo interpreta Cameron, um portador da bipolaridade que, após um surto, é obrigado a se afastar de Maggie (Zoe Saldana), sua mulher, e suas duas filhas Amelia e Faith, interpretadas pelas estreantes Imogene Wolodarsky e Ashley Aufderheide. Após tempos em uma clínica psiquiatrica, Cam retorna tentando se reconciliar com a família.

    Quando Maggie resolve partir para uma outra cidade para estudar, as filhas do casal ficam com Cameron. A partir daqui as dificuldades que um pai bipolar tem para criar os filhos se tornam o foco do filme, assim como essas mesmas dificuldades o ajudam a enfrentar seus problemas. O filme marca a estréia da roteirista Maya Forbes (Monstros Vs. Alienigenas) na direção, que também assina o roteiro autobiográfico, com base na história de seu pai Donald Cameron Forbes.

    Desde o início, o filme lida com graça e excentricidade com a doença de Cam. Forbes consegue criar um retrato afetuoso de seu pai, mas ao mesmo tempo, sincero, resvalando sobre os efeitos colaterais de seus remédios, o pouco conhecimento psiquiátrico da época e até as inúmeras discussões familiares, tudo sempre tratado com leveza graças ao clima “light” usado ao invés do dramalhão, abrindo uma porta para que os espectadores se aproximem do filme.

    Além do foco afetivo, parte da leveza do longa se deve a caracterização da época “pé no freio” dos anos de 1970, logo após a loucura “sexo, drogas e rock and roll” da década passada. A reprodução dos vestuários e dos costumes, embalados por uma trilha sonora montada por nomes como George Harrinson e Tina Turner, além de composições de Theodore Shapiro, aumenta o teor emotivo e pessoal do filme, crescendo no sentido de acessibilidade e expandindo a identificação com o espectador.

    Além da já mencionada atuação impecável de Ruffalo, vemos em tela uma surpreendetemente forte, porém delicada Zoe Saldana, que move céus e terra por sua família, demonstrando isso com sutileza, sem usar de demagogias ou clichês para dizer que tem algo a mostrar. Em contrapartida, as pequenas Imogene Wolodarsky e Ashley Aufderheide se tornam um destaque por si só, transmitindo toda uma naturalidade e um ar infantil de inocência.

    Ainda que traga uma história simples de superação (ou quase isso) e de reencontro, Sentimentos que Curam é o tipo de filme que consegue cumprir exatamente o que promete, e apesar de previsível, emociona ao literalizar a ideia de que “a união faz a força”.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Tudo Vai Ficar Bem

    Crítica | Tudo Vai Ficar Bem

    Tudo Vai Ficar Bem - poster

    O único motivo por sermos tão apegados as memórias é que, por mais que as pessoas tenham mudado, elas não mudam, e é dessa lógica que parte Tudo Vai Ficar Bem, novo filme do aclamado diretor Wim Wenders.

    Na trama, James Franco interpreta Tomas Eldan, um escritor com bloqueio criativo que tem sua vida transtornada repentinamente após atropelar um garoto. Ao longo da década pela qual a situação, direta e indiretamente, se estende, Eldan enfrenta um relacionamento em crise, uma profunda depressão e uma mãe em luto. O elenco ainda é composto por Charlotte Gainsbourg, Marie-Josée Croze, Rachel McAdams e Peter Stormare.

    A consolidação de Wim Wenders no cenário internacional se deu pela sua ousadia ao experimentar estilos e gêneros completamente diferentes um do outro. Anti-naturalista que é, alivia todo tipo de sentimentalismo hiperbólico, sempre construindo um tipo de romance em tela, ideia enfatizada pelo talento único no posicionamento das câmeras, captando uma poesia visual do cotidiano.

    Aqui, porém, a estrutura não alcança um resultado satisfatório, mesmo com uma narrativa “em diálogo”, iludindo o interno do personagem com a realidade em si, e explicitando o conceito através do uso exagerado que faz da luz do sol, sendo essa uma passagem entre as ideias do “romance” na cabeça do protagonista e os acontecimentos em si. E são essas passagens que, ao passo que dão uma composição deslumbrante ao visual estético do filme, tiram parte de sua consistência, espaçando momentos gloriosos com cenas desnecessariamente longas que morrem em fades negros.

    Porém, mesmo mantendo um tom pesado e melancólico, o filme acaba por se tornar uma sequência de reviravoltas condensadas, semelhantes a uma encenação teatral forçada. Falta fluidez para que a história se desenvolva sem cair em conflitos previsíveis. Conflitos esses que se resolvem de maneira exageradamente rápida e nada palatável.

    Mesmo com uma metáfora alusiva implícita, o estudo e a reflexão sobre a passagem do tempo e das lutas diárias para conviver consigo mesmo se apresentam de forma rasa e simplista demais, conceituando alguns gatilhos para, de forma pretensiosa, alcançar a total cumplicidade do espectador, evitando todo e qualquer tipo de questionamento que não seja o apresentado.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • 2015 foi um ano difícil para a literatura

    2015 foi um ano difícil para a literatura

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    Este ano voou e talvez não deixe muitas saudades mesmo. O período foi um dos mais conturbados dos últimos tempos, com economia em baixa, crise política, confiança abalada e insegurança global. Pra muita gente, 2015 foi um ano de estagnação, de atrasos e de interrupção de projetos, o que só aumentou a sensação de perda de tempo, energia e recursos. No campo das artes não foi diferente, e no terreno da literatura acabamos colecionando um conjunto grande e contundente de reveses. Fizemos um levantamento da situação e podemos afirmar: 2015 foi um ano difícil! É verdade que faltam algumas semanas para fechar a fatura, mas decidimos antecipar esse balanço na esperança de que as desgraças e tragédias fiquem por aqui. 

    Fogo na Record

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    Em março, um incêndio destruiu parte das instalações do Grupo Editorial Record em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. O fogo atingiu o segundo andar do prédio, onde funciona o selo Bertrand Brasil, e havia seis funcionários no local. Felizmente, não houve vítimas, e as causas que levaram ao incêndio não foram reveladas. O estrago só não foi maior porque os bombeiros agiram rápido.

    Jornada cancelada

    Edição deste ano da Jornada de Literatura de Passo Fundo é cancelada
    Edição deste ano da Jornada de Literatura de Passo Fundo é cancelada

    Em maio, a reitoria da Universidade de Passo Fundo (UPF) confirmou que a 16ª edição da Jornada Nacional de Literatura estava mesmo cancelada. Segundo a professora Tânia Rösing, coordenadora e idealizadora do evento, o maior impedimento para a realização foi a falta de patrocínio de empresas privadas e do Estado. Verbas públicas que costumavam ser destinadas, como as do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, não vieram. Com histórico de participações ilustres como as de Mia Couto e Millôr Fernandes, o orçamento da feira é de cerca de R$ 3,5 milhões. Em 2015, um dos principais eventos literários do sul do país simplesmente não aconteceu.

    Portas fechadas…

    Livraria Leonardo Da Vinci

    A livraria Leonardo da Vinci funcionou durante 63 anos no Rio de Janeiro e se notabilizou por reunir intelectuais, escritores e poetas entre seus clientes assíduos. Criada em 1952 pelo romeno Andrei Duchiade, especializou-se no comércio de lançamentos importados e livros raros, mas não conseguiu competir com o mercado virtual e nem com as populares megalivrarias. Um dos clientes mais famosos da Leonardo da Vinci foi Carlos Drummond de Andrade, que a homenageou em um poema. O anúncio do fechamento do tradicional ponto de vendas e de encontros causou consternação no mercado editorial carioca.

    Suplemento extinto

    Caderno Prosa e Verso

    Em setembro, leitores do jornal O Globo foram surpreendidos com a notícia de que seu caderno literário deixaria de circular. O suplemento “Prosa & Verso” seria incorporado por outra seção, o “Segundo Caderno”, relegando o espaço dedicado à literatura a uma melancólica página frente e verso no diário carioca. O suplemento estava às vésperas de completar vinte anos de existência, mas nem isso impediu que desaparecesse causando pelo menos 40 demissões. Entre as baixas estava o crítico José Castello, um dos mais respeitados do país.

    Escritor preso?

    Delegado Tobias

    Aconteceu em setembro e talvez você nem acredite. Um personagem da ficção – sim, da ficção! – provocou um inquérito criminal encaminhado para o Ministério Público e investigado pela Polícia Federal. Incitada por uma denúncia anônima, a polícia achou necessário investigar uma peça da ficção em busca de evidências de “falsificação e uso de documento público” para criação de uma obra literária. O escritor paulistano Ricardo Lísias se viu nesse enredo kafkiano ao ser intimado pelas autoridades policiais a depor e a explicar que o teor da série com o Delegado Tobias é literatura, autoficção, e não crime de falsificação de documentos…

    Uma editora a menos

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    Em dezembro, Charles Cosac chocou o mercado editorial ao anunciar que a sofisticada editora Cosac Naify iria encerrar suas atividades. Especializada em publicações com alto padrão de qualidade, voltadas para os clássicos da literatura, livros de arte, arquitetura e fotografia, a Cosac Naify começou a operar no mercado brasileiro em 1997. A justificativa para o fim da editora deveu-se a uma vontade pessoal do fundador, em virtude da crise financeira e dos altos custos de produção dos livros, consumidos por um público cada vez mais restrito no país. O anúncio pegou a todos de surpresa, e houve até comoção nas redes sociais, como se um sonho tivesse acabado…

    Nossas maiores perdas

    Não bastassem tantos dissabores no mercado editorial, o nefasto 2015 também não cansou de causar  estragos, esses irreversíveis. Grandes escritores nos deixaram nos últimos meses: Henning Mankell, Oliver Sacks, Eduardo Galeano, Tomas Transtromer, Helena Jobim, Içami Tiba, Günter Grass, Ruth Rendell, Terry Pratchett, Joel Rufino dos Santos, Carmen Balcells, E.L. Doctorow

    São perdas inestimáveis.

    2015, está na hora de virarmos a página!

    Chris Lauxx

     Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério  Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Crítica | No Coração do Mar

    Crítica | No Coração do Mar

    No Coração do Mar - poster

    A tradição oral sempre esteve presente conosco. Ela, sem dúvida, é um dos ritos mais antigos que ainda carregamos, e através dela, antes mesmo de conseguirmos ler, são passados medos, lições e principalmente as histórias. E é através do interlocutor que essas passam a ganhar vida, mesmo que verdade ou não. Basicamente, é questão de acreditar no que está ouvindo. E é nessa passagem que todo o clima e atmosfera do filme No Coração do Mar, que estreia nos cinemas no próximo 3 de dezembro, constrói sua narrativa.

    O cinema do diretor Ron Howard tem se dedicado nas suas últimas obras a relatar histórias reais através de suas produções, e certamente atingiu muitos acertos, como Uma Mente Brilhante, obra na qual realiza uma cinebiografia, ou em conflitos reais como Frost e NixonRush – No Limite da Emoção. Mesmo que hoje possamos perceber com enorme frequência filmes voltados a contar histórias reais, origens de grandes fatos históricos e personagens numa tentativa de ressurgi-los mais uma vez, arrecadando milhões em bilheteria, é muito fácil destacar esses três filmes como obras muito bem realizadas no meio de tantos produtos semelhantes. Mas o que acontece quando ele decide contar uma história que na verdade deu origem a uma obra que é tão poderosa quanto a história que a inspirou?

    Na trama de No Coração do Mar, o futuro autor de Moby Dick, Herman Melville (Ben Whishaw) convence o velho Thomas Nickerson (Brendan Gleeson) a contar a história de quando ainda era um marujo (interpretado por Tom Holland) e o que ocorreu de fato por trás da destruição do navio Essex em 1820, que saiu em busca de caçar baleias, comandado pelo capitão George Pollard Jr. (Benjamin Walker) e seu Imediato Owen Chase (Chris Hemsworth)

    Já que o filme se passa unicamente no mar, seria mais do que função dessa produção trabalhar bem a construção do que se passa exatamente dentro e fora de um navio. O filme não só faz isso com excelência, mas consegue dosar numa montagem competente a simples busca por um vento favorável como algo completamente emocionante. As cores dos enquadramentos são propositalmente sóbrias nas cenas externas no mar para dar vida ao navio muitas vezes, assim como as cores das roupas do capitão Pollard, dourado das armas da tripulação e dos olhares dos tripulantes.

    Infelizmente, como muitas produções hoje carecem de uma imersão fidedigna ao que elas se propõem, existe um excesso de enquadramentos em close nos atores quando é necessária uma cena que exija um movimento mais preciso, ou uma ação coordenada em alguma direção da câmera. E, por outro lado, é muito difícil dizer quando estamos encarando uma baleia por CG ou por uma gravação pré-produzida com uma montagem competente. Vale ressaltar que, apesar da trilha claramente Hans Zimmeriana, ela encaixa perfeitamente nas cenas, assim como os efeitos sonoros da grande baleia branca que aterroriza a tripulação do Essex.

    Durante toda a passagem do filme, foi difícil não pensar no fato de que ele por si só já era a metalinguagem de outra história já contada, sendo contada para o seu autor. Os poucos momentos em que os personagens do Essex têm diálogos expositórios sobre sua condição, é muito claro a contraposição com a própria natureza da obra Moby Dick e que se estende até o fim do filme. Seu desfecho, amargo e doloroso, é resultado de uma condição miserável em que alguns poucos seres humanos sobreviveram para contar. Apesar de alguns veículos de comunicação terem divulgado a foto do ator Chris Hemsworth com pouquíssima massa muscular para interpretar o período à deriva da tripulação é possível dizer que o filme não abusa em demonstrar tal aspecto físico, exibindo-o pontualmente durante alguns trechos,

    A tradição oral é talvez um dos espelhos mais poderosos que temos para revelar o que se esconde de sombrio no coração do homem; tornar simples palavras em monstros e em assombrações depende unicamente do que existe de mais sombrio em cada um de nós. Quem sabe transpor o que deveria nos atormentar de tamanha forma com palavras em imagens talvez não seja a maneira mais efetiva de contar essa história.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança

    Crítica | Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança

    Star Wars - Episodio IV - Uma Nova Esperança

    A Teoria do Caos é uma das leis mais importantes do nosso universo. Presente em tudo que nos cerca, faz com que uma mudança na trajetória de um evento altere completamente seu final, podendo trazer as mais variadas e imprevisíveis consequências. E foi da Teoria do Caos que nasceu o Efeito Borboleta, estudo promovido e comprovado pelo meteorologista Edward Lorenz, na década de 60 e posteriormente corroborada por outros estudiosos. Lorenz dizia que o simples bater de asas de uma borboleta poderia causar tufões no outro lado do mundo.

    O diretor e roteirista George Lucas, que veio da mesma “escola” de monstros como Coppola e Spielberg, não tinha nenhuma noção do que estava por vir quando a primeira parte daquele calhamaço de papel que carregava havia sido aprovada para virar um filme. A única coisa que ele sabia é que tinha um prazo apertado e um orçamento limitado para deixar o filme pronto, sendo que tudo parecia conspirar contra a produção que foi muito conturbada e que, após a escolha do elenco, passou por diversas dificuldades no deserto da Tunísia, onde, pelo menos 1/3 do filme foi feito. Passadas todas essas dificuldades, o pior ainda estava por vir, uma vez que o conceito sci fi estabelecido por Lucas, apesar de não ser pioneiro, exigia certa habilidade técnica que os profissionais da época não tinham. E esse, talvez, foi o maior trunfo do visionário diretor, que acabou por criar sua própria empresa de efeitos especiais, Industrial Light & Magic (a maior do mundo), uma empresa de mixagem de som (Skywalker Sound), uma empresa de sistema de som (THX) e a Pixar, com o intuito de desenvolver animações.

    Assim nasceu o efeito borboleta chamado Star Wars, filme que mudou para sempre, não só a história do cinema, mas também a maneira como se faz cinema, algo que teve um impacto impressionante na indústria e na população mundial, o que perdura até os dias de hoje.

    Logo no início, sabemos que a história se passa há muito tempo, em uma galáxia, muito, muito distante e após das clássicas letras amarelas que explicam o que está acontecendo naquele momento, somos abatidos por uma nave colossal que chega a preencher toda a tela, perseguindo uma nave menor. Assim somos apresentados a Darth Vader (David Prowse sendo dublado pela voz imponente de James Earl Jones), o maior personagem da história do cinema, com seu visual ameaçador, além da voz e respiração mecânicas.

    Temendo ser presa por Vader, a Princesa Leia (Carrie Fischer) esconde informações importantes dentro do simpático robô R2-D2 (Kenny Baker) e o despacha junto com outro robô, C-3PO (Anthony Daniel), para o planeta Tatooine, com o intuito de encontrar o misterioso Obi-Wan Kenobi (Alec Guiness), tido por Leia como sua única esperança. Porém, a incursão dos droides em Tatooine não dá muito certo e eles acabam sendo vendidos ao jovem Luke Skywalker (Mark Hamill) que, sem querer, acaba conseguindo ler a mensagem de Leia. Assim, Luke desconfia que a bela moça esteja falando do “velho” Ben, tido por muitos como um bruxo que vive na região.

    Percebe-se nessa parte do primeiro ato que Luke é bastante curioso e reticente quanto ao seu desconhecido passado. Seus tios escondem ao máximo quem de fato foram seus pais. Assim, ele vê Ben como a última peça do quebra-cabeça ao descobrir que o nobre e sábio Obi-Wan Kenobi  é, na verdade, um cavaleiro Jedi, muito mais próximo de Luke do que ele podia imaginar, uma vez que Obi-Wan lutou ao lado do pai de Luke e encontro poderá mudar o destino da galáxia para sempre.

    Lucas desenvolveu uma história simples, mas funcional, do bem contra o mal, onde o mocinho precisa salvar a princesa, onde a minoria da Aliança Rebelde, com seus poucos recursos, tenta tirar do poder o Império Galático, que, no decorrer dos anos, devido à sua tirania, acabou por juntar muitos dissidentes, dentre os quais o mercenário canastrão Han Solo (Harrison Ford), que, por odiar o Império e, principalmente, por estar precisando de dinheiro, aceita a empreitada suicida de ir resgatar a Princesa Leia, juntamente de seu co-piloto, o wookie, Chewbacca (Peter Mayhew), além de Obi-Wan e Luke, que, detentor da Força, começa seu treinamento Jedi.

    A aventura em questão possui ótimos momentos e o segundo ato é repleto de tensão dentro da base do Império conhecida como Estrela Morte, uma estação espacial gigantesca com poder bélico suficiente para destruir um planeta inteiro e os melhores momentos, com certeza, ficam por conta do resgate de Leia, junto com o embate de Luke, Han e Chewbacca contra os soldados do Império, conhecidos como Stormtroopers. E não podemos esquecer de um dos momentos mais emocionantes da saga, onde Obi-Wan Kenobi enfrenta Darth Vader, numa luta com sabres de luz, mais intelectual do que física.

    Assim, pela primeira vez que está a um passo à frente do Império, os Rebeldes preparam uma investida contra a Estrela da Morte que resulta no melhor título que esse filme pôde ter. A “guerra nas estrelas” na qual Aliança e Império se propuseram é, de fato, muito boa e emocionante, com efeitos especiais nunca antes vistos. Os belos Tie Fighters do Império contra os X-Wings da Aliança Rebelde formam um balé no espaço digno de nota e que ajudou o filme a ser um dos maiores sucessos de bilheteria da história do cinema.

    O mérito de George Lucas não é apenas pelo fato da história ser boa, tão menos pela sua direção (longe de ser um primor e repleta de “homenagens” a Flash Gordon). Acontece que Star Wars beira a perfeição por diversos motivos. A começar pela trilha sonora certeira do mestre John Williams que, responsável por diversos clássicos do cinema, emplacou pelos menos outros 3 grandes sucessos só nesse filme. O jovem Harrison Ford definiu para sempre seu personagem. A elegância de Alec Guiness traz serenidade ao velho Obi-Wan. O ameaçador Darth Vader, o maior vilão da história do cinema. Além disso, a biodiversidade chega a ser absurda. Diversas raças de alienígenas convivendo entre si. Temos também os designs da produção, desde o figurino dos protagonistas, passando por toda a arte proposta ao Império, onde quase tudo é de cor escura, porém muito belo. E o que falar das naves? O Star Destroyer cruzando a tela logo na primeira cena, os Tie Fighters, caças imperiais rápidos, mortais e dotados de nenhuma aerodinâmica e ainda temos a Millennium Falcon, a nave de Han Solo. E também há espaço para destacar a sonoplastia, uma vez que o impacto poderia ter sido bem menor se os sabres de luz, as naves e o restante das armas não tivesses aqueles sons tão característicos.

    Enfim, todo esse conjunto definiu o que seria o cinema do ano de 1977 para frente. Todo esse conjunto definiu que o ser humano pode sim se apaixonar por um filme.

    Texto de autoria de David Matheus.

  • Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – O Final

    Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – O Final

    JV

    Repartida em duas partes, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 e Jogos Vorazes: A Esperança – O Final, a franquia segue a história de um mundo dividido em distritos, onde a Capital consagra-se em louros, luxo e riqueza e os demais distritos lutam por migalhas de uma vida. Na parte anterior iniciou-se a reorganização dos distritos contra a Capital, porém esta medida resulta em diversos atritos, fazendo com que estes se desliguem de seu inimigo em comum: o Presidente Snow (Donald Sutherland). Lideradas nos bastidores por Alma Coin (Julianne Moore) e Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), usa-se da propaganda e do poder do mito para estabelecer as motivações de um povo para alcançar sua liberdade.

    Katniss (Jennifer Lawrence) é este grande mito, criado inicialmente nos primeiros Jogos Vorazes, quando a Capital inseria crianças para se matarem em um jogo sangrento a fim de apaziguar os ânimos, e principalmente demonstrar a superioridade da Capital sobre os demais distritos. Propaganda, sede de sangue, mentiras, manipulação midiática e interesses escusos retratam com excelente aproximação o estado de nosso planeta, e não à toa é a franquia que melhor retrata nossos tempos para posterior registro histórico.

    Com o grande mérito de criar uma das sagas mais importantes cultural e comercialmente da história do cinema, a saga infanto-juvenil “Jogos Vorazes” traz consigo um conteúdo mais robusto do que seus pares no cinema, bem como um elenco de excelência capaz de traduzir o conteúdo político com a simplicidade e verdade necessárias. O destaque fica com Donald Sutherland e sua elegância: cinismo, bom humor e perigo iminente; e para Philip Seymour Hoffman, cuja falta foi duramente sentida principalmente ao final do terceiro ato.

    Coincidentemente ou não, é possível ver atualmente países europeus que por um lado flertam e negociam com príncipes sauditas, que por sua vez financiam grupos terroristas. Assim, diante do poder de choque de um atentado, a solução óbvia jamais é complicada. A solução óbvia é justamente enviar meninos e meninas para matar ou morrer em guerras ineficientes.

    Eis que surge um exemplo. O fenômeno chamado “Efeito Espectador” traduz a dificuldade de grupos sociais agirem em momento de ajuda quando solicitado, como uma espécie de sedação coletiva. Uma possível solução para isso, de acordo com o pesquisador Phillip Zimbardo, é justamente o poder que o herói detém sobre nós. O herói é o exemplo capaz de retirar a venda da sociedade e demonstrar o potencial de pessoas comuns frente a situações extraordinárias.

    Assim, Katniss é constantemente manipulada pela presidente Coin, ao usar de sua empatia natural para comunicar com o que há de mais honesto no povo. Katniss jamais tem o amparo e esperança que os Messias do cinema trazem consigo, tais como Luke Skywalker, mas sim a dificuldade e a tristeza de ter sua vida retirada de si até que estivesse numa situação onde agir seria a única solução. E é desta maneira que Katniss representa esta heroína incomum e inesperada, quase como quem tivesse de ser outra pessoa, e é assim que ela triunfa sobre os vetores de uma guerra política suja e incoerente. Por não ser uma personagem comum, toda a estrutura da saga segue um formato não-canônico, onde o clímax não se traduz na luta da heroína com seu nêmesis, mas sim na abertura para a complexidade do jogo político e o entendimento que o grande inimigo não é uma pessoa. É sob esta percepção que A Esperança: Parte 2 inverte o conceito de vitória e derrota quando, sob uma operação “bandeira falsa”, Katniss percebe que o verdadeiro retrato do fascismo não é uma caricatura de Hitler ou coisa que o valha, mas sim aquele capaz de tudo pelo bem comum, o “cidadão de bem”; aquele que fará tudo sob o pretexto de alcançar o melhor para todos, inclusive roubar a liberdade do povo, e que esta atitude não tem lado ou ideologia pré-determinada.

    Acusado, como seu capítulo anterior, de ser muito lento para a audiência com déficit de atenção, a conclusão da saga de Katniss como a heroína de um novo tempo parece inadequada em seu formato. Realmente a direção tem seus momentos de dificuldades, o clima é soturno e desamparado, quase sem momentos de alívio, o conteúdo é mal dimensionado e poderia valer-se do incrível elenco para trazer mais impacto à história que ocorre de maneira lenta — E eventualmente simplesmente não progride — mas é com certeza um fechamento muito digno para a saga, que apesar de não ter conseguido alcançar a excelência técnica em seus capítulos, é com certeza um dos materiais mais ricos da cultura pop atual ao fazer emergir temas tão atuais e de difícil digestão.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Star Wars – Episódio II: Ataque Dos Clones

    Crítica | Star Wars – Episódio II: Ataque Dos Clones

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    Após a fria recepção de A Ameaça Fantasma pela crítica e pelo público, tudo indicava que a legião de fãs da saga havia perdido o brilho nos olhos, e que a ansiedade em torno de sua volta ao cinema cairia por terra. Porém, em Ataque dos Clones, George Lucas consegue (ou conseguiu) provar que o universo criado em 1977 ainda é capaz de causar algum impacto no coração dos fãs.

    Dez anos após os acontecimentos do antecessor, a trama gira em torno de um movimento separatista liderado por Conde Dooku (Christopher Lee), que tem como um de seus objetivos assassinar a agora senadora Padme Amidala (Natalie Portman). Com o intuito de protegê-la, o Conselho Jedi convoca Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) e seu aprendiz padawan, Anakin Skywalker (Hayden Christensen). Enquanto Obi-Wan parte para investigações, Anakin é designado para proteger a senadora.

    Se em A Ameaça Fantasma a decepção reside na trama fraca e no clima irritantemente infantil, Ataque dos Clones consegue corrigir grande parte dos defeitos do antecessor, nos oferecendo uma história melhor desenvolvida (ainda que imperfeita) e um visual que, em partes, recria a maturidade dos primeiros filmes, além das ótimas cenas de ação, e que correspondem aos acontecimentos, não sendo só um show visual com inimigos vindo de lugar nenhum como no episódio anterior.

    Após um início eletrizante, o filme passa a sofrer com sérios problemas de ritmo ao se dividir em dois, quando Anakin parte com a senadora em sua missão. Tem início um dos períodos mais cruciais da história a franquia: o romance que levaria ao nascimento dos protagonistas dos acontecimentos futuros. E é pelo peso que carrega que merecia melhor desenvolvimento. Parece não haver química ou simpatia entre Christensen e Portman mesmo quando a relação é desnecessariamente invadida. Fica a sensação de que o romance é mera exigência da história, e não algo que foi construído naturalmente pelos personagens.

    O filme carrega como um de seus maiores defeitos a falta de empatia de Hayden Christensen, que parece ter seguido o exemplo da versão mirim de seu personagem, e não transmite emoção alguma, elemento essencial ao desenvolvimento de seu personagem, e mesmo dando lampejos do que se tornaria, seja em suas inúmeras discussões com seu mestre e nos debates com a senadora, o ator é incapaz de mostrar capacidade de se tornar quem se tornaria.

    Por outro lado, a investigação de Obi-Wan nos entrega alguns dos momentos mais envolventes do filme, protagonizados por um excelente Ewan McGregor que troca o semblante impetuoso do episódio anterior pelos traços do poderoso guerreiro que é, referenciando a imortalizada figura sábia criada por Alec Guiness na trilogia original.

    Os três anos que separam Ataque dos Clones de seu antecessor foram marcados por uma evolução tecnológica enorme, permitindo que o episódio se tornasse um verdadeiro show de efeitos em vários momentos, mas o exagero de George Lucas tira partes do charme mais “rústico” que marca a trilogia original ao tentar mostrar sinais de evolução na franquia, de forma que possamos ver o mundo que sempre teve em mente. Porém, um dos maiores destaques da direção “exagerada” de Lucas são suas cenas de ação, conduzidas com fluidez e naturalidade, explorando ao máximo os cenários virtuosísticos e a tecnologia digital da qual dispunha. Algumas das batalhas aqui travadas são até hoje lembradas como alguns dos melhores momentos da franquia.

    Se A Ameaça Fantasma fez toda a ansiedade em torno do retorno de Star Wars cair, sua sequência foi capaz de recuperar boa parte da magia da saga. É inegável que, quando os créditos começam a subir e começamos a refletir sobre o que vimos nas últimas duas horas, percebemos que a trama não é maravilhosa, que o roteiro é recheado de momentos desnecessários e forçados, e que alguns dos momentos mais importantes foram banalizados sem hesitação. Entretanto, como todos os filmes da saga, Ataque dos Clones não foi feito para ser “pensado”, mas apenas “sentido”.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Resenha | De Volta à Caixa de Desejos – Ana Cristina Melo

    Resenha | De Volta à Caixa de Desejos – Ana Cristina Melo

    De Volta à Caixa de Desejos - Ana Cristina Melo

    Se em A Caixa de Desejos, livro que precede esta obra, acompanhamos Marília na transição da infância para a adolescência, em De Volta à Caixa de Desejos, o tema de certa forma se repete, quando, no fim do ensino médio, ela inicia sua passagem para a vida adulta. Marília permanece apaixonada por literatura e, seguindo o conselho de seus pais pensa em prestar vestibular para jornalismo. O momento também é decisivo para Francine, que após o término do casamento de sua mãe tem que decidir se permanece em Paris ou volta para o Brasil.

    Porém, não são só as preocupações com seu futuro profissional que vem tirar o sono de Marília. Quando seus pais começam a se desentender, a protagonista vê o equilíbrio do seu mundo ameaçado. Soma-se a isso um namorado ciumento e a chegada de Joca, um possível novo interesse amoroso, ampliando seus horizontes. São tantos os conflitos que fica impossível não recorrer a sua caixa de desejos, uma maneira de conectar-se também com sua avó Laurinda, de quem sente tanta falta.

    No primeiro livro fui totalmente conquistada pela forma simples e poética em que o luto da protagonista é explorado e em como ela se vê às voltas com os sentimentos e emoções de outras pessoas, enquanto tenta administrar seus próprios medos e frustrações. Apesar da melancolia que percorre a obra, a história é contada de forma leve, e a brevidade dos relatos deixa nas entrelinhas muitos dos sentimentos, o que funciona bem por se tratarem de situações tão universais. Se os detalhes de cada história pessoal são únicos, os anseios e temores do amadurecimento são universais.

    Em sua continuação, a autora mantém o mesmo tom, porém com o universo já estabelecido fica mais fácil desenvolver melhor a história. Apesar da protagonista estar mais velha, a narrativa continua sendo contada para a mesma criança que leu a obra anterior, incluindo os temas da adolescência que parecerão tão adultos para a mesma de forma delicada: paixão, namoro, ciúmes, vestibular, tudo parece envolto em uma certa magia. Ana Cristina Melo acerta em não incluir uma grande lição como cerne de sua história, passeia por temas de interesse para seu leitor, e nos oferece uma deliciosa narrativa mostrando que a maior aventura da vida é crescer.

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    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.