Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Bravura Indômita (2010)

    Crítica | Bravura Indômita (2010)

    bravura indomita

    A adaptação do romance de Charles Portis feita pelos irmãos Coen talvez seja o trabalho menos autoral da dupla de cineastas, pois não tem os traços característicos mais marcantes de suas produções, como o humor negro e a complicada cadeia de eventos que acomete e dificulta a vida dos protagonistas. Porém, não é menos significativa por isso. Ao optar por uma ótica e narrativa mais diretas, temos contato com o outro lado, também talentoso, dos diretores.

    A história se inicia com a órfã de pai extremamente inteligente, educada e perspicaz Mattie Ross (Hailee Steinfeld) em busca de alguém para trazer Tom Chaney (Josh Brolin), o assassino de seu pai, à justiça. Para isso, tenta contratar o caçador de recompensas Rooster Cogburn (Jeff Bridges), que aceita o serviço a contragosto. Também se junta ao bando o Texas Ranger LaBoeuf (Matt Damon), que há anos procura Chaney por um assassinato de um senador cometido no Texas.

    Bridges compõe um personagem peculiar, pois ao mesmo tempo em que se mostra um bêbado e em decadência, mostra um faro apurado ao ser colocado no encalço de seu alvo. Misturando um sotaque carregado com a fala confusa característica dos alcoólatras, Bridges cativa o espectador ao flertar com um típico anti-herói, que, apesar de antagonizar a protagonista, no final faz de tudo para salvá-la.

    A protagonista Mattie Ross também tem em sua pele a atuação impressionante da novata Hailee Steinfeld, que logo de início convence o espectador através da obstinação de sua personagem – que renegocia os pôneis de seu falecido pai – em um diálogo rico, rápido e extremamente inteligente, que lembra o estilo clássico dos Coen, mas em um tom mais sóbrio, condizente com a proposta do filme. A própria existência de uma adolescente, forte e dona de seu destino, em um contexto como o do Velho Oeste oitocentista, garante uma profundidade maior a Mattie, fartamente explorada tanto pelas situações em que é colocada como pela amplitude dramática de Steinfeld.

    Matt Damon dá a LaBoeuf a arrogância típica do texano, que traz um sentimento maior para com o seu estado do que para com o seu país, causando uma antipatia em Cogburn. Porém, após tantas disputas e certas trapalhadas, como morder a língua ao ser arrastado por um cavalo, LaBoeuf mostra um lado fraternal para Ross, como se estivesse tentando protegê-la tanto de Cogburn quanto do restante do mundo.

    Juntando três personagens tão diferentes com um mesmo objetivo, a dinâmica da narrativa se estabelece exatamente na evolução de suas relações e como todos aprendem mais sobre o outro, si próprios e sobre o mundo, especialmente Mattie, que acaba por enfrentar e depois matar Chaney sozinha, enquanto Cogburn protagoniza uma bela e épica cena de tiroteio contra o grupo de “Lucky” Ned Pepper (Barry Pepper), sendo ajudado depois por LaBoeuf em um tiro certeiro, o que restabelece sua confiança como atirador antes abalada justamente por Cogburn. Interessante também é a composição de Chaney, mostrado como um bandido inferior, submetido às ordens do outro, e que reage impulsivamente e de forma nem sempre inteligente às situações, contrariando a expectativa criada sobre um grande mestre do crime que engana as autoridades há meses.

    Tecnicamente falando, a produção é um primor em todos os aspectos. A fotografia de Roger Deakins traz os mais belos planos do Oeste, nos lembrando a todo instante das razões pelas quais o gênero conquistou tantos espectadores com o passar das décadas. O figurino, o design de produção e a maquiagem passam toda a brutalidade suja do Oeste, responsável por transformar homens em bestas que, depois de algumas décadas, seriam alçados à categoria de heróis e desbravadores do país.

    Bravura Indômita cativa, então, por sua seriedade e sobriedade, com toques de um leve humor, e por seus personagens que agem, reagem e crescem frente aos obstáculos em seus caminhos, criando-se um vínculo próprio entre eles. Vínculo esse que é friamente subvertido na cena final, onde a já crescida Mattie Ross procura Cogburn depois de 25 anos para prestar uma homenagem a ele e o encontra morto. Essa atmosfera áspera e melancólica do Oeste, que se reflete nas relações entre seus habitantes, é transferida para o filme, o que dá a ele uma carga emocional ainda mais intensa, já que poucos cineastas têm a sensibilidade de retratar o sul dos EUA com toda a complexidade social e cultural da região sem cair em clichês e estereótipos.  E essa produção traz exatamente isso: uma nova releitura sobre uma história bem conhecida mas que renova o combalido gênero western através de um revigorante sopro de qualidade.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Mr. Mercedes – Stephen King

    Resenha | Mr. Mercedes – Stephen King

    Mr Mercedes - Capa

    Carrie – A Estranha (1974) conta a história de uma adolescente socialmente desajustada, que usa seus poderes psíquicos quando é humilhada além do que poderia suportar; A Hora do Vampiro (1975) pode ser visto como uma releitura de Bram Stoker para os Estados Unidos de 1970; A Coisa (1986) conta a história de uma entidade vestida de palhaço e de sete amigos que se unem para enfrentá-la; O Iluminado (1977) coloca o leitor em isolamento, forçando-o a encarar os terrores que despertam o pior em Jack Torrance. Vamos pular para os anos 2000, quando Stephen King resolveu que seria interessante lançar um tijolo por ano. Os livros finais da saga A Torre Negra (1982-2012); Celular (2006); Sob a Redoma (2009); (o péssimo título nacional de) Love: A História de Lisey (2006); Novembro de 63 (2011); e, agora, Mr. Mercedes, dentre outros livros do prolífico Stephen King. Você, leitor assíduo do escritor norte-americano, pode notar a diferença na atmosfera entre os livros?

    Para o fiel leitor, é clara a distinção entre os dois pontos, e até mesmo aqueles que tiveram pouco contato com a obra do mestre do horror poderiam facilmente notar a diferença dos livros mais recentes diante dos textos iniciais. Mr. Mercedes, último lançamento de King, é o romance que melhor representa o momento em que o autor atualmente se enquadra. E já adianto, ele está sentado numa confortável cadeira bem estofada, com uma lata de Pepsi numa mão e um smartphone na outra, provavelmente navegando no Twitter.

    O mais novo romance de King tem início quando uma Mercedes branca vai de encontro a uma fila de pessoas que aguardavam o início de uma feira de empregos. São pessoas desesperadas, enfrentando uma noite gelada para serem as primeiras a entrar no local e lutar por um lugar no soterrado mercado americano de 2009. A neblina – claro que precisávamos de neblina: você conseguiria imaginar uma cena noturna sem neblina? – esconde o carro que descia contra eles até o inevitável: oito mortos e diversos incapacitados. Mr. Mercedes se  inicia com um rio de sangue.

    Um ano mais tarde e estamos na sala do ex-policial Kermit William Hodges, fora de forma, viciado em chulos programas de televisão e contemplando por tempo demais o revólver que era de seu pai, uma arma que vai parar em sua boca enquanto o suicídio é contemplado com seriedade crescente. Quando uma carta do assassino da Mercedes aparece sob o vão de sua porta, o ex-policial volta a farejar o rastro deixado pelo funesto ato. Hodges de repente tem um novo motivo para viver: apreender o misterioso assassino apelidado de Senhor Mercedes. Assim, passa por uma mudança radical enquanto soma pistas que passaram despercebidas quando o sangue ainda estava fresco na lataria do carro de luxo.

    Mr. Mercedes é previsível. Todos os elementos noir saltam pelas mais de quatrocentas páginas da edição original, enquanto a investigação se desenrola e a personagem central recupera o que sobrou de policial no sangue que corre em suas envelhecidas veias. Em certo ponto, Hodges usa um chapéu fedora, arrumado em sua cabeça por uma linda mulher. O próprio nome William Hodges é noir. Hodges, em letras garrafais estampadas sobre o vidro de seu escritório, na parte perigosa da cidade.

    A trama mais parece um colcha de retalhos de clichês do gênero e faria do livro um desastre esquecido nas prateleiras, acumulando pó e perdendo seu valor, não fosse a mágica de Stephen King. É impossível largar a narrativa até seu derradeiro fim – normalmente o ponto fraco das obras do autor, mas que nesse caso surpreende com um desenvolvimento que promete agradar a maioria dos leitores. Convenhamos, se King lançasse um compendium com suas listas de mercado, muitos o comprariam na pré-venda – eu compraria, céus! -, e milhares de sites postariam reviews, ranqueando os trabalhos do escritor e procurando referências de seu universo literário. E é a habilidade de agarrar o seu leitor pelas narinas e o prender nas páginas que faz do mestre do horror um best-seller até hoje.

    O que também chama atenção em Mr. Mercedes não são as (poucas) reviravoltas na trama (momentos que fariam seu queixo cair até o chão), mas as escolhas narrativas e a atmosfera realista, sóbria, tecida neste novo romance, que o tornam único. Pense comigo. Carrie, O Iluminado, Christine (1983), A Coisa e outros títulos do início de carreira são recheados de absurdos sobrenaturais, repletos de personagens como a adolescente que pode matar apenas com a mente, o palhaço que some com as crianças de Derry, e um carro amaldiçoado. Um carro amaldiçoado! O Stephen King das décadas de 70-90 amava as cenas com aranhas percorrendo a pele sedosa das damas em perigo e mocinhos bondosos que trabalhavam até a exaustão para corrigir toda a maldade que caminhava sobre a Terra. São os clássicos absolutos de seu legado que para sempre estarão no coração de seus fãs. Seu foco parece mudar das cenas que chocam para as que constroem um suspense palpável, numa atmosfera que provoca mais a necessidade de saber o que acontecerá a seguir do que propriamente utilizar o bizarro por sua simples existência. Há tempos ele não mais precisa demonstrar que é o mestre do horror e, de certa forma, sua escrita agora goza de uma liberdade criativa que poucos têm.

    Assim como o próprio autor, os livros mais recentes se apresentam sóbrios e mais sérios. Até mesmo o horror veste novos tons e chega como um elemento hiper-realista. O problema não são mais os demônios despertos numa velha mina do centro-oeste americano; os novos vilões são juntas doloridas, ataques cardíacos, limitações físicas e o sólido anacronismo digital dos protagonistas. Da mesma forma que King deixou a cerveja e a cocaína de lado para agarrar-se às latas de Pepsi, seus livros também amadureceram e ganharam um ritmo mais lento, e não poderia ser diferente, uma vez que eles refletem o estado de seu autor.

    Mr. Mercedes é uma história policial, longe de ser classificada como horror, gênero que caracteriza o autor. Claro, o novo livro não desbrava novos territórios de sua narrativa, e podemos falar de outros romances e contos, como Conta Comigo (1982), Um Sonho de Liberdade (1982), Joyland (2013) e Misery (1987), mas nenhuma destas histórias abraçou o estilo como este lançamento o fez, para o bem e para o mal. Encontramos um novo Stephen King, afastado das frenéticas lutas contra monstros terríveis para se concentrar em monstros que se escondem atrás do anonimato on-line. Saem as aranhas gigantes, entram os protocolos de identificação e cavalos de troia que podem ler todos seus arquivos. É uma história mais realista e aponta a tendência de deixar de lado o absurdo surreal para abraçar o absurdo real.

    O livro absorve questões atuais e tendências da vida digital, afastando-se dos velhos meios de investigação para entregar ao leitor uma pesquisa em blogs, redes sociais e artigos em sites de jornal, sempre na busca do culpado no caso Senhor Mercedes. Invasão de documentos privados, o risco de vírus ao se usarem computadores pessoais contra a investigação e, claro, chats em salas totalmente anônimas. Toda a vida virtual é englobada e ganha vida na trama pelas mãos de Jerome, um garoto de 17 anos totalmente imerso nas novidades tecnológicas e modas culturais do verão. Jerome é o guia de Hodges para o novo labirinto com paredes formadas por fileiras intermináveis de 1 e que também serve como condutor entre os dois pilares do romance: o velho policial que sequer sabe como ligar o computador e o Senhor Mercedes, cujo conhecimento técnico supera o esperado. Numa cena significativa, Jerome, em tradução livre feita por mim, aconselha o agente aposentado: “Seu computador não é apenas mais um aparelho de TV. Tire isso de sua cabeça. Toda vez que você o liga, estará abrindo uma janela para sua vida. Se alguém quiser olhar, verá.” No caso em questão, Hodges abusa do mundo virtual para auxiliar na busca de sua versão de baleia branca. Hodges é um Ahab que poderia compartilhar no Facebook a vontade incontrolável de finalmente caçar a baleia branca.

    Deixando para trás a revolta juvenil, o escritor sabe que é preciso entender os novos modelos de comunicação para não se tornar obsoleto e anacrônico. Ele sempre soube, aliás. A Planta (2000) foi uma aventura que demonstrou, anos antes, os desafios que os novos modelos de livros virtuais carregam, como a pirataria e os problemas de laços digitais; seus acordos com a Amazon colocaram Kindles nas mãos de personagens; e seu principal meio de comunicação com os fãs é o Twitter. Hodges é o resultado da reflexão de Stephen sobre o que é envelhecer num mundo dominado pelos jovens; sobre a dificuldade de se atualizar por meio de redes sociais e modelos de celular; sobre os desafios de manter a privacidade quando todos estão tagarelando a respeito de suas vidas, enquanto digitam em tablets e smartphones sentados na privada e com as calças arriadas. Mr. Mercedes se passa num mundo onde a Blockbuster está fechada e todos migraram para a Netflix.

    Por fim, o romance arrisca pouco e dá sinais de cansaço, mas é um livro que prende o leitor. E no fim do dia é isso que importa: entregar uma boa história. O perfil oficial de Stephen King no Twitter, gerenciado pelo próprio e resumindo nos limitados caracteres o papel das novas tecnologias, fecha com chave de ouro minha análise ao anunciar que Mr. Mercedes é a primeira parte de uma trilogia. Sem divulgações oficiais e uma custosa rede de publicidade. 140 caracteres são o suficiente hoje em dia.

     

    Maurício Ieiri é um historiador que não faz História. Atualmente tentando descobrir o que fazer com sua vida, partindo deste exato momento até o dia em que morrer. No meio tempo, escreve todos os dias de maneira alucinada.

  • Resenha | The Walking Dead: A Ascensão do Governador – Robert Kirkman e Jay Bonansinga

    Resenha | The Walking Dead: A Ascensão do Governador – Robert Kirkman e Jay Bonansinga

    Marcar presença no maior número de mídias possíveis é praticamente lei para qualquer produto cultural hoje em dia. The Walking Dead surgiu e se consolidou nos quadrinhos, explodiu em popularidade com o seriado televisivo e apareceu em adaptações para games. A franquia ganhou também uma série de livros, co-escrita por Robert Kirkman e Joe Bonansinga. O primeiro é o criador e roteirista das hqs, além de produtor executivo da série de TV, enquanto o segundo é um experiente escritor de livros de terror. Juntos eles se dedicaram a detalhar a origem do Governador, o mais icônico vilão da saga.

    Publicado no Brasil pela Galera Record, A Ascensão do Governador é o primeiro capítulo da série literária, e serve como prequel e história paralela aos eventos mostrados na televisão. A trama situa-se nos dias e semanas iniciais da epidemia zumbi, e acompanha principalmente os irmãos Philip e Brian Blake. Junto dos amigos Nick e Bobby e da pequena Penny, filha de Philip, eles seguem a tradicional jornada dos sobreviventes em histórias do gênero. Fuga, correria e tensão constantes, em meio a uma desesperada e eterna busca por suprimentos e abrigo. Como não poderia deixar de ser, a construção dos personagens é fortemente baseada no conceito de que, em situações extremas, o verdadeiro caráter de cada um vem à tona.

    Parte da diversão – e o próprio livro brinca com isso – é tentar decifrar qual dos irmãos vai se tornar o Governador. No seriado, o personagem usou os dois nomes, Philip e Brian, em diferentes momentos. E a descrição física de Philip (pele morena, cabelos e bigodes pretos e longos) ironicamente se encaixa com a versão do vilão dos quadrinhos, uma espécie de Danny Trejo psicopata. Mas no fim das contas, é preciso apenas um pouquinho de perspicácia para desviar das pistas falsas e obviedades, e enxergar o que está sendo desenvolvido. O determinante são as personalidades dos dois irmãos, que não poderiam ser mais diferentes.

    Philip é o macho alfa, líder incontestável do grupo. Viúvo endurecido por uma vida dedicada ao sustento da filha, ele é o homem que parte para a ação e faz o que é preciso, sem perder um segundo com questionamentos. Conforme a pressão sobre ele vai aumentando, seu lado negro começa a aparecer. Entre descontrole e explosões de violência, seu objetivo é proteger Penny a qualquer custo. Já Brian é o popular bunda mole. Apesar de ser o mais velho, ele sempre foi fraco e dependente do irmão. No caótico cenário pós-apocalíptico, ele se torna um incômodo peso morto, medroso e que só serve para cuidar da sobrinha enquanto os homens de verdade salvam o dia. Brian sofre, e muito, para entender as regras desse nada admirável mundo novo.

    O livro chega até a surpreender por conseguir aliar uma profunda análise psicológica dos protagonistas a uma narrativa muito ágil e repleta de situações diferentes. As descrições das matanças de zumbis são ótimas, detalhadas a ponto de se visualizar com perfeição todo o gore das cenas. Também vale destacar que, conforme a história avança, o tom fica cada vez mais pesado – tanto que a obra não é recomendada para menores. Outro conceito marcante do gênero aparece aqui de forma perturbadora: a verdadeira ameaça, os verdadeiros monstros, não são os mortos.

    Com um final impactante e que começa a jogar essa história na direção daquilo que foi visto antes, A Ascensão do Governador mantém o alto nível dos quadrinhos e dos melhores momentos do seriado. Além de mostrar a força da franquia The Walking Dead, o livro serve até para quem não acompanha esse universo, pois analisado isoladamente ele continua sendo uma boa pedida em termos de literatura de terror e suspense.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | Absurdistão – Gary Shteyngart

    Resenha | Absurdistão – Gary Shteyngart

    Eis então que cruzo com este título curioso na livraria, com uma capa bonita que traz a Estátua da Liberdade junto com o Palácio do Kremlin e diversas marcações aludindo a um passaporte. Passaporte este que nos leva até o peculiar e pequenino país chamado Absurdistão. Terra árida, mas rica em petróleo, que vive um conflito armado de trágicas proporções (propositalmente remete ao eterno entrave no Oriente Médio); lá acompanhamos a enormidade (de coração e gordura) de Misha Vainberg. Ele é quem nos guia pelo livro. Filho de um dos homens mais ricos da Rússia, fã fervoroso da cultura norte-americana e por lá sonha viver para o resto da vida. Infelizmente, por conta de negócios ilícitos de seu pai (assassinato!), é impossível conseguir um visto de entrada na terra do Tio Sam.

    Assim acabamos todos no Absurdistão. Vamos com Misha, de primeira classe, para essa terra exótica, seduzidos pela oportunidade de tirarmos um passaporte falso de nacionalidade belga e enfim conseguir o visto para os EUA. No entanto, eclode a guerra! Assim, de supetão, Misha Vainberg está preso dentro do Absurdistão, privado de suas regalias, privado de seus sonhos e testemunhando os horrores da batalha.

    “Eu sou Misha Borisovitch Vainberg, trinta anos de idade, um obeso de olhos pequenos e profundamente azuis com um belo nariz judeu que lembra a mais distinta raça de papagaio e lábios tão delicados que você gostaria de esbofeteá-los”.

    O livro começa com a alma do protagonista exposta, em suas próprias palavras: “145 quilos de um gordão incorrigível”. Com carisma e contatos, ele acaba no inusitado cargo de Ministro de Assuntos Multiculturais do Absurdistão. Como essa função é só um tapa-buraco dentro de uma nação de corruptos, ele segue no livro flertando com várias mulheres, fazendo uma operação de fimose que lhe descaracteriza o seu precioso “khui”, cantando rap de qualidade duvidosa e comendo refeições gigantescas. No meio disso, observa a luta de classes e até mesmo descobre certa veia piedosa e religiosa que lhe era desconhecida.

    Uma trama bem básica no fim das contas. Mas você se pergunta: Qual o atrativo do livro? É diferente! Digamos que é para cosmopolitas materialistas que não querem se apegar a sentimentalismo barato. Também pra quem gosta de personagens com personalidade marcante, viajantes calejados e curiosos em geral. Humor ácido escrito pelo premiado Gary Shteyngart (pouco conhecido aqui) que por acaso é tataraneto de Nikolai Gogol (Tipo: E daí?). Nikolai é Nikolai, o eterno e único. Então, no fim das contas, vá à livraria e observe atentamente essa peça. Calcule se vai ser um bom passatempo ao ler uma passagem como esta:

    “E acabou. Desengatei de Liuba e olhei meu pau molhado. Faltava um dos testículos. Aparentemente, subira para o meu abdômen. – Porra, Liuba – eu disse. – Falta um ovo aqui. Porra, porra, porra”.

    Por essa passagem e outras muitas que terminei a aventura com um sorriso sacana.

    Texto de autoria de Sergio Ferrari.

  • Crítica | A Culpa é das Estrelas

    Crítica | A Culpa é das Estrelas

    Fault-in-our-stars

    Após o lançamento de A Culpa é das Estrelas, do carismático autor John Green, a adaptação para o cinema seria apenas uma questão de tempo. Com um sucesso estrondoso, o best-seller, lançado em 2012, desbancou As Crônicas de Gelo e Fogo como a obra literária mais vendida em várias partes do mundo, inclusive aqui no Brasil. O sucesso iminente do filme começou a se manifestar logo no lançamento do primeiro trailer, uma vez que foi o trailer mais curtido do Youtube, ultrapassando o detentor do recorde anterior, Homem de Ferro 3.

    Partindo do princípio de que esta crítica está livre de comparações ao livro, existe algo de errado em A Culpa é das Estrelas e esse erro é justamente a sinopse. O filme, competentemente dirigido por Josh Boone, não trata somente do amor entre dois jovens com câncer que se conheceram num grupo de autoajuda e de como eles lidam com o sofrimento da perda. O filme, além de mostrar o que foi dito, também demonstra uma maneira divertida (e muitas vezes incômoda pelas piadas de humor negro) de se encararem os percalços da vida com câncer e como o amor pode ajudar uma pessoa doente em sua recuperação, algo que interfere não só na vida dos protagonistas como também na das pessoas que os cercam. Tudo isso dentro de uma jornada inesperada, com um desfecho interessante, o que difere dos muitos filmes do gênero, causando surpresa não pelo óbvio (que também existe e muito), mas sim porque além do câncer e da dor da perda a vida ainda prepara inúmeros dissabores.

    Hazel Grace Lancaster (Shailene Woodley) é uma jovem diagnosticada com câncer na tireoide com metástase nos pulmões, obrigando-a a respirar com um tubo de oxigênio (e também carregando-o) pelo resto de sua vida. A vida de Hazel é bastante tediosa: ela passa o dia lendo livros e assistindo a programas banais na televisão. Acreditando estar com depressão, a menina aceita os conselhos de sua mãe, Frannie (a sumida Laura Dern) e passa a frequentar um grupo de apoio da igreja juntamente com jovens na mesma situação que a dela.

    Não demora muito pra Hazel trombar literalmente num corredor com Augustus Waters (Ansel Elgort), jovem, bonito, com cara de canastrão. E a partir desse contato físico, clichê o bastante, Hazel se interessa pelo rapaz, o que faz com que ela corra ao banheiro para arrumar o cabelo, limpar alguma remela perdida no decorrer dos dias de inanição.

    Durante a reunião, Hazel descobre que “Gus” já “passou” pelo câncer, o que lhe custou uma perna e que ele estava ali acompanhando seu melhor amigo, Isaac (Nat Wolff), vítima de câncer nos olhos e que se tornaria 100% cego dentro de semanas. É também nesta reunião que Hazel e Gus têm sua primeira discussão, o que faz com que o rapaz vá atrás dela na saída, convidando-a para ir à sua casa, sendo este um dos aspectos negativos do filme, porque tudo acontece muito rápido.

    Porém, por sorte, o filme é mais do que isso.

    Como dito, Hazel adora livros e empresta seu preferido a Gus. Acontece que o livro não tem fim e “acaba” no meio de uma frase. Ademais, o autor do livro, Van Houten (brilhantemente vivido por Willem Dafoe), nunca respondeu aos e-mails de Hazel, que é louca para conhecê-lo e por querer saber qual o destino dos personagens do livro. Assim, Hazel e Gus embarcam numa viagem à Amsterdã, onde reside o mais que recluso autor, com a ajuda de uma ONG (muito parecida com a Make a Wish) e da carismática Lidewij (Lotte Verbeek), secretária de Van Houten.

    O filme funciona e você acaba não ligando para os inúmeros clichês e momentos fofos entre o casal, que somente dá seu primeiro beijo na metade da fita. Aliás, o filme é longo, tem duas horas e seis minutos de duração, mas a fluidez é tanta que nem se percebe o tempo passar.

    Ansel Elgort faz um Augustus Waters bobo, do tipo engraçadinho, mas que também te faz rir. Ele é inteligente e convicto nas suas ideias, te fazendo acreditar que realmente tudo o que ele fala tem fundamento. O destaque fica por conta de seu cigarro sempre apagado em sua boca, o que é seu porto seguro. Gus acredita que mantendo o cigarro apagado ele estaria enganando a morte. Porém, o excesso de piadas de mau gosto do personagem, inclusive para com seu amigo Isaac, chega a cansar.

    Shailene Woodley despertou a curiosidade de Hollywood por ter sido alvo de uma polêmica causada pelos fãs do Homem-Aranha, que praticamente obrigaram o diretor de O Espetacular Homem-Aranha: A Ameaça de Electro, Mark Webb, a cortar as participações da atriz como Mary Jane, simplesmente porque Woodley parecia não convencer pelas fotos das filmagens que vazaram. O episódio irritou a atriz, que pediu demissão, rescindindo um contrato de três filmes. Porém, em A Culpa é das Estrelas, Woodley, que já tinha estrelado outra adaptação de sucesso, Divergente, comprova que é uma atriz competente e versátil.

    Embora o filme flua, o roteiro não é bem amarrado, o que deixa algumas pontas soltas que poderiam ter sido resolvidas. Por exemplo, percebe-se claramente que o pai de Hazel, Michael (Sam Trammel), não está confortável com o relacionamento de sua filha com Gus, porém, não se sabe o momento em que Michael passa a aceitar Gus em sua família. Ele simplesmente aceita, do nada. Outro exemplo, esse um pouco mais sério, porque interfere diretamente numa das cenas mais lindas do longa, foi a motivação de Lidewij em querer mostrar ao casal a casa onde Anne Frank se refugiou antes de ser descoberta pelos nazistas. Mas, como dito, a cena é um dos pontos altos do filme, onde a trilha sonora abre espaço somente para os diálogos dos personagens e da narração do diário de Frank publicado em 1947.

    Finalmente, o saldo é bem positivo e a direção de Boone é moderna, lembrando um pouco o ritmo de 500 Dias Com Ela, com muitas doses de humor, sendo influenciado, também, por Scott Pilgrim Contra o Mundo, já que quando Hazel e Gus trocam mensagens pelo celular, as mensagens aparecem escritas na tela dentro de balões desenhados à mão. E a fotografia é bastante sutil e subliminar. Há cenas bem coloridas, e outras sem muita cor, o que demonstra o humor ou a carga emocional do filme naquele determinado momento, principalmente em Amsterdã, onde o clima é o tempo todo nublado.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Espelho

    Crítica | O Espelho

    oculus

    Acusado de matar os pais quando criança, Tim Russell (Brenton Thwaites) sai sob custódia preventiva, onze anos depois, do hospital psiquiátrico em que estava preso. Tim quer apenas retomar sua vida e esquecer o que houve, mas sua irmã mais velha, Kaylie (Karen Gillan), tem certeza de que o responsável pelas mortes é um espelho mal-assombrado que existia na casa em que moravam e convence o irmão a ajudá-la a comprovar isso e destruir o objeto.

    Não há como negar que a atmosfera do filme é um diferencial em relação a tantos outros filmes de terror convencionais, focados apenas nos sustos. A cena inicial em que o espectador vê, pelos olhos das crianças, o pai delas transtornado perseguindo-as, dá uma boa ideia do que vem a seguir. Colocar em dúvida se o que realmente aconteceu é o que Tim vivenciou ou o que Kaylie viu é um ótimo artifício narrativo. Enquanto Tim via a mãe doente e o pai enlouquecido, Kaylie via um objeto inanimado controlando o comportamento dos pais. Ele (o insano?) vai preso por ter usado a arma contra o pai. Ela (a sã?) segue sua vida procurando o espelho obsessivamente, convencida de seu poder sobrenatural. O questionamento da sanidade dos dois contribui para deixar o espectador ainda mais tenso e desconfortável na poltrona. Infelizmente, o roteirista e diretor, Mike Flanagan, parece desistir dessa abordagem por volta da metade da história que, a partir daí, passa a ser mais um filme que quer, ou melhor, tenta assustar o público.

    É uma pena, pois o início é muito promissor. A tensão evolui lentamente, enquanto o passado dos dois irmãos é aos poucos revelado através de flashbacks. Aliás, apesar das idas e vindas entre passado e presente serem excessivas, causando certa confusão em alguns trechos, as transições entre um e outro são muito bem construídas, com algumas soluções visuais bastante interessantes. Em alguns momentos é quase como se as memórias se consolidassem no presente e interagissem com ele, transformando a lembrança dos pais em algo quase palpável e, por que não dizer, em fantasmas assombrando os irmãos.

    Mesmo sendo difícil julgar o elenco em filmes de terror, já que a maior parte do tempo passam fazendo caras e bocas de susto e apreensão, pode-se dizer que tanto Thwaites quanto Gillan estão bem convincentes em seus papéis. Rory Cochrane como o pai, Alan, está ok. E Katee Sackhoff, como a mãe, Maria, também não faz feio, principalmente nas cenas mais aterrorizantes. Mas o destaque mesmo é o casal de atores-mirins Annalise Basso e Garrett Ryan.

    Tecnicamente, não há o que reclamar. Seja pela fotografia, pelo cenário e mesmo pelos efeitos especiais, o resultado final é muito bom. Mas o filme peca mesmo é pelo roteiro com um ótimo início, que perde o rumo na metade e que chega num desfecho mais brochante que o pior dos clichês.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Transformers: A Era da Extinção

    Crítica | Transformers: A Era da Extinção

    transformers-a-era-da-extincao

    Quando foi anunciado, em meados de 2005, que o desenho Transformers ganharia uma adaptação para o cinema, ninguém sabia o que esperar. Porém, as expectativas eram as melhores possíveis. Quando o filme chegou às telas, em 2007, até os mais invejosos deixaram de criticar o tuning feito no disfarce de caminhão de Optimus Prime, todo pintado de chamas no melhor estilo hot rod, e passaram a apreciar uma ótima adaptação repleta de ação, humor, com uma trilha sonora certeira, tanto musical quanto orquestrada, além de ter uma história simples porém cativante sobre um jovem apaixonado pela garota mais popular do colégio e que precisa tirar notas boas para comprar seu primeiro carro.

    Infelizmente, mesmo a franquia se sustentando pelos sucessos de bilheterias das continuações Transformers: A Vingança dos Derrotados e Transformers: O Lado Oculto da Lua, os filmes foram um fracasso. Além de dois roteiros fraquíssimos, a relação entre o diretor Michael Bay e o elenco principal parecia ter se esgotado, uma vez que trabalhar com Bay não é uma das tarefas mais fáceis. Tal esgotamento resultou na demissão da atriz Megan Fox que havia, inclusive, iniciado as filmagens do terceiro filme.

    Logo após a estreia de O Lado Oculto da Lua, um reboot foi anunciado. Os robôs, obviamente, permaneceriam, mas todo o elenco seria trocado, o que permitiu que Transformers: A Era da Extinção fosse tratado como uma continuação dos três anteriores. E a mudança fez bem, mas não tão bem assim. Com uma história convincente, porém quase copiada da relação familiar mostrada em Armageddon (também de Bay), do pai-ciumento-que-faz-tudo-pela-filha-mas-que-descobre-que-ela-namora-e-nem-é-tão-santa-assim, o filme tem um péssimo terceiro ato que quase estraga toda a empolgação.

    Cade Yeager (Mark Wahlberg) é um mecânico, inventor e caçador de relíquias falido que tem o sonho de ser reconhecido pelo seu trabalho para poder pagar os estudos de sua filha Tessa (Nicola Peltz). Além de consertar aparelhos eletrônicos dos vizinhos, o que lhe rende pouquíssimo dinheiro, Cade vive comprando coisas velhas que as pessoas não usam mais com o objetivo de inventar alguma coisa, cuja patente lhe deixaria milionário. Sua vida muda quando, ao visitar um cinema abandonado no Texas, se interessa por um caminhão velho e destruído e o compra por 150 dólares. Durante o conserto do caminhão em seu celeiro (muito bacana, por sinal), Cade percebe que o sistema mecânico daquele caminhão é completamente diferente e que, portanto, poderia se tratar de um transformer. Após algumas noites em claro, consegue consertar e ativar Optimus Prime (novamente na voz de Peter Cullen), que agora passa a ter uma dívida com Cade. Optimus envia uma mensagem ao restante dos Autobots sobreviventes e consegue se reunir ao sempre carismático Bumblebee e aos novos Autobots: Autobot Hound (na voz do grande John Goodman); Autobot Drift (na voz do ótimo Ken Watanabe), um Autobot samurai (sim, um samurai); e Autobot Crosshairs (voz de John DiMaggio).

    Paralelo a estes acontecimentos, somos apresentados a um grupo secreto do governo muito semelhante à equipe Nest liderada pelo personagem de Josh Duhamel na primeira trilogia. Porém, esta equipe trabalha ao lado do transformer Lockdown (voz de Mark Ryan), caçando e matando Autobots ao redor da Terra. Com os adventos negativos da batalha em Chicago de Transformers: O Lado Oculto da Lua, o governo decidiu não contar mais com a ajuda dos Autobots, obrigando os robôs a se refugiarem e a se disfarçarem, o que explica a mudança de visual de Optimus e Bumblebee.

    Também somos apresentados ao cientista Joshua Joyce (Stanley Tucci) e seu sócio de negócios Harold Attinger (Kelsey Grammer). Joyce é uma espécie de Steve Jobs da indústria armamentista e que vem conseguindo criar seus próprios transformers baseados no “DNA” dos robôs capturados por Lockdown. Tem como objetivo criar transformers em larga escala e vendê-los para outros países. Já Attinger tem uma mente maligna e trabalha ao lado de Lockdown, liderando à distância a equipe de caça em busca de Optimus Prime, que detém a Semente, uma espécie de matéria-prima que, se detonada, se torna uma fonte inesgotável para a construção dos robôs de Joyce.

    Com esses três núcleos de personagens, o roteirista Ehren Kruger, que retorna à franquia desta vez assinando o filme sozinho, consegue amarrar uma história convincente, convergindo estes núcleos de forma inteligente e bastante justificável. Não há nada de errado no fato da família de Cade estar envolvida numa trama em que um robô mercenário – que tem como esporte aprisionar líderes dos planetas em que passa – fecha um “contrato” com humanos que concordam em entregar o líder dos Autobots em troca da Semente.

    As cenas de ação são muito boas e o destaque fica para a perseguição aos Autobots, onde os transformers dos humanos são ativados pela primeira vez e liderados por Galvatron, que foi criado tendo Megatron como base, o que demonstra timidamente o que poderá vir numa eventual continuação. Com isso, a parte de humor também é boa e sobra até para Optimus uma piada. A cena em que Bumblebee, que não gosta nem um pouco de ser chamado de lata velha, encontra o transformer que foi criado a partir de sua base é espetacular. É sempre bom poder rir com um robô amarelo e temperamental (entenderam?).

    Infelizmente, o terceiro ato é ruim e repete os mesmos erros dos dois filmes anteriores, pecando pelo excesso. Chega a ser chata essa mania de Bay em querer que o filme seja maior e mais épico possível, algo que não contribui em nada para o desenrolar da trama. É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que Bumblebee simplesmente desaparece numa determinada parte. O sentimento é de enganação, o que também pode levantar a suspeita de que o filme sofreu problemas em sua produção, já que se nota claramente que os dois primeiros atos fazem parte de um ótimo e promissor filme, sendo o terceiro ato parte de um péssimo filme. A diferença chega a ser tão gritante que Joshua Joyce, antes tido como um gênio da indústria moderna, um personagem carismático que não se sabe em que lado está, seja reduzido a um personagem engraçadinho e insuportável, dez vezes pior que o agente Simmons, vivido por John Turturro na trilogia original. Até a presença dos Dinobots no filme poderia ter sido descartada se os Autobots, de fato, não estivessem precisando de ajuda. O curioso é a maneira como se responde à questão da existência de robôs-dinossauros no filme, sendo a resposta a mais simples e óbvia possível.

    Quanto à direção de Bay, mais do mesmo. Estão lá as competentes cenas de ação, as cenas feitas em contraste com o pôr-do-sol, assim como as cenas em câmera lenta. Embora seja muito criticado por sempre repetir a mesma fórmula, inclusive por copiar aquilo que deu certo (e o que deu errado, também) e por ser exagerado, Bay ainda é um dos poucos diretores em Hollywood que, obviamente com exceção dos robôs, ainda trabalha com cenários reais e efeitos práticos, além de colocar seus atores dentro de explosões e situações de perigo reais, sem o uso de dublês. o 3D é competente e a experiência, de fato, vale o ingresso, o que é muito raro.

    Apesar do terceiro ato e dos longos 165 minutos de fita, Transformers: A Era da Extinção tem um saldo positivo, mas por pouco. O novo elenco e os novos personagens injetaram um pouco de ânimo à franquia. A jovem atriz Nicola Peltz e Jack Raynor, que faz o namorado de Tessa, Shane, são apáticos, mas Mark Wahlberg, com seu personagem carismático, e Stanley Tucci conseguem carregar o filme nas costas. Seria bastante interessante se, em algum momento, acontecesse um encontro entre Sam Witwicky, da trilogia antiga, e Cade Yeager.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Review | Bron/Broen | The Tunnel

    Review | Bron/Broen | The Tunnel

    Bron Broen

    Em Bron/Broen, série escandinava que estreou em 2012, o corpo de uma política conhecida, evidentemente assassinada, é encontrado na ponte (bron, em sueco; broen, em dinamarquês) Øresunds, que liga a Dinamarca à Suécia, exatamente na fronteira entre os dois países. As polícias dos dois países precisam colaborar entre si a fim de esclarecer o ocorrido. Do lado sueco, Saga Norén (Sofia Helin), uma policial super eficiente, mas um zero à esquerda em termos de interação social; do lado dinamarquês, Martin Rohde (Kim Bodnia). O que inicialmente parecia apenas uma encenação teatral e exibicionista, acaba se revelando algo muito mais amplo, já que esse crime é apenas o primeiro de uma série que o criminoso irá utilizar para alertar a sociedade sobre as mazelas que a atingem – preconceito, miséria, tratamento de doentes mentais, impunidade, trabalho infantil.

    O sucesso de público foi tamanho que logo “gerou” uma versão anglo-francesa – The Tunnel, produção conjunta do Canal + e Sky Atlantic – em que o corpo é encontrado no túnel da Mancha, exatamente na fronteira entre França e Inglaterra. A investigadora francesa é Elise Wasserman (Clémence Poésy) e o investigador inglês é Karl Roebuck (Stephen Dillane, o Stannis de Game of thrones).

    Diferente de outras séries com duplas de policiais, esta não é procedural. Tem, sim, um arco dramático que abarca toda a temporada, o que talvez não agrade muito a alguns espectadores. Contudo, é um formato ótimo para aqueles que curtem fazer “maratonas” de séries. Com dez episódios por temporada – a segunda já foi lançada e a terceira está programada para 2015 -, não perde tempo com tramas secundárias desnecessárias, nem “fillers” – em bom português, episódios de encheção de linguiça. Mesmo que por volta do oitavo episódio a trama perca um pouco sua força, ao ser revelada a real motivação do criminoso, e mesmo com o final revisitando Seven, o roteiro é bem amarrado e bastante envolvente.

    Aliás, a forma como a trama é estruturada é bem interessante. Ao mesmo tempo em que o espectador acompanha a dupla na investigação, outros personagens são apresentados. Parecem estar desconectados da história, mas dois ou três episódios adiante, os fios são unidos e o novo núcleo de personagens é integrado à trama. Parte da diversão do espectador, além de bancar o detetive, é tentar descobrir onde esses personagens se encaixam.

    the-tunnel

    Nas duas versões, a dinâmica entre a dupla de policiais funciona muito, muito bem. É quase padrão que a maioria dos filmes e séries, em que há uma dupla de personagens interagindo, faça uso de personagens com características diferentes, mas que acabam se complementando. Neste caso, são extremos opostos em praticamente tudo, tendo em comum apenas o fato de serem ótimos policiais.

    Enquanto ela beira o autismo no que diz respeito a relações interpessoais, e incapaz até mesmo de cometer aquelas pequenas “mentiras sociais” que facilitam o convívio – é até possível que ela tenha síndrome de Asperger, apesar de nada ser comentado nesse sentido; ele, em contrapartida, é extremamente sociável, um apaziguador nato, tanto no trabalho quanto em casa. Ela mora sozinha, num condomínio urbano, em apartamento pequeno totalmente impessoal, e come qualquer coisa que se possa aquecer no micro-ondas; ele tem cinco filhos, mora com a esposa atual e quatro deles numa casa ampla afastada do centro, e cozinhar em família faz parte da rotina. Essa disparidade garante ótimos diálogos e algumas situações hilárias – como quando a esposa de Martin/Karl convida Saga/Elise para jantar.

    Outro destaque, tanto na original quanto na versão anglo-francesa, é a direção de arte e a de fotografia. Tem-se a impressão de que todos os enquadramentos foram cuidadosamente estudados. Há vários tomadas dignas de ser emolduradas, tamanha a qualidade estética. Junte-se a isso uma trilha sonora pouco intrusiva, sutil, muito bem encaixada nas cenas.

    A versão anglo-francesa fez algumas pequenas alterações no roteiro, que não modificaram o plano geral da trama. Cerca de 90% delas foram melhorias, que adicionaram dinamismo à trama, um pouco mais de tensão em alguns momentos, motivações mais coerentes para as atitudes de alguns personagens, amarrando melhor os fios entre eles. Um dos ajustes bem-vindos foi na direção dos atores. As duas duplas de atores têm performances de qualidade, dando consistência e veracidade aos personagens. No entanto, a Elise de Clémence Poésy consegue gerar mais empatia com o espectador que a Saga de Sofia Helin. O comportamento de Saga parece muito mais robótico, dando a impressão de que ela não passa de uma pessoa fria e arrogante por se considerar – e ser – mais inteligente que os demais. Enquanto Elise, mesmo sendo tão distante e sem traquejo social quanto Saga, passa a impressão de ser assim simplesmente por nunca ter dado importância a isso a ponto de procurar ser diferente. É mais fácil gostar dela e se importar com seu destino do que com a policial sueca.

    Além da versão anglo-francesa, há também uma norte-americana, The Bridge, já com a segunda temporada confirmada, com Diane Kruger (de Bastardos Inglórios) e o ator mexicano Demian Bichir.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    jersey boys

    Quem acha que Frankie Valli se resume a “La Bamba” e “Donna” vai se surpreender ao descobrir que há mais sobre ele do que “sonha nossa vã filosofia”. Produzido por Valli e Bob Gaudio, o filme, baseado no musical de mesmo nome (vencedor do Tony Award) e no livro Jersey Boys: The Story of Frankie Valli and the Four Seasons de David Cote, conta a história da carreira de Valli e do grupo Four Seasons – Frankie Valli (John Lloyd Young) como vocalista principal; Tommy DeVito (Vincent Piazza), guitarra e voz; Nick Massi (Michael Lomenda), baixo e voz; Bob Gaudio (Erich Bergen), piano e voz.

    O espectador é apresentado a Francesco Castellucio, um aspirante a barbeiro, dono de uma voz em falsete bem possante, que viria a adotar Frankie Valli como nome artístico. Depois de três anos, Clint Eastwood volta à direção contando a trajetória do quarteto, desde o início de sua ascensão – após o sucesso de “Sherry”, em 1962 – até sua dissolução nos anos 70. Nesse período, o grupo passa por situações difíceis, saias justas, discussões, problemas financeiros, enquanto se apresenta por todo o país, desfrutando da fama adquirida. Sem grandes surpresas, pois é a história de 90% dos grupos artísticos bem-sucedidos.

    Como vários artistas da época, conseguem abandonar a provável carreira de gangsteres devido a seus dotes musicais – sem deixar de recorrer à famiglia nos momentos de aperto. A bênção do padrinho Angelo “Gyp” DeCarlo (Christopher Walken), um mafioso que parece ter superpoderes, já que consegue resolver qualquer problema, fã da voz do jovem Frankie, garante que os jovens coloquem seus talentos em prática. É sob os auspícios da máfia e de seu código – honra, respeito, fidelidade a seu benfeitor – que o grupo se estrutura. E é justamente pelo desrespeito a esse código que o grupo se desfaz anos mais tarde.

    Mesmo que a história seja baseada em fatos reais “de verdade”, tanto a contada no musical quanto a vista no filme, o que se vê é a visão do roteirista e do diretor sobre o que aconteceu. E, no caso da película, uma visão bem convencional, sem grandes arroubos criativos, seja em termos de roteiro, fotografia, montagem, direção. Há o rompimento da “quarta parede”, optando por fazer com que os personagens contem a história ao espectador. Mas não há nada de tão revolucionário nisso. Martin Scorsese se utilizou disso muito bem em Os Bons Companheiros. É uma boa solução narrativa, pois evita o uso extensivo da narração em off, que possivelmente seria tediosa, além de “puxar” o espectador para dentro da história, tornando-o um ouvinte-observador – ou observador-ouvinte.

    E falando em ouvir, aos amantes de música, especialmente de canções dos anos 60, com seus grupos vocais e rocks dançantes, a diversão está garantida. Há ótimos trechos musicais, daqueles de acompanhar o ritmo com o pé e sussurrar a música junto com os cantores. Destaque para a sequência final, com um número digno dos melhores musicais, homenageando o gênero da melhor forma possível.

    Clint nos deixou mal acostumados, presentando o público com Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro, Gran Torino, e até mesmo com o mais recente J. Edgar. É praticamente inevitável ver um filme dirigido por ele sem um pingo de expectativa. E provavelmente parte dessa expectativa é a responsável por fazer Jersey Boys parecer mais morno do que realmente é.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Review | Cosmos: Odisseia no Espaço

    Review | Cosmos: Odisseia no Espaço

    cosmos-a-space-time-odysseyCarl Sagan e seu programa de TV dos anos 80, Cosmos, foram responsáveis por criar uma geração inteira de entusiastas da ciência, além de pesquisadores de carreira, em razão do didatismo do cientista e escritor e de sua paixão pelo conhecimento humano e pela capacidade de evoluirmos enquanto espécie. Por isso, sua morte em 1996 deixou uma lacuna nos corações e mentes dos também apaixonados por ciência e pela humanidade.

    Sua esposa e também cientista e ativista Ann Druyan tentou durante anos colocar de volta no ar uma nova versão de Cosmos, mas ciência e TV não combinam muito bem, de acordo com as emissoras. Tudo isso mudou quando Seth McFarlane – criador de séries de sucesso como Uma Família da Pesada, fã de Sagan e participante do núcleo de uma ala liberal e progressista na TV americana (junto de Bill Maher) -, se ocupou da tarefa de apresentar a ideia do programa a FOX, tradicional rede de TV conservadora nos EUA, o que foi um choque para muitos que a emissora aceitasse a produção do programa. Para apresentá-lo, foi escolhido Neil deGrasse Tyson, astrofísico americano de grande popularidade no meio acadêmico e na internet – também por ter virado um “meme”- , e que possuía uma história de admiração por Sagan. Além, é claro, de também ter uma excelente didática e linguagem moderna, juntamente com a paixão que tanto marcou o programa original. Nasce, assim, Cosmos: Odisseia no Espaço.

    Partindo da premissa do programa clássico, Tyson conduz o espectador primeiramente por uma explicação da noção de tempo que trabalhamos, utilizando o conhecido “calendário cósmico”, onde o dia 1º de janeiro seria o início do universo, e 31 de dezembro, a nossa época. Tudo isso é feito com o único objetivo de nos tornar um pouco mais humildes frente à imensidão do espaço e do tempo em que estamos inseridos. Também são introduzidos o método científico e o conceito de como os primeiros cientistas racionalizaram uma forma de se entender o funcionamento da natureza através da observação e da experimentação, e depois se chegando a uma conclusão. Além disso, somos apresentados a uma animação que conta a trajetória de Galileu, em um formato que difere da série original, a qual usou atores. A animação é interessante porque além de permitir dar asas às metáforas que Neil narra, é visualmente mais atraente.

    O ponto alto do piloto, no entanto, é seu final, onde, visivelmente emocionado, Neil descreve a experiência de ter conhecido Carl Sagan e termina dizendo que, até então, sabia o que queria ser da vida, mas depois de ter conhecido seu mentor, descobriu o tipo de pessoa que gostaria de se tornar.

    A partir do segundo episódio, a série não se preocupa muito em manter uma cronicidade dos eventos, variando os temas conforme a necessidade da narrativa. Passamos pela domesticação dos animais, a evolução dos olhos, as grandes extinções, a descoberta do funcionamento da gravidade, da luz, da relatividade, das estruturas do átomo e da eletricidade e tantas outras que foram responsáveis por mudar radicalmente a vida da humanidade.

    Porém, o maior mérito de Cosmos: Odisseia no Espaço é seu tom político e de enfrentamento, o que o original não tinha tanto. Ao citar a luta do cientista Clair Patterson em associar o uso de chumbo na gasolina a doenças que começam a aparecer nos EUA – em oposição aos interesses das indústrias do petróleo e automobilística -, nota-se a comparação com a luta atual de se provar que a emissão de carbono é responsável pela aceleração do aquecimento global do planeta. Ambos os eventos estão fartamente documentados e são consenso na ciência, mas alguns grupos ainda insistem em afirmar que isso ainda não está provado.

    Essa postura honesta – de assumir que a ciência não é neutra, pode ser manipulada por interesses econômicos, e que muitas vezes é refém das limitações dos homens de sua época – é essencial para nos mantermos alertas frente ao poder econômico das corporações que está longe dos interesses da humanidade, como é o caso do aquecimento global.

    Também é importante a abordagem que o programa dá a várias cientistas mulheres que contribuíram para o avanço da ciência, em especial da astronomia, e que foram deixadas em segundo plano na história. Por exemplo, Cecilia Payne, e seu importante trabalho sobre a luz das estrelas refletida na Terra, nos ajudou a descobrir que esses corpos celestes são feitos de hidrogênio e hélio.

    Apesar de às vezes a citação de tantos dados e tantos “bilhões e bilhões” em escalas muito diferentes de tamanhos e distâncias – além da variação de temas por episódios – poder confundir o espectador, o maior mérito de Cosmos: Odisseia no Espaço é não fazer concessão alguma ao poder do lobby religioso nos EUA. Em momento algum é citado o criacionismo ou qualquer outra pseudociência que tenta, no grito, ganhar espaço no debate público e acadêmico. A postura do programa está correta porque essas ideias já têm seu espaço garantido em outros lugares. Um programa de ciência deve se dedicar somente a falar sobre ciência. O programa em momento algum prega que ela é perfeita, e nem pretende ser, mas é a nossa melhor ferramenta intelectual para ajudar a humanidade a se livrar de seus problemas – que muitas vezes ela mesma cria para si própria – e tentar melhorar a vida de todos.

    Por isso, Cosmos: Odisseia no Espaço é tão importante nos dias de hoje. Para fazer com que as novas gerações saibam do nosso poder enquanto transformadores de nossa realidade, e que consigamos fazer algo de positivo com ele.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | A Luz entre Oceanos – M. L. Stedman

    Resenha | A Luz entre Oceanos – M. L. Stedman

    Todo grande livro trata, em maior ou menor escala, daquilo que se convém chamar de moral – o que define o aceitável e o condenável na ação humana, distinguindo o bem e o mal, a virtude e o vício. E quando o conflito moral transcende o universo ficcional no qual atuam seus personagens – fazendo com que o leitor, pautado em seu próprio conjunto de valores, se pergunte se reproduziria aquelas ações ou se agiria diferente caso se encontre em situações análogas às descritas ao longo das páginas -, a excelência de um texto se confirma. É o que tenta fazer M. L. Stedman em A Luz entre Oceanos, no qual apresenta um casal de pessoas essencialmente boas tendo que tomar e lidar com as consequências de decisões moralmente ambíguas. Mas, infelizmente, o romance de estreia do autor australiano está longe de ser um grande livro.

    A trama se desenrola na isolada ilha de Janus Rock, para a qual Tom Sherbourne, o distante protagonista da histórica, partiu em uma espécie de exílio autoimposto ao qual se submete para fugir dos fantasmas da recém-findada Primeira Guerra Mundial. Trabalhando como faroleiro, ele conhece Isabel Graysmark, que representa sua antítese: jovial, alegre e otimista. Desnecessário dizer que ambos se apaixonam. Porém, essas figuras com personalidades e experiências tão diferentes compartilham do mesmo desespero perante a incapacidade de ter filhos; desespero que os leva ao extremo de, após um acidente, tomar para criar o bebê trazido por um navegante morto que chegara às imediações, sem, contudo, informar o fato às autoridades.

    A atitude desses heróis – que, vale repetir, nos são apresentados como pessoas de boa índole, para as quais somos levados a torcer – é certamente errada, até mesmo criminosa. No entanto, o autor tenta fugir do julgamento meramente legal, preto e branco, e narra a situação em seus infinitos tons de cinza, construindo um jogo em que justiça e tragédia se chocam, sem que haja respostas fáceis à disposição. Ainda que passando por trechos demasiadamente dramáticos e que beiram o melodrama, A Luz entre Oceanos é caracterizado por um tom agridoce, nada pessimista, mas também não muito otimista, que consegue prender até mesmo um leitor não muito afeito a romances – categoria na qual me enquadro – em suas 363 páginas.

    No entanto, ainda que tenha méritos temáticos, o livro deixa muito a desejar no tocante ao estilo. Janus Rock, por exemplo, jamais passa a sensação de ilha afastada do restante do mundo, pois diálogos entrecortam praticamente todas as cenas da história, sendo raros os momentos descritivos que poderiam nos dar a impressão requerida de isolamento. A natureza dos capítulos, sempre muito curtos (são 37 ao todo, resultando numa média de menos de 10 páginas para cada um) e fragmentados em pequenas sequências, também não nos permite absorver todo o impacto de algumas situações que logo se dilui no avançar dos acontecimentos subsequentes.

    Quanto ao principal conflito do livro, o dilema entre a ação emocional e a ação “correta”, a meu ver, seria mais eficaz se Stedman não tomasse abertamente o partido de seus protagonistas, conferindo um aspecto mais profundo a essa obra que, vez por outra, soa clichê e pouco original. A Luz entre Oceanos é, enfim, um texto ágil e, considerando que se trata do primeiro livro de um autor, competente. É, de certo, uma leitura recomendada para os apreciadores do gênero. Mas, no final das contas, não passa disso – é somente mais um livro do gênero.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Crítica | Um Homem Sério

    Crítica | Um Homem Sério

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    A cultura judaica possui diversas características que a tornam uma das mais ricas e influentes do ocidente. Além de comandarem grande parte do show business dos EUA, pessoas com ascendência judaica sempre se destacam também no campo artístico, em especial na comédia, onde seu tom de humor negro e autodepreciativo já é consagrado. Por fazerem parte desse universo, os irmãos Coen sempre tiveram afinada essa veia humorística, mas em seu longa de 2009, Um Homem Sério, decidem se aprofundar na cultura judaica que conhecem tão bem desde a infância.

    O filme começa com uma representação de uma antiga lenda judaica sobre o dybbuk, um espírito que toma o corpo de pessoas comuns. Essa pequena história, que é falada em íidiche e se passa em algum país do leste europeu em alguma época (que pode ser tanto há 1000 ou há 100 anos), dará o tom de todo o filme, contrastando as características de um casal, onde o homem é esperançoso e vê tudo pelo lado positivo, enquanto a mulher, com um tom mais realista, vê tudo pelo lado negativo. Seu encerramento se dá também deixando ao encargo do espectador tirar a lição do que tudo aquilo significou, o que só fará realmente sentido após o final do filme.

     história principal começa intercalando personagens de uma mesma família judaica de um subúrbio do meio-oeste norte-americano (local similar a onde os Coen cresceram), os Gopnik. O patriarca, Larry (Michael Stuhlbarg), é um professor universitário de matemática avançada que está fazendo um checkup no médico, e aparentemente, tudo está normal. Seu filho, Danny (Aaron Wolff), ouve Somebody to Love de Jefferson Airplane (que embalará todo o filme) em meio a uma tediosa aula de uma escola judaica, de onde também precisa fugir do grandalhão que vendeu-lhe maconha e agora cobra a dívida.

    Larry é um cidadão pacífico e submisso. Nunca levanta a voz para ninguém, segue todas as regras sociais e morais, e não é respeitado por ninguém. Porém, uma onda de acontecimentos desastrosos, ao melhor estilo dos Coen, o acomete. Sua mulher Judith (Sari Lennick), quer o divórcio para casar com o vizinho Sy Ableman (Fred Melamed), um aluno reprovado o suborna e ameaça processá-lo, seu irmão problemático Arthur (Richard Kind) se recusa a sair de sua casa e ele também passa a receber cartas o difamando para a comissão que o avaliaria para uma promoção dentro da universidade em que leciona. A partir daí, seu questionamento do “o que eu fiz para merecer isso?” passa a dar o tom da narrativa, já que Larry não entende a razão pela qual Deus (ou Hashem) está castigando um homem que nunca fez nada de mal a ninguém.

    Portador de uma personalidade totalmente lógica, toda a organização do universo depende uma ação e consequência, fato que deixa bem claro quando seu aluno sul-coreano tenta suborná-lo para passar. Quando ele recebe a avalanche de acontecimentos ruins, tem uma dificuldade imensa em conseguir se organizar e lidar com elas. Ele sai de casa e vai morar em um motel ao mesmo tempo que seus filhos, de forma bem egoísta, só se preocupam consigo mesmos. As cartas o difamando não param de chegar, ameaçando sua promoção. Os custos com os advogados parecem só crescer, enquanto sua mulher exige cada vez mais dele. Até mesmo quando seu pretendente morre em um acidente de carro (onde Larry curiosamente sofre outro, provavelmente no mesmo instante), ela pede que Larry pague seu funeral. Lá, o rabino o chama de “homem sério”, mesmo ele tendo causado a ruína do casamento de Larry, e depois ter sido o autor das cartas de difamação (em uma revelação curta, porém, poderosa e muito bem construída), enquanto Larry não tem nenhum reconhecimento. Mais ou menos da mesma forma que é a vida.

    Sob toda essa pressão e a ponto de quebrar, Larry procura ajuda dentro da tradição judaica, falando com três rabinos. O primeiro, um rabino jovem e sem experiência, só consegue traçar paralelos hilários com o estacionamento. O segundo, o rabino experiente da comunidade, conta uma história também hilária e absurda sobre um dentista, que não tem nenhuma relação com Larry e seus problemas, para sua e nossa aflição. O terceiro, o rabino já aposentado, não garante a Larry nem uma audiência para ouvi-lo.

    Essa sucessão tragicômica de eventos aleatórios nos coloca ao lado do protagonista, relembrando um pouco a lição de Magnólia, onde essas coisas, por mais trágicas e pessoais que possam parecer, acontecem. Não por nossa causa. Não para nos agradar nem punir. Simplesmente acontecem. E nós temos de lidar com elas.

    Essa é a lição, então, simples e fria, transmitida de forma tecnicamente apurada (onde cada plano é necessário e se encaixa perfeitamente com a narrativa) e com um roteiro muito bem construído (além de ousado). Nas mãos de pessoas menos competentes, talvez se tornasse um filme insuportável. Porém, os Coen conseguem dar a essa tragédia pessoal a leveza de seu humor negro, e a sensibilidade na hora de carregar nos elementos corretos para deixar tudo balanceado ao ponto de fazer a história fluir. Passagens memoráveis deixam transbordar essa sensibilidade dos direitos, com um rabino super tradicional citando a letra de Jefferson Airplane, ou um homem coreano, pai de família tradicional e rígida, diz a Larry para “aceitar o mistério” dos acontecimentos, confundindo a ele e a nós, para seu desespero e nosso prazer.

    Esses pequenos momentos, marca característica dos Coen, que tornam “Um Homem Sério” tão sedutor, pois eles aliam todo o seu rigor técnico a uma história simples, mas contada de tal forma que carrega emocionalmente o espectador enquanto vai, camada por camada, mostrando o que está por trás de cada personagem e sua visão de mundo. E no final, estamos nos perguntando o que temos de Larry em cada um de nós. O quanto agiríamos diferente. O quanto somos diferentes. Quantos golpes aguentaríamos de pé até cairmos e questionarmos tudo o que consideramos sagrado. Perguntas incômodas, mas sempre necessárias.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • [Friamente Calculado] Aguardando Moderação

    [Friamente Calculado] Aguardando Moderação

    Senhoras e senhores, venho por meio dessa coluna fazer uma denúncia.

    Recentemente escrevi um texto que revelava toda a verdade sobre a Copa do Mundo, o evento realizado pela organização terrorista conhecida como FIFA, que atualmente tomou o poder em nosso país. A genialidade de meu texto (como sempre) expunha todas as mentiras, falácias e mal-entendidos criados pela existência desse evento.

    Infelizmente, vocês nunca lerão essa coluna especial sobre a Copa do Mundo. Por quê? Porque essa coluna foi censurada pelo Vortex Cultural.

    Sim, você leu corretamente: o Vortex Cultural me censurou. Eu, o autor mais amado do Hemisfério Sul!

    Mas que fique bem claro, não estou surpreso pela censura em si. Eu já esperava isso, desde a primeira vez que postei aqui. Sempre fui conhecido pelos meus textos polêmicos de alto teor revolucionário, e um site assumidamente coxinha e reacionário como o Vortex eventualmente se veria forçado a barrar meu conteúdo. Afinal, não é preciso saber muito sobre política para perceber que esse site faz parte do círculo Marxista-Nazista-Semita-Totalitário-Liberal-Maçom que vem comandando a América Latina desde 1845.

    O que me deixou surpreso de verdade foi a velocidade com que tudo ocorreu. Veja bem, essa seria somente minha terceira postagem e já fui censurado. Se formos acreditar no alarmismo da linha editorial desse site, é de se esperar que minha décima coluna derrube a República Norte-Americana e comece a Terceira Guerra Mundial! (Não que eu não possa fazer isso, mas…)

    E o fato da censura também levanta a pergunta: o que foi escrito de tão radical ao ponto de não poder ser postado? Serão supostas revelações de dinheiro sujo que rola por trás dos bastidores da FIFA? A relação entre candidatos à presidência e o vício com cocaína? Apologia ao crime e violência em manifestações públicas? Críticas à brutalidade policial? A verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade? Uma piada sem graça? Futebol?

    Você só saberá disso, leitor, se cobrar respostas do editorial corrupto e fascista do Vortex.

    Bem, como ato de vingança contra esse editorial filho-da-puta, vou contar os terríveis gostos sexuais daquele que é o verdadeiro responsável por essa postagem ter sido barrada. Aparentemente, suas preferências já são de conhecimento de toda a equipe do Vortex, mas ninguém ousa discutir nada sobre o assunto por medo de represálias. Como não sou covarde e nem faço favores sexuais para conseguir que meus textos sejam publicados aqui (todo mundo sabe, Filipe), aqui está o relato na íntegra:

    Dizem os boatos que [CENSURADO] gosta de [CENSURADO] o [CENSURADO] de seu parceiro depois de um dia de trabalho quente e cansativo. O que lhe excita é o fato de que o [CENSURADO] está todo pegajoso e fedendo, o que lembra o cheiro do [CENSURADO] caseiro que sua avó costumava fazer quando o mesmo era pequeno. Porque isso excita ele? Porque ele, aparentemente, [CENSURADO] a sua própria avó, usando o [CENSURADO] como [CENSURADO], que geralmente causava [CENSURADO] no [CENSURADO] dele e na [CENSURADO] dela. Isso quando ele não [CENSURADO] o cachorro da família, junto com a sua irmã mais nova, a qual [CENSURADO] nele todo dia depois da escola, usando um [CENSURADO] para aumentar o [CENSURADO] dele e poder [CENSURADO] mais [CENSURADO] no [CENSURADO], podendo assim [CENSURADO], cobrindo o rosto de ambos como se fosse uma máscara. Sem falar nas [CENSURADO] diárias.

    Enfim, o que mais me entristece nessa história toda é saber que a liberdade de expressão ainda não é respeitada em nossa época, e que motivações políticas cerceiam nosso direito democrático de defender opiniões por meio de uma argumentação saudável.

    Ou vai ver, eles só fizeram isso porque eu sou negro.

    Texto de autoria de “The Nindja”.

  • Crítica | 47 Ronins

    Crítica | 47 Ronins

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    47 Ronins é um filme que enfrentou muitos problemas de produção, e filmes com problemas assim são grandes candidatos ao fracasso. Com o início das filmagens em 2011 e três roteiristas depois (Chris Morgan, Hossein Amini e Walter Amada), a produção americana chegou por lá em 25 de dezembro de 2013, estreando nos cinemas brasileiros em 31 de janeiro de 2014, o que deixou boa parte dos fãs de Keanu Reeves ansiosos, já que, tomando Matrix como base, seria interessante ver o ator em um filme de samurais. Porém, nem o atraso na produção, o orçamento estourado e gordo de US$ 175 milhões e as mudanças no roteiro, fizeram com que o diretor estreante Carl Rinsch convencesse os mais otimistas.

    O filme é baseado numa das maiores histórias da cultura japonesa, um evento que aconteceu entre os anos de 1701 e 1703, que demonstrou um ato de bravura e coragem, onde 47 ronins vingaram a morte de seu mestre, acusado de agredir um funcionário da justiça japonesa. Mas, como dito, o filme é baseado nessa passagem e isso não significa que a estória percorreu exatamente da maneira como aconteceu há mais de 300 anos, o que é comum em Hollywood. Vide o exemplo de 300, de Zack Snyder.

    Kai (Keanu Reeves) é um bebê sem traço oriental algum que foi deixado numa floresta para morrer por ser considerado amaldiçoado. No entanto, o bebê foi resgatado por Lord Asano (Min Tanaka) e passou a conviver junto do senhor feudal e de sua filha, Mika (Ko Shibasaki) até a fase adulta. Kai sempre sofreu por ser um gaijin (o que aqui no Brasil é conhecido popularmente como “gringo”) e, mesmo sendo muito útil a todo o povoado sabendo lutar, vivia à sombra da população e dos samurais que cuidavam da guarda de Lord Asano. A cena em que o grupo de samurais é atacado por um animal colossal deixa bem claro isso. Kai consegue matar o bicho e mesmo aos olhos de testemunhas, um dos samurais recebe todos os méritos.

    A vida de Kai muda quando Lord Kira (Tadanabu Asano) chega à cidade com sua comitiva para um torneio de samurais que será assistido pelo Shogun Tsunayoshi, vivido por Cary-Hiroyuki Tagawa, o Shang Tsung, de Mortal Kombat. Percebe-se, portanto, que Lord Kira também é um senhor feudal e que o Shogun seria uma espécie de governador que está acima dos senhores feudais.

    Kai percebe que Kira tem outras intenções, mas ninguém acredita nele, nem mesmo o líder dos samurais, Oishi (Hiroyuki Sanada). Após Kira conseguir provar que sofreu um atentado cometido por Lord Asano, o Shogun concede a Asano o julgamento através do seppuku, a pena de morte por suicídio, numa linda cena. Com isso, o Shogun passa o feudo a Kira e os 46 samurais de Lord Asano se tornam ronins, samurais sem mestre. A partir daqui, Keanu Reeves deixa de ser o protagonista e atua como um coadjuvante de luxo ao lado de Hiroyuki Sanada, quando seu personagem, Oishi pede ajuda a Kai para reunir os outros samurais renegados.

    O filme tem um visual lindo e primoroso. Todos os cenários, as locações e figurinos são maravilhosamente caprichados, nos mínimos detalhes e esse é o seu maior destaque. Uma pena que a estória não convence e talvez o maior erro tenha sido incluir elementos de magia, já que o filme fluiria bem mais sem elementos míticos que poderiam ter sido corrigidos por conta de um roteiro mais inteligente. Percebe-se claramente que a presença da feiticeira aliada de Lord Kira, bem como o passado sombrio de Kai revelado no início do terceiro ato foi a maneira mais fácil de resolver as situações mais complexas do filme. Pura preguiça, algo bastante comum em Hollywood.

    Com exceção de Reeves, o elenco é todo japonês, porém falando inglês, o que é um ponto negativo. Mas o filme não é um desastre e tem ótimas passagens, sendo a maioria delas onde a direção de arte está diretamente envolvida. Além de manterem fielmente os nomes de todos os envolvidos, todos os rituais japoneses presentes na película são demais, assim como parte do clímax no terceiro ato onde todos os 47 ronins estão envolvidos. De qualquer forma, 47 Ronins é um filme para assistir num feriado frio e chuvoso, quando não se tem mais nada a fazer. Aliás, pesquisar sobre a história verdadeira e visitar virtualmente os túmulos dos 47 ronins que se encontram no Templo Sengaku-Ji, em Tóquio, é uma atividade bastante recomendada.

    Compre aqui: DVD | Blu Ray.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Resenha | Como Desenhar Quadrinhos no Estilo Marvel

    Resenha | Como Desenhar Quadrinhos no Estilo Marvel

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    Quadrinhos sempre foram para mim uma fascinação. Quando era pequeno, me lembro de quando deixei de lado os cartoons de Mauricio de Sousa e comecei a ler Wolverine, Super-Homem entre outras histórias que meu pai sempre comprava (para ele). Foi lendo estas histórias que meu gosto por desenho começou a se abranger e, assim, passei a desenhar cenas de ação mais complexas em vez de casinhas e cachorrinhos, como toda criança costuma fazer. Nos anos 90, o interesse pelos super-heróis era tanto que tínhamos desenhos como os dos X-Men, Homem-Aranha e o Batman para nos entreter, e seu design era o mesmo dos quadrinhos da época. Qual criança não iria querer aprender a desenhar daquela forma?

    Como Desenhar Quadrinhos no Estilo Marvel foi elaborado por Stan Lee com o amigo John Buscema. A princípio, achei que este volume fosse mostrar inúmeras imagens de diversos dos personagens Marvel e um passo-a-passo de como desenhá-los. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. O que me oferecido foi um livro que ensina técnicas de desenho básicas com ilustrações dos heróis mais conhecidos como exemplo (e algumas outras que mais parecem recorte-e-colagem de revistas antigas).

    Não que isto faça do livro uma obra ruim; mas esta apresenta outros pontos que eu ainda não havia encontrado em revistas de desenhos disponíveis nas bancas de jornais. O destaque que dá importância ao livro são as partes sobre anatomia e, principalmente, os exemplos de poses que demonstram como são – ou eram – elaboradas as artes da editora, pois poucos manuais se dedicam ao tema. Demonstrando opções agradáveis ou chamativas que dão dinamismo e emoção às histórias que conhecemos, ensinando como transformar uma cena simples em um momento relevante.

    As ilustrações que exemplificam proporções de anatomia, expressões e formas, tanto masculinas quanto femininas, estão no estilo clássico do desenho de John Buscema, grande ícone dos anos 60 e 70 da indústria de quadrinhos. O quadrinista foi referência para vários outros desenhistas na editora, como Neal Adams, Jack Kirby e John Romita, cujas artes também ilustram o volume.

    Lançado pela Editora WMF Martins Fontes, a edição apresenta capa cartonada e 160 páginas de artes e dicas que vão do lápis ao sombreado das imagens. Cada parte apresentada se desenvolve bem e com uma precisão de detalhes que exemplifica e expõe a arte em múltiplas formas, como o espaço dedicado às técnicas de pena e nanquim, estilos dificilmente utilizados hoje em dia, substituídos pelas canetas de cartucho de tinta ou arte digitalizada.

    Mas não se pode dizer que este é um guia de ilustração de quadrinhos em si. Mesmo que mostre, por exemplo, como elaborar uma capa de revista, faltam itens-chave para a criação completa do desenho. Este volume é uma obra de referência aos clássicos da Marvel de décadas passadas ilustrados por John Buscema. A sensação nostálgica agradará a muitos fãs de quadrinhos das antigas e ainda ensinará a desenhar como um dos grandes artistas do estúdio.

    Texto de Autoria de Bruno Gaspar.

  • Review | Arrow – 2ª Temporada

    Review | Arrow – 2ª Temporada

    arrow-2-seasonA segunda temporada de Arrow mostra que o Arqueiro Verde veio para ficar (leia nossa resenha sobre a 1ª temporada de Arrow). Devido ao sucesso da primeira temporada, os produtores alteraram aquilo que não funcionou e entregaram aos fãs uma temporada emocionante, complexa, cheia de aventura e levemente violenta. A nova trama se iniciou algumas semanas após os eventos que culminaram com o fim da temporada anterior.

    Diggle e Felicity (David Ramsay e Emily Rickards) rodam o mundo até encontrar um Oliver Queen (Stephen Amell) exilado e desolado por não ter conseguido salvar Starling City. Além das 500 pessoas que vieram a falecer devido ao terremoto causado por Malcom Merlyn (John Barrowman), já estabelecido como Arqueiro Negro, Ollie também não conseguiu salvar seu melhor amigo, Tommy.

    A mãe de Oliver, Moira (Susanna Thompson), está presa por ser cúmplice dos acontecimentos, assumindo ser parte da organização secreta liderada por Merlyn, sendo diretamente uma das responsáveis pela catástrofe. Com isso, as ações da empresa da família Queen, a Queen Consolidated, caíram consideravelmente, o que poderia levar a família à falência. Se aproveitando da situação, uma conhecida dos quadrinhos, Isabel Rochev (Summer Glau), tenta adquirir boa parte das ações, mas Oliver é “salvo” por Walter Steele (Colin Salmon), conseguindo se manter como CEO da Queen Consolidated.

    Paralelo a estes eventos, o vereador de Starling, Sebastian Blood (Kevin Alejandro), que nos quadrinhos é o vilão Brother Blood (mas que guarda algumas semelhanças ao vilão do Batman, Espantalho), anuncia sua candidatura a prefeito e, a partir daqui, uma ótima segunda temporada se inicia. Com o sumiço do arqueiro, Roy Harper (Colton Haynes) tenta seguir os passos de seu ídolo, além de uma nova vigilante, a Canário (Caity Lotz) começar a atuar na cidade.

    Ficou evidente que a principal mudança na série foi amarrar o passado de Oliver naufragado na ilha com os acontecimentos do presente. Assim, os flashbacks se tornaram muito mais interessantes e curiosos. Seguramente, o que aconteceu na ilha interferiu seriamente nos eventos da segunda temporada. O enredo é bem amarrado, com episódios memoráveis e as referências ao universo DC parecem ter duplicado, o que acrescenta ainda mais à série.

    Além da introdução à Isabel Rochev e Sebastian Blood (cada um sendo uma mistura de dois vilões da DC), o arqueiro, ainda conhecido como “capuz” ou “vigilante” enfrenta o Tigre de Bronze (Michael Jay White), Dollmaker (Michael Eklund), num episódio assustador e tenso, que chega a lembrar O Silêncio dos Inocentes, e o vilão The Mayor (Cle Bennet), personagem totalmente modificado em relação aos quadrinhos.

    O que merece um parágrafo a parte é a presença da Liga dos Assassinos em uma das sub tramas da temporada, inserindo o seriado num universo mais abrangente do que se imaginava. No episódio 5, a Canário é atacada por assassinos que usam uniformes idênticos ao do Arqueiro Negro. Oliver acaba descobrindo que ela é Sarah Lance, que havia voltado à Starling City para proteger sua família, uma vez ter abandonado a Liga dos Assassinos. E é nesse episódio que o nome de Ra’s Al Ghul é falado pela primeira vez. Ra’s enviou sua própria filha, Nyssa (Katrina Law) para buscar Sarah. Na primeira temporada, todos acreditavam que Sarah havia morrido no acidente em que Oliver foi o único sobrevivente, mas percebe-se que o próprio Ollie escondeu segredos até mesmo de seus aliados.

    Outro momento memorável foi a participação de Barry Allen (Grant Gustin) na série, que serviu como episódio experimental para o seriado do Flash que estreia ainda em 2014. O Barry Allen de Gustin é jovem, possui um humor muito parecido com o de Felicity e não esconde sua admiração pelo arqueiro. Esse é o primeiro passo da Warner/DC em criar um universo cinemático único. Além do crossover de personagens, cientistas dos laboratórios S.T.A.R. também fazem sua primeira participação. Assim, Oliver começa a usar uma máscara, como nos quadrinhos, que é cortesia de Barry Allen e foi desenvolvida pelos cientistas dos laboratórios S.T.A.R..

    Outro momento que merece destaque é a aparição da agência A.R.G.U.S. na trama, que recruta Diggle para liderar uma equipe para resgatar uma de suas agentes. Tal equipe é composta por vilões que foram derrotados pelo Arqueiro, como, por exemplo, Deadshot (personagem incrivelmente carismático), Tigre de Bronze, entre outros. É a primeira vez que o Esquadrão Suicida retratado nos quadrinhos aparece. Na cena em que o esquadrão está sendo formado, é possível ouvir a voz de uma mulher, vinda de uma das celas, querendo fazer parte da equipe, oferecendo ajuda psiquiátrica aos membros do grupo. Trata-se de um easter egg bacana. A mulher é a Arlequina, a vilã e amante do Coringa.

    Em paralelo a estes acontecimentos, os flashbacks da ilha mostram que Oliver reencontra Sarah aprisionada em um cargueiro do cientista Anthony Ivo (Dylan Neal), também vindo dos quadrinhos. Ivo procura por um submarino japonês contendo um soro chamado mirakuru que pode ter sido usado na Segunda Guerra. O soro potencializa a habilidade do soldado tornando-o indestrutível, porém, com alguns efeitos colaterais.

    Oliver e Sarah conseguem fugir do navio e reencontram Slade Wilson e Shado (Manu Benett e Celina Jade) e todos eles passam por muitos problemas e sofrimento. Shado está com Oliver, mas Slade gosta dela e quando Ivo percebe isso, obriga Oliver a fazer uma escolha que muda pra sempre o destino de todos, fazendo com que Slade Wilson (que tem o soro correndo por suas veias) prometa algo a Oliver: acabar com a vida de todos aqueles que Oliver ama.

    Voltando ao presente, algumas pessoas de Starling começam a ser encontradas mortas, com os olhos sangrando. Elas aparentam ser vítimas de algum experimento que deu errado e Oliver acredita que o vereador Sebastian Blood está por trás destes experimentos, tentando recriar o soro injetado para salvar Slade. Com isso, os últimos 5 episódios da temporada pareceram ser um grande e único episódio.

    Não demora muito para Oliver descobrir que Slade Wilson está vivo e por trás das mortes dos jovens e que Blood trabalha para ele. O problema é que Slade ainda continua dotado de uma força e habilidade únicas e está sempre um passo à frente de Oliver. A cena em que Slade, trajado de Deathstroke (idêntico aos quadrinhos) invade o QG do arqueiro e derrota a Canário, Diggle e Oliver, é impressionante.

    Após conseguir estabilizar o soro, Deathstroke consegue libertar um ônibus de presos que estavam sendo transferidos. Os presos resolvem seguir seu libertador e todos eles passam a ter o soro correndo dentro deles. O passo para uma épica season finale havia sido dado.

    Se há um ator que merece destaque nessa temporada, este é Manu Bennet. Ele conseguiu fazer com que seu personagem fosse muito cruel. Chega a dar asco de Slade Wilson. E por estar sempre à frente de Oliver, ele o coloca na mesma situação de anos atrás, quando Oliver precisou escolher entre Shado e Sarah, só que, desta vez, ele tem que escolher entre sua mãe Moira e sua irmã Thea (Willa Holland). Talvez a cena mais dramática e triste de toda a temporada.

    O exército de Slade começa a invadir e a destruir Starling City, porém, Oliver consegue vantagem ao obter o antídoto em larga escala do soro desenvolvida pelos laboratórios S.T.A.R. e reúne um time para tentar lutar de igual pra igual. O “team Arrow” é composto pela Canário, Diggle, Felicity (que durante toda a temporada teve um papel semelhante ao da Oráculo, de Batman) e Roy Harper, que ganha de Ollie uma máscara vermelha. Com isso, a equipe ganha ajuda da A.R.G.U.S., do Esquadrão Suicida, da Polícia de Starling e da Liga dos Assassinos, liderada por Nyssa Al Ghul, que decide cooperar após Sarah concordar que se renderá a Ra’s Al Ghul. O episódio e épico e emocionante, com todo o elenco da série diretamente envolvido.

    A segunda temporada de Arrow foi de grande excelência, com exceção da motivação de Slade Wilson em destruir Oliver e Starling ter sido pífia. O curioso é que, além das inúmeras referências ao universo DC Comics, esse Arqueiro Verde se aproximou (ainda mais) de Batman. Felicity praticamente faz o papel de Oráculo, o detetive Quentin Lance (Paul Blackthorne) se torna um aliado do Arqueiro, assim como o Comissário Gordon; Oliver Queen fica praticamente pobre, após Isabel Rochev conseguir a maioria das Ações da Queen Consolidated e se revelar como a Ravager, aqui no Brasil conhecida como Devastadora.

    Além das sub tramas mencionadas, existiram muitas outras, como o drama vivido por Laurel Lance (Katie Cassidy) ao se tornar uma alcoólatra, assim como a dor sofrida por Thea Queen ao saber que Malcom Merlyn é seu pai. Malcom Merlyn, este que ressurgiu das cinzas, o que talvez possa ser uma referência ao Poço de Lázaro, de Ra’s Al Ghul, que ressuscita os mortos. Vale lembrar que Merlyn, na série, é o Arqueiro Negro e membro da Liga dos Assassinos.

    Há um tempo, diziam que, devido ao sucesso do seriado, havia grandes chances do Oliver Queen de Stephen Amell ser aproveitado no cinema, ao lado de Henry Cavill, Ben Affleck e Gal Gadot, mas os rumores foram negados recentemente. O próprio Stephen, em sua página do Facebook (bastante legal, por sinal), posta alguns mistérios, mensagens subliminares e coisas do tipo, sugerindo, inclusive, uma participação do Asa Noturna na série. Ele também gosta de postar vídeos com seus treinamentos e sessões de perguntas e respostas, ao vivo, com os fãs. Amell está de férias, porém, cultiva um cavanhaque bastante simbólico pra quem conhece o Arqueiro Verde dos quadrinhos e dos desenhos. As expectativas para a terceira temporada são as melhores possíveis.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | A Grande Noite

    Crítica | A Grande Noite

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    O casal Bonzini mantém um restaurante, La Pataterie, em uma zona comercial um pouco afastada do centro da cidade. O primogênito deles, Bênoit (Benoît Delépine), que adotou o nome de Not, é o punk mais antigo da Europa e vive nas ruas com seu cachorrinho de estimação. O filho mais novo, Jean-Pierre (Albert Dupontel), é – ou pelo menos se esforça para ser – o certinho da família. É casado, tem uma filha pequena e trabalha como vendedor numa loja de colchões. Mas mesmo assim não consegue pagar todas as suas contas. A vida de Jean-Pierre começa a desandar quando seu casamento desmorona e ele perde o emprego. Ele passa a fazer companhia ao irmão e os dois juntos irão viver grandes aventuras (ou não).

    Da dupla de realizadores Kervern e Delépine espera-se sempre uma abordagem marginal – à margem, não fora-da-lei – e nonsense de assuntos do cotidiano, sempre usando o humor como veículo de crítica. No caso deste filme, parecem não ter acertado a mão já que, ao atirarem para todos os lados, ora pesando no discurso crítico social ora exagerando nas gags visuais e verbais, não conseguem dar unidade à narrativa, o que a deixa tediosa em vários momentos.

    Um olhar “interno”, de quem vive a realidade atual europeia, certamente tirará maior proveito de algumas das piadas. Contudo, este é um dos problemas, pois essas “piadas internas” constituem a maior parte do humor do filme, deixando o espectador não-europeu boiando em muitas cenas. E, considerando que várias piadas brincavam com o idioma, tive pena do espectador que é obrigado a assistir com legendas, pois mesmo compreendendo a língua, muitas delas soam repetitivas e sem graça – traduzidas, devem beirar o incompreensível.

    A premissa é muito boa: percebe-se nitidamente a intenção dos realizadores, parodiando ao mesmo tempo em que criticam o status quo. Mas a falta de homogeneidade e o último terço do filme totalmente sem ritmo comprometem o resultado final. É bastante promissor no início, tanto na caminhada de Not pela autoestrada que leva ao centro comercial quanto na “conversa” dos irmãos com o pai durante o almoço. Não há conversa. Ao mesmo tempo, cada um dos irmãos faz um monólogo sobre assuntos totalmente distintos, enquanto o pai, realizando sua contabilidade, não presta atenção a nenhum deles. Porém, à parte alguns momentos muito inspirados como esse, não há grandes inovações, seja na direção, seja na fotografia ou na atuação do elenco.

    É uma pena que a obra não tenha conseguido atingir o mesmo nível de Aaltra, em que o surreal trabalha totalmente em favor da crítica sócio-econômica, sem parecer descolado do contexto.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Review | Arrow – 1ª Temporada

    Review | Arrow – 1ª Temporada

    arrow-season-1Quando foi anunciado que o Arqueiro Verde ganharia uma série para a TV, foi impossível não comparar a Smallville, As Aventuras do Superboy. A série que contava parte da adolescência do Superman se alongou demais, e por isso, deixou de agradar muita gente. Nem mesmo a tentativa de aproximar a trama do universo da DC tradicional a fez ficar interessante.

    O Arqueiro Verde é um dos poucos heróis da DC que, assim como o Batman, não possui poderes, e ao assistir a primeira temporada, ficou claro que, por alguma razão, várias das situações vividas pelo jovem milionário Oliver Queen (Stephen Amell) foram inspiradas em pequenas passagens dos quadrinhos do homem morcego. E isso não é necessariamente ruim, como será demonstrado.

    É fácil notar a influência que o trabalho de Christopher Nolan teve no desenvolvimento do seriado, mostrando como seria se o Arqueiro Verde realmente existisse nos dias de hoje. Nessa primeira temporada não há super poderes, não há mutações e nenhuma influência do mundo extraterreno, bastante recorrente no universo DC.

    Misturando de forma inteligente flashbacks e os dias atuais, Oliver Queen, antes dado como morto, ficou desaparecido por 5 anos, sendo o único sobrevivente de um naufrágio que resultou na morte de sua namorada, Sarah e de seu pai, Robert. Ao ser resgatado, Queen retorna à sua cidade, Starling, cheio de habilidades especiais e com o propósito de limpar do mapa pessoas consideradas ruins e que estão presentes numa misteriosa lista entregue por seu pai antes de morrer.

    Ocorre que, ao voltar, “Ollie” precisa lidar com os problemas de sua irmã, Thea (Willa Holland), que, por conta da perda do pai e do irmão, se afundou nas drogas, o que é interessante, porque, na série, Oliver chama sua irmã de Speedy, apelido, que nos quadrinhos é exclusivo de Roy Harper, que aqui no Brasil ficou conhecido como Ricardito e que se torna o Arsenal, o arqueiro vermelho. O “speedy” Roy fora acolhido por Queen e tinha sérios problemas com drogas, como ilustra abaixo a chocante capa de Lanterna Verde, nº 85.

    Oliver retorna com sua vida normal de playboy festeiro, mas nem todos estão felizes com sua volta. O detetive de polícia Quentin Lance (Paul Blackthorne) odeia os Queen e os acusa de desgraçar sua família porque a namorada de Ollie, morta no acidente, era sua filha mais nova, Sarah, que, na verdade, era amante, pois sua outra filha, a promotora de justiça Laurel Lance (Katie Cassidy) era a namorada oficial de Oliver.

    Assim foi montada, portanto, uma premissa bastante interessante e convincente para sustentar a primeira temporada. Logo no segundo episódio, Oliver fica sabendo que Laurel corre risco de morte ao processar um bandido que tem ligações com a Tríade chinesa. Tal bandido está presente na misteriosa lista, o que põe Queen (devidamente trajado de uniforme verde, capuz, arco e flecha, ainda sem máscara) em confronto com a primeira vilã do universo DC na série, a China White.

    E não para por aí. Diversos vilões do Arqueiro Verde e do universo DC aparecem até o fim da temporada e fica difícil não vibrar com as aparições de Deadshot (Michael Rowe), Huntress (Jessica De Gouw), Conde (Seth Gable, sensacional) e Arqueiro Negro (John Barrowman) que aqui é o principal antagonista da primeira temporada.

    O padrão estabelecido é bem parecido com o que se vê em Batman, com Oliver Queen (conhecido como capuz ou vigilante) combatendo o crime e sendo perseguido pela polícia.

    Ademais, desde o início, personagens do universo do Arqueiro Verde vão surgindo, como a mãe de Oliver, Moira Queen (Susanna Thompson), seu melhor amigo, Tommy Merlyn (Colin Donnell), e personagens como Walter Steele, vivido elegantemente por Colin Salmon, a apaixonante Felicity Smoak (Emily Rickards), cujo personagem é tão carismático que se tornou parte do cast principal e o ladrão Roy Harper (Colton Haynes), que se torna fã do vigilante que salvou sua vida.

    Oliver também precisa conviver com seu motorista e guarda costas, John Diggle (David Ramsey). No começo, os dois têm uma relação conturbada, pois Diggle não sai do encalço de Queen, o que resulta em momentos engraçados. Mas depois, Oliver percebe que realmente precisa dele ao seu lado. Curiosamente, há uma passagem em que Diggle precisa se vestir de arqueiro para que o vigilante e Oliver possam aparecer ao mesmo tempo no mesmo local. Os mais fanáticos lembrarão que o mordomo Alfred já se vestiu de Batman para que o morcego pudesse aparecer ao mesmo tempo que seu patrão Bruce Wayne.

    Ainda no que diz respeito a John Diggle, percebe-se que o aliado de Oliver também é um dos donos das sub tramas que o seriado possui. Diggle lutou no Afeganistão e perdeu o seu irmão, assassinado misteriosamente pelo Deadshot.

    No geral, o saldo é bem satisfatório, sendo que a parte mais chata fica por conta dos maçantes flashbacks que mostram Oliver, no meio da vida selvagem, tendo que matar animais para comer, tudo isso sob o olhar de seu primeiro mentor, Yao Fei (Byron Mann), que, aparentemente, está numa missão misteriosa, envolvendo militares e mercenários na enorme ilha. Essa parte só melhora com a entrada de Slade Wilson (Manu Bennet) na trama.

    A primeira temporada se resume na motivação de Oliver Queen em limpar as ruas de Starling, “eliminando” as pessoas que estão na lista entregue por seu pai, porém, ao longo dos seus 23 episódios, percebe-se que o problema é muito mais sério do que se imaginava e que até sua família pode estar envolvida num plano que pretende acabar com a cidade, o que resultaria num ótimo e doloroso final de temporada.

    Por fim, Arrow não é um seriado primoroso. Tecnicamente, não se pode esperar muito de um seriado que possui mais de 20 episódios por temporada, 19 diretores e 18 reteiristas (incluindo Geoff Johns, da DC Comics), já que esse tipo de formato exige muita rapidez da produção, porém, como dito, o saldo é bem satisfatório pra uma estreia.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Enigma Chinês

    Crítica | O Enigma Chinês

    o enigma chines

    Diferente do que o título nacional possa dar a entender, não se trata de um thriller ou de um policial. O título original – Quebra-Cabeças Chinês – tem muito mais a ver com a “dramédia” que é a vida do protagonista, Xavier Rousseau (Romain Duris). Estudante em Albergue Espanhol, escritor iniciante em As Bonecas Russas, Xavier, agora um autor estabelecido, beirando os 40, vê-se compelido a mudar de Paris para Nova York a fim de ficar perto dos filhos, levados pela ex-esposa, Wendy (Kelly Reilly).

    O personagem principal começa o filme lamentando que sua vida não seja mais simples, que não seja uma linha reta que o leve do ponto A ao ponto B, que tudo que lhe acontece seja mais complicado que a vida das outras pessoas. E, para exemplificar suas colocações, conta em flashback, enquanto escreve seu próximo livro, como chegou à situação atual. Como doou esperma para uma amiga lésbica – Isabelle (Cécile de France) – poder engravidar; como Wendy se envolveu com um americano durante uma estadia em Nova York; como ela se mudou para lá com os filhos; como ele a seguiu para estar com os filhos; como se casou com uma americana – Nancy (Li Jun Li) para conseguir o green card; como se envolveu com uma amiga francesa, Martine (Audrey Tatou), também com dois filhos. Enfim, como um francês recém-divorciado acabou em Nova York envolvido às voltas com quatro mulheres e cinco crianças.

    Aproveitando a trama, Klapish aborda vários temas. Fala sobre a crise dos 40; sobre a consequência dos divórcios, além da dificuldade de levá-los a termo de forma civilizada; sobre formatos diversos de famílias; sobre fertilização in vitro; sobre o apelo irresistível da vida em Nova York, apesar da falsa impressão de que tudo lá é mais organizado; sobre a condição dos imigrantes nos EUA. Tudo com muita leveza, afinal trata-se praticamente de uma comédia romântica. A maior parte das questões é abordada com bom humor, desde o advogado de divórcio que aconselha o casamento para facilitar as coisas, até o taxista que cai numa “quebrada” ao pegar uma rua fora do padrão quadradinho.

    A montagem, que no início lembra um pouco um videoclipe, com cortes rápidos e personagens reproduzidos como bonecos 2D, vai ficando mais fluida à medida que Xavier vai tomando as rédeas da história que está escrevendo. Detalhes de cenas, que são mostrados recortados durantes os créditos iniciais, vão se encaixando e fazendo sentido à medida que a trama avança. Principalmente no primeiro terço do filme, há algumas inserções surreais – imaginação de escritor, alguns dirão – como a cena visualizada por Xavier enquanto ele está na salinha de doação de esperma; ou quando ele se imagina conversando com filósofos, na tentativa de compreender sua própria vida.

    Apesar de parecer um pouco forçado em alguns momentos, perdendo a espontaneidade característica dos anteriores, O Enigma Chinês é um bom encerramento para uma trilogia envolvente, que consegue ser coerente, sentimental, estranha, carismática, elevando a máxima de “tudo ao mesmo tempo agora” a uma potência infinita.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Nada Mais que a Verdade – Celso de Campos Jr., Giancarlo Lepiani, Denis Moreira e Maik Rene Lima

    Resenha | Nada Mais que a Verdade – Celso de Campos Jr., Giancarlo Lepiani, Denis Moreira e Maik Rene Lima

    Na lembrança afetiva de boa parte da população, principalmente dos habitantes da grande São Paulo, está guardado o bordão: “Espreme que sai sangue”. Os jovens adultos podem até não associar de primeira o termo à sua origem, mas basta falar do famoso Notícias Populares que tudo ganha sentido.

    O jornal popularesco, infame e ousado – que juntava as pessoas em frente a banca para espiarem suas capas que transbordavam cadáveres, lado a lado com musas em ensaios apimentados e com manchetes garrafais absurdas – ganha uma biografia rica em detalhes, que resgata os fatos e lendas que rondaram a redação por mais de 30 anos.

    A história do Notícias Populares é inseparável dos profissionais que se dedicaram a confeccionar diariamente o conteúdo diferenciado a que se propunha. Desde o começo, em 1963, posto em prática para espantar a “ameaça comunista” na sociedade, dedicou-se a dialogar com camadas desfavorecidas da sociedade. Sua fórmula era simples e objetiva: Policial, Sensual e Inusitado. Desta trinca como base, inseria nas suas diversas colunas (e bota diversas nisso) desde notas sobre política até ensaios filosóficos bem-humorados, passando por terapias sexuais até odes do RAP ao Heavy Metal.

    O livro narra os bastidores do jornal, mostrando como foi o dia a dia do vasto quadro de funcionários, década a década, manchete a manchete. Claro que é um trabalho impossível trazer à luz os milhares de casos lá expostos, mas a seletiva é de puro bom gosto, como o caso do Vampiro de Osasco; o Bebê Diabo que nasceu em São Paulo; o famoso mendigo Pelezão que foi violentado por uma psicóloga da alta sociedade e virou subcelebridade; a mulher que deu luz a uma tartaruga, e muitas outras manchetes desafiadoras.

    É interessante conhecer como funciona o pensamento da máquina midiática brasileira na sua faceta mais antiga, que é o jornal impresso, e suas mudanças repentinas para acompanhar as necessidades nem sempre facilmente detectáveis do povo. Dentro do prédio do NP vamos, junto com os repórteres, aos bairros mais perigosos, seguindo as diretrizes dos  editores, às vezes surpresos com o eco de seu próprio produto.

    O Notícias Populares ora serviu como válvula de escape para o trabalhador, ora como arma social e política, num jogo de interesses que tentou até o fim padronizar o jornal. Gerações diferentes deram sua contribuição e essa jornada nos faz entender um pouco sobre como é tênue a linha que separa a verdade da mentira. E trabalhando como equilibrista nessa linha, o Notícias Populares, de braços dados com seus leitores, caminhou a trancos e barrancos até a irremediável extinção, em janeiro de 2001.

    Leitura curiosa, divertida e obrigatória! Pra quem gosta de comunicação, pra quem gosta de um divertido realismo fantástico e pra quem gostaria de tomar uma pinga com o Bebê Atômico. Pra saber do que estou falando, vai ter que acompanhar o caso por entre as 254 páginas deste resgate, em edição revista e ampliada. Difícil de encontrar o livro, mas a busca vale muito.

    Texto de autoria de Sergio Ferrari.

  • Crítica | Memórias de Salinger

    Crítica | Memórias de Salinger

    memorias de salinger

    J. D. Salinger é considerado um dos maiores escritores da contemporaneidade, além de figura muito controversa pelos eventos de sua vida pessoal. Autor do sucesso de público e crítica O Apanhador no Campo de Centeio (que vendeu aproximadamente 60 milhões de cópias e influenciou jovens no mundo todo), além de outros contos, Salinger ganhou notoriedade após se recusar a entrar no mundo da fama que seu best-seller lhe garantiu. Desde meados da década de 60 até sua morte, o autor viveu isolado em uma pequena cidade no interior de New Hampshire, EUA, escrevendo somente para si mesmo.

    É a partir dessa figura controversa que o filme Memórias de Salinger, de Shane Salerno, baseado na biografia também escrita por Salerno e David Shields, busca mergulhar. O filme inicia-se com uma sequência interessante de um repórter contando a história de como buscou e esperou Salinger dentro da cidade para poder tirar uma foto do recluso autor. A partir daí, se sucedem pequenas inserções de depoimentos de várias personalidades a respeito de como sua obra as influenciou, com destaque para Phillip Seymour Hoffman, Martin Sheen, John Cusack e Edward Norton.

    Após traçar um breve histórico da infância do autor, é destacado o potencial que o jovem escritor possuía, e como sua obsessão por ter sido publicado pela conceituada revista New Yorker moldaria parte de sua personalidade. Salinger escreve vários contos, rejeitados pela revista-alvo, mas publicados por outras menores. Porém, quando uma de suas histórias é aceita, os EUA entram na Segunda Guerra Mundial, e as histórias sobre frivolidades cotidianas são deixadas de lado frente a toda a atenção que a guerra iria receber, o que enfurece o autor.

    Membro do numeroso grupo de soldados que desembarcou na Normandia no Dia D,  já estava com boa parte da obra O Apanhador no Campo de Centeio pronta e pisou na areia da França portando o que tinha do livro para lhe dar uma motivação maior para viver. Porém, nada de fato o preparou para vivenciar os horrores da guerra quando ele localiza, junto ao exército americano, o campo de concentração de Dachau, vendo pessoalmente as vítimas do holocausto, algo que seria outra fonte de impacto para o autor.

    Após voltar da Europa, Salinger publica seu best-seller e obtém fama imediata. Tal sucesso o eleva a um status tamanho na sociedade que acaba por assustá-lo, e por isso decide viver afastado de todas as badalações e falsidades do mundo das celebridades, um ato cuja característica marca seu principal personagem, Holden Caulfield. O filme também aponta a visão de vários amigos e conhecidos de Salinger sobre como seus personagens tinham, para o escritor, significado de pessoas reais, tão ou mais importantes do que as próximas a ele. A preferência geraria enormes conflitos em sua casa, já que Salinger dava mais importância a sua família da ficção, os Glass – tema de outras publicações subsequentes ao Apanhador -, do que a seus filhos e esposa.

    Esse foco se apresenta também como o principal problema do filme, que vai deixando de lado, aos poucos, a figura do artista para analisá-lo psicologicamente, porém flertando com uma narrativa similar a de tabloides sensacionalistas, criando muitas vezes no espectador uma certa rejeição a Salinger, algo que um documentário deveria evitar ao máximo. Essas e outras escolhas, também estéticas, deixam o filme com um tom gratuito, inclusive ao se inserir um ator no papel do protagonista em conflito com sua escrita enquanto imagens aparecem em um telão. Um reforço desnecessário para mostrar o que já está estabelecido pela narrativa.

    Várias histórias controversas sobre o escritor são revividas: sua preferência por meninas adolescentes e os casos que teve com algumas delas; além da influência de seu maior livro sobre o assassino de John Lennon e o homem que tentou matar Ronald Reagan. Porém, nada no filme é problematizado como deveria. A película enfatiza, a todo momento, que a reclusão de Salinger é mais uma jogada para chamar a atenção por tentar desviá-la do que qualquer outra coisa, fazendo nenhuma outra análise sobre o autor, que não parecia querer se isolar de todo o contato humano, mas somente de algumas pessoas, e são exatamente estas que parecem sempre voltar para atormentá-lo.

    O que sobra, então, para o filme é digladiar em cima de sua pouca substância e tentar capturar o espectador nessa aura de mistério com ar sombrio que atrai todos nós. Uma figura como Salinger merecia uma análise mais madura e melhor documentada. Apesar de seu início promissor, Memórias de Salinger acaba descambando para uma investigação sensacionalista, pautada em fotógrafos e pessoas comuns intentando obter algum contato com o escritor, além de utilizar depoimentos direcionados que não fazem jus à complexidade emocional e icônica do protagonista. Todas as histórias polêmicas em torno de Salinger são muito controversas, e por isso era necessário um rigor metodológico maior ao se escolher as fontes e entrevistados, além de seu direcionamento.

    Portanto, o que se segue é um documentário que tenta jogar luz em uma figura obscura, mas patina no senso comum da difícil análise. Após tentar manipular o espectador com depoimentos de pessoas que conviveram com Salinger, o filme tenta suavizar o toque ao mostrá-lo em seus dias finais, feliz e tranquilo, algo que a inserção de letreiros com músicas tensas – avisando que há várias obras a serem publicadas e sobre o que elas serão – termina por ir abaixo. Com tal confusão, o espectador mais atento termina de assistir ao filme sem ter informações relevantes o suficiente para formar uma opinião sólida, enquanto aquele, mais facilmente impressionável, pode ser levado a formar uma opinião negativa sobre o biografado, praticamente justificando toda a sua escolha em preferir se isolar do que lidar com o mundo.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

    Ouça nosso podcast sobre O Apanhador no Campo de Centeio.