Autor: Vortex Cultural

  • Resenha | Eu Algum na Multidão de Motocicletas Verdes Agonizantes – Zeh Gustavo

    Resenha | Eu Algum na Multidão de Motocicletas Verdes Agonizantes – Zeh Gustavo

    Eu Algum na Multidão de Motocicletas Verdes Agonizantes, de Zeh Gustavo, publicado pela Editora Viés, é um ambicioso livro de contos que prima pela linguagem lírica e ao mesmo tempo tempestuosa, rítmica, com um afiado e certeiro tom de quem entende de escrever Literatura. O livro conta com 21 contos, alguns com títulos simples como “Carlito” e outros como “O pessoal com quem eu trabalho me recomendou um médico mas ele veio a falecer”, que acho estimulante.

    Repito que se trata de um livro ambicioso porque após a leitura do primeiro conto, “Carlito”, paira uma atmosfera que vicia o bom leitor. Há um lirismo, um apego poético e ao mesmo tempo quase barroco ao idioma, sustentando um caso afetivo e popular de difícil tonalidade literária; algo como se esperássemos um confronto bélico entre o culto e o cotidiano naquele primeiro conto, mas o resultado é de ambos se cumprimentando e se complementando nas páginas do livro. É isto: os contos de Gustavo tinham tudo para se digladiar internamente por conta da disputa forma e conteúdo, mas o que encontramos é uma harmonia assombrosa fruto de muito trabalho sobre o texto. Aliás, o primeiro conto é síntese de todo o conteúdo a porvir.

    Há uma fina obsessão que talvez seja justificada pelas referências a Tom Zé e Campos de Carvalho presentes na obra. De um lado o letrista paranoico pelo som e a métrica do verso; do outro o romancista dono de obras excêntricas e intrigantes (por vezes filosóficas) como A Lua Vem da Ásia e A Vaca de Nariz Sutil, por exemplo. O ponto em comum com a obra de Gustavo me parece ser a ideia de concerto e desconcerto da escrita e do conto em si. A justificava para isso se dá por conta da variedade de experiências que o autor de Eu Algum na Multidão de Motocicletas Verdes Agonizantes faz com sua própria obra. Encontramos uma diversidade na construção de frases, divisão de conflitos num conto, diversidade de motes literários e experimentação sobre a desconstrução do gênero. E isso apenas do ponto de vista da teoria.

    Do ponto de vista de quem desfruta o livro, o autor constrói histórias singelas, emotivas, familiares, mas também com cargas de violência, fatalismo, traição e personagens dúbios. O autor tem uma amplitude de temas e sabe aproveitá-los muito bem; os diálogos são bem trabalhados, há uma boa construção de descrições e fluxos de consciência, e os personagens são donos de verdades particulares e valiosas. Um trabalho literário admirável, sem sombra de dúvidas. É ou não ambicioso?

    Só tenho o que recomendar, fiquei realmente surpreso com o livro. E viva as editoras independentes como a Viés, que fez um bom trabalho de diagramação e do objeto livro; a capa é muito bonita, o papel é gostoso de ler e pegar, diagramação bonita – ótimo produto.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Crítica | Vingadores: Ultimato

    Crítica | Vingadores: Ultimato

    Não é de hoje que vinha sendo dito que Vingadores: Ultimato marcaria o encerramento da Saga do Infinito, que começou lá em 2008 com Homem de Ferro e que se estendeu por 11 vitoriosos anos e 22 filmes, ao todo. As Joias do Infinito foram aos poucos sendo introduzidas e cada filme mostrava um pouco daquilo que estava por vir. Tudo muito bem programado e arquitetado pela Marvel, que se mostrou uma estrategista sem igual no que diz respeito ao planejamento. Obviamente, ao longo de 22 filmes, vimos uma montanha russa no quesito qualidade. Alguns filmes são realmente bons, como o ótimo Capitão América: O Soldado Invernal, ou como o primeiro Guardiões da Galáxia, sendo que outros são bem fraquinhos e que não vale a pena nem comentar. Aliado a isso, tivemos o início desse encerramento em Vingadores: Guerra Infinita, que foi um dos grandes momentos da história do cinema, reunindo num só filme os principais heróis dessas histórias contadas por mais de 10 anos. E é com Vingadores: Ultimato que esse ciclo se encerra.

    Após reunir todas as Joias do Infinito, Thanos (Josh Brolin) dizimou metade da população de todo o universo e o filme se inicia bem nesse momento para, logo em seguida, situar seus principais personagens, como os Seis Originais, vividos por Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), juntamente com Máquina de Combate (Don Cheadle), Homem-Formiga (Paul Rudd) e os Guardiões da Galáxia, Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Nebulosa (Karen Gillan), sobreviventes no filme anterior. Se Guerra Infinita tinha uma pegada mais urgente e ainda assim sobrou tempo para trabalhar os personagens, em Ultimato, esse tempo não existe e se o espectador não for ligeiro, ficará sem entender nada em alguns momentos. Inclusive, vale destacar que algumas das teorias são verdadeiras e muitas coisas que fãs acreditavam que aconteceria, realmente acontecem! Só que ninguém falou que aconteceria logo na primeira meia hora de fita e o desenrolar, aos poucos, vai perdendo aquele tom de obviedade, tornando tudo uma grata surpresa.

    Importante dizer que Ultimato é bem diferente de seu antecessor, Guerra Infinita, tanto no que diz respeito ao tom, quanto no que diz respeito ao rumo que cada personagem tomou após o drástico evento. Embora parte dos Vingadores estivesse operando em vários locais do mundo e tentando seguir a vida da maneira como podem, outros foram terrivelmente afetados pela aniquilação. Alguns foram para caminhos muito sombrios e outros foram para caminhos extremamente bizarros e desnecessários. Estes em específico causaram uma notória divisão dentro da sala do cinema. Parte ria, parte se revoltava, principalmente com os rumos tomados por Thor, que foi a maior surpresa de Guerra Infinita.

    É interessante como os diretores Joe & Anthony Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely se propuseram a criar uma história mais intrincada e épica que a anterior. Embora conte com um número mais reduzido de personagens, a missão dos Vingadores é maior e cheia de detalhes, sem contar que é a mais audaciosa de suas vidas. Audacioso também é o desafio proposto pela equipe criativa, porque paralelamente à história principal, após sua primeira hora, dá-se início a uma série de homenagens e surpresas que celebram os mais de 50 anos de histórias da Marvel Comics, além de celebrar os 11 anos do seu Universo Cinemático – UCM. São tantos detalhes, que talvez seja necessário um texto inteiro para apontar esses acontecimentos, que são desde cenas inteiras, passando por frases marcantes. E é aí que nas duas horas seguintes você para de analisar o filme com frieza e volta a ser criança, principalmente no último ato, quando a sala do cinema se entrega de vez à diversão, algo que acontece até o último segundo.

    Se Guerra Infinita era um filme sobre Thanos, Ultimato é um filme sobre os Vingadores. E é impressionante como Gavião Arqueiro, Viúva Negra, Homem de Ferro e Capitão América se destacam no meio de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Robert Downey Jr e Chris Evans tem uma atuação de gala e entregam neste filme suas melhores atuações no UCM. A carga emocional que os personagens enfrentam do primeiro ao último minuto de tela é transportado para os olhos do espectador com maestria pelos atores. Não é a toa que os (vários) melhores momentos do filme são protagonizados pelo Homem de Ferro e pelo Capitão América. E não é a toa que os momentos mais emotivos também são protagonizados pelos dois.

    Emoção é um sentimento que define bem Vingadores: Ultimato. Um filme que não só fecha a Saga do Infinito, mas que também coloca ponto final nos arcos de vários personagens, fecha algumas portas, abre outras e principalmente encerra um ciclo de pouco mais de uma década que foram relevantes para a história do cinema. Inclusive, após o seu final, o título original em inglês, Endgame passa a fazer mais sentido do que nunca. A Marvel Studios sai de cabeça erguida e com a promessa de se manter no topo, mas com um novo e mais complicado desafio. Avante, Vingadores!

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • O Que Esperar de Vingadores: Ultimato

    O Que Esperar de Vingadores: Ultimato

    Queridos amigos, no meu texto de expectativas sobre Vingadores: Guerra Infinita, fiz uma grande introdução enaltecendo a Marvel e todo seu vitorioso universo cinemático – UCM, criado há pouco mais de uma década. Quando falei sobre o filme em si, enalteci também a produção que se propôs a um dos maiores desafios a serem vistos na história do cinema, dada a complexidade que a produção enfrentaria, tanto no que diz respeito ao roteiro, quanto no que diz respeito à quantidade de personagens em tela, e na química que esses dois núcleos deveria ter para um grande resultado, que, de fato, foi acima do esperado, como podemos ver na crítica do filme.

    Quando se trata de Vingadores: Ultimato, podemos dizer que o desafio aumentou pelo sucesso que foi Guerra Infinita e também pelo seu impactante final, fazendo com que fãs do mundo todo ficassem atônitos, tentando descobrir como os Seis Originais, vividos por Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), juntamente com Máquina de Combate (Don Cheadle) e os Guardiões da Galáxia, Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Nebulosa (Karen Gillan) sairão dessa situação atribuída ao estalar de dedos de Thanos (Josh Brolin).

    Às vésperas da estreia do filme, vamos tentar entender um pouco sobre como será o enredo sendo que é provável que possamos estar errados, assim como certos. Vale destacar que estamos livres de todas as milhares de teorias e spoilers apresentados e vazados na internet nos últimos meses.

    Capitã Marvel e o resgate de Tony Stark e Nebulosa.

    Durante a cena pós-créditos de Capitã Marvel, podemos perceber que a heroína vivida por Brie Larson chega à Terra pouco tempo após o estalar de dedos de Thanos. Talvez algumas semanas depois, se levarmos em conta o tempo que os sobreviventes encontrarão o pager de Nick Fury. Assim, deve ser ela quem sairá numa side quest para resgatar Tony Stark e Nebulosa, que juntos, conseguirão sair do planeta Titã, mas ficarão à deriva no espaço.

    Além disso, a participação da Capitã Marvel no filme deve sofrer uma considerável diminuição. Embora ela possa ter muito tempo de tela, o fato de ela ser extremamente poderosa, pode prejudicar sua participação no filme. Todas as vezes que vimos Visão e Feiticeira Escarlate em algum filme, pudemos perceber que eles simplesmente desaparecem por serem fortes demais. Isso aconteceu em parte de Era de Ultron e em Guerra Civil. Conseguiram, de certa forma, ajustar isso em Guerra Infinita, quando um foi tirado do combate e o outro entrou para ajudar mais para o final, o que foi motivo de piada entre os personagens.

    O retorno de Clint Barton e Scott Lang.

    Na análise do segundo trailer do filme, podemos ver Clint Barton treinando sua filha com o arco e flecha. Importante lembrar que o personagem cumpre prisão domiciliar pelos fatos ocorridos em Guerra Civil. E é muito provável que o herói perca toda sua família com o estalar de dedos, o que faz com que ele acabe virando algum tipo de mercenário sob o nome de Ronin. Natasha Romanoff será a responsável por fazê-lo retornar e provavelmente, os Vingadores já teriam um plano para derrotar Thanos, o que obriga Barton a voltar para a equipe.

    Já com relação ao Homem-Formiga, Scott Lang, vivido por Paul Rudd, fica claro que o herói conseguirá escapar do Reino Quântico, porém, não se sabe em que momento isso vai acontecer e nem como. A julgar pelas imagens do trailer, é muito provável que o personagem só consiga retornar anos depois do acontecido, sendo que, ou ele ficará preso por anos no reino ou ele conseguirá sair pouco tempo depois, mas numa relatividade que possa ter passado anos na Terra.

    A relação de Bruce Banner com o Hulk

    Guerra Infinita foi praticamente um filme sem o Hulk. Após vermos o gigante esmeralda tão somente na primeira cena, onde Thanos o coloca literalmente para dormir, Bruce Banner passa a ter uma difícil relação com sua outra metade, já que o Hulk, de jeito nenhum, quer sair e ajudá-lo na batalha.

    Sem dúvida veremos ver mais dessa relação em Ultimato e o retorno praticamente certo do Hulk e de uma maneira que poderá ser surpresa pra muita gente, já que uma das teorias do filme é sobre como isso vai acontecer.

    Três horas de filme, três filmes em um

    Foi amplamente divulgado que a duração da fita será de pouco mais de três horas. Portanto, muito provável que os três atos sejam divididos em três pequenos filmes e que teremos pelo menos duas linhas temporais diferentes, podendo ter uma terceira ou até mais.

    Por enquanto, conforme as imagens oficiais, enxergamos duas dessas linhas, sendo uma delas o período seguinte ao estalar de dedos de Thanos e o anos que se passam após o drástico evento. Mas, uma das Joias do Infinito é a Joia do Tempo, certo?

    O retorno dos heróis mortos e mais mortes

    Infelizmente, não é possível esconder tudo, afinal a indústria do cinema não pode parar. Já temos trailer de Homem-Aranha: Longe de Casa, e produções confirmadas como as continuações de Pantera Negra e Doutor Estranho, além dos seriados para o serviço de streaming da Disney e que envolvem alguns dos heróis. Então, assim como nos quadrinhos, podem se preparar porque eles irão voltar. Mas isso não significa que alguns deles não poderão morrer novamente. Inclusive, quem ainda não morreu, poderá morrer.

    Muita emoção e um ritmo menos acelerado que Guerra Infinita

    O filme deverá ter várias cenas que causarão diversas emoções nos espectadores. Com as cabines de imprensa sendo realizadas, a Marvel permite que jornalistas e diversos influenciadores digitais dissertem em pouquíssimas linhas impressões sobre o filme e essas impressões são unânimes: muito choro e muito riso. Se prepare!

    É provável que o filme seja mais calmo que Guerra Infinita no que diz respeito ao ritmo. Em Guerra Infinita, tivemos vários fronts de batalha e diversos side quests espalhados pela galáxia e isso não deve ocorrer muito em Ultimato, que deverá sim ter várias cenas de ação, mas não do começo ao fim como foi seu antecessor.

    Cenas emblemáticas

    Pessoalmente, gostaria de ver a reedição de duas cenas já mostradas em filmes anteriores. A primeira seria a reedição de uma cena de Os Vingadores, onde os Seis Originais formam um círculo se preparando para batalha. Será que teremos a tão sonhada cena envolvendo todos os heróis lado a lado?

    Outra coisa que gostaria de ver é um momento como o dos heróis comendo num restaurante após a batalha de Nova Iorque do primeiro filme, ou como a festa realizada em Era de Ultron. Muito provável que esse momento tenha sido gravado no último dia de filmagens, com os atores se divertindo como se estivessem na famosa festa da firma.

    Agora é só aguardar a estreia do filme mais esperado de 2019.

    Vejo vocês no cinema.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Durante a Tormenta

    Crítica | Durante a Tormenta

    Tendo estreado apenas esse ano aqui no Brasil, o filme espanhol original Netflix Durante a Tormenta é o terceiro longa-metragem de Oriol Paulo, mais conhecido aqui no país pelo seu último trabalho Um Contratempo. O diretor e roteirista segue alimentando uma fama que às vezes é melhor não se ter – M. Night Shyamalan que o diga -, a de construir suas histórias em torno de grandes plot twists, de grandes reviravoltas imprevisíveis. Não seria muito cedo dizer que ele já é refém dessa fórmula, mas o que interessa é que mesmo se sim, ele acertou mais uma vez em suas devidas proporções.

    O filme se passa no período de uma tempestade que dura 72 horas em duas épocas diferentes, uma se inicia no dia da queda do Muro de Berlim em 1989, e a outra exatamente 25 anos depois quando Vera (Adriana Ugarte) encontra pertences da família que morou em sua casa em 1989 e descobre que o garoto dono das fitas morreu atropelado naquele mesmo dia. Quando liga a antiga TV, passado e presente se encontram e Vera consegue se comunicar com o jovem Nico (Julio Bohigas-Couto) e o avisa do atropelamento, salvando-o da morte. Mas no dia seguinte, ao acordar, Vera descobre que seu marido não a reconhece e sua filha nunca existiu, levando-a a uma corrida contra o tempo para descobrir como reverter as linhas temporais antes que a tempestade termine.

    Mesmo que o longa não entre de cabeça na viagem no tempo propriamente dita ou explore as divergências na existência de diferentes linhas temporais, é interessante como a complexidade do longa recaia sobre suas personagens e suas questões morais e emocionais. A jornada de Vera é movida por um desespero genuíno de mãe, enquanto inúmeras subtramas vão sendo injetadas por personagens coadjuvantes que não deixam de também ter suas motivações. Assim o longa pesca a atenção do espectador literalmente ao final de cada cena, é como uma engrenagem trabalhando para a próxima girar, é funcional mas aos poucos isso denuncia a longa duração do filme, não é muito difícil se cansar perto do clímax.

    E dessas subtramas pequenas revelações vão construindo o típico final do cineasta, surpreendente sim, mas dessa vez desnecessariamente repetitivo. Primeiro nós, público, ficamos um passo a frente da protagonista e depois somos obrigados a ver, em uma cena no mínimo didática, ela nos alcançando. Em trabalhos menos controlados o momento seria considerado piegas, mas o diretor parece conhecer seu elenco e o faz vender bem a atmosfera quase novelesca, o saldo não é completamente negativo no fim das contas. Durante a Tormenta ganha pelo coração e por privilegiar as emoções em vez de ressaltar o místico ou o policial, mais uma vez fiquemos de olho no futuro de Oriol Paulo.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Homecoming: A Film By Beyoncé

    Crítica | Homecoming: A Film By Beyoncé

    Enganado foi aquele que acreditou que Homecoming: A Film By Beyoncé, o documentário sobre o show de Beyoncé no Coachella de 2018 que estreou no último dia 17 de abril na Netflix, seria um filme para humanizar a cantora. A humana por trás do ícone. Não é só isso. O longa é escrito, dirigido e produzido por ela e isso deixa muito claro a autoconsciência de sua própria imagem, do legado de décadas. Homecoming, então, acaba sendo sobre a excelência de ser humana e também uma das maiores personalidades do mundo, de como Beyoncé é o resultado da História e abre portas para tantos outros.

    O documentário alterna entre dois momentos no tempo, as imagens do show e as imagens do processo do mesmo. A cantora se apresentaria no famoso festival em 2017, mas a gravidez surpresa de gêmeos mudou todos os planos e o espetáculo teve que ser adiado para o ano seguinte. Desde o começo havia uma grande expectativa em relação ao evento, Beyoncé seria a primeira mulher negra a ser headliner do festival, dois anos após ela lançar o já memorável Lemonade, álbum visual em que ela expõe suas aflições sendo uma mulher negra, buscando em suas origens a fonte de sua força.

    O show que até a artista subir no palco estava envolto em rumores e surpresas, durou horas e pôde ser assistido ao vivo pela transmissão oficial do festival no YouTube e imediatamente tomou conta da mídia, naquela semana só se falava da experiência completa que foi entregue. Completa mesmo, pois o documentário se aproveita dos respiros entre as performances para mostrar o processo criativo do grande dia, e fica claro a preocupação da cantora em suprir as necessidades de tudo que seria feito naquela noite. Além de ser um show historicamente importantíssimo, ele seria transmitido ao vivo, ele seria filmado para o documentário, ou seja, ele precisava ser cinematográfico, e o som seria utilizado para um álbum ao vivo – esse que foi lançado de surpresa, com 40 faixas, ao mesmo tempo que o documentário saiu na Netflix.

    É muita coisa, e ela parece ter pensado em cada detalhe. Se você der play em Homecoming e fechar seus olhos, a experiência será tão boa quanto, até mesmo quando a cantora utiliza de voz over para dar contexto às imagens de bastidores. Mas ao abrir os olhos, percebe-se que Beyoncé e seu co-diretor Ed Burke queriam muito mais do que um show ao vivo, as câmeras são onipresentes no palco, na banda, no elenco de dançarinos, na cantora, na plateia, mas não apenas registrando, mas ajudando a contar uma história. O palco enquadra, a luz compõe, é impressionante como um dos desejos da artista que é revelado durante o documentário funciona, em certo momento ela diz que quer que o público sinta a energia daquele palco, que a câmera capte as bases tremendo, o trabalho duro.

    E que trabalho de mestre, todos os artistas escolhidos a dedo pela cantora parecem ter crescido juntos com tamanha entrega e sincronia, é como uma família, e eles acabam sendo o grande triunfo do documentário. O show rodava na internet há um ano, o que o filme traria de novo? É quando percebemos que enquanto faz história, Beyoncé esfrega ela na nossa cara. O termo homecoming em inglês, no caso, significaria a reunião de ex-alunos, o longa utiliza de frases vindas de contextos universitários para exaltar a importância da educação para a população negra dos Estados Unidos, assim como das universidades para essas pessoas. O elenco do show é de jovens que de alguma forma têm um passado com o meio universitário, é a celebração da excelência desses jovens. É Beyoncé mostrando às duas décadas de Coachella que quem perdeu em não dar espaço a essas pessoas foi o festival, pois nada como o Beychella – nome dado ao show – havia sido feito antes, e acho que todo mundo com o mínimo de sensatez deva concordar que será difícil superar.

    Em um momento Beyoncé agradece por todas as mulheres que abriram as portas antes dela, logo antes de ver que uma fã da plateia está vestida como ela. O quão importante é existir Beyoncé? Em primeira instância me preocupou que o filme fosse encabeçado apenas por ela e narrado por ela da perspectiva dela, quantas camadas isso poderia proporcionar? Não sejamos ingênuos de acreditar que isso não impede o filme de ir muito além, mas é importante que seja assim. É Beyoncé compreendendo o poder do passado e o poder da educação negra, da arte negra em sua imagem, e controlando isso de sua forma. Ela sabe quem ela é e o que ela representa, que seja ela então quem conta sua história. Existe a cultura pop depois de Lemonade, e existe também a cultura pop depois do Beychella e seu homecoming, assim como foi Pantera Negra. Há um caminho bonito a ser seguido.

    Homecoming: A Film By Beyoncé é um documentário limitado e dura mais do que o necessário, mas injeta vida a cada bloco. Ao mesmo tempo que expõe em inúmeros ângulos um dos atos artísticos mais importantes do século, Beyoncé se mostra resultado de muitos, se mostra mãe e esposa, estudante da vida assim como todos nós. Humana também, mas muito além. E mais importante do que isso, Beyoncé deixa claro a vários jovens que portas servem para serem abertas, ou melhor, quebradas com golpe de salto 15.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Velvet Buzzsaw

    Crítica | Velvet Buzzsaw

    Depois de estrear muito bem com o thriller O Abutre, em 2014, e levar Denzel Washington ao Oscar em 2018 com Roman J. Israel, o diretor e roteirista Dan Gilroy retorna esse ano com Velvet Buzzsaw pela Netflix. O filme traz de volta a dupla que brilhou em seu primeiro filme, Jake Gyllenhaal e Rene Russo, em uma história carregada de humor, horror e críticas afiadas – dessa vez direcionadas ao ambicioso mundo da arte. Se tudo isso funciona junto já é outra história.

    A jovem Josephina (Zawe Ashton) trabalha numa famosa galeria de arte comandada pela influente Rhodora (Russo), e após encontrar os hipnotizantes trabalhos de um vizinho recém falecido, ela junto com tua chefe movimenta o cenário artístico da cidade com esses quadros misteriosos e que valem um bom dinheiro. Gyleenhaal é o excêntrico Morf, um respeitado crítico de arte que começa a ficar perturbado com os quadros desse falecido artista.

    Vindo de Gilroy e com um cenário narrativo tão propício, já era esperado que o longa tivesse a sua carga de sátira, todos os personagens representam personalidades específicas e extremamente caricatas. O diretor parece não se interessar em personagens tridimensionais, eles permanecem fiéis a uma certa superficialidade que de início se encaixa bem no primeiro ato do filme, quando ego e poder tomam conta do texto, se arriscando até a brincar com o que é arte – ou não. Mas o “dedo na ferida” dura pouco e o longa começa a sofrer pelas suas próprias escolhas.

    Se o humor constrói bons momentos acerca da sujeira dos bastidores de um mercado tão lucrativo, é quando Velvet Buzzsaw se transforma em outro filme que as bases começam a ruir. A narrativa entra no piloto automático e é como assistir cenas descartadas da franquia Premonição, o horror como atmosfera não funciona por falta de ritmo e a violência é no mínimo previsível, não há respiro e fluidez entre esses dois filmes que parecem se estapear por espaço até o fim dos 113 minutos de duração. O raso das personagens começa a soar como fragilidades e nem a sátira funciona se tentamos enxergar com outros olhos, sinal de que aos poucos o filme vai se tornando vazio.

    Porém, o longa dá um tempo para o espectador mais insistente se permitir divertir, dá para terminar de assistir esse novo projeto de Gilroy com um gosto nem tão amargo na boca se o encarar como uma grande brincadeira a tempo. Brincar de alfinetar, brincar de fazer comédia, brincar de fazer terror, brincar de se levar a sério. É o que o diretor parece estar fazendo, até o elenco se diverte nessa brincadeira – principalmente Gyleenhaal –  e no fim das contas funciona em certo nível.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Resenha | Blitzkrieg

    Resenha | Blitzkrieg

    Os anos 1980 e 90 têm sido lembrados com muito carinho pela cultura pop. Essa relação com o período retrata não apenas a idade de quem produz o conteúdo de hoje, mas também como a visão da época está muito ligada a sentimentos de nostalgia e inocência das memórias de infância. Blitzkrieg, quadrinho independente lançado por Bruno Seelig em 2016, trata justamente dos dilemas enfrentados pelas crianças da época e que poderia estar presente em vários filmes da sessão da tarde: amizade, união e a superação dos seus medos.

    A história em quadrinhos mostra o dia a dia de quatro garotos entrando na adolescência e lidando com o maior drama possível no colégio: o bullying. Todos eles são atormentados pela figura mais presente nos filmes da época: o roqueiro cujo único objetivo parece ser atormentar a vida dos protagonistas. E destes, só sabemos o nome de dois: Douglas, ponderado e pacifista, e Daniel, que não apenas começa a narrar a história, como dá o seu nome. Blitzkrieg, tática usada pelo exército alemão na segunda guerra, é a forma que eles encontram de superar o drama, derrotando o inimigo antes que eles saibam o que está acontecendo. Algo que vai bem, até que a vida real acontece.

    A arte de Seelig mistura a simplicidade nos traços com o cuidado de ter pequenos elementos de referência nas cenas que se desenrolam. Esses elementos não apenas mostram informações úteis, como a época que a obra se desenrola, mas também dos gostos desses garotos. O cenário principal disso é o quarto de um deles, onde vemos desde o videogame e pôster do Esquadrão Classe A até diversos brinquedos expostos, revelando o momento de transição da infância para um período mais complexo e conturbado. O preto e branco, possivelmente uma escolha mais relacionada ao custo e trabalho que à questão estética, não deixa a desejar, mas fica mais vazia quando se conhece a forma de colorização do desenhista em outros trabalhos.

    Posteriormente, o quadrinho foi lançado pela Editora Mino com uma continuação sob o título Market Garden. De qualquer forma, Blitzkrieg é mais uma daquelas obras que sabem como te levar para um passeio num outro período, onde o máximo de tecnologia envolvida no contato com alguém era uma ligação e as maiores preocupações eram aguentar um valentão e passar de ano. Essa boa condução, aliada ao tamanho e a condução do quadrinho fazem com que seja uma boa leitura de uma terça feira, enquanto espera na fila do caixa do supermercado e treme de medo de ter estourado o limite do cartão, preocupação muito mais adulta que a do Daniel e sua trupe.

    Texto de autoria de Caio Amorim.

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  • Melhores Filmes de 2018

    Melhores Filmes de 2018

    Retornamos para mais uma lista coletiva dos melhores filmes do ano a partir da seleção pessoal de cada redator do site. Dessa forma, é natural que, numa equipe heterogênea formada por diversos profissionais e com visões diferenciadas sobre a crítica cinematográfica, uma lista como essa abarque diversos gêneros e estilos. Motivo mais do que necessário para não justificarmos as razões que esse ou aquele filme não integraram a lista final. Espero que gostem do resultado.

    (confira também nossa lista de Piores Filmes de 2018).

    10. Vingadores: Guerra Infinita (Anthony e Joe Russo, 2018) – Por Dan Cruz

    O “filme nerd” mais celebrado do ano não poderia ter resultado em algo menor do que foi Vingadores: Guerra Infinita. Levemente baseado na saga homônima dos quadrinhos, o épico crossover levou às salas de cinema pessoas de todas as idades e consolidou o sucesso do sub-gênero “filme de super-herói” em Hollywood.

    Unindo personagens de todos os filmes da Marvel/Disney e costurando os eventos posteriores, vemos uma trama em que o vilão Thanos – que já havia aparecido em alguns poucos momentos desde a cena pós crédito do primeiro filme dos Vingadores – coloca seu plano de extermínio universal em prática, reunindo as poderosas joias de sua Manopla do Infinito. Todos os personagens, de núcleos diferentes da Marvel, têm seus momentos. Embora não exista uma grande cena onde todos eles se encontram ao mesmo tempo (como se especulava antes do lançamento), o roteiro foi muito bem executado e a direção dos Irmãos Russo nos faz torcer, rir e chorar, e abre caminho para novas possibilidades do Universo Marvel nos cinemas. Com certeza um marco histórico pros “filmes de heróis” e uma pedra no sapato da então cambaleante “Distinta Concorrência” (que não conseguiu emplacar o filme da Liga da Justiça).

    9. Missão: Impossível – Efeito Fallout (Christopher McQuarrie, 2018) – Por Bernardo Mazzei

    Missão: Impossível – Efeito Fallout é uma aula de cinema. Digo isso sem exagero nenhum. Do roteiro rocambolesco que flui naturalmente sem se complicar demais ou perder o rumo às cenas de ação de tirar o fôlego feitas com predominância de efeitos especiais práticos (computação gráfica aqui é pouco usada e não serve como muleta pra roteiro ruim), o filme dirigido por Christopher McQuarrie é uma das melhores coisas a surgir no cinema de ação nos últimos anos. Não podemos esquecer do elenco afiado e carismático que faz com que a gente se importe com cada um dos personagens que desfilam pela tela, especialmente o pequeno gigante Tom Cruise. Cruise pode ser doido, mas é um ator (também produtor da franquia) foda que dá o sangue (e fratura o tornozelo) pra que tudo funcione perfeitamente. Melhor experiência cinematográfica que eu tive em tempos, essa sexta missão de Ethan Hunt prova que o cinema de ação pode sim ter bastante cérebro.

    8. Você Nunca Esteve Realmente Aqui (Lynne Ramsay, 2017) – Por Marcos Paulo Oliveira

    Já vimos esse filme em películas como Chamas da Vingança, com Denzel Washington, mas nós  nunca realmente vimos esse filme. Um ex agente do FBI se dedica a encontrar crianças desaparecidas, mas em determinado momento todo deu errado e sua vida sais dos frágeis trilhos nos quais se encontrava. Então ele cai numa espiral de violência para encontrar sua humanidade representada naquela criança em perigo. Mas já dito, nós nunca realmente vimos este filme.

    Lynne Ramsay, a diretora, se destacou logo em seu primeiro longa, mas adquiriu fama com Precisamos Falar Sobre Kevin ao mostrar as origens do mal e da violência em nossa sociedade e dentro da mente de figuras sociopatas, que se encontram naturalmente fora dessa sociedade. Em Você Nunca Esteve Realmente Aqui ela estuda o que vem depois da violência já cometida e como essa violência se anexa nas pessoas e começa a fazer parte da forma com a qual vêm e interagem com o mundo . A violência não importa e quase não é mostrada, mas sim as suas consequências. O protagonista de Joaquin Phoenix entrega uma performance transtornada e se entrega a violência como forma de se comunicar com o mundo. O porquê ter sido ignorado em tantas premiações é um mistério.

    7. Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Apresentado ao público em Capitão América – Guerra Civil, Pantera Negra se tornou um dos grandes superlativos da franquia superlativa da Marvel. Aliada a uma crescente qualidade em suas produções, principalmente a partir da intitulada de Fase 2, Pantera Negra dá vazão ao robusto universo do herói e sua bela Wakanda – com tecnologia de ponta com grande guerreiros orgulhos de serem única nação não-colonizada na África – enquanto trazia a tona, em uma produção pipoca, o debate sobre a representatividade diante de um panteão formado por uma maioria branca de heróis.

    Com um detalhado trabalho de pesquisa para fazer de Wakanda uma tradicional nação africana em costumes e cultura, um elenco dedicado aos personagens e bem afiados, belos cenários paradisíacos com um toque de futurismo neon e a tradicional trama de quadrinhos destacando o conflito entre o bem e o mal, ainda que com a pitada necessária de tragédia no conflito irmão versus irmão, a produção compõe um grandioso filme heroico, possível de ser assistido fora da cronologia do Universo Marvel, e ainda esgarçava um pouco mais a combalida contraposição entre “filmes de herói” e produções ditas sérias e dignas de premiações.

    6. A Forma da Água (Guillermo del Toro, 2017) – Por David Matheus Nunes

    A Forma da Água figura facilmente na lista dos 10 melhores filmes de 2018. O filme venceu 3 categorias no BAFTA Awards, faturou em duas no Globo de Ouro, além de vencer nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora e Melhor Direção de Arte no Oscar daquele ano, depois de 13 indicações. Dirigindo em terreno mais que seguro, o mexicano Guillermo Del Toro, trouxe para as telas um belo filme que mistura fantasia, aventura e romance, onde, nos anos 60, uma zeladora de um prédio do governo se afeiçoa a uma criatura lá abrigada secretamente. A vida dos dois muda quando a personagem decide ajudar a criatura a fugir. A química da dupla é algo de encher os olhos e o destaque fica, sem dúvida, aos atores Sally Hawkins (que entrega uma ótima atuação) e Doug Jones, que é parceiro de longa data de Del Toro. Com uma história bem construída e bem desenvolvida, A Forma da Água foi aclamado tanto pelo público, quanto pela crítica, talvez pelo fato de você, alguma vez na vida, já ter se sentido na pele dos dois protagonistas.

    5. Infiltrado na Klan (Spike Lee, 2018) – Por Douglas Olive

    Lá em 1915, um fóssil chamado O Nascimento de Uma Nação estreava, sendo uma grandiosa propaganda da Ku Klux Klan ao promover a hegemonia branca, nos EUA do século XX. Mais do que uma antítese a obra-prima amaldiçoada dos primórdios do Cinema, Infiltrado na Klan foi um dos mais polêmicos e desafiadores projetos de 2018. Quando dois policiais, um negro e outro branco, penetram na KKK por duas vias diferentes de atuação, buscando exterminar a organização de dentro, pra fora, o DNA de uma intolerância racial, extremamente enraizada entre uma comunidade branca, explode numa trama de conflitos e contornos chocantes a qualquer espectador desavisado.

    Responsável por resgatar a carreira de Spike Lee do quase anonimato, visto que há muito o cineasta deixou de ser lembrado pelo público, e as grandes premiações americanas, o filme tem orgulho do incômodo que provoca, nos expondo sem dó (junto das personagens) a um dos lados mais sujos da imoralidade humana: o racismo extremo. Os ‘cidadãos de bem’ higienistas, nas mãos de Lee, são ironizados e mesmo assim asquerosos, num retrato livre de qualquer vaidade do autor para confundir as verdadeiras mensagens, aqui. Forte, ainda que relativamente contido, mas impiedosamente atual. Uma furadeira moral em forma de filme, ou melhor, filmaço.

    4. Arábia (João Dumans e Affonso Uchoa, 2017) – Por Flávio Vieira

    Os mineiros João Dumans e Affonso Uchôa talvez só se deem conta do filme que fizeram com o afastamento do tempo, porque Arábia não é qualquer filme. Arábia é um retrato cru, mas delicado, da classe trabalhadora, do povo, e acima de tudo, do Brasil. Um longa que trata como poucos a a realidade absurda e repleta de nuances de uma parcela considerável do povo brasileiro que luta diariamente por migalhas para sobreviver, e frequentemente, são explorados, adoentados e excluídos.

    A história de Cristiano, protagonista de Arábia, é tocante. Pouco a pouco somos apresentados às suas lembranças, passando desde sua saída da penitenciária a diversos trabalhos em situações precárias, análogas à escravidão ou insalubres. O longa ainda desenvolve suas angústias, sonhos e paixões, sejam por imagens em tela ou pelo belíssimo texto narrado em off pelo personagem durante o longa – algo que teria tudo para dar errado, mas é poético, mas ao mesmo tempo duro, bruto, repleto de entrelinhas. A sutileza está em cada respiração, diálogo, enquadramento ou mesmo na linda trilha sonora que acompanha a jornada de Cristiano.

    Arábia é uma triste construção da tragédia da desigualdade brasileira, que sujeitos humildes vivenciam diariamente no Brasil. Um filme mais do que necessário e que certamente será lembrado como um dos grandes exemplares do cinema nacional.

    3. Em Chamas (Chang-dong Lee, 2018) – Por Felipe Freitas

    Cheio de metáforas e símbolos, assistir a Em Chamas é acompanhar de perto, quase como um amigo íntimo, um mistério nada previsível. O filme de Chang-dong Lee fez uma invejável trajetória no mundo todo, mas acabou não entrando nos selecionados finais do Oscar de Filme Estrangeiro, algo interpretado como uma grande injustiça por muitos, o que não é difícil de concordar. Mas apesar dos pesares, Em Chamas já é maior do que tudo isso ao entregar uma das maiores experiências cinematográficas de 2018. E uso a palavra “experiência” sem ressalvas, pois é uma trajetória que caminha a passos modestos e mesmo assim permanece extremamente imersiva de um primeiro ato quase inocente, até um final brutal.

    Chang-dong Lee cria – entre relações humanas nebulosas – uma atmosfera de suspense que demora a se justificar, mas está sempre estranhamente presente, mérito também do elenco que nunca deixa suas personagens estacionarem no raso. Brincando com as expectativas e o imaginário do espectador, Em Chamas é um ótimo exemplo de estudo de personagem, e uma aula de como manipular o público e de fazer da dúvida uma grande amiga.

    2. Roma (Alfonso Cuarón, 2018) – Por Tiago Lopes

    Após o estrondoso sucesso de “Gravidade” perante público e crítica o então diretor Alfonso Cuarón estava com a indústria cinematográfica norte-americana aos seus pés, podendo optar por filmar com total liberdade dos estúdios o que melhor lhe apetecesse independente do orçamento do projeto, no entanto o cineasta mexicano fez um caminho inverso do esperado e se aventurou em uma jornada mais complicada, não menos satisfatória. Alfonso optou por verter-se sobre seu percurso, suas memórias, ampliando sensações, dilatando situações, refletindo e condensando seu cinema, tudo isso de uma maneira bastante intimista. Sem perder um olhar globalizado, em “Roma”, o artista externou situações quando conseguiu elevar relações “aparentemente cotidianas” para uma outra esfera de exposição e debate.

    Alfonso apoiado em uma fotografia praticamente monocromática que dedilha beleza e sutileza quadro a quadro, reconstruiu cenários e espaços para construir de maneira vívida o tempo de um México por muitos desconhecido, quiçá esquecido em algum lugar do passado. O resultado de todo esse esforço obviamente desembocou em uma arrebatadora obra que angariou mundo afora prêmios e aclamação.

    Seja pela estética deslumbrante, pelas reflexões e emoções que imprime ao público ou mesmo pelas lacunas que não tenciona responder, Roma é um filme que veio pra ficar e que com certeza ainda ecoará por bastante tempo no imaginário de muitos. Instantaneamente, uma preciosa obra de arte na mais pura concepção da palavra.

    1. Projeto Flórida (Sean Baker, 2017) – Por Filipe Pereira

    Sean Baker brinca muito bem com o American Dream, mostrando neste filme uma atmosfera que se divide entre o lúdico fantástico do núcleo infantil e a dura realidade dos adultos fracassados de Projeto Florida. É impossível não se emocionar com a dupla de mãe e filha Moone e Halley, de Brooklyn Prince e Bria Vinaite. As duas atrizes, mesmo sem experiência desempenham lindamente seus papeis. É incrível como as condições financeiras paupérrimas das famílias que vivem nos hotéis próximos dos parques, com o mundo temático dos espaços de conglomerados com os da Universal, Disney etcetera, com uma colisão dessas duas realidades no final, onde Baker retorna as suas origens, filmando com um iPhone como fez em seus longa anterior, Tangerines, em um momento mágico e poético.

    Participaram dessa votação: Bernardo Mazzei, Dan Cruz, Douglas Olive, David Matheus Nunes, Felipe Freitas, Filipe Pereira, Flávio Vieira, Marcos Paulo Oliveira e Tiago Lopes.

  • Crítica | Filhos da Esperança

    Crítica | Filhos da Esperança

    Um futuro perturbador marcado pela infertilidade da espécie é a ficção que melhor representa o presente.

    Repressão que parte do estado, violência entre a própria população, uso exagerado de drogas, imigrantes presos em jaulas. São assuntos difíceis de tratar e muitas vezes negligenciados, porém, não é preciso muito se atentar a essas situações, ainda que de forma velada em nosso cotidiano. Filhos da Esperança parte dessa ideia.

    No futuro, em 2027, a humanidade está próxima do colapso porque nessa distopia as mulheres não conseguem mais gerar filhos. O controle de imigração também é severo e opressivo. Esse é o cenário em que Theo (Clive Owen), um herói moldado pela ocasião,se encontra.Ele vive inerte a realidade das ruas como empregado do governo e após ser sequestrado por um grupo ativista, reencontra laços com o passado em Julian (Julianne Moore), sua ex-esposa. Theo precisa conduzir a primeira gestante em anos para os cuidados de uma organização interessada no bem-estar e futuro da humanidade. Kee precisa ser cuidada, já que é uma imigrante ilegal e as autoridades se aproveitariam de alguma forma da sua gestação.

    A indiferença do protagonista com o mundo é um ponto determinante para o desenrolar da trama. O título brasileiro do filme entrega a esperança como força motriz da trama, e de fato o é. Não é ocasional que pessoas se aglutinam em torno de veículos midiáticos, nem que o barco do projeto humanista, colocado como destino final para Theo é nomeado “O Amanhã”. Em meio ao caos absoluto, a esperança é o que resta e sua ausência também seria ausência de vida. Sem razão para seguir em frente e uma catástrofe iminente, o fim já está decretado.

    A construção narrativa de Filhos da Esperança se dá pelo estado de desequilíbrio instituído. Há conflitos gerais, mas sobre tudo humanitária. A câmera acompanha Theo, mas constantemente se desloca para revelar a distopia instaurada. São muitas as cenas que lembram os campos de concentração nazistas no constante desejo do diretor de enquadrar o caos e até mesmo a morte.É um trabalho em que Cuarón repete este recurso, já usado antes em E Sua Mãe Também (2001), é um artífice para contrastar a história de seus personagens com o plano de fundo daquele universo. Uma esfera maior.

    Há mais uma razão para a liberdade exercida pela câmera nos enquadramentos do filme.Essas tomadas perfeitamente orquestradas por Jim Klay, Geoffrey Kirkland (Direção de Arte) e Emmanuel Lubezki (Fotografia), levam o espectador à vertigem imposta aos personagens.Isso é essencial para que o público desperte a ideia de que a camada principal é fruto da conjunção angustiante e sufocante em que se segue o entrecho.

    É interessante pensar que treze anos após seu lançamento, Filhos da Esperança esteja em tamanha sintonia com a realidade. A crise humanitária de 2006, poucos anos após o 11 de setembro persiste ainda hoje e ainda centrada na figura do presidente norte-americano. Naquela época a política de imigração se encontrava em estado austero pelas guerras impostas pelos Estados Unidos aos países do centro da Ásia. No atual contexto, é o México onde nasceu Alfonso Cuarón e outros países latino-americanos que estão em debate e no gritos reacionários dos gringos.

    As experiências quais somos submetidos todos os dias no século XXI se fazem claustrofóbicas porque também atravessamos tempos de inquietude e violência. Em confronto com Filhos da Esperança, há que se atentar a luta necessária para manter a sanidade, para prosseguir com a vida mesmo rodeado pelo caos. As circunstâncias dão razões para desconfiança generalizada, nas pessoas, nas instituições e enquanto indivíduo, é muito fácil internalizar esse conflito onipresente e extravasá-lo de maneira bastante perigosa. Em seu filme, Cuarón encontra no próximo, na confiança e cooperação humana a ponte para a esperança. A mensagem do diretor acerta em cheio nosso presente quando aponta nossa falta de humanidade e incapacidade de lidar com a vida.Isso só será reparado quando for entendido que nenhum ser humano é ilegal e que se o respeito para com as pessoas e suas histórias deve reavisto.Essa geração está mesmo comprometida e a esperança nasce todos os dias com uma nova aurora.

    Texto de autoria de Gabriel Caetano.

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  • Crítica | Como Falar Com Garotas em Festas

    Crítica | Como Falar Com Garotas em Festas

    John Cameron Mitchell é um realizador peculiar. Seus filmes de maneira geral se baseiam em batidas emocionais das personagens, e as tramas são mais ou menos impulsionadas de acordo com as emoções pontuadas em cada sequência; se um título mais ou menos polêmico como Shortbus girava em torno de sexo como um catalisador pra inúmeros contextos íntimos facilmente ignorados em função do sexo em si, e o aclamado Reencontrando a Felicidade (cujo título nacional é impossivelmente entreguista) apresentava o luto como algo a ser assimilado ao invés de tratado como algo nocivo, era de se esperar que uma adaptação de um conto de Neil Gaiman (um autor naturalmente generoso com os aspectos emocionais de suas obras) fosse ainda mais sensível e aflorado, de acordo com as explorações típicas de seu diretor/co-roteirista – e Como Falar Com Garotas em Festas, inspirado na história homônima de Gaiman (leia nossa resenha aqui), de fato se apresenta como um veículo perfeito para seus interesses narrativos. Nem tudo funciona o tempo todo, mas o filme traz doçura e diversão suficientes pra compensar a maneira acochambrada com a qual tenta conjugar suas diferentes partes e propostas.

    O longa introduz Enn (Alex Sharp), o protagonista, como um jovem e entusiasmado punk na Londres dos anos 70 que, na companhia de seus amigos Vic e John, inadvertidamente, após um bagunçado show no clube local (comandado por uma peculiar Nicole Kidman, no papel de Boadicea, uma punk da cena OG, em mais uma parceria com Mitchell após ser exaltada por Reencontrando a Felicidade) acaba encontrando um esquisito conluio de jovens e conhecendo Zan (Elle Fanning, arroz-de-festa em filmes habitualmente mais excêntricos do que a média), uma alienígena presente na terra junto de outros ETs por tempo limitado em função de uma “experiência”. Em busca de algo mais autêntico nas horas que restam a ela no planeta (na forma da música e da cultura punk), Zan escapa de seus pares e acompanha Enn em uma incursão pelo incerto cenário da juventude de Croydon (um epicentro artístico londrino), enquanto é perseguida pelos outros membros de sua espécie (participações menores mas não menos estranhas de nomes como Ruth Wilson, Matt Lucas e Edward Petherbridge), que pretendem interromper suas novas “experiências” para garantir a Retirada, o evento de passagem onde os membros mais velhos da raça devoram os mais jovens.

    Talvez as descrições de trama e ambientação soem mais mórbidas do que ambas realmente são, embora a bizarrice de todos estes elementos seja provavelmente maior do que se pode imaginar, mas o ponto é que Mitchell empresta leveza e doçura consideráveis a tudo que se vê ao longo do filme, de penetrações anais e perspectivas evolutivas cósmicas a um embate/confraternização entre punks terráqueos e coloridos alienígenas agregados – e mesmo que algumas coisas não combinem e não façam muito sentido, a ideia primordial de rebelião jovial contra normas e expectativas permanece intacta e, se a atmosfera geral apresenta a filosofia de vida punk como uma abordagem ideal diante da necessidade de se viver coisas mais intensas e originais, até mesmo a baderna da narrativa vem em auxílio do filme. Não há como prevenir o desperdício de subtramas e eventos que pareciam do interesse do filme, e frustra como nada é aprofundado ou examinado com maior atenção, mas é uma troca aceitável conforme Sharp e especialmente Fanning garantem um núcleo afetivo eficiente e conseguem ancorar uma obra que talvez não tenha muita certeza do que almeja configurar.

    Apesar de centralizar a ação em uma cena punk original e, portanto, baseada tanto em música quanto em atitude, Como Falar Com Garotas em Festas prioriza um ritmo ágil para contar sua história, e tanto o roteiro (de autoria de Mitchell e Philippa Goslett) quanto a montagem de Brian A. Kates estruturam o filme menos como uma corrida contra o tempo e mais como um sprint contra as perspectivas sociais-biológicas da época, a bem da verdade não muito diferentes de anos recentes; há apenas uma inserção musical significativa, dominada com ferocidade por Elle Fanning na única chance de Zan para fazer valer as paixões que carrega e divide com Enn em um palco, culminando em algo transcendental para ambos, mas esta acaba sendo suficiente – senão pela ambientação, ao menos pelo desenvolvimento das personagens.

    Traído por um ato final que não se sustenta (nem desperta muito interesse) a partir do que vimos ao longo da projeção, Como Falar Com Garotas em Festas ao menos conta com um desfecho mais cálido do que a melancolia de seus instantes derradeiros indicava. E mesmo que seja irregular e superficial demais pra ser devidamente reconhecido, é um filme simpático e pulsante que ganha apreço por seus predicados mais básicos, e pela facilidade com que transforma estranheza e lugares-comuns em manifestações genuínas de sentimentalismo e bom humor, mesmo diante de possibilidades nada alegres e bastante impessoais. Nada mal para uma rocambolesca trama amorosa entre um punk sem rumo e uma alienígena fatalista.

    Texto de autoria Henrique Rodrigues.

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  • Crítica | O Menino Que Descobriu o Vento

    Crítica | O Menino Que Descobriu o Vento

    Os seres vivos precisamos “criar” as condições para nos mantermos vivos. Os vegetais, ao longo do tempo, vão inclinando seus troncos para buscar melhor condição de luz e se enraízam na direção mais úmida. Animais necessitam a cada instante se proteger de predadores e buscar sua fonte de alimentação. Essas são obviedades, sem dúvida, mas um introdução necessária para o que segue. Qual o diferencial de maior destaque do ser humano em relação aos demais seres vivos? A capacidade de raciocinar, juntar informações e conhecimentos registrados por outros homens, refletir, pensar soluções para seus desafios e implementá-las.

    O emprego da engenharia salvou o ser humano ao longo da evolução. Assim como salvou William Kamkwamba e sua família da fome e da morte. Nascido em 1987 no Malawi, William teve uma infância repleta de restrições, alimentos, água, educação aí incluídos. Depois de passar por muitas dificuldades e mesmo sem acesso à educação formal, ele foi ousado o suficiente para construir algo que solucionaria grande parte dos problemas de sua família. Com base em livros, sem tutoria ou apoio de qualquer outra pessoa, construiu uma turbina eólica para geração de energia para sua casa. Contando apenas 14 anos, em meio a uma sociedade praticamente destruída pela pobreza e pela severa seca daqueles anos e com seu pai totalmente contrário à sua ideia louca, William construiu a turbina se utilizando de troncos de árvores, partes de uma bicicleta e componentes encontrados em um ferro velho.

    “O menino que descobriu o vento”, de Chiwetel Ejiofor, conta essa história, intrigante, tocante e completamente extraordinária. Kamkwamba (Maxwell Simba) é um menino curioso, fortemente interessado por estudar (muito embora não tenha sido forçado a interromper seus estudos ainda na fase primária) e muito perseverante. A excelente atuação de Maxwell Simba apenas engrandece essa história, reconhecida no seu próprio país em 2006 quando o principal jornal malawi escreveu sobre a história.

    Já bastante conhecido como ator, Ejiofor (12 Anos de Escravidão) debuta de maneira bela como escritor (adaptação do livro para as telonas) e diretor de longa. Caso continue investindo nessas funções, é muito provável que alcance o mesmo destaque que já alcançou como ator. Além de conseguir fazer os espectadores chorarem, em função da sua delicada condução da trama e dos atores, ainda nos entrega uma convincente atuação como Trywell Kamkwamba, pai do menino William.

    Mais um destaque do filme é a interpretação que a veterana atriz senegalesa Aïssa Maïga faz da mãe de William, Agnes Kamkwamba. Não menos que intensa e real, a Agnes de Maïga nos faz viver de perto a mãe africana vivendo em condições de forte restrição e toda a dor por que passa ao se ver impotente para cuidar dos seus filhos como toda mãe amorosa e responsável deseja. Quem quer que veja o filme com o mínimo de atenção à sua interpretação, certamente despertará o interesse em conhecer um pouco mais de sua filmografia.

    Totalmente filmado no Malawi, o filme conta também com mais este ponto a seu favor: nos transmite ainda mais sinceridade e verossimilhança ao nos mostrar lugares muito próximos da realidade da infância de William. Verdadeiro entusiasta de bons filmes derivados de histórias reais, concluo com o seguinte lugar-comum: cada minuto sentado à frente da tela dedicado ao longa é extremamente válido.

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior (marcospenajr.com).

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  • Crítica | Operação Fronteira

    Crítica | Operação Fronteira

    O cinema de ação, ao contrário de vários gêneros e subgêneros compreendidos pelo cinema, não é um sobrevivente, e sim uma constante; se há variações de estilo e graus de comprometimento com certas estéticas e abordagens narrativas, há também a segurança de que sempre haverá espaço, tanto nas telonas quanto nos serviços de streaming e demanda, para tiroteios, explosões e dinâmicas agressivas para personagens igualmente agressivos (se não em essência, ao menos em método). Desta forma, os filmes de ação carregam um estandarte de entretenimento que só é rivalizado pela fantasia, e nos últimos anos, a cruza entre ambos promovida pelo boom de filmes de super-heróis e super-heroínas tem sido o padrão deste tipo popular (em todos os sentidos) de produção; de filmes da Marvel a Velozes & Furiosos e John Wick, personagens icônicas e sagas crescentes tomam os holofotes, mesmo que não existam super-poderes em cena. Às vezes, no entanto, há tentativas de valorizar maneiras diferentes e mais tranquilas de se realizar ação – e Operação Fronteira, novo filme de J. C. Chandor, responsável por Margin Call, Até o Fim e O Ano Mais Violento, é um bom exemplo da contramão a estes exemplares recentes em voga.

    Protagonizado por um elenco carismático e mais estrelado do que o normal para produções (em tese) mais modestas, puxado por Oscar Isaac e Ben Affleck, Operação Fronteira traz um grupo de ex-combatentes de elite das forças armadas estadunidenses, liderados por Redfly (Affleck) e reunidos por Santiago (Isaac), tentando empreender um roubo à mansão de um narcotraficante, situada em uma tripla fronteira sul-americana, com base nas informações obtidas por uma informante de Santiago (Adria Arjona) enquanto este atuava como consultor para as polícias colombianas (a frequente adesão de soldados dos Estados Unidos a PMCs, private military contractors, ou seja, mercenários de exércitos de aluguel, é brevemente citada pelo personagem de Charlie Hunnam, William Ironhead Miller). Redfly, um estrategista nato que tenta (e fracassa em) levar uma vida pacata, é convencido por Santiago, e logo se junta a Ironhead, Ben (vivido por Garrett Hedlund, irmão de Ironhead) e Francisco Catfish Morales (Pedro Pascal, continuando sua onipresença hollywoodiana) para o golpe no criminoso local, Lorea (Rey Gallegos).

    Obviamente nem tudo sai conforme o planejado e mesmo que a competência dos envolvidos seja à prova de balas, suas fibra moral e resiliência não são, e é neste aspecto que Operação Fronteira consegue se libertar um pouco das amarras de um roteiro medíocre e de uma trama francamente desinteressante. A casualidade do planejamento do roubo e a violência (muitíssimo bem orquestrada e demonstrada) contida porém impactante desencadeada pelas ações dos ex-militares tornados em ladrões lembra alguns dos melhores momentos de Michael Mann em filmes como Colateral e Miami Vice, mas as semelhanças são mais espirituais do que visuais ou técnicas; Chandor não parece interessado em compor cenas emblemáticas e grandes sequências de ação, e sim nas consequências imediatas das deturpações à ordem natural dos lugares por onde Santiago e sua equipe passam, e o fato de Operação Fronteira ser em grande parte um filme suspeitosamente mais silencioso e marásmico do que a imensa gama do cinema de ação dá suporte a esta impressão. O filme não entra em excessivos detalhes acerca de suas personagens e dos procedimentos que estas conduzem, nem mesmo no ato que motiva a reunião dos soldados desiludidos e dá nome (extraoficial) à produção.

    Se por um lado a superficialidade da construção das personagens, de suas motivações, e as próprias preparação e execução dos planos soa mais sossegada (ou até preguiçosa) do que se espera, a própria falta de estofo dos protagonistas e o empenho trivial em suas ações denota a estatura social e emocional lastimável na qual se encontram, especialistas em serviço de ideias efêmeras e improdutivas, de acordo com suas (expositivas) falas. Ainda assim, a história de Mark Boal (colaborador de Kathryn Bigelow em filmes igualmente dúbios mas bem mais aflitos), roteirizada em conjunto com o diretor, não investe muito na desilusão do grupo de militares ao léu — apenas o suficiente pra impulsionar a curta trama e contextualizar certas atitudes (e até alguns atalhos dramatúrgicos meio esquisitos). Além desta franqueza roteirística, existe uma curiosa e irônica honestidade para um filme a respeito de um roubo perpetrado por soldados norte americanos em solo latino. O espectador é poupado de visões redentoras e de discursos sociopolíticos sobre a intervenção de gringos em solo brasileiro, paraguaio, colombiano ou peruano, sobretudo de tentativas de explicar ou mesmo compreender os panoramas do crime organizado e do narcotráfico regional. Nem haveria tempo para palestras fora de propósito: o ritmo de Operação Fronteira também consente sua proposta; embora pautado por vários eventos de extrema urgência, todas as sequências tomam um tempo suficiente e compreensível, sem muitos apelos artificiais aos comuns momentos de frenesi e corrida contra o tempo que caracterizam o nicho que ocupa.

    É positivamente surpreendente, aliás, que esta obra seja tão despida de ambições e tentativas de fazê-la emplacar de qualquer maneira; Operação Fronteira vagou num limbo hollywoodiano por pelo menos oito anos, tendo diversos nomes e estúdios associados à sua produção, e só ganhando tração a partir da aquisição de seus direitos pelo Netflix. Nem sempre estes construtos cinematográficos ganham vida, e quando ganham, costumam exibir as marcas de tantas ideias diferentes acopladas ao longo do tempo (além de pressa nas suas realizações, o que raramente permite resultados acima da média).

    Evitando construir e concluir o filme ao redor de momentos de catarse, e emprestando uma dignidade quieta mesmo aos instantes mais impactantes e enérgicos, J. C. Chandor acabou concebendo Operação Fronteira como um filme de ação desprovido de solenidade e eficiente em encapsular heist movies e militaria sem glorificar, suavizar ou exagerar os cacoetes das obras de mesmo gênero e/ou subtipo. Seus filmes anteriores compartilham componentes similares de andamento e parcimônia, e seu mais que bem-vindo acerto foi comandá-lo da mesma forma, sem dar espaço a certas distrações e tendências. Sem dúvida um tempero mais forte nas personagens e na tensão poderia dar a quem assiste uma forma mais impressionante, mas é possível celebrá-lo tanto pelo que Operação Fronteira é quanto pelo que não é, e se a norma é fazer filmes pretensamente ribombantes e espetaculares, entupidos de *camadas* e elementos a descobrir (sequer sabendo se vale a pena fazê-lo), é bom o suficiente que este título a desafie.

    Texto de autoria de Henrique Rodrigues.

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  • Resenha | Oneironautas – Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira

    Resenha | Oneironautas – Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira

    Oneironautas (Editora Patuá), da experiente dupla Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira é uma noveleta de ficção científica com toques de non sense que funciona muito bem como pequeno delírio compartilhado. Não por acaso, o texto foi escrito daquela forma em que um escritor escreve um capítulo, com exatamente 300 palavras, e o outro faz a continuação, com a mesma extensão, e assim cada um se desafia a continuar (e dar alguma concisão), ao todo caótico que a história vai se mostrando. Contudo, como autores experientes, a história não perde a linha, ao contrário, adquire contrastes, referências e novas possibilidades que funcionam muito bem e deixam ao leitor uma atmosfera de “cadê a continuação?”.

    Quinze capítulos e um epílogo em 78 páginas, o livro é uma leitura rápida e igualmente explosiva. Tudo começa na São Paulo de 2066, onde os oneironautas (termo grego para navegantes dos sonhos), Fábio e Nelson se encontram na Festa Eterna, entre aliens, ciborgues e híbridos, e não desejam ser encontrados por – eles mesmos. É isso. Fábio e Nelson não querem ser encontrados por suas próprias versões que habitam universos alternativos. Ou seja, a história explora a teoria das múltiplas realidades existentes para contar uma aventura surreal de homens caçados por suas próprias versões ciborgues, aliens e o que mais as referências cinematográficas e ficcionais dos autores colocarem lá.

    O notável é a capacidade de os autores se desafiarem com situações progressivamente mais irreais, complicadas e aparentemente sem solução, até que a história avança por dezenas de referências, conceitos artísticos e científicos, até o horizonte de eventos do final do livro. Um lembrete, o livro é curto, mas vale a releitura. E, sobretudo, vale a pesquisa pelos conceitos abordados. Fábio e Nelson são referências como pesquisadores e escritores de literatura brasileira. Vale procurar os outros livros dos autores.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Oneironautas.

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  • Crítica | Minding the Gap

    Crítica | Minding the Gap

    Nos cenários mais injustos, Minding the Gap, o filme documentário de estreia do jovem Bing Liu teria passado batido a primeira vista. Em uma experiência própria, estranhei quando comecei a ouvir falar das boas reações que ele vinha recebendo mundo afora, parecia um simples filme sobre skatistas, o que havia em suas entrelinhas foi o que me instigou a aguardá-lo com grandes expectativas. O documentário atravessou tantas barreiras que foi um dos indicados na equilibrada categoria de Melhor Documentário do Oscar 2019 e deve ter sido um grande dia para o jovem cineasta responsável pelo longa ver onde seu projeto chegou, seu filme nasce de um desejo genuíno de gravar seu esporte favorito e no fim abraça temas mundiais.

    Liu é um jovem que cresceu humildemente em Rockfort nos Estados Unidos e desde criança tem um forte vínculo com outros dois rapazes que compartilham o mesmo amor pelo skate que ele. Ele e sua câmera acompanham a intimidade desses três jovens durante alguns anos e aos poucos a realidade vai batendo na porta de cada um. Zack precisa aprender a ser responsável por outra vida, Keire reluta em encarar o futuro e Bing começa a investigar o passado para encaixar algumas peças de sua vida. Em algum momento, o documentário passa a ser sobre as pessoas que fazem esses garotos serem quem são e como a violência doméstica deixa rastros enraizados.

    O longa tem uma vida crescente muito bem-vinda, o diretor ainda que deixe sua trajetória um pouco fora de plano, ganha quando seu desenvolvimento como ser-humano e como cineasta move o filme para caminhos certeiros. Por conta do acesso íntimo que ele tem com os seus amigos, suas abordagens são sempre muito naturais e as respostas soam honestas por serem reflexos de uma amizade real e antiga. E o diretor compartilha com teu espectador uma perspectiva muito interessante, seu olhar sobre seus amigos é muito acolhedor mas ele conhece as falhas de todos, assim como eles o conhecem. Então é um bom exercício assistir como o cineasta lida com os dois lados de estar fazendo um filme sobre si e as pessoas que ele ama, pois alguns podres se mostram impossíveis de ignorar no meio do caminho.

    Bing começa a enxergar suas histórias atravessando os limites das individualidades e agrega novas camadas, como a sensibilidade de acompanhar a mãe do filho de Zack e ouvir a versão dela de alguns fatos, ou o enfrentamento que o jovem cineasta faz a si próprio em ouvir relatos dolorosos de sua mãe e do seu irmão. É muito claro como o filme e seu criador crescem juntos e amadurecem, o retrato que Bing faz de sua paixão, de seus amigos e das dores do fim da adolescência é quase puro, eterniza uma geração que busca por significados e carrega consigo histórias das quais não precisa reviver, mas Minding the Gap deixa claro que nem tudo na vida acontece como deve acontecer, assim como nada parece resistir ao finito.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Resenha | O Dia do Chacal – Frederick Forsyth

    Resenha | O Dia do Chacal – Frederick Forsyth

    O Dia do Chacal, de Frederick Forsyth, publicado pela Editora Record, é uma aventura policial onde um grupo ultranacionalista francês contrata um assassino de aluguel chamado “Chacal” para matar o então presidente Francês, Charles De Gaulle. O ambiente é a França após a reunificação da Segunda Guerra Mundial e o autor se baseou em um atentado verídico para compor a história. A diferença é que na vida real a identidade do assassino não foi revelada, assim Forsyth criou um mercenário especial para o trabalho. A narrativa, portanto, é híbrida, com informações do acontecimento real e composição ficcional, como alguns os grandes mestres do gênero policial o fazem.

    A história se passa no início da década de 1960, quando a França ainda estava se reerguendo após as fortes perdas da Segunda Guerra Mundial. O principal gatilho do atentado contra o presidente e responsável pela reunificação francesa durante a Guerra, Charles de Gaulle, foi o fato de ele devolver o território da Argélia aos argelinos. Antes, a Argélia fora uma colônia francesa e os franceses radicais queriam manter esse grilhão após a Segunda Guerra. Contudo, De Gaulle resolve não mais colonizar os argelinos e isso desperta a fúria de um grupo ultraconservador que quer o presidente e suas novas políticas, extirpadas.

    Mas como De Gaulle já tinha sido alvo de atentados anteriores, não seria fácil assassinar o presidente. A solução do grupo ultraconservador foi contratar um caçador de recompensas muito caro e fora do radar da Interpol. O pseudônimo do matador era “Chacal”. O assassino é uma mistura de outros vilões policiais e têm ótimas habilidades de disfarce, falsificação, treinado em vários estilos de combate, especialista em tiro, fluência em vários idiomas, estratégia minuciosa e gosta de agir sozinho. Chacal aceita o trabalho e pede uma quantia exorbitante de dólares, ao qual é pago.

    Do outro lado, o serviço secreto francês começa a suspeitar de um novo atentado contra o presidente, contudo, não encontra quem está por trás disso nem imagina o método de ação. Aí entra em cena o nêmesis, o oposto de Chacal, o comissário Claude Lebel. Os dois se complementam como Batman e Coringa ou qualquer dupla inseparável de vilão e mocinho; enquanto Chacal é super minucioso em suas falsificações, Lebel tem um faro para descobrir os disfarces do assassino e é guiado por certo feeling de investigador experiente para ficar no pé do bandido.

    A história começa devagar. Forsyth opta por primeiro descrever o ambiente de divisão política daquela época até o descontentamento do grupo ultraconservador com as novas políticas de De Gaulle. Esta primeira parte (o livro é divido em três), é mais longa, mas demonstra todas as ações até a contratação de Chacal e a entrada do comissário Lebel no caso. Nos capítulos seguintes, ficamos sabendo que Chacal decide agir no dia em que se comemora a vitória dos franceses sobre os alemães, momento em que o estadista sairá em carro aberto e poderá ser morto por uma bala de rifle bem posta entre os prédios ao redor do desfile patriótico.

    A perseguição bandido-mocinho se intensifica e somos levados de maneira ágil até a resolução do conflito. A escrita tem um ritmo mais acelerado a partir da segunda parte, contudo não perde em fluência, mantendo uma linguagem fácil, bem escrita e empolgante. A oposição entre os personagens principais é muito bem trabalhada e conseguimos torcer ora por um, ora por outro. Uma história bem contatada com aventura, suspeitas, intrigas, conflitos e certa dose de violência.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Vingadores: Ultimato | Comentários sobre o novo Trailer

    Vingadores: Ultimato | Comentários sobre o novo Trailer

    Finalmente o novo trailer de Vingadores: Ultimato chegou à internet. Após pequenos teasers e um trailer que não forneciam muitas informações e aumentavam ainda mais as expectativas. Esperava-se que o trailer pudesse nos colocar mais a par do que Steve Rogers, Tony Stark, Bruce Banner, Thor, Natasha Romanoff, James Rhodes, Scott Lang, Clint Barton, Rocket, Nebulosa, e agora, Carol Danvers, fariam para derrotar Thanos. Porém, qualquer trecho ou diálogo sobre Ultimato é considerado um spoiler em potencial e o que se viu foi um trailer justo, honesto, tenso, intrigante e que traz diálogos e cenas inéditas, mas que não entrega absolutamente nada, sendo que, no máximo, confirma algumas teorias e levanta outras possibilidades, deixando claro que a surpresa, ficará para a tão aguardada estreia nos cinemas.

    Nas linhas abaixo analisaremos o trailer e faremos alguns comentários sobre o que achamos de importante.

    O trailer de Vingadores: Ultimato é recheado de cenas em preto e branco (com leves detalhes em vermelho) de flashbacks de seus principais heróis somando com cenas que estão em colorido e que representam a nova aventura. Temos uma narração em off onde Tony Stark (Robert Downey Jr.), aparentemente, está gravando aquela triste mensagem de despedida para Pepper Potts (Gwyneth Paltrow), enquanto a nave dos Guardiões da Galáxia está à deriva no espaço.

    Os flashbacks se alternam o tempo todo com cenas do filme e vemos Clint Barton (Jeremy Renner) treinando sua filha com o arco e flecha. Aqui, a julgar pelo corte de cabelo do personagem, é muito possível que seja uma cena minutos antes do estalo de dedos de Thanos, onde existe a possibilidade de que o Gavião Arqueiro tenha perdido toda sua família mostrada em Vingadores: Era de Ultron.

    O trailer continua com outra narração em off que parece ser a voz da Nebulosa (Karen Gillan), dizendo que tudo que pode ser feito é dar o melhor que puder e que as vezes o melhor é recomeçar. Difícil crer que essas palavras possam vir da Nebulosa. Imagino que a personagem cresça demais nesse filme e deixe de ser a irritada e acéfala que sempre foi, afinal, ela e Tony tem muito trabalho pela frente. Comentários na internet dizem que a voz possa ser de Peggy Carter.

    A voz em off de Thor (Chris Hemsworth) diz que o personagem viu todos morrerem em sua frente e Steve Rogers (Chris Evans) aparece sentado numa mesa com Nat (Scarlett Johansson) dizendo que fala para todas as pessoas superarem o que aconteceu e que algumas até superam mas que eles (os Vingadores), não deviam superar. Aqui, Rogers aparece já sem a barba apresentada em Guerra Infinita e o cabelo de Nat está comprido e ruivo novamente, somente com as pontas loiras. Esses pequenos detalhes sugerem que o filme terá, ao menos, duas épocas temporais: as semanas seguintes ao estalo dos dedos de Thanos e anos à frente. Existe ainda uma possibilidade de uma terceira época temporal, mas que não foi apresentada no trailer e que, portanto, ficará para outro texto. Acredita-se que as semanas pós-estalo servirão apenas para apresentar a Capitã Marvel ao que sobrou da equipe, vide a cena pós-créditos do filme da heroína, e que boa parte do filme se passará alguns anos após os eventos de Guerra Infinita. E talvez, o principal motivo para que isso aconteça seja por causa de Scott Lang, o Homem-Formiga (Paul Rudd).

    A próxima e importante cena que está no trailer mostra um Scott Lang atordoado, num bairro residencial (que deve ser onde mora), olhando para um poste recheado de cartazes de pessoas desaparecidas. Obviamente, ele escapou do Reino Quântico e existe uma possibilidade enorme de ele ter tido contato com o que aconteceu somente anos depois do estalar de dedos de Thanos. Das duas uma, ou ele ficou preso por anos no Reino Quântico (o que lhe permite aprender muito sobre o submundo), ou ele acabou viajando sem querer para o futuro, conseguindo escapar de lá numa linha temporal que demorou minutos para ele e anos para a humanidade.

    A voz em off de Nat diz que mesmo que a chance seja pequena, os heróis sobreviventes devem tudo àqueles que morreram e aí temos início a algumas cenas de ação, onde vemos Clint Barton trajado como Ronin, Rocky (Bradley Cooper) montado em cima do Máquina de Combate (Don Cheadle), ambos prontos para a briga, Nebulosa enfurecida partindo pra cima de alguém, Capitão América, também enfurecido, cerrando os dentes e afivelando as tiras de couro de seu escudo em seu braço (uma cena linda) e o Homem-Formiga diminuto correndo para lá e para cá desativando algum dispositivo.

    Durante esse trecho de ação ouvimos pela voz de Steve Rogers a fala mais dita no trailer: custe o que custar. E ela vem sendo repetida por Nat, Clint e Tony. Imaginamos que essa frase repetida por estas pessoas não estão no trailer por acaso, uma vez que existe a possibilidade de todos eles morrerem, um deles, ou alguns deles. E talvez esse também possa ser o destino da Nebulosa, que com certeza tentará se vingar da morte dos Guardiões da Galáxia e vingar a si mesma após anos sendo torturada por Thanos.

    O trailer se encerra com os heróis caminhando pelo hangar da base dos Vingadores para a missão mais importante de suas vidas. Além disso, todos eles estão usando um belo uniforme branco. Importantíssimo perceber que Tony Stark e Nebulosa estão junto deles, confirmando, portanto, que a dupla conseguirá se safar da deriva no espaço.

    E ainda temos um trechinho muito bom, onde Thor caminha em direção à Carol Danvers (Brie Larson). Os dois se encaram e o Deus do Trovão ergue seu braço e o Rompe Tormentas vem em sua direção, zunindo pelo ouvido da Capitã Marvel, que nem se mexe. Ela sorri de maneira irônica procurando deixar claro que ela não se assusta com nada e Thor sorri de volta. Imediatamente ele se vira para Nat e diz “gostei dessa aí”. Vale lembrar que essa cena deve acontecer logo no começo do filme, após a chegada de Danvers ao nosso planeta C-53.

    Vingadores: Ultimato estreia no Brasil dia 25 de abril.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | RBG

    Crítica | RBG

    “Eu não peço favores para o meu sexo.Tudo o que peço aos nossos irmãos, é que eles tirem os pés dos nossos pescoços”
    (Sara Grimke)

    No filme dirigido por Julie Cohen e Betsy West, acompanhamos a história de Ruth Bader Ginsburg, segunda mulher a ocupar uma cadeira na Suprema Corte dos EUA, e consequentemente toda sua trajetória que ficou marcada por uma série de lutas judiciais, quase sempre grifadas por uma insaciável busca pela legitimação da igualdade de gênero.

    ‘RBG’ trata-se de um apelido dado por uma internauta à juíza, apelido esse que por sua vez foi inspirado no rapper Notorious B.I.G., algo totalmente plausível, visto que Ruth da noite pro dia se viu alçada como ícone da cultura pop norte-americana, sendo frequentemente lembrada em programas televisivos, memes e afins, evidenciada praticamente como uma celebridade, apesar de ser dotada de um caráter íntimo comedido, extremamente paradoxal diante sua fama.

    Ginsburg desde a adolescência teve de quebrar paradigmas. Cursou Harvard em uma época onde as mulheres viviam em constante estado de segregação imposto pelo machismo vigente, fator esse que (lógico) acabou desembocando em inimagináveis preconceitos em sua profissão, das mais variadas maneiras e formas possíveis. Traçado esse breve mapa, deixo a cargo do expectador descobrir outros tantos desafios que serão demonstrados ao longo do filme.

    Enquanto fórmula, o documentário é bastante formal, seguindo uma linha bastante protocolar, sendo palatável para qualquer público. Expõe contexto de forma bem didática. Narra toda a saga de Ruth Bader Ginsburg desde sua infância, perpassando por sua formação, desembocando no status mítico que a magistrada alcançou; tudo isso sem perder um olhar intimista para com a protagonista. Aliás, é justamente na dinâmica direta de entrevistas com a juíza e seus posicionamentos ideológicos que reside o grande trunfo do projeto. É através do cotidiano, de suas palavras e silêncios que RBG vai demonstrando sua real persona, fazendo assim com que acabemos por conseguir traçar uma lógica semiótica de todo o discurso que moveu sua vida e profissão. O projeto cênico em sua totalidade tem como objetivo principal exaltar os feitos da personagem que dá título ao filme, porém, toda essa narrativa de maneira indissociável traz consigo camadas múltiplas, fidedignas de um tempo e suas mais profundas contradições.

    Um dos maiores legados que o escritor tcheco Franz Kafka deixou ao mundo em sua literatura foi sobre a consciência da existência do espírito da lei e a lei fria quando se trata de justiça.

    Eis aqui o cerne de RBG.

    Sua figura pública é tão fascinante justamente porque sempre buscou lutar por um senso cívico que esteve muito à frente de seu tempo, situada em uma época onde “equidade” para com o gênero feminino era visto como uma mera utopia sem nexo. Por tudo isso e mais um pouco, sem dúvida a biografada merece ter sua história ressaltada e lembrada. Possivelmente, grande parte do público sairá desse documentário encantado com uma mulher tão cativante e indômita. Talvez até cantarolando I’ll Fight, canção tema do documentário. Caso algum leitor se interesse muito pela ministra que segue em atividade na Suprema Corte até hoje, deixo aqui a dica do filme Suprema, estrelado por Felicity Jones, outra obra que também reconstitui e narra os feitos de RBG.

    Texto de autoria de Tiago Lopes.

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  • Crítica | A Última Gargalhada

    Crítica | A Última Gargalhada

    A parcela dos seres humanos que se diverte com a mínima comicidade, seja numa piada, numa cena de filme ou numa fala de uma peça de teatro, é detentora, digamos, de uma espécie de dom. Sim, porque dar boas risadas é fundamental para uma vida saudável; e quão mais fácil para uma pessoa chegar às gargalhadas, mais diretamente ela obtém daí os benefícios mentais e para os sistemas imunológico e hormonal (fica aqui a sugestão de leitura dos trabalhos do prof. Lee Berk sobre o tema). Apenas com senso de humor elástico é possível dar algumas poucas risadas com A Última Gargalhada.

    A ideia do roteiro, escrito e dirigido por Greg Pritikin (Dummy: Um Amor Diferente), até que é boa: a história de um agente de talentos, Al Hart (Chevy Chase), aposentado, que diante do ócio da “vida pós-laboral” se sente compelido a voltar à ativa; e nessa tentativa “redescobre” um antigo agenciado, o humorista Buddy Green (Richard Dreyfuss), o qual apesar de muito talentoso abandonou a carreira muito cedo em busca de outra que o permitisse maior estabilidade para manter sua família. Tanto como drama como comédia, a trama tem um potencial interessante, mas assim como seu personagem central, não consegue realizar esse potencial.

    Além de entregar muito pouco de cômico, o longa também tem enorme furo de linha temporal. A passagem do tempo na história não condiz com o que é narrado, a partir do momento em que os dois saem em turnê. Ainda menos com o percurso feito de carro pelos personagens (o que demandaria muito mais tempo que aquele passado na narrativa). Para completar a falha, o roteiro só “entrega” o drama real da história no seu desfecho. Embora isso seja claramente intencional da parte de Pritikin, aponta para exploração empobrecida da história.

    Para os saudosos de um cômico Chevy Chase de Clube dos Pilantras, Três amigos! ou da trilogia Férias Frustradas, a atuação mediana do ator é (com a licença do trocadilho) frustrante. Já Dreyfuss se destaca no papel de Green. Se há um ponto alto no filme, aliás, é justamente a atuação do novaiorquino, que conta com mais de 120 atuações em sua carreira até aqui, tendo sido agraciado com o Oscar de melhor ator em 1978 por sua interpretação de Elliot Garfield em A Garota do Adeus.

    Se incapaz de fazer um pouco mais pelos telespectadores, A Última Gargalhada é um passatempo válido e faz pensar um pouco sobre abrirmos mão de fazermos o que amamos em função de estabilidade profissional e financeira. Acredito que poucas pessoas gargalhem vendo o filme, mas algumas risadas incidentais podem acontecer. Similarmente ao que a maioria das pessoas vai fazendo com suas vidas até se darem conta e perceberem que é um pouco tarde para ajustes de rumos.

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior.

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  • Resenha | Salobre – Thiago Scarlata

    Resenha | Salobre – Thiago Scarlata

    Salobre, do poeta carioca Thiago Scarlata, publicado pela Editora Urutau, reúne poemas que buscam alcançar o tempero das coisas; mas não qualquer sabor associado ao acaso, Scarlata preocupa-se em expor aquele gosto salgado que ganha a boca. Versos áridos curtos e longos tomam o paladar do leitor e transformam a leitura em também experiência gastronômica, como uma metáfora do amargo, do forte, do pungente efeito que o mundo tem de nos surpreender, mas não ao poeta, este cientista.

    Em “Salobre” temos uma predominância de versos curtos que primam pela concisão da linguagem, como se fossem uma pitadinha de sal na língua – aquela pequena dose capaz de temperar toda a refeição. Versos curtos criam um ritmo mais forte e vigoroso na leitura; as imagens poéticas se formam com mais facilidade e ganham os ouvintes de tal poesia. Aliás, poesia perfeita para ser declamada, os versos de Scarlata funcionam tanto por sua concisão e excelente força vocabular, como também pelas metáforas que reúnem, num efeito de mostrar o não dito, aquilo que não cabe inteiro no poema. Scarlata faz isso muito bem: esconde na simplicidade (e todos sabemos que simplicidade é o mais difícil na escrita).

    Mas o poeta não vive apenas de versos curtos. Temos outros poemas de frases mais longas com o recurso de enjambement (técnica onde um verso é lido como continuação do anterior), que Scarlata utiliza em descrições e odisseias do Eu Lírico. Em “tutorial para caçar baleias”, por exemplo, o poeta traz o máximo de precisão ao narrar uma caça de baleias através de uma alternância de versos maiores e menores, o que também visa expor o movimento de caça e fuga do animal. O final é chocante.

    Dividido em três partes, a saber: soro, salário e salinas, o livro reúne intensidades diferentes de sabor. A primeira parte é mais forte e reúne poemas que tratam de assuntos amargos com um certo descontentamento com o mundo (ou com o homem), poemas sobre o que tentamos afastar, mas que por vezes retornam a nós. Em “Salário”, o tema principal são as relações do trabalhador com o seu ganha pão. Scarlata nos faz refletir sobre aquelas dores diárias que cicatrizam pela constância e nos tornam, pouco-a-pouco, mais máquinas e menos poetas. São poemas-protesto, em maioria. “Salinas”, a terceira parte, reúne versos mais reflexivos, distintos e metalinguísticos, que dão conta da poesia que busca tocar o novo do mundo ou filosofar sobre aquilo que nos rodeia e que perdemos de vista frente à maquinação do cotidiano.

    “Salobre” é um livro bem resolvido com um fluxo poético notável e versos precisos, certeiros, sem nada em excesso. Este terceiro livro de Thiago Scarlata mostra um poeta consciente de sua poesia e seguro com o efeito que deseja transmitir; o efeito do sal, do amargo, do poema-que-arde-e-tempera-a-boca e transmite, vibra, e nos impressiona. Livro muito recomendado. Mas leia devagar, hipertensão é um risco.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Crítica | Todos Já Sabem

    Crítica | Todos Já Sabem

    De uma certa maneira, Todos Já Sabem (Todos Lo Saben/Everybody Knows) é a culminação nem tão saudável dos interesses de Asghar Farhadi (À Procura de Elly, A Separação, O Apartamento) como contador de histórias. Se por um lado as tensões e a própria narrativa são bem costuradas ao longo do filme, também é verdade que nada parece muito sincero e natural além da química entre os estrelados componentes de seu elenco. Talvez exista um filme recôndito menos bombástico e mais genuíno em Todos Já Sabem, mas Farhadi não o apresenta e permite, até compreensivelmente, que tal franqueza seja posta de lado em favor das atuações de Penélope Cruz, Javier Bardem, Bárbara Lennie e Ricardo Darín.

    Girando em torno do desaparecimento súbito de Irene (Carla Campra), filha adolescente de Laura (Cruz) e Alejandro (Darín), durante a visita de quase todo o núcleo familiar, residente na Argentina, à pequena cidade nos arredores de Madrid onde Laura viveu durante boa parte de sua vida e na qual suas irmãs e seu pai ainda moram e o casamento de uma delas, a mais nova, ocorrerá, o longa introduz de maneira relativamente expositiva e direta os temas que conduzem sua narrativa: dilemas e imperfeições familiares escondidos ou negligenciados em nome da harmonia e da felicidade alheia. A família de Laura não passa por dificuldades que vão além de questões cotidianas, e é justamente esta a razão para o ocaso causado pelo evento extraordinário que leva o filme adiante e move as peças pelo tabuleiro – pessoas consternadas e razoavelmente perdidas diante de algo além de seu controle e aparentemente distante de uma resolução.

    A reunião familiar devido ao matrimônio de Ana estabelece rapidamente a dinâmica entre as personagens: Laura é uma filha distante apenas geograficamente, aparentemente bem casada com o ausente Alejandro e com um casal de filhos, Mariana (e sua família, Fernando e Rocío, respectivamente marido e filha passando por problemas no casamento e com uma filha pequena), mais velha que Laura, e Ana suas irmãs, todas filhas de Antonio (Ramón Barea), um idoso temperamental e de saúde em declínio. Completam o cenário Paco, amigo de infância e juventude de Laura e pessoa ainda muito próxima à sua família, seu sobrinho Felipe (Sergio Castellanos) e sua esposa/namorada Bea, cuja personalidade prática contrasta com a proximidade quase pueril das demais personagens.

    Farhadi sempre demonstra interesse em situações não resolvidas ou mal acabadas e acomodações realizadas por indivíduos desprovidos de certezas a respeito dos rumos das próprias existências, bem como nas consequências inevitáveis destas virem à tona, e Todos Já Sabem, sua obra mais abrangente em termos de número de personagens e detalhes sobre suas vidas (até mesmo em função do suave exercício de gênero do cineasta, aqui flertando mais uma vez com um thriller) é um prato cheio para que o iraniano possa flexionar os músculos de sua curiosidade acerca da vida dos outros, do que os motiva e do que os impulsiona. Se a família de Laura e Alejandro parece carinhosa e harmônica, é porque seus problemas (bem ancorados na realidade) ficam afastados o suficiente para manter esta realidade; se o clima entre Paco, o pai de Laura e outros parentes e habitantes do vilarejo é um de intensa familiaridade, é porque a trégua para assuntos mundanos e picuinhas ainda funcionais é conveniente, apesar de tênue, e conserva a possibilidade de tantas pessoas diferentes não se entregarem à impessoalidade de tempos mais atuais e lugares mais metropolitanos. O roteiro de Farhadi preza por personagens autênticas, e na maior parte do tempo é exitoso ao demonstrar esta autenticidade em doses homeopáticas, evitando transformar cada cena em algo intenso e pautando eventuais revelações e interações mais drásticas por uma lógica interna de necessidade e oportunidade. Quando falha, não chega a comprometer tudo que ergueu, mas a aparente obrigatoriedade de momentos mais intensos por vezes se assemelha mais a uma tentativa de fermentar os dramas do que com o desenvolvimento natural e proporcional de revezes e embates iminentes.

    Contudo, é difícil não esperar sequências dramáticas mais chamativas quando se tem atrizes e atores do calibre dos presentes em Todos Sabem, e embora Penélope Cruz exerça um potente magnetismo como Laura, são as personagens de Bardem, Darín e Bennie (na figura de Bea, companheira de Paco), todas pessoas tentando agarrar-se às próprias dignidades diante de complicações financeiras e morais, que acabam conferindo a seus intérpretes a chance de encarnar emoções mais contidas, mais sutis e que melhor conversam com a atmosfera do filme (nem sempre racional, e bastante afetada por algumas reviravoltas e soluções que soam mais oportunas e espertas do que a trama realmente precisava – as aparições de um policial aposentado que auxilia a família quando do sumiço de Irene, em especial, são fortuitas demais pra que possamos considerá-las orgânicas e não meras ferramentas pra incrementar a exposição de elementos acerca da família de Laura e do entorno do ocorrido).

    Através de uma eficaz colaboração com José Luis Alcaine, habitual colaborador de Pedro Almodóvar, Farhadi faz um filme cálido e menos mergulhado em melancolia e angústia do que sugere sua premissa, e embora nem tudo seja concluído de maneira satisfatória (de um ponto de vista emocional E narrativo) e algumas pontas soltas pareçam importantes demais pra que não recebam a devida importância, é possível apreciar o resultado final, ainda que com moderação. Algo digno, se considerarmos a eficácia da realização a despeito de várias emoções e informações bastante telegrafadas — e é perfeitamente possível que os fãs do diretor/roteirista não se importem com isto, desde que continuem recebendo obras nas quais forma e conteúdo ainda se completam de forma exemplar, mesmo que sem o frescor e a vitalidade que fizeram do diretor um artista celebrado. Um Farhadi menos inspirado ainda é um Farhadi, e faz bem estar escorado em nomes que emprestam gravitas às suas ideias. Em especial quando estas comecem a exibir alguma fadiga.

    Texto de autoria de Henrique Rodrigues.

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  • Crítica | Clímax

    Crítica | Clímax

    Baseando-se em uma história real que aconteceu nos anos 90, Gaspar Noé retornou ao circuito em 2018 depois do seu último e controverso trabalho, o longa-metragem Love, de 2015. O argentino francês desde 1998 carrega consigo uma fama de causar grandes reações no público por conta de suas obras provocativas e consideradas por muitos como repulsivas, e o seu novo projeto não deixa de abrir portas para as mesmas interpretações, em uma fusão de gêneros e referências muito bem realizada o diretor entrega o melhor filme experiência do último ano.

    Filmado durante 15 dias e com um roteiro sem falas pré-estabelecidas, Clímax é recheado de diálogos improvisados e extensos planos sequência, esses que trazem coreografias de dança impecáveis. A dança é importante pois no longa acompanhamos um grupo de jovens dançarinos que parecem estar hospedados durante um bom tempo em um galpão afastado da cidade, tudo para que possam passar por longos ensaios. Em uma noite, enquanto comemoram entre si o sucesso do trabalho, as coisas começam a sair do controle quando descobrem que um deles batizou a sangria da festa com LSD. Dividindo o protagonismo com boa parte do elenco, no meio de tudo isso está Selva, interpretada pela hipnotizante Sofia Boutella.

    Noé começa o filme com entrevistas em uma televisão rodeada de DVD’s de grandes clássicos, e ao decorrer da narrativa consegue-se captar as diversas e pontuais referências desses filmes no trabalho do diretor, as cores do longa remetem imediatamente ao surrealismo do Suspiria, de Dario Argento, onde os cômodos carregam personalidades ditadas por suas cores específicas e faz com que a viagem alucinante das personagens aqui as levem a diferentes mundos. A performance poderosa de Boutella, por exemplo, relembra as cenas mais perturbadoras do clássico Possessão, de 1981, a atriz sustenta cenas extensas e indescritivelmente pesadas onde seu trabalho de corpo e voz soam tão reais quanto livres.

    Em alguns momentos Clímax parece até um musical, existem performances de dança perfeitamente coreografadas e bem filmadas que com o tempo se justificam nas diferentes reações que cada dançarino tem com a sangria batizada. Assistimos por dezenas de minutos essas pessoas se expressarem com seus corpos que quando elas já não são mais elas mesmas pelo efeito do alucinógeno, suas respostas corporais revelam uma natureza humana primitiva e nada coreografada, mas sim imprevisível. Em meio a planos sequência extensos e absurdamente complexos, movidos por uma trilha musical quase desconcertante quando no lugar da ironia, nos encontramos como espectadores impotentes, reféns de situações absurdas e que tocam em territórios íntimos. De um lado personagens extrapolando limites, e do outro espectadores imersos pelo choque, o que me faz acreditar que o longa se enquadre tanto como uma experiência, é impossível chegar ao fim de uma hora e meia como uma pessoa imutável, o filme fica com você.

    Noé segue com seu jeito único de filmar, sua câmera aplica estilo e ignora as leis convencionais, vemos de baixo, de cima, vemos girando, e ás vezes nem entendemos o que exatamente estamos vendo. Isso reflete também nos diferentes filmes que Clímax vai se revelando, vamos de um musical para um horror em instantes, é como se o próprio longa como unidade aproveitasse de limites ultrapassados para causar as mais diversas reações. O diretor faz algo parecido com um de seus outros filmes, Enter the Void, e nos embarcando em uma viagem difícil e que nos exige mais do que o normal, e no fim ter passado por essa montanha-russa deixa o mesmo gosto na boca que uma ressaca deixaria.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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