Autor: Vortex Cultural

  • Resenha | Kings of Cool – Don Winslow

    Resenha | Kings of Cool – Don Winslow

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    Don Winslow é um conhecido escritor americano de romances policiais. Em 2010, com seu livro Selvagens, ele apresentou o público a Chon, Ben e O., dois garotos traficantes da melhor maconha de The OC e sua amiga, assistente e eventual “namorada”. Agora, em Kings of Cool, Winslow nos conta como o trio chegou onde estava no início do livro anterior.

    Kings of Cool conta as origens do negócio de Ben e Chon e também a origem dos personagens, traçando uma linha que volta até a década de 60, muito antes de Laguna Beach, a cidade onde se passa a história, tornar-se o reduto de milionários que é hoje. O livro alterna entre 2005, tempo presente do romance, onde vivem os protagonistas, e saltos para a década de 60, 70, 80 e 90, onde acompanhamos Doc e John, os precursores do tráfico de drogas na região.

    Se Don Winslow fizesse filmes, ele seria, acima de tudo, um excelente montador. Os saltos de tempo vem nos momentos perfeitos para aumentar a tensão da história e é com exímia habilidade que ele constrói a teia de relações que selará, quarenta anos depois, o destino dos três personagens principais. Mesmo nas partes “lineares” de seu romance, o escritor corta as cenas no momento preciso e imprime um ritmo fluído, rápido e envolvente.

    É essa manipulação do ritmo, aliada ao tom pop e realista da prosa que tornam Don Winslow um grande escritor. Ele transforma partes de seu livro em “roteiro” para que a história ande melhor, quebra linhas para emular a fala de um personagem, mas em momento nenhum deixa que seu experimentalismo se torne pretensioso. Seu objetivo não é refletir metafisicamente sobre o absurdo da existência, mas contar uma boa história, contudo, essa história não é idiota.

    Por mais pop que o livro seja, Kings of Cool não é entretenimento vazio. Há um cinismo nos personagens e um pessimismo profundo no universo apresentado, a guerra, o consumo, as drogas e sim, o vazio da existência, dão substância à narrativa de ação. Ben, Chon e O. são conscientes, tão terrivelmente conscientes que precisam fingir que não são. A mesma coisa acontece com seu autor: Winslow poderia escrever um romance de 700 páginas sobre a sociedade americana pós-11 de setembro, mas ele não o faz, ele ambienta um romance policial nesse universo, mas nunca deixa seu leitor esquecer a profundidade de seu conhecimento e o poder da sua reflexão.

    O realismo e a crueza da escrita, aliados a reflexão política que aparece como pano de fundo permite que personagens quase clichês pareçam reais. Os três protagonistas, especialmente O., são clichês, crescem para ser exatamente aquilo que se espera de crianças que tiveram a infância que eles tiveram, mas a habilidade do autor, e a ironia para com a própria obra, permite que eles passem de clichês para tipos, de estereótipos para estudos de caso da juventude contemporânea.

    Em vez de contar uma história para apresentar reflexões filosóficas, Winslow usa reflexões filosóficas como estofo para uma boa história. O resultado é uma narrativa divertida, ágil e bem feita, que não chega a ser uma obra-prima da literatura porque nunca almeja a tanto, mas é um livro que não se consegue largar.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Gravidade

    Crítica | Gravidade

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    A primeira coisa que chama atenção na carreira de Alfonso Cuarón é sua diversidade: constam em seu currículo de diretor um filme infantil, uma adaptação moderna de clássico da literatura, um indie filmado no México (seu país natal), um Harry Potter e duas ficções científicas. Embora competente em todos esses filmes, Cuarón nunca destacou-se como diretor, mesmo em E Sua Mãe Também, seu longa mais aclamado, os méritos pareciam ser do roteiro e das atuações, não exatamente do talento do cineasta para decupagens e cortes, e é por isso que a excelência técnica de Gravidade vem como uma surpresa que é quase um choque.

    O roteiro é quase nada: após um acidente com um satélite russo, dois astronautas se veem à deriva no espaço, mas, como Ridley Scott já ensinou, no espaço ninguém pode te ouvir gritar. A referência não é a toa, Alien é uma influência que transparece em Gravidade, a começar pela ideia de fazer no espaço um filme cujo foco não é exatamente o espaço. Alien era um filme de terror, Gravidade é um drama, o espaço é o cenário que permite a premissa narrativa, mas a tecnologia envolvida nunca é o ponto central da trama.

    O ponto central da trama de Cuarón é Ryan Stone e está aí o maior fraco do filme. A personagem não passa de um amontoado de clichês: cientista solitária, perdeu a filha pequena em um acidente estúpido pelo qual ela obviamente se culpa, está no espaço para fugir dos seus demônios terrestres. Clichês tornam-se clichês por um motivo bastante simples: eles funcionam. Mas nem sempre. Um dos fatores que sempre deixou Cuarón a alguns passos de ser um grande diretor é que, para alguém que parece gostar muito de clichês, ele não sabe usa-los a seu favor. O personagem de George Clooney também é um clichê, mas o ator consegue encarna-lo com leveza, humor e charme que o tornam uma caricatura plausível, alguém que talvez pudesse carregar um filme de 90 minutos nas costas. Mas Sandra Bullock não pode. Stone é má construída, mas poderia funcionar nas mãos de uma atriz mais competente. Bullock não é terrível, mas certamente não tem os recursos necessários para sustentar um filme em que ela é a única personagem em tela por 90% do tempo. Sua atuação é sem sal e morna, toda a dimensão de tensão e pavor colocados no filme nem passam por seu rosto.

    Se existe tensão, e existe muita, o mérito é todo do diretor. Cuarón constrói planos belíssimos, precisos e ao mesmo tempo inesperados, a insignificância do homem perto ao tamanho da Terra e, mais ainda, do universo se coloca como opressora e inescapável nos grandes planos abertos  de um céu repleto de estrelas. Gravidade demonstra por imagens o como somos realmente poeira de estrelas e assim transforma o objetivo de sua protagonista em uma missão impossível. Stone precisa vencer absolutamente todas as estatísticas, sua vida é uma chance em mil e a metáfora final, comparando a chegada da cientista a Terra com a existência da vida parece adequada.

    As metáforas de morte, renascimento e evolução estão presentes por todo o longa, mas funcionam como um guia de composição de imagens, um bônus do diretor. Está ali e é possível ver, mas também está ali uma história bem contada, um filme tenso e bem amarrado. Há um mérito enorme nessa escolha: uma ficção científica com metáforas existenciais, mas que não permite que essas metáforas roubem a cena é o que o próprio Scott deveria ter feito em Prometheus, mas não conseguiu. Porque Gravidade é essencialmente isso: um filme clássico que conta uma história, deixa o espectador tenso ou emocionado nas horas certas, obedece um arco determinado e tem um final feliz, reflete sobre questões mais profundas, mas não busca ser nenhum tipo de filme filosófico ou reflexivo. Gravidade está bem mais perto de Alien do que 2001: Uma Odisseia no Espaço ou Solaris.

    Além de composições excelentes, Cuarón conduz seu público através do som, enfatizando o silêncio opressor do espaço. O uso do silêncio, e não da trilha, é o verdadeiro trabalho nesse filme e o principal responsável pela criação de atmosferas e sensações. Porque no final, Gravidade é isso: um filme de atmosferas e sensações. A tensão engendrada não vem por nós de roteiro, mas porque o espectador consegue imaginar a sensação terrível de se estar à deriva no espaço. Funcionaria melhor com uma personagem mais bem construída, em alguns momentos o filme me perdeu como espectadora simplesmente porque não me importava se Stone morresse de algum jeito terrivelmente dolorido no espaço, criar um personagem empático é essencial para a tensão.

    Gravidade prova que Alfonso Cuarón pode ser um grande diretor, a composição de planos do filme e o uso da linguagem é algo tão preciso que apenas Aleksander Sokurov faz algo comparável hoje em dia (mas em um “nicho” bem diferente do mercado). Contudo, como em todos os seus filmes, Cuarón fica um passo atrás de seu próprio potencial, uma escolha errada aquém de um filme perfeito.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Blood Money: Aborto Legalizado

    Crítica | Blood Money: Aborto Legalizado

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    Sinopse: Uma investigação sobre a indústria do aborto nos Estados Unidos, do ponto de vista dos ativistas contrários à prática, conhecidos como pró-vida. O documentário pretende mostrar que o aborto legalizado é sinônimo de assassinato de bebês, que as mulheres sofrem traumas irreparáveis com essa prática, e que a intenção por trás do aborto é apenas a ganância e a vontade de diminuir a quantidade de negros nos Estados Unidos, já que as mulheres negras representam a maioria dos abortos no país.

    De acordo com o diretor, o documentário Blood Money foi idealizado em 2004, no período das eleições presidenciais, ao perceber que o tema apenas virava assunto de debate nessa época com nítidas intenções eleitoreiras, sem acrescentar informação ou qualquer esclarecimento.

    David K. Kyle estreia na direção com este documentário – narrado por Alveda King, sobrinha de Martin Luther King Jr. – cuja sinopse dá a impressão de que se trata de uma denúncia referente à monetização do aborto nos Estados Unidos. Contudo, o roteiro alterna entre militância pró-vida e denúncia, sem muito cuidado na transição de um a outro, o que dá a impressão de que a montagem foi feita aleatoriamente. A sequência de depoimentos e apresentação dos fatos parece não seguir uma linha narrativa. Mesmo tratando-se de um documentário, as ideias poderiam estar melhor alinhavadas, de modo a apresentar o tema da maneira mais sucinta possível. O que, em vários momentos, não ocorre.

    É ponto pacífico que a melhor maneira de defender um ponto de vista não é mostrar apenas o seu lado da questão, mas sim mostrar os dois lados e, com argumentos, demonstrar que seu lado é o melhor. E o roteiro não faz isso. Todos os entrevistados compartilham do ponto de vista do diretor/roteirista. Qualquer espectador mais crítico com certeza fica à espera de depoimentos que façam o contraponto. E, na tentativa de aproximar o público do drama de algumas entrevistadas, o exagero nos closes é entediante – o excesso causa desconforto.

    Certamente, seria mais interessante ao público caso a parcela de denúncia do documentário tivesse sido investigada com maior profundidade. A exploração da indústria do aborto, a “criação” de clientes em potencial, a eugenia e o controle de natalidade, o ‘modus operandi’ das clínicas e afins são mostrados bem superficialmente. Enquanto que os depoimentos dos entrevistados que são nitidamente contra o aborto – muitos deles sem qualquer base científica ou jurídica – ocupam mais de 60% do tempo.

    Não cabe aqui discutir ser a favor ou contra as ideias apresentadas no documentário, mas vale frisar que o tom de “catequização” talvez seja um tiro no pé nas intenções do diretor de suscitar o debate sobre o assunto.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Serra Pelada

    Crítica | Serra Pelada

    80 - Serra Pelada

    Depois do fracasso de 12 Horas (Gone) em Hollywood, o cineasta Heitor Dhalia volta ao Brasil com o longa Serra Pelada, que conta a história, de dois amigos, situada dentre a loucura desencadeada pela descoberta de ouro no interior do Pará. No início da década de 1980, o complicado Juliano (Juliano Cazarré) e o professor Joaquim (Júlio Andrade) decidem sair de São Paulo e ir atrás da riqueza do ouro em Serra Pelada logo quando há a descoberta do metal na região, na tentativa de enriquecerem e mudarem de vida, mas logo verão que as condições para isso acontecer serão mais complicadas do que pensavam.

    Partindo de uma perspectiva intimista e situando dois personagens comuns em meio a uma história recente e de drama social do país, Dhalia se utiliza de toda a qualidade técnica que o cinema nacional agora dispõe, desde a captura de som, que chega a incomodar tamanho o volume do som ambiente, (como alguém engolindo um líquido, tão alto quanto a conversa no local) até a ambientação, o set, o figurino e a locação, passando um realismo que confere bastante credibilidade ao espectador. O uso da narração também é questionável, pois as informações apresentadas (como os nomes dados a cada etapa e responsável pela produção do ouro) poderiam ser inseridas no contexto de outra forma, menos direta. Porém, parece que a escola Tropa de Elite ainda é muito forte e deixou marcas nesse aspecto.

    Quanto às atuações, os maneirismos dos protagonistas são contidos e poucos estereótipos são usados, o que vale um ponto extra em se tratando em uma produção filmada na região norte. Com exceção dos homens feminizados e tratados como as mulheres do acampamento de forma muito simplista. A participação de Wagner Moura como um dono de “barrancos” de exploração de ouro também é interessante. Excelente ator que é, consegue garantir boas participações, mas às vezes exagera nos maneirismos na tentativa de caracterizar seu personagem, como em uma cena em que mastiga compulsivamente, com uma captação de som altíssima, prejudicando o entendimento de suas falas.

    Porém, o desenvolvimento da história e dos protagonistas, que no início é cativante, passa a ser cansativa pela excessiva vontade do diretor em nos mostrar cada detalhe de cada transição, deixando de lado a interpretação, em um vício muito comum do cinema nacional, que tem dificuldade em separar-se da narrativa novelesca da televisão. Com isso, as duas horas do filme soam desnecessárias, já que o segundo ato perde muito tempo em montar situações repetidas para estabelecer fatos que já soam claros ao espectador, o que prejudica a narrativa final e o desfecho.

    Também faltou uma caracterização maior do restante da população trabalhadora de Serra Pelada. Não os paulistas de classe média como os protagonistas, mas também o miserável, explorado que não consegue sucesso e não consegue enriquecer tão fácil como o filme pode deixar enganar. Faltou um espaço maior a esse cidadão comum, que é retratado de forma simplista, sob uma perspectiva do sudeste e do asfalto, que não entende o drama desse povo, que é mais do que um mero coadjuvante tendo destaque somente em cenas de brigas de bar.

    De maneira geral, Serra Pelada inicia bem, introduz personagens reais em uma situação real, mas foca demais em duas pessoas e suas tragédias pessoais, que pouco a pouco vão fazendo o tal realismo do filme se perder em meio a tantas reviravoltas que soam artificiais, enquanto a questão social do garimpo, focada timidamente no início, vai sendo deixada cada vez mais de lado. Apesar de uma iniciativa interessante, ainda falta maturidade ao cineasta em saber criar narrativas menos maniqueístas e com personagens mais profundos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Gataca – Franck Thilliez

    Resenha | Gataca – Franck Thilliez

    gataca - capa

    Após o sequestro de suas filhas gêmeas, a ex-policial Lucie Hanebelle sofre para se recuperar de seus terríveis traumas, enquanto se concentra em tarefas mecânicas que mantenham sua mente ocupada. Também fragilizado, seu namorado na época, o comissário Franck Sharko, se vê relegado a uma posição secundária na polícia francesa, e dedica-se a investigar a descoberta do corpo de uma jovem cientista, aparentemente espancada até a morte por um grande primata no centro de pesquisas em que trabalhava.
    fonte: primeira orelha do livro

    Depois de ter xingado o autor em alto e bom som pelo cliffhanger – “fdp!” – deixado no livro anterior – A síndrome E – não via a hora de iniciar a leitura deste. E Thilliez, como um bom ‘fiduma’, digo, como um bom autor de thrillers, não apresenta logo de início os acontecimentos. Aliás, habilmente, ele não para o fluxo da narrativa em momento algum para esclarecer os eventos que se seguiram ao final do outro livro. O leitor vai descobrindo aos poucos, através de trechos de conversas, pensamentos e em meio às ações dos personagens, o que realmente houve e como a dupla de policiais reagiu aos fatos. E já começa com um soco no peito, tirando o fôlego e desnorteando o leitor, que continua lendo até vir a finalização por nocaute lá no último terço do livro. Qualquer coisa que eu diga além disso configurará spoiler, então paro por aqui.

    Vale salientar que boa parte da qualidade do texto está no cuidado do autor na construção dos personagens. Lógico, o livro é um thriller. É o que o leitor procura e é o que o autor entrega. Mas o foco não é apenas o mistério a ser descoberto. Os dilemas, as preocupações e mesmo a rotina dos personagens principais – Hanebelle e Sharko – permeiam a trama de tal forma que levam o leitor a ler avidamente não apenas para chegar à resolução do mistério, mas também por se interessar pelo destino de ambos. A propósito, uma das características mais interessantes da dupla é justamente o fato de, oficialmente, não serem uma dupla. As circunstâncias fazem com que seus caminhos sigam em paralelo até convergirem em algum momento.

    Mais uma vez, o escritor escolhe como catalisadores da trama assuntos que me interessam bastante: genética e evolução. Diletante e leitora voraz desses temas, admito não poder julgar de forma isenta se o modo como são apresentados no livro é acessível aos “leigos”. Acredito que sim. Não me pareceu que as digressões e as explicações dadas sejam técnicas demais. Aliás, diferente do livro anterior, a solução do mistério não depende de uma quantidade tão grande de fatores mirabolantes que, reunidos e intricados, deram origem aos crimes. Neste, é tudo mais plausível.

    Sobre a temática, há dois pontos interessantes a ressaltar: o motivo que levou o autor a escolhê-la e um detalhe da impressão. Thilliez resolveu-se por esses assuntos ao assistir uma conferência sobre Evolução. Nela, o conferencista contava que havia sido enviada a Darwin uma orquídea originária de Madagascar cuja pétala central (em sua base concentra-se o néctar) media cerca de trinta centímetros. Nenhuma borboleta conhecida possuía uma ‘tromba’ longa o suficiente para alcançar essa profundidade. Darwin então supôs que deveria existir no local uma borboleta com uma tromba longa o bastante para alcançar o néctar e, ao mesmo tempo, polinizar as flores. E a borboleta foi descoberta 41 anos depois dessa predição de Darwin. Esse foi o gatilho para o interesse do autor pelo assunto, que viria a se tornar o pano de fundo desta obra.

    Sobre a impressão, há no topo de cada página uma sequência de letras (foto abaixo) – que eu admito só ter reparado quando estava lá pelo terceiro capítulo – cujo significado o autor esclarece ao final do livro. Acompanhando o tema, esse “fio de Ariadne”, como o próprio Thilliez o descreve, é a grosso modo a representação dos 30 mil primeiros nucleotídeos do cromossomo 1 do genoma humano. Um pequeno detalhe que enriquece a publicação.

    O ritmo e a estruturação da narrativa seguem a mesma linha do anterior. Thilliez não só não perdeu a mão como se aprimorou de um a outro. Este dá a impressão de um texto mais polido, mais trabalhado, sem tantos excessos. Contudo, ambos são ótimos thrillers. Não digo que seja indispensável ler A síndrome E antes deste, mas é bastante recomendável, principalmente para conhecer ainda mais os personagens e entender como seu passado influencia a de cadeia eventos atual.

    Enfim, leitura recomendada para quem curte thrillers e para aqueles que, como eu, adoram livros que se deixam ler confortavelmente em apenas um dia.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Gravidade

    Crítica | Gravidade

    Gravidade - Pôster Teaser

    O novo filme do diretor mexicano Alfonso Cuarón já era considerado um dos melhores do ano  mesmo antes de ser lançado, e tamanha expectativa geralmente não dá bons resultados, ainda mais quando seu trabalho anterior, o excelente Children of Men (Filhos da Esperança) atingiu um sucesso enorme de crítica. Porém, ao contrário de outros diretores estrangeiros em Hollywood, Cuarón parece ter encontrado um equilíbrio essencial entre uma narrativa clássica, mas com uma técnica precisa, que fornece elementos, metáforas e que se comunica com praticamente todo tipo de público.

    A história do filme gira em torno dos astronautas Matt Kowalski (George Clooney) e Ryan Stone (Sandra Bullock). Ambos estão em uma missão de conserto ao telescópio Hubble quando são surpreendidos por uma chuva de destroços decorrente da destruição de um satélite por um míssil russo, que os joga no espaço, sem comunicação e auxílio da NASA. A partir de então, eles precisam encontrar um meio de sobreviver naquele ambiente.

    Com uma premissa interessante, e um trailer de tirar o folego (e que ganha pontos por não contar absolutamente nada da história), Gravidade atraiu um grande público aos cinemas do mundo, público este que geralmente não iria ver um filme com temática espacial. Por sua imensa qualidade técnica, tanto no manejo da câmera e no uso milimétrico de plano-sequencia quanto na intensidade e profundidade do som, Gravidade garante uma imersão completa na urgência e no perigo do espaço, que assusta qualquer pessoa com sua imensidão, vazio, frio e principalmente, sem oxigênio.

    Essa imersão é essencial justamente para acompanharmos o desenrolar dos eventos de Matt e Stone em busca da vitória contra cada uma das adversidades em seu caminho, que apesar de não serem totalmente verossímeis aos especialistas da área, garante um grau de realismo suficiente para o espectador confiar em tudo o que está vendo e acreditar que tudo realmente pudesse ser daquela forma. Só por causar debates nesse sentido, o filme já tem um imenso mérito.

    O longa oferece vários tipos de metáfora que flertam com o nascimento humano, a luta pela sobrevivência e principalmente a superação de dificuldades, de onde precisamos sair de uma zona de conforto aprisionante em busca de uma custosa, porém, engrandecedora liberdade. A cena final representa isso, ao se acostuma com a falta de gravidade, Stone se sente feliz ao não conseguir andar de primeira, e está grata por ter aquele peso da vida nas costas ao contrário da sufocante leveza do espaço.

    Porém, um ponto fraco do filme é justamente a falta de profundidade e a busca limitada de razões para seus signos. Se Gravidade está sendo tão comparado a obras clássicas como “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, deveria ter tamanho peso quanto Kubrick imprimiu em sua obra, que também está repleta de elementos técnicos aditivos a uma narrativa complexa, porém, bela, que foge do simples “entendimento” para a pura “interpretação”, que toda obra de arte deve ter, e nisso, Gravidade mira aquém do que poderia. Talvez pela época e pela fase atual da indústria do cinema, mas por toda sua qualidade, falta uma empatia maior pelos personagens, que por vezes são caricatos demais, como Matt, ou não muito convincentes de seu drama pessoal, como Stone.

    Difícil dizer se o filme irá sobreviver ao frenesi e entrará no hall de produções como 2001, Solaris ou Contato, porque o debate em torno destes vai além das qualidades técnicas, e sim das questões e aflições humanas ali retratadas. O que dá pra dizermos agora é que o público nunca se cansará de produções boas e de cineastas com algo a dizer, e sempre irá consumir produtos com qualidade. O sucesso de Gravidade prova isso. Que venham outros tão audaciosos quanto.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Thor: O Mundo Sombrio

    Crítica | Thor: O Mundo Sombrio

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    O sinal de alerta diminuiu bastante, mas continua ligado. Após o repleto de equívocos Homem de Ferro 3, o Marvel Studios prossegue em sua chamada Fase 2 com Thor – O Mundo Sombrio. Esta segunda (Leia nossa crítica sobre o primeiro Thor) aventura solo (e terceira aparição, na cronologia peculiar do estúdio) do Deus do Trovão sabiamente dedica-se ao universo particular do personagem e consegue encontrar espaçao para, enfim, introduzir elementos para os próximos filmes. Porém, tropeça em alguns problemas desconfortavelmente semelhantes ao citado terceiro filme do Sr. Stark.

    A trama, surpresa nenhuma, situa-se logo após Os Vingadores. Vemos Loki em prisão perpétua, e a única que parece ainda se importar com ele é sua mãe adotiva Frigga. Thor está empenhando em batalhas pelos Noves Reinos, mergulhados num caos depois da destruição da Ponte do Arco-Íris, e não consegue deixar de pensar na Terra e/ou Jane Foster. A bela doutora, por sua vez, segue pesquisando fenômenos científicos enquanto suspira pelo loirão. E é ela, graças a um acidente do destino, que desencadeia a ameça da vez: derrotados há milhares de anos por Bor, avô de Thor, os elfos negros e seu líder Malekith retornam para devolver o universo às Trevas.

    O primeiro Thor sofre duras críticas – injustiçadas – que se concentram no tempo do filme passado na Terra. Em O Mundo Sombrio, esse tempo é reduzido, mas o problema é maior. Paradoxal? Nem tanto. Antes era uma história de origem, havia a necessidade de se criar uma ligação do herói com nosso mundo, até por conta de Os Vingadores. Agora, havia todo um background específico a ser trabalhado. E o filme começa muito bem, mostrando o ancestral Bor e os outros reinos além de Asgard e Midgard. Seguir nessa linha poderia render um plot muito mais interessante: ver Thor, Lady Sif e os Três Guerreiros empenhados nas tais batalhas para pacificar os mundos, em mais do que alguns flashes. Em vez disso, o argumento escolhido privilegia os coadjuvantes terrestres, cuja utilidade é enfatizar o aspecto humorístico.

    O erro não chega no nível catastrófico de Homem de Ferro 3, aqui o timing está mais acertado, recuperando o estilo consagrado da Marvel. O melhor momento do filme, inclusive, é uma piada sensacional com a aparição inesperada de outro vingador. Mas o longa acaba pecando pelo excesso, há mais gracinhas do que seria necessário. A personagem Darcy, apesar de Kat Dennings ser puro amor, irrita porque cada uma de suas frases é irônica/engraçadinha. Somando-se a ela, um inútil novo personagem (o estagiário) e o Dr Selvig transformado num maluco nudista, um humor óbvio e fácil demais.

    Em relação aos vilões, pode ser uma apontada uma certa preguiça em desenvolver algo mais criativo. Destruir o universo durante um alinhamento de planetas (rebatizado aqui como Convergência entre os Reinos) é clichê dos mais básicos. Pelo menos os elfos negros tem um visual interessante e trazem uma tecnologia que representa um desafio para Asgard. Aliás, a “tecnomagia” estabelecida no primeiro filme ganha mais espaço, vemos mais armas e naves que reforçam o teor fantástico que Thor permite que Universo Marvel comece a explorar.

    Enquanto isso, os personagens asgardianos infelizmente tem um papel bem mais discreto do que no primeiro filme. Hogun mal aparece, Fandrall e Volstagg pouco fazem e Sif é tremendamente desperdiçada. Heimdall, então, chega a ser patético lembrar da sua anunciada “maior participação” nessa sequência. Odin é mostrado ainda mais como um rei velho e cansado, ansioso por deixar o trono, e não como o poderoso Pai de Todos. Compreensível, para dar espaço para Thor ser não apenas o guerreiro, mas o herói que ele precisa ser. De positivo, o maior destaque dado para Frigga.

    Mas o dono do filme não poderia ser outro senão Loki. Tom Hiddleston incorporou tanto o personagem, que nem precisa se esforçar para ser o mais carismático. Ele passeia, flutua pelas cenas e se diverte ao trabalhar mais uma vez com a característica mais marcante do Deus da Trapaça: a ambiguidade. E pra não dizer que não falei dos protagonistas, Chris Hemsworth e Natalie Portman estão ok, nada demais. O romance recebe um enfoque que já era esperado, porém não incomoda, ao menos não em comparação com os reais defeitos da história.

    Não que Thor – O Mundo Sombrio seja um filme ruim. O problema em analisá-lo é que os pontos positivos são os mesmos de sempre: ótimo visual, ritmo equilibrado (na maior parte do tempo) entre tensão e humor, e boas cenas de ação. Como a expectativa era mais alta, pois a liberdade era maior por não existir a necessidade apresentar personagens/ambiente, os aspectos negativos acabam se sobressaindo. Em resumo, uma aventura divertida, mas esquecível, e um grande potencial sub-aproveitado. Agora é esperar pela incógnita total chamada Guardiões da Galáxia (atenção para a cena pós-créditos) e promissor (haters gonna hate) Capitão América – O Soldado Invernal. Sem esquecer da esperança maior que é Vingadores – A Era de Ultron.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | Suíte nº 3 – Yeda Lins

    Resenha | Suíte nº 3 – Yeda Lins

    “Um recreador de hotel faz um empréstimo para ajudar um tio doente. Sem condições de pagar e sofrendo ameaças, ele se aproxima de uma moça pouco atraente, porém culta e muito rica, para conseguir o dinheiro. Disposta a experimentar novas emoções em sua vida, ela aceita o envolvimento, dentro do limite estabelecido pelo seu lado racional. A partir daí, começa uma aventura romântica que vai prender você até a última linha.”
    (fonte: quarta capa do livro)

    Quem estuda ou estudou, mesmo que en passant, técnicas de escrita e “contação” de histórias sabe que todas as histórias já foram contadas, que não há como fugir da jornada do herói, identificada por Joseph Campbell e descrita em detalhes no seu livro O herói de mil faces. A originalidade dos escritores, quando existe, está na forma de contar sempre essa mesma história que, a grosso modo, resume-se a “protagonista recebe um chamado para uma aventura, relutante, sai do seu mundo comum, depois de enfrentar várias dificuldades e vencer vários conflitos, atinge seu objetivo e retorna, geralmente modificado, a seu ambiente original”.

    Em alguns casos, como neste livro, tanto a “aventura” em si quanto a forma de contá-la carecem de originalidade. A sensação de déjà-vu persegue o leitor durante toda a leitura. Mesmo quem não é noveleiro irá identificar elementos comuns – mocinha rica e intelectual inicia relacionamento com rapaz menos favorecido que, a princípio, se interessa pelo dinheiro, mas acaba se apaixonando por ela; o casal enfrenta algumas dificuldades, inclusive desentendimentos familiares, mas encaminham-se para um “happy ending”. A sucessão de clichês folhetinescos é tamanha que tem-se a impressão de estar lendo o roteiro de uma novela das seis e, por vezes, de uma novela mexicana, com direito até aos nomes compostos – Vera Lucia e Sérgio Luís – tão comuns nessas obras.

    Há conflitos sim, problemas a ser enfrentados como em toda boa história, mas são solucionados com tanta facilidade que é impossível não pensar: “Parece coisa de novela”. Até o maior problema, que deveria ser o clímax da narrativa, mal consegue causar apreensão no leitor, já que em menos de cinco páginas o casal se reconcilia, se casa, a heroína salva a empresa familiar da falência e, rapidamente, já se passaram alguns anos e a família feliz está na Disney comemorando o Ano Novo. Fica aquela sensação de último capítulo da novela, em que tudo tem de se resolver antes do final.

    Não há muito o que comentar a respeito dos personagens, já que são todos bidimensionais e bastante previsíveis. Não há nuances de caráter, e nenhuma de suas atitudes surpreende. São estereótipos, e não arquétipos como os identificados por Campbell.

    Não é o tipo de livro indicado para quem espera ser minimamente “modificado” pela leitura. É adequado para aquele leitor que procura apenas ser entretido. Razoavelmente bem escrito, não é longo, o texto flui rapidamente, enfim, entretêm sem ser simplório demais.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

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    É muito difícil falar de É o Fim sem entregar um grande e vital spoiler sobre o filme. Talvez você diga: “Ah, mas filmes sobre o fim do mundo têm aos milhares por aí ultimamente”. Mas pode acreditar, nenhum deles é igual a esse. No meio de um mar de filmes com a temática “fim do mundo”, É o Fim consegue ser bem original (dentro dos filmes hollywodianos do gênero), por mais paradoxal que isso possa parecer.

    A história se passa num dia normal onde Jay Baruchel (interpretado por ele mesmo) chega a Los Angeles pra visitar seu amigo Seth Rogen (também interpretado por ele mesmo). Seth então convida Jay para ir a festa de inauguração da casa de James Franco (é, como você imaginou ele é interpretado por James Franco) ao qual Jay aceita relutantemente. E é quando eles estão lá, que o dito Fim do mundo começa a acontecer, deixando o trio preso ao local, junto com Danny Mcbride, o “senhor bom demais pra ser verdade”, Jonah Hill e Craig Robinson.

    E o mais legal é justamente ver os atores interpretando uma versão caricatural de si mesmos, sem medo de se mostrar como um bando de drogados, covardes e egoístas entre outras características mundanas. O filme inclusive lembra muito a pegada de Segurando as Pontas, filme do próprio Rogen, que inclusive é citado seguidas vezes no filme. Vale destacar as hilariantes pontas de outras estrelas de Hollywood como Emma Watson, Rihanna, e o doidão Michael Cera (no melhor papel de sua carreira, provavelmente).

    Obviamente está presente aquele humor escrachado, comumente imoral dos filmes de Rogen, além, é claro, de girar em torno de amizades masculinas (os chamados browmances) outra característica marcante nos filmes roteirizados por ele. Mas o humor nonsense é o principal atributo desse filme. E sim, é o fim do mundo, então vai ter sangue, membros amputados entre outras tiradas que apesar de darem um susto inicialmente, acabam te fazendo morrer de rir do humor negro bem aplicado no roteiro.

    Com sinceridade, no final me encontrei num clima total de incredulidade tentando acreditar no que esses caras foram capazes de fazer, sem saber o que esperar na próxima cena. E a cena final… A cena final só pode ser definida como “What the F#@$…???” Simplesmente a cereja do bolo de loucuras que o filme se propõe.

    É o Fim, dentro de um gênero que se repete exaustivamente com o mesmo tipo de situações e piadas repetitivas, é uma comedia com um plot diferenciado. Se você é menor de 18 anos e meio sensível a sangue, vai assistir qualquer outra coisa, esse filme não é pra você.

    Mas se você tem um humor afiado, sem frescuras e com uma pitada caprichada (bota caprichada nisso) de humor negro, assista, pois é de rachar o crânio (talvez literalmente).

    Texto de autoria de Diogo G.

  • Resenha | O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde

    Resenha | O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde

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    O Retrato de Dorian Gray é um clássico da literatura mundial a ponto de ter se inscrito no imaginário mesmo daqueles que nunca leram o livro. A história do homem que, por algum pacto maligno e desconhecido, pode manter sua juventude, enquanto um retrato envelhece em seu lugar foi referenciada milhões de vezes pela cultura pop e tornou-se uma narrativa emblemática a respeito da vaidade e do poder efetivo da beleza.

    Dorian Gray é um jovem que, no século XIX, acaba de chegar à alta sociedade londrina. Ingênuo e ainda desconhecendo o poder que sua beleza extraordinária pode exercer, ele se deixa pintar por Basil Hallward. Quando posa para sua sessão final, Dorian conhece Lord Henry Wotton, cujo cinismo abre seus olhos e o transforma imediatamente. No momento exato de sua corrupção, algo ocorre e ele e o retrato tornam-se duplos, a imagem passará a absorver não só a passagem do tempo como as marcas dos pecados do protagonista, deixando-o livre para viver sem qualquer consequência moral para seus atos.

    Oscar Wilde possuía o hábito de inserir porta-vozes em suas obras, os aforismas cínicos pelos quais é conhecido não foram enunciados por ele mesmo, mas por personagens em suas peças de teatro. Esse costume, de misturar-se com os personagens e usar a literatura como meio para comunicar suas próprias opiniões, acabou levando Wilde à prisão. Quando O Retrato de Dorian Gray foi lançado, parecia óbvio que havia um tanto de Wilde tanto no personagem-título quanto no perverso Lord Harry e, principalmente, que havia um tanto do autor nas diversas insinuações de homossexualidade que perpassam o livro.

    A homossexualidade era considerada crime na Inglaterra da época e diversas passagens do livro foram alteradas ou amenizadas quando seu autor foi levado a julgamento. A edição nova da Biblioteca Azul traz de volta a versão original, consideravelmente mais explícita do que a que eu havia lido antes, com notas a respeito do que foi alterado. O ganho dessa nova edição não é de “escândalo” ou obscenidades, já que as passagens que levaram Wilde a cadeia são bastante inofensivas aos nossos olhos, mas o domínio de texto do escritor e a sutileza de suas ambiguidades é notável, essa nova publicação faz finalmente jus à riqueza minuciosa do estilo de Oscar Wilde.

    Além das passagens censuradas, o livro traz diversas notas e comentários que ajudam a situar o contexto da época e indicam as relações entre a biografia do escritor e seu romance. A sociedade vitoriana era extremamente codificada: havia significados implícitos em flores, cores de gravata, formas de cigarreira e as notas ajudam a traduzir essas mensagens. É impressionante o cuidado e o simbolismo que cada detalhe acrescenta ao livro, tornando O Retrato de Dorian Gray uma obra complexa e sutil, muito mais aterrorizante por tudo que está em seu sub-texto.

    A narrativa tem ares de conto fantástico e influências góticas e o comentador explicita sua relação com O Médico e o Monstro, outra grande história vitoriana a respeito de duplicidade. Oscar Wilde cobriu de terror uma história que é, no fundo, ácida e irônica, para além de Lord Harry. O amigo de Dorian é explicitamente irônico e responsável por algumas das pérolas pessimistas de Wilde, mas a ironia maior está no retrato que ele faz de sua sociedade: dos homens e mulheres muito corretos, mas perfeitamente dispostos a se fascinarem por um belo jovem que nunca envelhece. O autor aponta o dedo sem perdão e constrói um maravilhoso jogo em que personagens da vida real são expostos sob a fachada da ficção.

    Mais do que ser homossexual, Oscar Wilde ousou apontar a hipocrisia de uma época que mentia como respirava. A sociedade vitoriana não poderia existir sem mentiras e disfarces e o escritor tomou como missão escancarar esses artifícios, as notas dessa nova edição revelam a relação entre personagens do livro e pessoas da vida real, assim como os locais citados pelo autor, como clubes e teatros.

    Sem dúvida, O Retrato de Dorian Gray é uma obra maravilhosa sem essas informações. É um livro sutil, irônico e envolvente sobre a corrupção de alguém que não corre riscos. A tese de Wilde parece ser que a moral nasce apenas do medo da punição, se fossemos completamente livres, como Dorian, também afundaríamos da mesma forma. É uma história universal sobre a natureza humana, escrita sem tom moralizante: talvez o maior mérito do escritor seja justamente seu estilo leve, fluído, agradável de ler.

    Mas a nova edição traz adições interessantes e pode ser uma boa desculpa para voltar a um livro que muitos leram anos atrás. Além das informações contidas nas notas e comentários, O Retrato de Dorian Gray ganhou uma nova dimensão em minha segunda leitura apenas porque há ambiguidades e insinuações que certamente me escaparam aos dezesseis anos. É uma bela volta para um clássico de tanto tempo.

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    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Ladrões de Bicicleta

    Crítica | Ladrões de Bicicleta

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    Em 1948, a Europa, e principalmente a Itália, estava sob a sombra do pós-guerra: viúvas e mães sem filhos, jovens feridos, pobreza, desemprego e a memória ainda muito fresca do nazismo formavam a paisagem. A Segunda Guerra representa, culturalmente, um marco tão importante não só pelo número concreto de mortos e feridos, mas porque simbolicamente foi o fim de um projeto, o fim da ideia da Europa como marco da civilização e progresso, o fim de um mundo que acreditava que ciência e racionalidade só podiam trazer o bem. No centro do velho continente havia mais barbárie que nos confins da África, foi a grande descoberta do povo europeu.

    Se é um novo mundo, é necessária uma nova arte e, consequentemente, um novo cinema. O pós-guerra marca o início dos movimentos de modernização que culminariam nas diversas “Nouvelle Vagues” ao longo da década de 60 e na liberdade de diretores como Federico Fellini e Ingmar Bergman. Na Itália essa mudança vem com o nome de Neorrealismo.

    O Neorrealismo, como a maioria dos “movimentos” do cinema, não era um grupo organizado ou unificado, mas sim um momento da produção italiana em que diversos cineastas, cada um de forma individual, pareciam caminhar na mesma direção. Embora não exista um manifesto, ou um conjunto de regras, algumas características marcam os filmes neorrealistas: eles saem do estúdio e passam a filmar em externas, trazem personagens “do povo”, buscam olhar para os problemas sociais da Itália da época, trabalham com frequência com não-atores. A ideia é, como o nome do movimento indica, captar a realidade o máximo possível.

    Ladrões de Bicicleta é tido como um dos filmes marcos do Neorrealismo e, a princípio, ele é de fato um ótimo exemplar. O filme narra as dificuldades que um operário desempregado enfrenta para sustentar a família, é quase todo filmado em externas e o protagonista é interpretado por um verdadeiro operário de fábrica. Mas são inovações apenas de produção e o longa de De Sica permanece, em narrativa e linguagem, um filme clássico.

    O que não quer dizer que não seja uma obra prima do cinema. Mas há, efetivamente, pouca novidade em Ladrões de Bicicleta, ainda mais quando comparado com os outros filmes significativos da época, como Roma, Cidade Aberta e A Terra Treme. A narrativa acompanha Antonio, um operário desempregado que encontra uma possibilidade de emprego como pregador de cartazes, mas que logo no primeiro dia tem sua bicicleta roubada. Mas De Sica, ao contrário do que faziam seus contemporâneos, não se satisfaz em deixar a realidade e a miséria falarem por si só, ele é didático, emotivo e aproxima seu filme de um melodrama: a cena no restaurante não é realista, é milimetricamente construída para emocionar o espectador.

    Mesmo o momento em que alguma ambiguidade moral entra em cena e Antonio ensaia ser um anti-herói (o anti-herói, o bandido charmoso e sem moral, seria o personagem preferido das Nouvelle Vagues) a coisa foi contada de tal forma que o protagonista não chega nem perto de ser um ladrão, ele é uma vítima, um mártir. Os personagens de De Sica não são figuras anônimas da massa romana, como nos filmes de Rosselini, mas personagens “especiais”, heróis de suas próprias histórias, mesmo que estas sejam tristes, como em qualquer narrativa clássica.

    O Neorrealismo é uma resposta a um mundo de menos certezas, menos preto no branco. Roberto Rosselini mata sua protagonista nos primeiros quinze minutos de filme, Visconti sequer elege um personagem principal em A Terra Treme, a cidade e a multidão invadem seus filmes. Mas não Ladrões de Bicicleta. O rosto de Antonio aparece em close diversas vezes, assim como o da criança, mas a miséria generalizada do país não aparece, o protagonista é construído como um ser azarado, um sofredor individual, e não como um exemplo de uma situação maior.

    Ainda assim, Ladrões de Bicicleta é um lindo filme, De Sica conduz sua história com delicadeza e simpatia. Há humor e a cena final é, sem dúvidas, um dos grandes momentos da história do cinema. É um drama muito bem feito, mas o tema e a forma de produção são apenas uma fachada de novidade, essencialmente é um filme clássico, ainda mais quando colocado ao lado de obras revolucionárias. Um dos grandes momentos do cinema, mas não um momento que mudou seus rumos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Review | Strike Back

    Review | Strike Back

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    Estou sempre em busca de algo diferente para assistir. Se esse algo diferente for divertido e exigir pouco do meu cérebro, melhor ainda, afinal hoje vivemos na ditadura das séries inteligentes demais e assistir Game of Thrones, Boardwalk Empire, Breaking Bad, Mad MenSons of Anarchy consomem muito do intelecto de uma pessoa.

    Numa procura por algo mais de ação, no estilo Duro de Matar ou 24 Horas me deparei com essa ótima série do canal britânico Sky1 chamada Strike Back, que em sua segunda temporada ganhou a co-produção do canal americano Cinemax, que a transmite no Brasil. A série está em sua quarta temporada, mas o canal americano não reconhece a primeira temporada, estando a série então em sua terceira temporada nos EUA.

    Adaptação da obra de Chris Ryan, soldado das forças especiais do exército britânico (SAS) e único membro de uma equipe de oito soldados a sobreviver à missão Bravo Two Zero durante a Guerra do Golfo em 1991, a série estreou como minissérie em 2010 apresentando a vida de John Porter (Richard Armitage, o Thorin Escudo de carvalho de O Hobbit: Uma Jornarda Inesperada), um soldado/espião britânico que trabalha para a seção 20 do MI6 enfrentando terroristas.

    Já na segunda temporada, estreada em 2011, a série foca no ex-agente americano da DELTA Force Damien Scott (Sullivan Stapleton), e do agente britânico da Seção 20 Michael Stonebridge (Philip Winchester, de Fringe e Crusoe), agente britânico da Seção 20, que se unem quando Porter é feito prisioneiro por um grupo internacional de terroristas. Na terceira e quarta temporadas temos novos integrantes na Seção 20, além de Scott e Stonebridge.

    Falando o que importa, a série é uma ótima opção para quem procura ação no estilo Trilogia Bourne, com muitos tiros e explosões. Destaque para as locações das filmagens que variam entre Inglaterra, Hungria, Africa do Sul, Colômbia, além de Afeganistão, Somália, Síria, Russia e Iraque (essas certamente de mentirinha).

    Stonebridge e Scott proporcionam ótimas piadas além de muita ação, que sempre se desenvolvem com intrincadas relações entre grupos terroristas como a Al Qaeda e IRA juntamente com grupos mafiosos como o russo Vory v Zakone e obscuros grupos separatistas como nigeriano Movimento de Emancipação do Delta do Níger (Mend) ou o somali Al Shabaab. A seção 20 sempre atua “atrás das linhas inimigas”, com pouca gente e grande aparato tecnológico, mas que nunca dispensa seus integrantes de levarem algumas porradas ou tiros em campo.

    É impressionante o número de referências militares que a série aborda em relação a armas, estratégias, grupos especiais como o Mossad ou o KFOR (força da ONU que atua em Kosovo) e fica evidente de como uma série dessa temática tem a ganhar quando é baseada em uma obra ou tem como um ex-militar que entende do que será mostrado na série.

    Todos os elementos juntos como as locações, grupos e enredos diferentes dão à série muito dinamismo e diversão. Com certeza é uma das melhores séries para se assistir sem esboçar nenhum bocejo pelo tanto de ação que proporciona.

    Texto de autoria de Robson Rossi.

  • Resenha | Turma da Mônica – Laços

    Resenha | Turma da Mônica – Laços

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    Você nasceu nos anos 70? Anos 80? 90? 2000? Isso não importa. Se você já leu as histórias dessa galerinha, você com certeza passou a respeitar a turma de Maurício de Sousa, se é que não passou a tratá-los como seus amigos achegados.

    Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali com certeza são os maiores ícones dos quadrinhos infanto-juvenil nacional e tem o carinho de milhões de brasileiros, e de pessoas ao redor do mundo, não importa se são crianças ou adultos. E no ano de 2013 (ano em que a dentuça completa 50 anos) somos presenteados com uma aventura diferente, sensível e fascinante sobre o valor da verdadeira amizade e lealdade.

    Ficou meio clichê, não é? Sim, é verdade, mas isso não deixa de ser uma boa definição da história. Mas saibam meus amigos que o clichê não necessariamente significa algo ruim. Quando bem aplicado pode nos apresentar uma história simples e tocante como Laços, dos irmãos Cafaggi.

    Vitor e Lu Cafaggi contam a história do sumiço do Floquinho (aquele cachorro do Cebolinha que você nunca sabe onde é o rabo e onde é a cabeça dele), e da turma saindo pela cidade atrás do cãozinho.

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    A história tem vários easter eggs que vão agradar em cheio aos leitores mais atentos, mas muito mais que isso, os irmãos Cafaggi entregam um trabalho feito de coração e tratando com extremo carinho essa turma tão querida. Você vai encontrar muito do filme Conta Comigo na história, com uma pitada de Os Goonies, entre outros filmes oitentistas sobre amizade que todos nós curtimos na nossa infância. Inclusive, tudo na graphic novel gira em torno da amizade, da amizade verdadeira,  dos laços eternos, e feito com uma sensibilidade tamanha que faz toda a história soar natural.

    Os desenhos e o capricho da edição também são outros pontos fortes. A fotografia, assim como os desenhos (não que eu seja um expert no assunto, mas mesmo assim é algo bem perceptível) são feitos para trazer esse clima antigo, como se a história se passasse a muito tempo, como se fosse você, leitor, relembrando aqueles momentos marcantes da sua infância.

    Intimista! Talvez essa seja a palavra que melhor defina Laços. Não é uma história espetacular, inovadora ou surpreendente (apesar de que imagino que você realmente não espere isso da Turma da Mônica), porém é uma história que te puxa pra sua infância, que te faz relaxar, dar aquela risada gostosa de quando a sessão da tarde era boa e acima de tudo, te faz lembrar mais uma vez o porquê você sempre gostou tanto da turminha do bairro do Limoeiro.

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    Texto de autoria de Diogo G.

  • Crítica | O Homem do Tai Chi

    Crítica | O Homem do Tai Chi

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    Devo informar que se você é uma daquelas pessoas que curte os aspectos técnicos dos filmes, como angulação de câmera, fotografia, figurino, mixagem de som, direção de arte e todos aqueles prêmios que o Oscar não faz nem questão de mostrar, essa crítica não é pra você! Eu vou falar do “cinema pipoca”. Da história contada, da atuação dos atores, das cenas que valem a pena ou não serem vistas.

    O que? Você ainda tá aí? Então beleza, vamos falar de Man of Tai Chi.

    Começo por dizer que o filme tem uma premissa interessante. Tiger Chen, responsável por levar o legado do Tai Chi, (é uma arte marcial chinesa, que é reconhecida também como uma forma de meditação em movimento) precisa de dinheiro para salvar o seu templo da demolição, e para isso começa a participar de lutas underground organizadas pelo empresário do mal Donaka Mark, interpretado por nosso querido Keanu Reeves, que também assina a direção.

    Simples e direto, não é? A estreia na direção de Keanu Reeves não incomoda, o que é um aspecto positivo. O que realmente incomoda é a atuação do Sr. Reeves. Tá, você vai dizer que isso é chover no molhado, que todo mundo sabe que ele é péssimo. Mas o problema é que particularmente, eu não o acho péssimo ator. Gosto da atuação meio engessada dele em alguns papéis que combinam. Mas em Man of Tai Chi, chega ao ponto do insuportável. E digo isso como uma pessoa que gosta dele, então fico imaginando o que os que já não curtem o trabalho do cara devem achar.

    O filme entrega um roteiro simples, que tenta se mostrar como não sendo só um filme de luta, mas sim a jornada de um homem. Só que ele não consegue chegar lá. Falta carisma, falta profundidade, falta você realmente se interessar pelo Tiger. As lutas são muito bem coreografas, como é raro de se ver hoje em dia, mas estão longe de serem épicas. Vale muito mais a pena pegar um filme antigo do Jackie Chan pra ver lutas melhores e mais divertidas.

    Man of Tai Chi se mostra irrelevante no que se propõe, dando uma grande ênfase apenas no visual das lutas, mas acaba não chegando nem próximo disso.

    Texto de autoria de Diogo G.

  • Resenha | 1356 – Bernard Cornwell

    Resenha | 1356 – Bernard Cornwell

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    Sabe aquela sensação gostosa de rever um amigo que você não via há alguns anos? Talvez você tenha até perdido a esperança de vê-lo novamente e de repente você descobre que ele voltou. Bom, foi mais ou menos essa a sensação que tive ao saber que Bernard Cornwell estaria lançando o livro 1356. A quarta parte da “trilogia” do Arqueiro, contando as aventuras de Thomas de Hookton.

    Será que isso quer dizer que se você não leu a trilogia do Arqueiro você não pode ler esse livro? Não, relaxa. O livro funciona bem de modo independente, pois Cornwell faz questão de lembrar quem é quem, e o que já fizeram na vida. Então você leitor novato, pode se aventurar na historia tranquilamente. Mas se você já leu a trilogia do Arqueiro (também conhecida como trilogia do graal) você vai começar o livro com um belíssimo sorriso no rosto, ao rever personagens tão queridos como Thomas e seu grupo, os Hellequins.

    A história se passa (obviamente) no ano de 1356, com o exército inglês, comandado pelo príncipe Eduardo de Woodstock devastando parte da França enquanto Thomas e seus homens são mandados em busca de La Malice, a espada que o apóstolo Pedro usou na noite que Jesus foi morto, pois se acredita que ela tem o poder de dar a vitória ao exército que a possui (como todas as relíquias da Idade Média). O livro culmina na incrível batalha de Poitiers, onde o exército Francês tinha quase o dobro de homens do combalido exército Inglês.

    Cornwell continua sendo Cornwell. A narrativa autêntica e cruel da vida na Idade Média está lá como sempre. A crítica sagaz a Igreja também continua incólume. Carismáticos personagens, que te conquistam com diálogos rápidos também se mantêm intactos. Novos personagens são acrescentados e facilmente se tornam velhos amigos, assim como os personagens já conhecidos. E claro, as fantásticas descrições de batalha, fazendo o leitor sentir o clima, a tensão, todo o sangue, morte e até mesmo o cheiro da grama, continuam sendo o maior destaque dos livros de Bernard Cornwell.

    Mas é justamente nos últimos aspectos que o livro perde um pouco a força. A grande maioria dos personagens, por mais carismáticos que sejam, acabam sendo muito mal aproveitados. Você quer saber um pouco mais da participação deles na história, mas eles acabam sendo deixados de lado para dar destaque ao protagonista, Thomas. E a batalha, o maior trunfo do escritor, acaba ocorrendo apenas nas páginas finais do livro. Não que a história não seja interessante, mas no fim fica aquela sensação que tudo acabou rápido demais, que mais coisas poderiam ter ocorrido, e que os personagens poderiam ter sido melhor aproveitados, se talvez ele escrevesse uma nova trilogia, ao invés de um livro único como 1356.

    Enfim, leia! Mate a saudade do velho amigo Thomas de Hookton e seu bando, ou se ainda não o conhece, passe a conhecer um incrível grupo de arqueiros mercenários em busca de uma das maiores relíquias da cristandade e viaje pros tempos medievais com o único homem que sem uma máquina do tempo consegue te fazer chegar lá, Bernard Cornwell.

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    Texto de autoria de Diogo G.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

    77 - This is the End (É o Fim)

    Qualquer pessoa que se identifique com os valores padrões da classe média branca tradicional do século XXI, com toda certeza irá se identificar com esse novo filme de Seth Rogen e Evan Goldberg, responsáveis por outros filmes de sua turma como Superbad, Pineapple Express e Besouro Verde. Com um grande elenco de amigos (Seth Rogen, Jonah Hill, James Franco, Jay Baruchel, Jason Segel, Craig Robinson, Paul Rudd, Michael Cera, Rihanna, David Krumholtz, Mindy Kaling, Aziz Ansari, Danny McBride, Emma Watson, Kevin Hart entre outros), o filme é uma grande piada interna que não faz questão alguma de situar o espectador não familiarizado com as outras obras do grupo, pois é cheio de autorreferências e situações tipicamente vividas por atores ricos de Hollywood, também um grande foco do filme.

    A base do humor do filme é essa. Apesar de divertir e garantir boas risadas ao longo da projeção, This is the End (É o Fim), quem esperar algo a mais do que uma diversão adolescente com piadas de masturbação feitas por trintões poderá sair um pouco incomodado. Usando e abusando das referências tanto a seus próprios filmes, (principalmente Pineapple Express, que é recomendado ter visto antes para entender algumas piadas) quanto a clássicos de Hollywood, como O Exorcista e Mad Max, cada ator usa e abusa dos estereótipos que os consagraram em filmes anteriores, como Seth Rogen sendo o empolgado contido que grita sussurrando, Jay Baruchel e sua crítica a tudo e a todos travestido de um grito de solidão (o que rende um ótimo diálogo no início do filme, com Craig Robertson e Emma Watson), James Franco como o rico excêntrico, Jonah Hill como o gordinho tímido, afetado e orgulhoso pela indicação ao Oscar, Craig Robertson como o side-kick de sempre e por último o sempre desprezível e dispensável Danny McBride, antagonizando da forma mais baixa possível.

     A trama que começa com um clássico filme de desastre, vai se aprofundando até ganhar contornos bíblicos e um simbolismo religioso infantil, mas que nunca se leva a sério, então conseguimos comprar todas aquelas situações ridículas sem nenhuma sensação de culpa, até mesmo quando todos conseguem chegar ao céu e dançam junto com os Backstreet Boys (!!!). Porém, a maior qualidade do filme é também seu maior defeito. A despretensão com que é feito, na base do amadorismo e da “brincadeira”, faz com que falte a ele uma seriedade mínima na hora de considerá-lo uma produção, então o espectador o assiste da mesma forma que ele foi feito, sem dar muito valor. Mas só se sentirá ofendido com This is the End (É o Fim) aquele espectador extremamente desavisado e que estiver procurando um filme desastre clássico, como está na moda em Hollywood atualmente. Este não chega nem a ser uma sátira desse gênero clássico, mas apenas uma brincadeira entre amigos. Claro, uma brincadeira milionária, que todos sonhamos em fazer com os amigos de escola, mas nunca tivemos a chance.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Rush: No Limite da Emoção

    Crítica | Rush: No Limite da Emoção

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    Todo filme de Fórmula 1 no Brasil que não seja sobre Ayrton Senna (ou que não o transforme em semideus) será sempre tratado com um certo desdém pelo grande público, que costuma ver nele o único grande piloto da F1, mostrando um pouco de egocentrismo nacionalista e falta de conhecimento da história de um esporte que já teve seus melhores momentos em décadas passadas, e hoje sofre, assim como o boxe, de falta de fãs e credibilidade. Rush (com seu dispensável subtítulo brasileiro No Limite da Emoção) vem justamente para cumprir papel importante neste aspecto: o de mostrar que a F1 já existia e já era perigosa e emocionante antes de Ayrton.

    A história do filme retrata a rivalidade existente entre os pilotos Niki Lauda (Daniel Brühl) e James Hunt (Chris Hemsworth), portadores de personalidades bem distintas: enquanto Lauda era frio, metódico e brilhante, Hunt era um típico playboy, que adorava festas e os flashes da mídia. A disputa entre os dois se passa desde o início da década de 70 até 1976, quando Niki Lauda sofre um grave acidente no mesmo ano que James Hunt se consagra campeão mundial de F1, igualando o feito de Lauda no ano anterior.

    Com uma estrutura interessante, que insere flashbacks durante a narrativa tradicional, o diretor Ron Howard consegue contar uma história cativante sobre duas personalidades tão distintas, mas que rivalizavam e se completavam, de certo modo. Obviamente, certas liberdades poéticas foram tomadas para tornar o filme mais cativante. Porém, qualquer pessoa minimamente interessada no esporte, ou mesmo em conflitos humanos, saberá aprecia-la.

    Brühl e Hemsworth conseguem, cada um a sua maneira, passar um realismo na dinâmica entre os personagens, ainda mais Brühl, que parece ter estudado meticulosamente cada trejeito físico de Lauda, pois sua atuação impressiona. Hemsworth, limitado como é, se entrega verdadeiramente, mas ainda não consegue fugir do typecasting pelo seu tipo físico e padrão de beleza. Outro ponto positivo do filme é o figurino e os design de produção, que consegue passar nitidamente a sensação dos anos 70 a cada tomada, pelas roupas, penteados, carros, câmeras fotográficas, maquiagens e todos os detalhes.

    Porém, o que poderia ter trazido uma profundidade maior ao filme seria a inserção de outros elementos que pudessem tornar a dinâmica entre Lauda e Hunt menos linear, como talvez a interação de ambos com outros pilotos (momento só brevemente inserido na trama) e com a estrutura da F1. Com 2h03 minutos de projeção, desenvolver mais a história iria tornar o filme ainda mais longo pelo uso que se fez das cenas de corridas, muito bem feitas por sinal, assim como as sequências de transição entre os GP’s, mas sempre em detrimento da história, um vício cada vez mais comum na produção cinematográfica moderna.

    Ron Howard, ainda com essas limitações, consegue produzir um filme redondo, que satisfaz tanto quem está em busca de uma boa diversão com doses homeopáticas de profundidade quanto o fã de F1, que provavelmente irá fazer uma busca extensiva na internet para saber mais sobre essas figuras tão emblemáticas a respeito de uma época romântica de um esporte em crise, como a F1 atualmente.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Estrada para a Perdição

    Resenha | Estrada para a Perdição

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    Estrada para a Perdição (Road to Perdition, no original), lançada em três volumes durante 1999, é mais um trabalho do veterano autor de mistério policial Max Allan Collins, só que agora na forma de história em quadrinhos. A parceria com Richard Piers Rayner nos desenhos foi importante para resultar em uma das narrativas mais realistas sobre a lei seca, a máfia americana dos anos 30 e a grande depressão, e que originou o filme dirigido por Sam Mendes e estrelado por Tom Hanks.

    Sinopse: o filho de Michael O’Sullivan, chamado Anjo da Morte, testemunha um crime, e, por causa disso, o chefão da máfia irlandesa o trai e mata toda a sua família. O’Sullivan foge, e, com o filho ao seu lado, orquestra um plano de vingança contra todos que estiverem na sua frente.

    Feita toda em preto e branco, a narrativa se divide em duas: nas memórias diretas do filho Michael O’Sullivan Jr., o narrador da história, e nas matérias e livros de repórteres de crime que retratavam a época. Na primeira, o desenho segue a falta de lembrança concreta da narrativa, portanto as imagens não são tão detalhistas, soam, de fato como memórias. Já no segundo caso, os detalhes são impressionantes, podendo Richard Piers Rayner demonstrar o seu talento e versatilidade.

    Imagem 1 - Estrada Para Perdição Vol. 01 - pag. 057

    O narrador lembra ao leitor que está contando uma história

    Imagem 2 - Estrada Para Perdição Vol. 02 - pag. 007

    Detalhes impressionantes

    Outro grande acerto que faz com que o quadrinho ganhe força vem do roteiro: a narrativa dura, realista, crua. Sem embromação, o autor mostra a realidade complicada da época. Nada na história é gratuito, muito menos a reação dos personagens a tudo que os cercava: as mortes, a ilegalidade dos negócios, a dificuldade gerada pela grande depressão que corrompia grande parte da sociedade.

    Imagem 3 - Estrada Para Perdição Vol. 02 - pag. 079

    Pode-se interpretar aqui que as mortes violentas são uma alusão a própria dificuldade da época que a parte honesta da sociedade lidava: matar um leão por dia para colocar comida na mesa da sua família. Michael O’ Sullivan era um herói de guerra que se corrompeu para prover sustento para a sua família; o apelido Anjo da Morte não é a toa: ele é um anjo quando consegue prover à sua família, porém, a morte suja a sua mão para os fins maquiavélicos que o levam a fazer o necessário.

    Outras interpretações para seu apelido podem ser vistas como uma metáfora: na cultura ocidental, o Anjo da Morte pode ser tanto o Diabo quanto o bode expiatório angelical de Deus que se suja ao fazer o trabalho mandado por Ele. Nos dois casos, quem leva a morte ao seu objetivo se traveste da melhor forma para enganar as suas vítimas. E não é por acaso que O’Sullivan se veste com terno e gravata enquanto mata seus inimigos, traje mais respeitoso possível na sociedade ocidental.

    Diferente do Diabo e de um Anjo da Morte de verdade, que usam da sedução para chegar ao seu objetivo, O’Sullivan subverte esta lógica preferindo o modo direto de confronto, percorrendo justamente os caminhos tortuosos da própria máfia para levar a cabo a sua vingança. Ele não rouba dos pobres, mas sim dos corruptos, ele não mata inocentes, mas sim quem faz parte do esquema. Em resumo, ele continua a sujar as mãos, mas agora com quem merece.

    Imagem 10 - Estrada Para Perdição Vol. 01 - pag. 077

    A valorização da família sob o prisma católico também merece uma reflexão. A hipocrisia da moral religiosa entre os mafiosos é retratada várias vezes ao longo da obra, quando O’Sullivan para em alguma delas para rezar e acender velas para cada pessoa que matava. A máfia sempre se refere a si própria como uma família e precisa da benção católica para se legitimar ao criar e manter seus valores, da mesma forma que a igreja também precisa do dinheiro dos mafiosos para erguer e manter suas instituições.

    Imagem 8 - Estrada Para Perdição Vol. 01 - pag. 071

    Max Allan Collins o tempo todo coloca a disparidade entre os dois lados que a vida mafiosa proporciona: da mesma forma que há uma possibilidade de um futuro promissor na vida criminosa escolhida em uma época difícil, também há dor e incertezas.

    Por último, o nome da obra foi um ótimo acerto. A narrativa de fato leva tanto a cidade de Perdição, onde Michael O’Sullivan Junior deveria ficar sob a proteção dos seus tios maternos, quanto leva a perdição, a ruína, ao desastre daquela família.

    Estrada para a Perdição vale a pena? Sim, por ser considerado um dos retratos mais fiéis de uma época de incertezas e dificuldades que, por causa disso, levantou a poeira do excesso de moralismo para revelar a verdadeira índole de uma sociedade doente e muito mais complexa do que aparentava ser.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Os Amantes Passageiros

    Crítica | Os Amantes Passageiros

    os amantes passageiros - poster

    Dentro de um avião fora de controle, um grupo de personagens excêntricos acredita estar vivendo suas últimas horas de vida. A partir dessa premissa, o espectador testemunha a volta de Pedro Almodóvar ao tipo de filme que o consagrou: a comédia. Desde Kika (1993) que o diretor havia deixado de lado esse estilo. E retorna a ele da forma mais escrachada possível. Mas, afinal, é Almodóvar, e de que outro modo ele o faria?

    Para o espectador saudoso dos primeiros filmes do diretor, com seus cenários de cores fortes, personagens extremos em situações extremas, figurinos extravagantes, diálogos disparados em velocidades alucinantes, está tudo de volta. E isso talvez dê a impressão de que o diretor está referenciando ou mesmo parodiando a si próprio. É difícil não relembrar de Mulheres à beira de um ataque de nervos que, assim como este, passa-se praticamente em um único cenário – um apartamento – e há uma personagem que deixa de ser virgem durante a estória. Além disso, há várias cenas marcantes – chocantes ou engraçadas – envolvendo drogas, sexo ou ambos.

    O rol de personagens, uma fauna bastante diversificada, inclui três comissários de bordo homossexuais – um que bebe, Joserra (Javier Cámara), um que consome drogas ilícitas, Ulloa (Raúl Arévalo) e um que abraçou a religião para se livrar dos vícios, Fajas (Carlos Areces); um piloto bissexual, Álex Acero (Antonio de la Torre), cujo amante é Joserra; um co-piloto “saindo do armário”, Benito Morón (Hugo Silva), por quem Ulloa tem uma queda; uma vidente, a virgem que deixa de ser, Bruna (Lola Dueñas); uma cafetina de luxo, Norma (Cecilia Roth); um empresário corrupto; um ator, Ricardo Galán (Guillermo Toledo); um agente de segurança; um casal em viagem de núpcias. Os personagens são estereotipados? Ao extremo, são quase caricaturas. Seus trejeitos e neuras são exagerados? Sem dúvida. Mas boa parte do humor e da crítica ácida deve-se justamente a esses fatores.

    Enquanto o roteiro se atém às ações e reações dos personagens dentro do avião, a trama se sustenta. Contudo perde força ao sair do ambiente confinado e mostrar uma subtrama, em que uma moça andando de bicicleta atende um telefonema do ex-namorado (o ator) num celular que “caiu do céu”, ou mais precisamente, das mãos de uma suicida que também conhece Galán. Apesar de interessante, principalmente aos que têm sua atenção atraída pela beleza da moça, Ruth (Blanca Suárez), a sequência não é muito relevante, e poderia ser encurtada ou mesmo suprimida sem qualquer prejuízo.

    O título em inglês, I’m so excited, é o nome da música utilizada como trilha sonora para um número de dança protagonizado pelos comissários a fim de entreter os passageiros – apenas os da primeira classe, pois os da classe econômica estão dormindo, todos foram dopados assim que a tripulação descobriu a pane. A partir daí pode-se ter uma ideia nítida do quão non-sense, exagerado e, ao mesmo tempo, sarcástico é o filme. Esse tom exagerado se vale ainda das cores fortes do cenário e da fotografia, com enquadramentos que lembram programas de tv – principalmente na hora do “show”.

    Não se pode afirmar com veemência que Almodóvar tenha perdido a mão. É possível que sua intenção fosse mesmo fazer uma paródia de suas melhores comédias. De qualquer modo, não deixa de ser um filme menor. Mas, levando-se em conta que Almodóvar é um autor – em oposição ao conceito de artesão, ou diretor por encomenda -, vale a máxima defendida por Truffaut na revista Cahiers de Cinéma: “Um cineasta que tenha feito grandes filmes no passado pode cometer erros, mas os erros que ele cometer têm toda a probabilidade, a priori, de ser mais apaixonantes que os êxitos de um ‘artesão’”.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Space Opera: Odisseias Fantásticas Além da Fronteira Final

    Resenha | Space Opera: Odisseias Fantásticas Além da Fronteira Final

    space opera - capa

    Quem nunca imaginou viajar em uma nave estelar e explorar novos mundos? Lutar contra um temido Império Galáctico, destruir implacáveis robôs que tentam exterminar a humanidade ou travar uma luta mortal contra um arqui-inimigo usando armas do futuro?
    (fonte: quarta capa do livro)

    O termo space opera, criado por analogia às soap operas (as telenovelas norte-americanas), foi usado originalmente de modo pejorativo para designar estórias que se passavam em cenários espaciais, muitas vezes meras adaptações de outras tramas de guerra ou faroeste, sem aproveitar nelas a ficção científica em si. A partir dos anos 70, Brian Aldiss reabilitou o termo, que passou a ser utilizado para se referenciar a estórias de sci-fi, ambientadas no espaço ou em outros mundos, de teor aventuresco, com heróis corajosos e carismáticos. Star Wars é um ótimo exemplo dessa mudança de enfoque e de tratamento desse tipo de narrativa.

    Hugo Vera e Larissa Caruso reuniram sete autores além de si próprios nesta coletânea: Gerson Lodi-Ribeiro, Flávio Medeiros Jr., Clinton Davisson, Maria Helena Bandeira, Jorge Luiz Calife, Letícia Velásquez, Marcelo Jacinto Ribeiro. Até me perguntei se teria sido proposital, mas é interessante notar que o conto que abre o livro – No amor e na Guerra?, de Lodi-Ribeiro – é, no meu entender, o mais fraco; enquanto que o último – Pendão de Esperança, de Flávio Medeiros Jr. – o encerra com chave de ouro (perdão pelo clichê).

    O primeiro sofre de um problema que se percebe com frequência em estórias de ficção científica – não apenas de escritores nacionais: o autor parece se esquecer de desenvolver a trama e os personagens, dando importância demasiada à descrição dos elementos sci-fi da estória, o que, ao invés de enriquecê-la, a empobrece. Em outros contos do livro, o problema ocorre também, mas com menor intensidade. E nesta narrativa, há ainda o agravante de ter sido escrita em primeira pessoa, já que não há justificativa para as “digressões expositivas” do narrador. Caso fosse um narrador demiúrgico, talvez o excesso de explanações sobre o universo da estória não soaria tão inconveniente e tedioso. O texto é íntegro, sem inconsistências, contudo é um início difícil. Alguns leitores menos persistentes talvez não se animem a ler os demais – o que é uma pena, já que o de Medeiros Jr. é uma leitura bastante prazerosa.

    Como se diz no cinema, Pendão de Esperança se inicia ‘in media res’, ou seja, no meio da ação, com alarmes soando e a sensação de perigo iminente. E esse início tenso – tática utilizada em várias séries de tv – é o responsável por prender imediatamente a atenção do leitor, que fica curioso por compreender o que está ocorrendo. A temática da estória é bastante original e os fãs de Star Trek irão reconhecer premissas de alguns filmes da série. O ambiente onde se passa a estória é bastante similar ao da Enterprise. Ponto a favor, já que tanto a série quanto sua nave praticamente já fazem parte do imaginário popular, deixando o leitor – mesmo o não-trekker – bem à vontade. Exceto por um ou outro deslize, o conto é bem construído, a trama e os personagens são bem desenvolvidos, sendo o mais memorável do livro, tanto pela temática quanto pela “aplicação” do famoso jeitinho brasileiro na resolução do conflito.

    Outros que merecem destaque são Logan Marshall, de Larissa Caruso – conto policial ambientado numa Terra semelhante à descrita nos filmes de Barry Sonenfeld, MIB – Homens de Preto, com um texto que mixa humor e perseguições (para mim, o mais divertido e de leitura mais fluida de toda a coletânea); Seu momento de glória, de Marcelo Jacinto Ribeiro – distopia em que um tetraplégico renegado é a única esperança para salvar o mundo, o sarcasmo do protagonista e o desfecho inesperado compensam a “forçação de barra” em alguns momentos.

    Engana-se quem pensa que não se produz ficção científica no Brasil. Não apenas se produz como também vários autores enveredam por essa vertente aventuresca da sci-fi, que é a space opera. E este livro é um apanhado bastante heterogêneo, mas bem interessante, do que se escreve atualmente nesse estilo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | O Homem Que Não Estava Lá

    Crítica | O Homem Que Não Estava Lá

    70 - The Man Who Wasn't There (O Homem Que Não Estava Lá)

    Uma das características mais marcantes dos Irmãos Coen é a homenagem que vez ou outra prestam a gêneros de cinema que os fizeram gostar dessa arte. Em O Homem Que Não Estava Lá, a homenagem é feita ao noir, grande marca do cinema americano dos anos 40, famoso pelo preto e branco, em cidades esfumaçadas, femme fatales e narrações em off feitas geralmente por um detetive que investiga um crime. Praticamente todos estes elementos estão neste filme.

    O filme conta a história de Ed Crane (Billy Bob Thornton) um barbeiro infeliz que vive com sua esposa Doris (Frances McDormand). Ao desconfiar que ela está traindo-o com seu chefe Big Dave (James Gandolfini), Ed passa a planejar uma trama de chantagem contra o amante, a fim de ganhar dinheiro para investir em um negócio que acaba de ter contato com um cliente na barbearia. Mas quando seu plano vai por água abaixo uma série de consequências desagradáveis ocorre, ao melhor estilo dos Coen.

    A fotografia é excelente e eficaz na reconstrução dos EUA da virada da década de 40 para 50, com seus figurinos, carros e até mesmo os maneirismos, como o jeito de fumar, o que praticamente todo o elenco faz exaustivamente. As sequências são todas singulares, com o objetivo de demonstrar o vazio existencial de Ed, que sempre se queixa de não gostar de conversar com ninguém.

    O filme apresenta diálogos e situações interessantes. A construção dos “erros” vai se aprofundando de tal forma que consegue de início prender a atenção do espectador. Quando essa atenção começa a se diluir por conta do ritmo lento da narrativa, um personagem interessante é inserido, que nos atrai de volta a história: O advogado Freddy Riedenschneider (Tony Shalhoub), que misturando conceitos de ciência em um tom quase místico, tenta elaborar uma defesa para o fato de que a mulher de Ed está presa, mas que ninguém sabe que a culpa na verdade é dele.

    O interessante nisso é que nem mesmo Ed parece acreditar ou se importar na ambiguidade moral de sua mulher estar presa por sua culpa. Ele continua agindo como sempre agiu, como se fosse programado por um código externo de ética, tomando decisões de acordo com o que deveria ser certo. Porém, quando ele se toca que desperdiçou a vida fugindo de contato humano, é tarde demais. Todo o seu mundo artificial já havia desmoronado, e o conto clássico de crime e castigo, por vias tortas, já havia se concluído.

    Apesar de nuances interessantes acerca das motivações dos personagens e das discussões morais a respeito de suas atitudes, o filme não chega a envolver emocionalmente. Sentimos-nos ao seu final mais ou menos como Ed, acompanhando a história e os personagens sem nos envolvermos com eles, somente por obrigação. Acho difícil acreditar que esse era o objetivo dos Coen com o filme, que apesar de sua precisão técnica e de elenco, falha em gerar um envolvimento real com a história.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.