Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Heleno

    Crítica | Heleno

    66 - Heleno

    Heleno de Freitas foi uma das figuras emblemáticas de um Brasil pré-campeão da Copa do mundo, onde o futebol era vivido, mas sentido de forma diferente, ainda saindo do amadorismo e dando seus primeiros passos em direção ao profissionalismo.

    Assim como muitas figuras do futebol, Heleno viveu glórias dentro de campo e dificuldades fora dele. Sua personalidade narcisista e egocêntrica lhe arrumou inimigos e só foi suportada enquanto rendia frutos dentro do campo. Depois disso, passou a entrar em uma espiral de autoconsumo que culmina com sua morte em um sanatório em MG.

    Está aí uma história que daria um excelente filme, caso bem conduzido. O que não acontece com o longa de José Henrique Fonseca. Apesar de ter uma fotografia de grande qualidade (a escolha de filmar em preto e branco foi acertada) e uma produção também eficiente, o filme peca naquilo em que filmes brasileiros costumam pecar: na narrativa novelística e que carrega exageradamente no drama, deixando de lado outras características dos personagens, tornando-os unidimensionais. Não conseguimos acompanhar muito bem o Heleno mito, não sabemos por que ele se expressa tão bem, ou como fala um inglês tão perfeito, ou de onde vem tamanha educação e refinamento que sustentam seu ego. O personagem nos é dado já pronto.

    O filme conta a história de Heleno de forma entrecortada, desde seu auge no Botafogo até sua decadência, mas falha em ambientar melhor o espectador, que, caso não tenha conhecimento de história do futebol, poderá se perder em meio às poucas dicas da época retratada. Sua passagem pela Colômbia é citada, por exemplo, em uma única cena de poucos segundos.

    As melhores sequências do filme são quando Heleno já é uma figura decadente, internado em um sanatório. A maquiagem e as atuações de Rodrigo Santoro são fenomenais e nos convencem da condição em que o ex-atleta se encontrava então. Mas, como jogador de futebol, faltam justamente momentos retratando sua genialidade e visão dentro de campo, com menos cenas estilizadas (como câmera lenta na chuva) e mais clássicas do esporte.

    Com um roteiro que se preocupa mais em retratar a decadência da pessoa, sobra pouco tempo para nos relacionarmos com o atleta, já que essa decadência ocupa muito tempo de tela. Quando Heleno termina, fica a sensação de que não chegamos a conhecer de verdade o jogador e o mito.

    Com vários outros jogadores fenomenais com histórias ricas do Brasil antes de Pelé, como Friedenreich e Leônidas, fica a dúvida se produções para tamanhos ícones não terão um tratamento melhor.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Círculo de Fogo

    Crítica | Círculo de Fogo

    O mundo se tornou um lugar chato. Realismo e verossimilhança viraram palavras de ordem no cinema, e até os filmes de ação e aventura hoje estão acuados. Isso tanto por críticos que querem ver profundidade artística em tudo, quanto por grande parte dos fãs, que passaram a ter um alto grau de exigência com cada mínimo detalhe. A solução muitas vezes é cair na auto-paródia, como se o gênero tivesse vergonha de si mesmo e precisasse pedir desculpas por oferecer apenas entretenimento. Isto posto, OBRIGADO, GUILLERMO DEL TORO. Mais do que gratificante ver um diretor gabaritado entregar um produto tão sensacional quanto Círculo de Fogo. Um blockbuster no mais puro sentido da palavra, que diverte se levando a sério dentro de seu maluco universo particular – e não há absolutamente nada de errado com isso.

    O filme situa rapidamente o cenário: num futuro próximo, a humanidade está em guerra contra seres denominados kaiju (monstro gigante em japonês), que invadem nosso mundo através de uma fenda interdimensional localizada no fundo do Oceano Pacífico. De tempos em tempos, um dos bichos emerge e vai tocar o terror nas cidades costeiras. Quando armas convencionais se mostram ineficazes, uma nova solução se faz necessária. E já aqui, com poucos minutos de projeção, o longa rompe totalmente com conceitos tão mundanos e limitados como realismo ou lógica. Tentar desenvolver um novo tipo de bomba, ou até mesmo uma arma biológica (já que os inimigos são seres vivos)? Pra quê, se é infinitamente mais legal construir robôs gigantes pra dar porrada nos monstros?

    Só que nem tudo são flores. Após alguns anos de vitórias, os jaegers (caçadores, em alemão) e seus pilotos não estão mais dando conta do recado. Monstros maiores, mais fortes, inteligentes e adaptáveis passam a aparecer com mais frequência, e os governos mundiais decidem desativar a iniciativa e investir na construção de gigantescas muralhas litorâneas – ideia “genial” e pouco tranquilizadora. Porém, o comandante do projeto jaeger, marechal Stacker Pentcost (Idris Elba), decide tentar uma última ação desesperada pra salvar o mundo. Pra isso, ele vai depender de um talentoso ex-piloto, há anos afastado por conta de uma tragédia pessoal (Charlie Hunnam), e de uma novata promissora, mas com zero de experiência (Rinko Kikuchi).

    Tudo no filme é familiar, pra não dizer clichê, mas perfeitamente executado. O grande charme da produção é combinar a estrutura narrativa/dramática e de personagens tipicamente hollywoodiana com premissa e ambientação gritantemente japonesas. E ao contrário do que a galera mais leite com pera esperneou, não é uma simples cópia de Evangelion (como se este mangá/anime tivesse inventado robôs e monstros gigantes). As similaridades são grandes, mas Círculo de Fogo referencia toda uma tradição nipônica que remete a inúmeras animações, tokusatsus oitentistas e até os ancestrais filmes do Godzilla e afins. Desnecessário dizer o quanto isso dialoga com o coração de quem viveu a infância a partir dos anos 80 – e ainda não esqueceu dela.

    O roteiro, assinado por Del Toro em parceira com Travis Beacham, é muito preciso ao trabalhar tudo em função da própria trama. Como são necessários dois pilotos em perfeita sincronia mental para controlar um jaeger (um único cérebro humano não suporta a carga), o desenvolvimento dos personagens acontece na iminência de, e durante, os combates. Que por sinal, são vários e nem um pouco maçantes. O ritmo construído cria a tensão necessária, e a alivia sem exagerar, não perdendo assim o impacto das cenas de ação (exatamente, ao contrário de Transformers). As lutas são naturalmente o ponto alto do filme. O alto orçamento aliado ao apurado senso estético do diretor resultou em monstros e robôs com características distintas e marcantes. Os ambientes também variam, os quebra-paus acontecem em alto-mar, no meio das cidades, nas profundezas do oceano… e é um mais épico que o outro. Os kaijus impressionam por sua ferocidade, enquanto os jaegers, pesadões como seria de se esperar de centenas toneladas de metal, apresentam variadas armas que emocionam a criança interior de cada um. Como não amar um “soco foguete” ou um botão “ativar espada”?

    Dentre os atores, Charlie Hunnam (mais conhecido por estrelar a série Sons of Anarchy) faz um feijão com arroz como um protagonista padrão, que supera rapidamente suas inseguranças quando é chamado à ação. Kikuchi se sai até melhor, conseguindo retratar o turbilhão de emoções de sua personagem de maneira contida, também um padrão, só que oriental. Mas no caso dela, incomoda mais a superação relâmpago do trauma pessoal. Pra contra-balancear, a química entre os dois convence logo de cara, fazendo com ambos cresçam como dupla muito mais do que poderiam fazer individualmente. Dessa forma, nos importamos com os personagens, e as cenas de ação ganham em peso dramático.

    O bom ator Idris Elba mostra que Samuel L Jackson poderia se aposentar hoje, que o cargo de “boss negão mothafucka” estaria muito bem preenchido. Cabem a ele os inevitáveis discursos motivacionais com frases de efeito – “Hoje vamos cancelar o apocalipse”, impossível não seguir um cara desses. Charles Day e Burn Gorman servem como um bom alívio cômico com sua divertida dupla de cientistas que implicam um com o outro. Max Martini e Robert Kazinsky, como os pilotos australianos que são pai e filho, trazem uma dinâmica muito interessante no limitado espaço que têm. Por fim, Ron Perlman não consegue NÃO ser estiloso, mas seu personagem é um tanto quanto inútil. Hannibal Chau, o negociante de partes de kaiju mortos (um conceito curioso, mas nem um pouco explorado), na prática não serve pra nada. Provavelmente, o Hellboy estava lá só pra constar, na base da camaradagem com o diretor.

    Conforme o filme vai se aproximando do final, os problemas vão aparecendo. Não propriamente erros, mas situações um tanto forçadas e exageradas até mesmo dentro do contexto. Por exemplo, os robôs são arregaçados e rapidamente estão prontos pra outra. Isso, somado à já citada resolução muito repentina dos conflitos individuais dos protagonistas, até poderia tirar alguns pontos do filme. Só que o jogo, amigo, já está ganho há muito tempo. O espetáculo é tão magistralmente orquestrado e conduzido, que Círculo de Fogo se torna maior que suas próprias míseras falhas. A exemplo de Os Vingadores, é o ápice do massavéio bem executado. Mais uma vez, obrigado, Del Toro. O Gigante Guerreiro Daileon está orgulhoso.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Star Trek (2009)

    Crítica | Star Trek (2009)

    61 - Star Trek (Jornada nas Estrelas)

    Quando foi anunciado que J.J. Abrams seria o novo responsável por trazer de voltas às telonas a franquia Star Trek, confesso que não me importei, porque nunca liguei muito para essa franquia (e também porque naquela época ele não era tão conhecido quanto hoje). Não sei bem as razões, mas nunca tive vontade de ver a série em qualquer das gerações ou nenhum dos filmes. Talvez pela quantidade e pela eternidade que iria levar ver tudo, mas, mesmo assim, algumas características dos personagens e bordões criados pela série eram familiares, tamanha é a influência de Star Trek na cultura pop. Portanto, eu era o público-alvo do filme tanto quanto qualquer pessoa que não tivesse o mínimo de conhecimento da saga.

    Nesse aspecto, posso dizer que o filme agradou. Ao dar uma nova roupagem e modernizar os personagens, J.J. Abrams consegue criar um universo verossímil, mesmo fazendo algumas alterações que poderiam causar estranheza aos fãs da série clássica.

    O filme se inicia contando a história do pai do capitão James T. Kirk (Chris Pine) e como ele é morto por um ataque de romulanos e consegue salvar a vida de milhares de pessoas. Logo depois, vemos Kirk crescendo como um jovem impulsivo e que sempre testa seu limite, e o dos outros, na busca por emoções e desafios. Também nos é apresentada a origem de Spock (Zachary Quinto) em seu planeta natal, Vulcano, contrastando sua metade humana com sua metade vulcana, e como isso afeta e afetará sua vida. O que faltou foi um maior desenvolvimento aos outros personagens, como Dr. Leonard McCoy (Karl Urban), tornando a trama excessivamente centralizada em Kirk e Spock.

    A trama é relativamente simples, porém se utiliza de subterfúgios muito comuns em filmes do gênero quando os roteiristas estão encurralados sem saber para onde ir: a viagem no tempo. Porém, a forma como ela é usada serve de propósito ao desenvolvimento da história, então neste aspecto soa natural, apesar de essa mesma história ser contada no ritmo frenético que a ação moderna exige, fazendo com que o espectador possa se perder às vezes.

    O assassino do pai de Kirk, o romulano Nero (Eric Bana), volta no tempo para destruir os planetas de todos aqueles que não fizeram nada para evitar a destruição de seu planeta no futuro, e consegue efetivamente destruir o planeta Vulcano, para o desespero de Spock. No entanto, seu próximo alvo é a Terra, e algo precisa ser feito para impedi-lo.

    Enquanto Kirk e Spock ainda não são amigos e lutam para conseguir se manter no mesmo ambiente, Kirk é colocado para interagir com Leonard Nimoy, o eterno Spock da série clássica, tanto para explicar a questão da viagem no tempo, como para agradar os velhos fãs, pois só mesmo uma pessoa totalmente alienada da cultura pop não reconhecerá o rosto do velho ator, que dá uma boa contribuição, juntamente ao personagem Scotty (Simon Pegg), que garante boas risadas como o alívio cômico. Porém, o vício de Abrams em explicar demais a história para não correr risco de nenhum espectador perder o fio da meada também torna a sequência desnecessariamente longa e arrastada em seu final. No final, Kirk e Spock percebem que se completam, assim como todo o restante da equipe que encaixa muito bem nos novos atores, e conseguem enfrentar o vilão Nero em boas sequências de batalhas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Espuma dos Dias

    Crítica | A Espuma dos Dias

    L'écume des jours

    A estranheza revestida de “cool” é um dos traços característicos de Michel Gondry: o cineasta ficou famoso dirigindo clipes em que Björk passeia por uma floresta encantada, os Chemical Brothers visitam os pesadelos de uma menina, e um stop motion feito de lego para o The White Stripes. Com a ajuda de Charlie Kauffman (roteirista de A Natureza Quase Humana e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças) o diretor fez uma boa transição para o cinema e sua tendência a estranhezas se traduziu em histórias incômodas, com pitadas de fantasia e ficção científica. Mas parece que ao ser seu próprio roteirista e perder as amarras que um baixo orçamento representavam, Gondry começou a patinar.

    A Espuma dos Dias e todo do diretor francês: ele participou da adaptação do romance de Boris Vian e é um dos produtores do longa; para a França, onde seu status de celebridade é muito maior que nos Estados Unidos, o filme é quase uma super-produção. Livre de constrangimentos, o cineasta pode se empenhar em criar o universo de imaginação que sempre habitou, mas ele o faz às custas da história.

    O filme conta a história de Colin, um jovem parisiense que tem a sorte de ter “nascido rico o suficiente para não precisar trabalhar para os outros” e alguns de seus amigos, o obcecado Chick, que recolhe tudo que se relacione ao filósofo Jean-Sol Partre, e o criativo cozinheiro/advogado Nicolas. Um dia, em uma festa, Colin se apaixona por Chloé e, após um breve passeio em um veículo-nuvem, os dois se casam. Já na lua-de-mel, Chloé começa a passar mal e descobre-se que a moça tem uma flor de lótus crescendo em seu pulmão direito e para curar-se precisa estar sempre rodeada de flores vivas. O tratamento drena as finanças de Colin e, após a operação que retira a primeira flor de lótus, os médicos encontram uma em seu pulmão esquerdo.

    Trata-se de uma tragédia, mas Gondry nunca a aborda como tal. Ele retrata muito bem a alegria infantil e fantasiosa dos personagens na primeira parte do filme, mas falta sensibilidade e envolvimento na dor que os consome na segunda parte. A direção de arte e a fotografia fazem um bom trabalho ao representar esse sofrimento: tudo decai, decompõe, os tons tornam-se cinza e a casa dos protagonistas literalmente apodrece, mas esse cuidado visual não se reflete em cuidado narrativo.

    O cuidado com a estética, em detrimento da história, é o principal problema de A Espuma dos Dias. Cada geringonça citada por Vian em seu livro aparece aqui, em detalhes e com alguma explicação de seu funcionamento, há uma longa sequência para o pianococktail, e outra para o bizarro método de casamento criado pelo autor. Por outro lado, falta tempo para que o espectador se envolva com os personagens. Tudo é corrido, apressado e os atores parecem incapazes de sair da “felicidade festejante” que criaram na primeira parte da história, talvez porque seus personagens não tenham personalidade, sejam apenas figuras que enunciam o que sentem, mas sem qualquer vida interior.

    Chick talvez seja o personagem mais bem construído de todos, sua obsessão é genuína e convincente, ainda que Gondry deixe de explorar o papel de “anúncio” que o personagem poderia ter. Deixar de explorar o potencial da história é o segundo grande problema do filme: a história é comovente, uma bela metáfora sobre o amor e sobre como organizamos nossas vidas em torno de sonhos que, ao se desfazerem, levam tudo com eles. Mas essas coisas aparecem apenas muito levemente.

    É uma pena que o responsável por Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças seja incapaz justamente de infundir humanidade em seu filme, mas é justamente essa a grande falha de A Espuma dos Dias. É tudo muito bonito, mas vazio, fruto de um diretor fascinado com a própria estética e que se esqueceu de contar uma história.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Resenha | A Ciência dos Superpoderes – Juan Scaliter

    Resenha | A Ciência dos Superpoderes – Juan Scaliter

    Com um ar didático em conjunto com alguns toques de cultura nerd, o autor consegue dissertar de maneira coerente sobre a premissa ditada em seu subtítulo, que diz Ficção e Realidade sobre os Poderes e Proezas dos Heróis, Anti-heróis e Vilões no Universo dos Quadrinhos. Dito isso, a obra funciona muito mais como um guia de curiosidades e verdades que (provavelmente) em breve se tornarão obsoletas, devido ao avanço da ciência. Repleto de especulações e teorias que eu nunca havia pensado, mas que, caso você deixe que a narrativa te guie, irá te levar a pensar em aspectos dos heróis que até então não parecia fazer diferença.

    Por exemplo, você já imaginou alguma vez como o Monstro do Pântano poderia, por exemplo, fazer um deserto se transformar em um bosque? Não? Pois Juan Scaliter, o autor, fez isso por você, e não apenas isso, mas também saiu perguntando para inúmeros físicos, biólogos e médicos sobre os aspectos mais variados que pertencem desde os personagens mais mainstreans quanto alguns que poucos vão reconhecer. O livro começa com uma introdução à história da personagem e, após isso, começa a dissertação sobre um (ou vários) traços ou poderes que esse personagem possui.

    A ideia do livro em si é, na minha opinião, genial. O problema é que se foca demais na atmosfera didática de dizer as descobertas realizadas por ele (e por outros cientistas) e muito pouco em suas teorias e opiniões sobre os assuntos. Sim, sim, em certos momentos ele se intromete com algumas linhas de piadas ou brincadeiras infames, mas é apenas isso. No final, deixa uma impressão indecisa sobre o que ele realmente queria fazer, pois pode ser tanto interpretado como um livro para ensinar ciências para jovens e crianças, quanto como um guia para os nerds de plantão que já tenham pensado em aplicar lógica aos superpoderes e, com isso, poderem ler e dizer “eu já sabia!”.

    Bem, eu não sabia. E, na verdade, não sou um grande leitor de HQ (mais por falta de oportunidade do que por opção, mas tudo bem), e nesse contexto eu fui um pouco imparcial quando o assunto foi sobre os heróis tratados. No entanto, acho que enquanto o autor explica vários poderes de uma personagem, existem outros que são analisados de maneira fria por uma característica que não aparenta ser o maior traço da personagem. Como, por exemplo, quando ele seleciona o Homem-Animal.

    “Seja qual for sua origem, o Homem-Animal é capaz de pensar em um animal e adquirir as capacidades do mesmo. Desse modo, ele consegue ter a força de um tiranossauro, voar como um pássaro (embora não desenvolva asas), ter a eletricidade de uma enguia e ter a resistência de uma barata. Além disso, também é capaz de falar com os animais e se comunicar telepaticamente com eles.”

    Nesse trecho do livro, eu confesso que me animei em saber como exatamente ele conseguiria adquirir essas características dos animais. Antes desse parágrafo, ele diz por cima algo sobre campos morfológicos ou então a alteração morfogenética da pessoa. Como isso funcionaria? Como ele seria capaz de realizar isso? O que aconteceria com o organismo caso alguém fosse realmente capaz de pegar para si os principais aspectos de outra raça de animal? Bem, eu li o livro e a inda não sei. Afinal, ele usa esse trecho como gancho para dissertar a capacidade telepática do Homem-Animal como se, convenhamos, não existissem outros heróis/anti-heróis/vilões com essa capacidade.

    Para finalizar, deixo aqui minha recomendação para aqueles que sejam tão loucos quanto o autor e queiram montar suas próprias teorias a partir daquilo que é exposto nesse livro. Apesar de alguns pedaços que não são muito animados, é uma leitura fácil que irá fluir tranquilamente, tanto pela linguagem fácil de se entender quanto pelos exemplos simples que o autor dá para explicar um determinado comportamento científico.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Thiago Suniga.

  • Crítica | Wolverine: Imortal

    Crítica | Wolverine: Imortal

    The Wolverine (Wolverine Imortal)

    Após o desastroso X-Men Origens: Wolverine, de 2009, é natural que qualquer fã do mutante mais famoso dos quadrinhos ficasse com um pé atrás a respeito de um novo filme do personagem, mesmo que os primeiros boatos a seu respeito fossem de um projeto com um cineasta de renome, como Darren Aronofsky, que acabou não se concretizando (para alegria de uns e tristeza de outros).

    Porém, as notícias da adaptação do clássico arco de histórias de Chris Claremont e Frank Miller com Wolverine no Japão permitiram novas possibilidades e o diretor James Mangold acabou por entregar uma história que por mais que não envolva totalmente o espectador nem apresente nada de novo em relação ao protagonista, ao menos não ofende o fã dos quadrinhos, de cinema e qualquer pessoa com senso crítico, como a produção anterior.

    Na nova história, Logan (Hugh Jackman) decidiu abandonar de vez a vida de herói e passou a viver sozinho na selva. Deprimido, ele é rastreado pela jovem Yukio (Rila Fukushima), enviada a mando de seu pai adotivo, Yashida (Hal Yamanouchi), que foi salvo por Logan algumas décadas antes, na detonação da bomba atômica em Nagasaki (em uma bela sequência). Yashida a princípio deseja reencontrar Logan para se despedir de seu salvador (já que está em seu leito de morte), mas depois faz uma proposta: transferir seu fator de cura para ele, de forma que Logan possa, enfim, se tornar mortal e levar uma vida como uma pessoa qualquer. Logan recusa o convite, mas acaba infectado por Víbora (Svetlana Khodchenkova), uma mutante especializada em biologia que é também imune a venenos de todo tipo. Fragilizado, Logan precisa encontrar meios para proteger Mariko (Tao Okamoto), a neta de Yashida, que é alvo tanto da máfia japonesa Yakuza quanto de outros oponentes que surgirão no decorrer da história, um tanto quanto cansativa.

    A trama, apesar de simples, é problemática em várias maneiras. Primeiro ao abordar novamente a Yakuza e seus membros tatuados e especialistas em artes marciais. Acredito que esse clichê já foi suficientemente usado em filmes de ação demais nos anos 80 e 90 (aliás, outro clichê é exatamente este: será que todo oriental sabe lutar e manejar armas?). A tentativa de dar ao filme um tom realista ao adotar a máfia como vilã inicial até funcionaria caso isso se sustentasse ao longo da narrativa, mas após sermos apresentados a Víbora e ao Samurai de Prata, toda a sequência com a Yakuza parece perder o sentido. Segundo por adotar corretamente a postura de dar tempo para os personagens se desenvolverem nos dois primeiros atos, mas se esquecer totalmente disso no terceiro, que é inchado com sequências de luta longas demais e, de certa forma, desnecessárias. E terceiro ao transformar radicalmente as relações dos personagens entre si e suas motivações gratuitamente de acordo com cada situação de maneira preguiçosa, a fim de encaixar a trama com um trabalho menor, torcendo para que ninguém perceba a incongruência.

    Exemplos disso não faltam: Shingen é envenenado pela Víbora e sofre alucinadamente, para depois aparecer e lutar de igual para igual com Yukio e vencê-la. Ela que antes havia dito que ele lutava “para o gasto”. Depois de vencê-la, Shingen ainda luta ferozmente contra Wolverine, em uma tentativa de remeter a icônica luta dos quadrinhos, mas extremamente mal-executada, já que, de uma hora para outra, Wolverine solta uma frase de efeito e abandona a luta para, segundos depois, voltar e matar o vilão que nunca deixa nada passar. Harada (Will Yun Lee) também é outro que age em um padrão o filme todo para no final, tomar uma atitude totalmente descabida. Há também a excessiva aparição de Jean Grey (Famke Janssen) nos sonhos de Logan, na função de servir de guia e desnecessariamente explicar a plateia cada momento do filme e o estado psicológico do protagonista.

    Os pontos positivos do filme ficam nas cenas iniciais (como a do urso e o enfrentamento no bar) e nas de ação, durante o enterro de Yashida e, principalmente, no trem, rendendo algumas cenas engraçadas. São cenas que, apesar de faltar violência e sairmos com a impressão de que ninguém foi morto pelas garras de Logan, conseguem transmitir perigo e um senso de urgência, além de serem bem executadas de modo que consigamos acompanhar, passo a passo, onde cada personagem está em determinado momento e o que estão fazendo, o que muitas vezes não é feito por diretores atuais. Porém, a melhor parte do filme ainda é a cena pós-crédito, que liga diretamente o filme ao próximo filme da franquia, chamado “Dias de um Futuro Esquecido”, trazendo personagens e atores conhecidos do público em um momento empolgante.

    Ao final, fica a impressão de que talvez tenha chegado a hora de tanto Marvel quanto Fox (assim como Hugh Jackman) repensarem o que a superexposição do Wolverine pode causar no desgaste do personagem, já que o veremos novamente protagonizado a sequência do ótimo X-Men: Primeira Classe. Encerrar aqui este ciclo do herói a exemplo da trilogia Batman de Nolan/Bale, daria chance a outras pessoas retomarem o herói com outros olhos e revigorar a combalida franquia solo de “Wolverine” nas telonas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Demolidor – Vol. 1

    Resenha | Demolidor – Vol. 1

    Demolidor-um-novo-começo

    Uma das maiores críticas aos quadrinhos de super-heróis é o quanto eles se tornaram complexos para leitores novos ou ocasionais, seja por sagas intermináveis que se conectam em diversas revistas ou simplesmente pelo peso de décadas de cronologia. Por outro lado, as estratégias para combater isso enfurecem os fãs assíduos: truques mirabolantes, pactos demoníacos ou reboots cósmicos servem para apagar ou modificar a vida dos personagens. Nesse cenário desanimador, um material como a nova fase do Demolidor merece todos os elogios possíveis, não somente por sua qualidade pura e simples, mas principalmente pela lição que fica para a indústria dos comics.

    O encadernado lançado pela Panini traz as seis primeiras edições do título mensal que começou em 2011 lá nos EUA (sem comentários para tamanho atraso). O sucesso foi inegável, visto os prêmios Eisner de melhor série e melhor escritor, para o veterano Mark Waid. O que torna o trabalho tão digno de nota foi o novo direcionamento adotado, trazendo aventuras mais leves e descompromissadas para O Homem Sem Medo, e a forma como isso foi feito. Antes disso, nas mãos de Brian Michael Bendis, Ed Brubaker e Andy Diggle, Matt Murdock teve uma longa fase de ótimas histórias com clima noir, denso e pessimista. Em bom português, ele se ferrou pra valer. Teve sua identidade exposta publicamente (e passou todo esse tempo negando ser o Demolidor), foi preso, assumiu a liderança da organização criminosa NINDJA Tentáculo, e terminou sendo possuído por um demônio e enfrentando outros heróis.

    Como voltar disso? Alterar a realidade, dizer que foi um clone, ou outra “genial” explicação desse naipe? Não. Waid toma o caminho da simplicidade, reconhecendo tudo o que aconteceu e colocando o próprio herói pra dizer que escolheu mudar, encarar as coisas com otimismo e tentar se restabelecer enquanto pessoa, advogado e herói. Dessa forma, a nova fase se inicia sem fazer quem acompanha o Demolidor há tempos se sentir enganado, e sem obrigar ninguém a correr atrás do que veio antes (apesar disso ser altamente recomendável). Em essência, a herança que fica é que agora as pessoas “sabem” que Matt é o famoso vigilante, e ainda que não existam provas concretas e ele continue negando, seu trabalho como advogado acaba sendo prejudicado, resultando em situações muito divertidas.

    E na outra metade da vida dupla de Murdock, prevalece um clima de certa forma sessentista/setentista. Um herói brincalhão e ousado, que beija a noiva num casamento da máfia e enfrenta os leões do zoológico. Situações absurdas, mas sem descambar para ingenuidade absoluta ou mesmo galhofa. A necessária maturidade dos quadrinhos atuais se faz presente quando o Demolidor se envolve em conspirações corporativas ou mesmo quando o Capitão América, o “principal policial do país”, aparece pra tirar satisfações sobre seus últimos atos. O equilíbrio alcançado traz a necessária renovação para o personagem, um momento bem menos sombrio que os anos recentes, mas nem de longe algo infantilóide estilo Jeph Loeb.

    A arte acompanha essa pegada retrô, e é um show parte. Os desenhistas Paolo Rivera e Marcos Martin têm um estilo muito parecido, um traço limpo, simples e agradável. Mas dá pra perceber algumas diferenças: o primeiro faz uma anatomia mais arredondada, e no geral, um trabalho padrão. Já o segundo usa de linhas mais finas e angulosas, e ousa mais no sentido de diagramação e composição de páginas. Ambos, porém, trazem uma nostalgia interessante ao trabalhar com onomatopeias nos cenários e na retratação do sentido de radar do herói, sua “quase visão”. Um tanto ignorado nos últimos tempos (em favor da abordagem intimista, enfatizava-se a “cegueira” de Matt), esse poder remete às clássicas histórias de Frank Miller nos anos 80.

    Como ponto negativo (além do atraso na publicação aqui no Brasil), o preço de R$ 18,90 pela edição de 148 páginas. Mesmo com capa cartonada e papel de qualidade, é salgado. Mas sem dúvida nenhuma vale a pena conferir. Essa é uma gratificante prova de que é sim possível ter boas e acessíveis histórias de super-heróis, em séries mensais DENTRO DA CRONOLOGIA. Quando há talento envolvido, claro.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | O Grande Lebowski

    Crítica | O Grande Lebowski

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    Que os irmãos Coen são especialistas em criar universos e personagens singulares e que se tornam antológicos não é segredo. Porém, em O Grande Lebowski, de 1999, a dupla se supera. Se em Arizona Nunca Mais ambos já tinham provado sua capacidade de criar protagonistas do sul americano estilizados ao máximo e que conseguiam arrancar risadas do espectador a todo instante, esse estilo atinge outro patamar, que transforma este longa em um dos filmes mais cultuados dos diretores. E não é à toa.

    O Grande Lebowski contra com um grande elenco. Jeff Bridges interpretando magistralmente Jeff Lebowski, ou, como gosta de ser chamado, The Dude (“O Cara”, mas a tradução literal não consegue abarcar o significado genérico do nome, que está ligado ao personagem). Preguiçoso, leniente, com extremas dificuldades em se expressar e com amigos igualmente problemáticos, o excelente Walter Sobchak (John Goodman) e Donny (Steve Buscemi), Dude é daqueles personagens que nos incomoda no início pela dificuldade em terminar uma simples frase, passando até uma falsa ideia de que não seja apto de uma grande inteligência.

    Mas, no desenrolar dos acontecimentos, ele vai se mostrando a figura mais lúcida do filme, que tenta a todo instante trazer as pessoas de volta à realidade. Walter é o amigo do Dude, veterano do Vietnã e com claros problemas de raiva; sua vontade de ajudar só é comparável a sua falta de percepção das coisas. E é justamente essa dificuldade em lidar com as situações com que se depara que garante as melhoras cenas do filme, com falas memoráveis, como “This is what happens when you fuck a stranger in the ass!” ou ”You are entering a world of pain.” Buscemi também fica muito bem no comedido e comportado Donny, que aguenta calmamente as grosserias e cortes de Walter. Detalhe também para a hilária e pequena participação de John Turturro como Jesus, um jogador de boliche rival de Dude, Walter e Donny.

    A jornada do Dude começa quando seu tapete é roubado. Algo tão trivial serve de gatilho para uma série de eventos e confusões que nos remetem ao termo clássico para definir grande parte dos filmes dos Coen, a “comédia de erros”, pois são os erros e interpretações errôneas da situação que garantem a criação de cenas tão engraçadas quanto icônicas.

    Do outro lado, temos o milionário também de nome Jeff Lebowski e sua filha Maude Lebowski (Juliane Moore), que brigam pelo dinheiro de sua falecida esposa e mãe, respectivamente, e ambos veem em Dude a chance para ajudarem em sua empreitada pessoal. Em um terceiro grupo de personagens, há os alemães niilistas, que garantem cenas também engraçadíssimas, retratando de forma satírica o submundo da cultura das grandes cidades alemãs e sua excentricidade.

    Porém, apesar de personagens excelentes, faltou um pouco de tempo para desenvolvê-los, o que acaba prejudicando um pouco a narrativa, que se preocupa muito, em alguns momentos, com a parte estética e com a comédia ao invés de aprofundar as relações dos personagens com o objetivo central da trama, que por vezes fica meio perdida. Mas isto não afeta a ponto de prejudicar a narrativa, que tem o seu ponto forte mais nos personagens do que na história que eles perseguem.

    O Grande Lebowski é daqueles filmes que a gente guarda para citar falas e recriar situações entre os amigos, e somente filmes com personagens tão bons conseguem fazer isso.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Superman: Paz na Terra

    Resenha | Superman: Paz na Terra

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    Superman Paz na Terra tem o argumento de Alex Ross e Paul Dini, desenhado pelo primeiro e escrito pelo segundo.

    Sinopse: Superman salva uma mendiga com fome em pleno Natal, levando-a para um abrigo, e, inspirado por uma frase de Charles Dickens e pelas conversas com o pai, ele decide tentar empregar seus poderes para acabar com a fome no mundo.

    O roteiro de Paul Dini opta pela narração em primeira pessoa o tempo todo, deixando um clima totalmente pessoal e conseguindo, assim, abrir a introspecção do personagem ao permitir que suas lembranças sejam compartilhadas com os leitores.

    A história começa lembrando (de novo) as origens do herói, fazendo essa ligação com a premissa da história ao se ater aos ensinamentos do seu pai com o semeio da terra durante a sua infância. Essa opção tenta resgatar a essência do personagem para justificar a narrativa que se dará a seguir, porém, de forma desnecessária: as motivações do Superman não precisam sempre ser ligadas à sua origem. Se não houvesse essa ligação, a história talvez fosse um pouco mais rica. O herói já é crescido, ficar sempre voltando ao passado para justificar as suas ações não dá maturidade ao personagem, pelo contrário.

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    O ponto alto do roteiro se dá logo no começo, quando ele mesmo reconhece a ironia de um ser que não sente fome querer ajudar a acabar com a fome no mundo. Como um alienígena inserido na Terra, a humanidade e os humanos são estranhos para ele até hoje. Nesse momento já pode-se perceber que sua missão vai falhar, não por causa dos seus atos para se resolver um problema literalmente do tamanho do mundo, muito menos por causa da politicagem humana no congresso americano e nos países em que o Super encontra problemas ao visitar, mas sim por falta de compreensão: Superman não sente fome, logo, não consegue entender justamente o objeto do seu tema em sua completude; portanto, não pode ajudar a humanidade.

    Pena que isso foi abordado superficialmente; talvez, se fosse mais elaborado, enriquecesse a história de uma forma espantosa. Ao invés disso, o roteiro prefere se focar nas atitudes nobres tentando, em vão, solucionar o problema. É interessante também mostrar a percepção do personagem de que o problema que ele abraçou é muito maior do que ele conseguiria realizar, porém, ela acaba perdendo força ao virar a pieguiçe no final com uma desnecessária moral da história à la He-Man. Nessa HQ não tem espaço para isso, pois Superman falhou em tudo com a humanidade: tanto no seu propósito quanto através dos meios que utilizou, justamente por não conseguir compreendê-la. Seria mais digno e muito mais interessante por parte do roteiro admitir a derrota do personagem e tentar levantar outras perguntas do que empurrar novamente para a humanidade de forma patética a solução do problema que tomou para si. Em suma: como um ser poderoso e indestrutível que deu falsas esperança para uns se acha no direito de inspirar outros no final, ainda mais de forma paternalista? Não faz sentido agora tapar o sol com a peneira, por mais que tente apelar para as origens messiânicas no início da história.

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    A arte realista em forma de pintura de Alex Ross é impressionante, desde o uso das luzes e sombras até o acabamento. Tanto a parte descritiva do presente quanto as lembranças do passado, onde a descrição fica um pouco vaga, mostram a versatilidade do artista.

    Superman Paz na Terra vale a pena? Sim, primeiramente pela arte, e também por levantar algumas reflexões interessantes para o personagem. Porém, se você quer ler uma grande história do Super, que esteja no seleto grupo das melhores, sugiro partir para outra HQ.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Elena

    Crítica | Elena

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    A definição fácil, e bastante incompleta de um documentário, é que, em oposição a ficção, se trata de um retrato da realidade. Há muito a dizer sobre o processo narrativo em documentários, o olhar do diretor e as escolhas de montagem, mas é senso comum dizer que são filmes que utilizam o real como matéria prima. Essa definição é a primeira coisa que Elena põe em cheque.

    O filme de Petra Costa é todo construído em cima do que não se sabe, mas completa-se no sonho, na memória, nas histórias. O desconhecido é Elena, irmã mais velha da diretora que aos 20 anos foi para Nova York ser atriz e consumida pela solidão, a angústia e a aridez da profissão que escolheu acaba se matando, deixando para trás a irmã de 7 anos. 20 anos mais tarde é Petra que se matricula no curso de teatro da Columbia e busca na cidade os rastros da irmã que não chegou a conhecer realmente.

    Elena é um misto de investigação e carta aberta, uma tentativa de reconstruir quem foi aquela jovem e o que a levou a seu fim e ao mesmo tempo uma confissão e desabafo em que Petra diz a irmã mais velha tudo aquilo que nunca teve chance. Poético, mais do que documental, ele se utiliza de depoimentos, imagens de arquivo e mesmo cenas gravadas que lembram video-arte.

    O documentário vai se construindo em fragmentos: ouvimos o nome de Elena já na abertura, mas é aos poucos que descobrimos quem é essa pessoa, qual sua relação com a diretora e o que afinal aconteceu com ela. Petra Costa constrói bem sua narrativa e prende o espectador, que se vê curioso para descobrir quem é essa moça, porque está sendo um filme sobre ela e onde está ela agora. Entretanto, conforme a história de Elena fica mais clara, sua personalidade se nubla e, assim como a irmã cineasta, nos vemos diante de um quebra-cabeça sem resposta, uma história que só se pode completar com ficção.

    Petra anda pelas ruas de Nova York, fala com a mãe, reconta a história da família e sua ida para a clandestinidade nos anos 70. Contudo, o filme nunca almeja ser sobre a cidade, ou sobre a ditadura, ou famílias na ditadura, é sobre aquela família, aquela moça, aquela história, excessivamente pessoal, Elena é um sopro de ar fresco no cinema brasileiro que busca sempre evitar o íntimo, o lírico e falar das grandes questões sociais do país. É corajoso da parte da diretora ignorar a tradição mais forte do cinema nacional e sem qualquer disfarce falar de si, construir um filme confessional ao extremo, um filme que expurga demônios e acaba entregando algo que falta.

    Porque Petra Costa é talentosa e sua poética é fluída e metafórica, o filme transcende a pequena crise pessoal de onde nasceu e se transforma em uma história sobre a arte, a necessidade da arte e os meios pelos quais as pessoas se perdem. Porque ninguém é absolutamente único e a experiência humana tem sempre algo de universal, ao falar de si e de sua irmã, a cineasta fala ao espectador, às dores e angústias daquele que a assiste e entrega um filme que comove, faz rir e chorar e que envolve quem assiste naquele mistério.

    Contar o que se sabe é algo muito pouco feito no cinema brasileiro, é mais comum vermos jovens de apartamento em bairros nobres falarem sobre uma vida no morro da qual tem pouca ideia, Petra assume seu próprio universo e constrói ali um mundo. Elena é um filme simples, despretensioso e delicado, mas que se torna memorável porque fala a algo de íntimo e sentimental com uma beleza óbvia. No fim, quando a autora abandona um pouco a história da irmã para contar a sua própria, o filme escorregue para algo meio “meu querido diário” que quebra a narrativa forte que vinha se construindo até então, ainda assim tem qualidade e é um dos acontecimentos mais únicos no cinema brasileiro atual.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | A Roda da Fortuna

    Crítica | A Roda da Fortuna

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    A Roda da Fortuna (The Hudsucker Proxy) é o quinto longa dirigido e roteirizado pelos irmãos Coen (Sam Raimi também tem crédito como roteirista), e também um dos menos lembrados da filmografia de Joel e Ethan.

    A história começa com a chegada de um jovem entusiasta e idealista, Norville Barnes (Tim Robbins) à Nova Iorque dos anos 50, no auge do capitalismo americano, onde o sonho de vencer na vida movia gerações esperançosas após o pesadelo da 2ª Guerra Mundial. Paul Newman interpreta magistralmente o vilão e diretor das Indústrias Hudsucker chamado Sidney J. Mussburger, cujo objetivo era substituir o presidente da empresa, Waring Hudsucker, que havia se suicidado. Porém, como a empresa era valiosíssima, Mussburger decide abaixar o valor de suas ações e assim compra-la a um preço baixo. A fim de atingir seus objetivos, coloca como presidente Barnes, recém-contratado pelas indústrias Hudsucker.

    O filme apresenta bem os personagens, porém, a dinâmica entre eles e a demora na execução de seus planos, objetivos e interações, faz a narrativa perder um pouco do clima inicial. Os arquétipos clássicos são muito bem representados, como o trabalhador comum, o jovem idealista, o vilão poderoso, o conselheiro, dentre outros.

    Os diálogos possuem uma rapidez e fluência que remete aos filmes dos anos 50, ainda mais caracterizada na jornalista Amy Archer (Jennifer Jason Leigh). A linguagem corporal e trejeitos dos personagens, retratados de forma fiel, mas caricata ao melhor estilo dos Coen, nos faz acreditar que a Nova Iorque dos anos 50 foi mesmo um período mágico. Ainda assim a obra apresenta uma crítica ao capitalismo selvagem, em cenas ótimas, como a que os trabalhadores fazem um minuto de silencio pela morte de Hudsucker, mas são imediatamente avisados de que esse minuto será descontado de seus pagamentos. Além, é claro, da estilização do vilão e capitalista sem escrúpulos Mussburger e dos acionistas, tratados como meros instrumentos em suas mãos.

    Visualmente o filme atinge seus objetivos, com uma perfeita montagem e fotografia que lembra o cinema glorioso dos anos 50, com um ar de pastiche e comédia. Mas o drama de ascensão e queda de Barnes soa um pouco forçado, pois suas realizações e compreensões não parecem nos convencer em momento algum de sua veracidade, tornando tudo um pouco artificial. O humor negro e direcionado dos irmãos Coen aqui parece um pouco fora de contexto, não encaixando na história e no tom que a narrativa do filme sugere. As reviravoltas acontecem de forma artificial e uma rapidez que não fluem de forma natural para o espectador, tornando a boa experiência visual de seu início um pouco cansativa e enjoativa no final.

    Apesar de alguns defeitos, A Roda da Fortuna é uma história que envolve a sua maneira, valendo a experiência. Os Coen mesmo quando aparentemente erram, conseguem realizar obras acima da média.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Cinema Pirata – Cory Doctorow

    Resenha | Cinema Pirata – Cory Doctorow

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    Cory Doctorow talvez seja mais conhecido por sua militância na questão de direitos autorais e cultura livre do que como escritor, no entanto, ele já publicou diversos livros de ficção científica e ganhou prêmios importantes do gênero. Cinema Pirata, seu romance publicado em 2012, traz uma mudança em sua carreira: nele, Doctorow abandona a “ficção” e escreve um romance relativamente realista, focado no público chamado de “young adult“.

    O livro tem Trent como protagonista, um menino que vive no interior da Inglaterra e edita filmes a partir de trechos que baixa pela internet. Entretanto, a história se passa em um futuro próximo em que todo tipo de download ilegal é monitorado e o infrator punido com perda da internet por um ano, o problema, é que nesse universo a internet é necessária para absolutamente tudo, de conseguir remédios a realizar tarefas da escola e o “crime” de Trent pode destruir sua família. Dividido entre a culpa e o impulso de fazer filmes, Trent foge para Londres e encontra todo tipo de personagens estranhos.

    O problema de Cinema Pirata é que ele parece existir muito mais como panfleto para as ideias de Doctorow do que como um romance em si. A narrativa é frouxa, há poucos conflitos e todos eles se resolvem em um passe de mágica, mas há extensas passagens sobre as leis de combate a pirataria e seu perigo e a necessidade de uma cultura livre. Em primeiro lugar, Trent chega em Londres e sem maiores problemas vai morar em um squat que mais parece um hotel cinco estrelas, com pessoas maravilhosas e comida farta por nenhum dinheiro. Pouco depois ele arranja uma namorada linda e brilhante que o leva para o mundo mágico da militância.

    Essa militância também é pintada como um mundo cor-de-rosa: todas as ações, altamente arriscadas e ilegais, do grupo que Trent participa terminam em enorme sucesso. No início do livro, um dos personagens centrais vai para a cadeia e diz que nunca quer voltar aquele lugar e é essa toda a menção que o romance faz às possíveis consequências da “guerrilha” cultural de Trent e seus amigos. Em todos os momentos, o leitor espera que algo dê errado, que alguma coisa confira tensão à trama, mas ela segue como se seus jovens personagens merecessem toda a sorte do mundo apenas por estarem lutando do lado certo.

    O “lado certo” é também um problema no livro. Copyright, cultura livre, leis anti-pirataria são tópicos urgentes e importantes atualmente e Doctorow tem um mérito enorme ao decidir explorá-las, especialmente em um livro voltado para adolescentes, o problema é que ele não explora nada, só escreve um panfleto para sua posição. Mesmo para o leitor que está do lado de Doctorow (e eu estou) o tom de propaganda é incômodo e ficamos esperando algo que vá além de apontar para a grande indústria do entretenimento e chama-la de lobo mau. Há nuances nesse tema, como a possibilidade de uma obra ser apropriada para transmitir uma ideia que seu autor repudia, a possibilidade de artistas viverem de seu produto e muitas outras, que o livro não passa nem perto de abordar.

    Cinema Pirata é bem escrito, com personagens vívidos, originais e divertidos, mas que, infelizmente, não conta uma história. É impossível se livrar da sensação que o escritor quer provar um ponto e angariar adolescentes sem discutir os aspectos mais nebulosos da questão e isso, além de tornar o livro chato, e em determinados momentos, o faz parecer desonesto.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Bling Ring: A Gangue de Hollywood

    Crítica | Bling Ring: A Gangue de Hollywood

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    O artigo em que se baseia o roteiro – The Suspects Wore Louboutins – foi publicado na Vanity Fair, um misto de Caras e Marie Claire, ou seja, o tipo de revista que não tenho hábito (ou vontade) de ler, nem em salas de espera. Aliás, antes de assistir ao filme, eu nem sabia que Louboutin é uma marca, ou melhor, uma grife de sapatos – meu conhecimento desse assunto resume-se aos Manolo Blahnik usados pela Carrie de Sex and the city.

    Resumindo, não conheço (praticamente) nada do universo retratado no filme. O que não me impediu de desfrutar de todo o resto. Certamente, quem conhece grifes, marcas e celebridades terá um divertimento a mais. Porém, o filme sustenta-se bem sem esse conhecimento prévio.

    Não foi difícil comprar a ideia de um bando de patricinhas entediadas não achar nada de mais invadir casas de celebridades para roubar. Até mesmo o fato de o endereço dos famosos se encontrar a apenas um clique no Google é aceitável. Se há algo que foi difícil acreditar é que essas mesmas celebridades – ao menos algumas delas – , ao saírem em viagem, deixassem suas casas, enormes por sinal, abandonadas, sem sequer um empregado e, pior, sem sistema de segurança, nem mesmo uma câmera com sensor de movimento.

    E o que dizer de Paris Hilton deixar a chave da casa sob o capacho da entrada? Acredito que nem alguém cuja residência seja bem mais modesta, sem tantos objetos valiosos, seria tão idiota a ponto de confiar tanto na boa índole alheia. E não apenas isso. Qualquer um com um pouco de bom senso, depois de ter sua casa invadida duas ou três vezes, além de não deixar mais a chave no local de costume, certamente instalaria um sistema de segurança ou contrataria vigilantes. Não que Paris Hilton seja um exemplo de alguém de bom senso, mas mesmo assim. A situação toda que propiciou os arrombamentos parece bastante irreal quando analisada racionalmente.

    Mas não há nada de racional numa cidade em que pessoas deixam carros destrancados na rua com carteiras cheias de dinheiro dentro; ou em que famílias saiam em viagem sem verificar se todas as portas e janelas da casa estão trancadas; ou em que adolescentes de famílias ricas achem moralmente aceitável abrir esses mesmos carros e arrombar essas mesmas casas para se apossar de algo que não lhes pertence, apenas por pertencerem a alguém famoso que elas admiram e, logicamente, invejam; e, em que, cometido o delito, ainda se vangloriem e se exibam pelas redes sociais sem qualquer remorso. E o roteiro consegue mostrar essa distorção na visão de mundo desses adolescentes e a corrosão da moral que ao menos a maioria de nós acredita ser inerente ao ser humano.

    Os diálogos parecem artificiais. Mas basta assistir ao reality show que Alexis Neiers (no filme, Nicki, Emma Watson) apresenta – Pretty Wild, no canal E! – para perceber que aquele jeito artificial e grandiloquente é característico do modo de falar desse grupo de jovens. Neiers foi a principal “consultora” a respeito dos eventos, mesmo não sendo a chefe da gangue. Ganhou notoriedade por ser menos reservada que os demais ao comentar o assunto. E Emma Watson representa-a muito bem. O ar de mocinha de boa família que foi influenciada pelas más companhias fica bastante evidenciado em suas entrevistas à imprensa.

    Enquanto as garotas não parecem sentir qualquer tipo de remorso, Nick Prugo (no filme, Marc, Israel Broussard) é o único que demonstra certo peso na consciência pelo atos cometidos. É interessante seu diálogo com a repórter em que se diz assustado com o fato de as pessoas valorizarem mais os atos de vandalismo cometidos por eles – inúmeros desconhecidos pedem para adicioná-lo no Facebook – do que valorizariam alguma atitude humanitária. Se tivessem feito algo bom e generoso, a notoriedade não seria tamanha. Essa atração do público pelo estereótipo de Bonnie & Clyde é doentia. Broussard, apesar de mais bem-apessoado que Prugo, convence bem como o rapaz deslocado que topa acompanhar Rachel Lee (no filme, Rebecca, Katie Chang) e as outras garotas apenas para ser aceito como parte de um grupo.

    O roteiro não tem como ser muito criativo, já que se baseia em fatos reais. O que se vê então é uma sucessão de invasões, o deslumbramento com as posses dos famosos, fotos tiradas no meio de ambientes luxuosos, festas, drogas, bebidas, exibicionismo. Como retrato de um grupo sem restrições morais se divertindo à custa dos bens alheios, o filme funciona muito bem. E apenas isso.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Vida Após a Morte – Damien Echols

    Resenha | Vida Após a Morte – Damien Echols

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    Antes de mais nada, é necessário deixar claro que a opinião sobre o livro não tem absolutamente nada a ver com a opinião sobre os eventos que levaram à condenação dos três rapazesDamien Echols, Jason Baldwin e Jessie Misskelley – pelo assassinato de três meninos de oito anos de idade. A indignação frente à arbitrariedade policial, às irregularidades dos julgamentos, à injustiça de que foram vítimas é inevitável. Assim como a admiração pela estória de superação, pela força de vontade e persistência do autor durante esses 18 anos vividos no Corredor da Morte.

    O título dá a falsa impressão de que Echols irá compartilhar com o leitor suas impressões após ter sido solto. E não é bem isso. Pouco ou quase nada no texto refere-se à sua vida fora da penitenciária, a partir de 2011. É um pouco frustrante, apesar de compreensível. Já que a privacidade de Echols deixou de ser “privada” nesses 18 anos, é natural que ele queira preservar-se da curiosidade pública nessa nova fase de sua nova vida.

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    Até pouco mais da metade do livro, alternam-se memórias da infância e juventude de Echols e lembranças do período passado em penitenciárias. É fato que o interesse mórbido inerente a qualquer ser humano faz o leitor interessar-se mais pelo período em que Echols estava detido. E, certamente por serem mais recentes, esses relatos são mais detalhados e escritos de forma mais concisa. Enquanto que o período que antecede o julgamento e a condenação mistura impressões e memórias propriamente ditas. E estas são envoltas numa nostalgia infantil que, apesar de toda a miséria e dificuldades enfrentadas pela família, faz parecer que muitos momentos foram de certo modo mágicos. Aliás, “mágico” é um adjetivo que Echols utiliza exaustivamente – ‘dezembro é mágico’, ‘o Halloween é mágico’, ‘o inverno é mágico’. Isso acaba se tornando cansativo e banaliza a palavra, retirando a aura mágica que o adjetivo deveria conceder aos eventos.

    As cem páginas finais trazem a reprodução textual de alguns escritos de Echols em seus últimos anos na penitenciária. Percebe-se que, no restante do livro, o preparador de texto teve bastante trabalho para manter a narrativa coesa, pois as anotações são dispersas. Apesar de não ser um escritor, Echols escreve bem e nota-se seu esforço – e sua necessidade – em utilizar a escrita como fuga da realidade que o cerca, mesmo que o assunto de seus diários muitas vezes seja exatamente essa realidade, seu cotidiano.

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    Os três documentários produzidos pela HBOParadise Lost: The Child Murders at Robin Hood Hills, Paradise Lost: Revelations e Paradise Lost: Purgatory – já estavam na minha lista de filmes para assistir há algum tempo. A publicação do livro foi o empurrãozinho que faltava. O livro funciona muito bem como um complemento aos documentários. Principalmente para aqueles que, assim como eu, tem pouca ou quase nenhuma apreciação por biografias. Os documentários nos dão a visão do público sobre o que ocorreu, enquanto que o livro nos oferece a visão de quem viveu toda a situação. E isso, com certeza, é algo que o torna interessante.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Assassin’s Creed: Irmandade – Oliver Bowden

    Resenha | Assassin’s Creed: Irmandade – Oliver Bowden

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    Assassins’s Creed Irmandade é o segundo livro adaptado do jogo de mesmo nome Assassin’s Creed Brotherhood, da franquia de sucesso dos videogames. Lançado depois de Renascença e antes de Cruzada Secreta, todos foram escritos por Oliver Bowden, pseudônimo de Anton Gill, que tem em seu currículo mais de 35 livros. O autor escreve profissionalmente desde 1984.

    Sinopse: após derrotar no livro anterior o líder dos templários Rodrigo Bórgia, o Papa Alexandre VI, Ezio Auditori luta agora contra o seu filho e novo líder da família e dos inimigos dos assassinos, Césare Bórgia, novo líder dos templários e patriarca dos Bórgia, a família espanhola que exerceu grande influência no Vaticano e em toda a Itália durante a renascença italiana.

    O que poderia haver de interessante em um livro que é literalmente a versão romanceada do jogo, seria abordar para o leitor os aspectos gerais de um romance histórico. Infelizmente não é o caso neste Assassin’s Creed. Na verdade faltam os dois pilares que um romance histórico necessita: descrição e ambientação histórica.

    O autor falha em apresentar a renascença para o leitor, uma  época mais riquíssima em temas, a arte era vista como registro e como algo transformador da sociedade, que mudavam inclusive política. Os detalhes, quando existem, são poucos, ambiente e vestimentas passam batidos, as menções aos costumes gerais da época, da cultura, quase não são mencionados.

    Quem jogou o jogo deve ter uma compreensão mais fácil das cenas e entender a história como um todo, mas como fica o leitor mais exigente e o fã de romances históricos, que não necessariamente gosta de videogame e que nunca tenha ouvido falar da franquia? Ou o livro é de acesso universal ou se assume como um manual para o jogador.

    Romances históricos são muito procurados exatamente pela capacidade de transportar o leitor à um passado para que ele veja as diferenças com a nossa realidade, e, a partir daí, possa tirar conclusões diversas a partir de comparações, sejam culturais, artísticas, arquitetônicas, culinárias, políticas, médicas, e principalmente sociais.

    Ao ler o livro, as perguntas que poderiam ser tecidas permanecem no ar: como os italianos daquela época diferem dos de hoje em dia? Como a sociedade se organizava? Maquiavel é um personagem, mas como eram as políticas das cidade-estado? Algumas famílias famosas do passado italiano são mencionadas, porém, não abordam a vida política: como agia pensando no povo o administrador de Florença? Quais leis o prefeito de Veneza fez para melhorar ou piorar a vida dos seus habitantes? E de que forma isso transformou a Itália?

    O livro prefere abordar Roma. Então, vamos aos romanos: que roupa as pessoas comuns vestiam? De que tecido era feita? Que instrumentos os médicos usavam para trabalhar? Qual era a comida famosa na época tanto na elite quanto no meio do povo? Não basta citar Da Vinci somente, quais outros grandes artistas influenciavam a Itália? Qual técnica usavam para pintar e esculpir, como compunham suas músicas? A descrição arquitetônica também é outra decepção. Não basta dizer que Ézio andou por um telhado. Como era esse lugar, como foi construído, qual matéria usaram que não se usa mais hoje?

    Apesar da leitura fácil, o livro é muito mal editado. Oliver Bowden prioriza a ação de tal forma que a falta de descrição a torna oca, vazia, confusa. Acaba virando ação pela ação e o livro fica sem ritmo. Mesmo nos momentos mais calmos, onde a descrição serviria para ajudar o respiro do leitor, isso não acontece, pois o protagonista trava um duelo o tempo todo, seja físico, verbal ou decifrando enigmas. A grande graça do livro é ver o assassino em ação, mas pela confusão que o autor proporciona na sua descrição fica difícil quase sempre compreender as ações que protagonista usou para neutralizar inimigos.

    Os diálogos são fracos, na maioria das vezes bobos, parece que foram escritos as pressas. Por fim, os vários capítulos, o tamanho da letra e os grandes espaços em branco tentam criar um falso volume à um livro que se fosse espremido teria um pouco mais da metade do tamanho. Vale a leitura? Só se você for muito fã da franquia no videogame e não se incomode com uma literatura que tenta se assumir como ficção histórica, mas na sua desonestidade não o é.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Barton Fink: Delírios de Hollywood

    Crítica | Barton Fink: Delírios de Hollywood

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    Barton Fink é um desses filmes que, em somente uma assistida, não é suficiente para captar toda a profundida da narrativa, seja com os detalhes inseridos na tela ou a complexidade de sua história. Qualquer um que acabe de vê-lo dificilmente consegue escapar de ficar pensando um bom tempo sobre todo o significado do que acabou de experimentar. Infelizmente o título em português Delírios de Hollywood acaba por estragar um pouco dessa experiência ao ter inserido nele um spoiler que está diretamente ligado a uma possível interpretação dos eventos ocorridos.

    O filme conta a história de Barton Fink (John Turturro), um escritor nova-iorquino de peças teatrais que acaba de atingir o sucesso com uma peça cujo tema é seu assunto preferido: o homem comum. Essa obsessão de Fink com o tema acaba gerando ótimas sequências e contradições na história, pois alfineta o escritor burguês e elitizado com sua obsessão por uma realidade concreta, onde a vida é uma batalha diária. Esse escritor, cansado da mesmice das mesmas histórias (simplesmente por não precisar se submeter ao desgastante trabalho do tal “homem comum”) procura nessa realidade uma nova fonte de ideias, conflitos e personagens mais conectados com a realidade. Porém, quando Fink encontra um desses sujeitos ordinários, não lhe dá ouvidos, pois está mais preocupado em ouvir sua própria genialidade do que a trivialidade de seu companheiro.

    Pois bem, Fink é contratado por um estúdio de Los Angeles para escrever um simples roteiro de um filme B de luta. Ele se hospeda de propósito em um hotel de qualidade duvidosa para não perder o contato com a realidade, coisa que os hotéis luxuosos de LA certamente fariam. Apesar de no início acharmos que o filme é sobre um escritor com bloqueio criativo – as cenas da máquina de escrever parada e as folhas de papel amassadas são constantes – logo ele se aprofunda na própria metalinguagem, a respeito das batalhas constantes entre roteiristas e suas ideias com os interesses comerciais de estúdios. Cada atitude e cada exagero dos diálogos, é milimetricamente calculado para mostrar o mundo artificial e paternalista dos estúdios com roteiristas, que supostamente irão trazer idéias novas a um mercado saturado. Da mesma forma que Fink é tratado muito bem no início, é escorraçado no final quando entrega a obra pronta – que não era sobre o que o estúdio queria.

    Mas, o ponto de destaque do filme é para Charlie Meadows (John Goodman), vizinho de quarto do hotel de Fink, que se apresenta como um simples vendedor de seguros, o tal homem comum sonhado por Fink, cuja gentileza e bondade transbordam em cada expressão. Após uma reticência inicial, Fink se rende a amizade com Meadows e ambos desenvolvem uma relação interessante, onde o primeiro está sempre preocupado em falar, mas nunca em ouvir.

    Após dois atos acompanhando a jornada do protagonista na busca pela criatividade, o 3º ato inicia-se com uma mulher morta ao seu lado. Nada mais do que a secretária e amante de W. P. Mayhew, um de seus escritores favoritos e que havia conhecido alguns dias atrás. Ao acordar em desespero, Fink recebe a ajuda de Meadows, que o ajuda de forma misteriosa e desaparece. Fink então recebe uma visita da polícia, afirmando que Meadows era na verdade um assassino com um histórico grande de vítimas, inclusive Mayhew.

    A partir daí, segue-se uma linha de questionamentos que fogem a  racionalidade que o filme estava seguindo. Fink realmente existe da forma como normalmente se pensa? Onde se situa a linha de sua sanidade e insanidade? Meadows realmente existe ou é um produto de sua imaginação mais profunda e sombria? Seria isso uma fuga ou uma forma de ele não ter de se assumir responsável por atos tão atrozes? Texto nenhum faria justiça ao espetáculo visual proporcionado pelos Irmãos Coen, que aqui referenciam Orson Welles a Hitchcock, de pequenas pistas até resolução de cenas com um profundo significado. O caráter da obra chega a flertar com alguns dos produtos de David Lynch.

    Considerado por muitos como o trabalho mais autoral dos irmãos Coen, fica difícil chegar a alguma conclusão sobre a história, os simbolismos, os personagens, e tudo o que o universo criado por eles representa. Extremamente personalista, intimista e subjetivo, Barton Fink (o filme e o personagem) refere-se a essa nossa tentativa de sempre estarmos em contato com o nosso pensamento e o que ele significa na prática, pois como ele cita no longa: “I gotta tell you, the life of the mind… There’s no roadmap for that territory. And exploring it can be painful”.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ninguém é Perfeito

    Crítica | Ninguém é Perfeito

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    Um ex-policial ultraconservador, Walt Koontz (Robert De Niro), sofre um AVC enquanto tenta socorrer um vizinho. Com metade do corpo semi-paralisada, torna-se um recluso. Por indicação de sua médica, a fim de melhorar suas condições de fala, começa a ter aulas de canto com o vizinho do andar de cima, Rusty (Philip Seymour Hoffman) que, por acaso, é uma drag queen.

    A estrutura “dois personagens opostos que não se dão bem, vêem-se obrigados a conviver devido a alguma circunstância (aparentemente) imprevista e passam a enxergar o oposto com outros olhos” é bastante manjada, mas ainda funciona muito bem em estórias em que os personagens, e seu desenvolvimento, são o foco. Referente à forma como cada um encara o outro, é interessante reparar, logo no início do filme, quando Koontz discute com Rusty através do vão central do prédio, o ex-policial grita de dentro do apartamento e vê Rusty distorcido pelo vidro da janela. Se o espectador tem alguma dúvida sobre o preconceito de Koontz, essa cena mata qualquer incerteza.

    Há algumas cenas externas, contudo a maior parte do filme passa-se dentro do prédio sujo e decadente. Os apartamentos minúsculos atulhados de memórias (Koontz) e de sonhos (Rusty) – acentuam a solidão de cada um deles. O espectador consegue sentir a claustrofobia do ambiente, mas Schumacher poderia não ter exagerado tanto nos ângulos holandeses e nos closes para obter esse efeito.

    O filme poderia facilmente pender para o dramalhão, já que os diálogos são pouco inspirados e muitas vezes suscitarem aquela impressão de “Hmmm, acho que já ouvi isso em outro filme.” O que salva a trama desse destino são algumas tiradas cômicas – e bastante sarcásticas – que arrancam risos do espectador ao mesmo tempo que o deixam ligeiramente desconfortável por compartilhar da visão preconceituosa de um ou de outro.

    Apesar de Schumacher não constar da minha lista de diretores/roteiristas prediletos (longe disso), há que se reconhecer um mérito dele neste filme: conseguiu não interferir na performance dos atores. Sim, pois mesmo considerando-se que os personagens – Koontz e Rusty – serem um tanto caricatos, De Niro e Hoffman têm atuações primorosas. Atuações que per se carregam o filme nas costas, já que o desenrolar da estória é bem previsível para qualquer um que já tenha assistido a muitos filmes. Ambos estão muito bem, mas Hoffman realmente se destaca como Rusty. Percebe-se isso nitidamente numa cena mais sóbria em que, mesmo vestindo um terno, ele ainda é uma drag queen. E ele obtém isso ‘apesar’ do exagero do punho desmunhecado e dos trejeitos clichês, está tudo em sua maneira pausada de falar e na entonação de sua voz.

    É um daqueles filmes em que as atuações compensam o roteiro mediano e pouco envolvente.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Inferno – Dan Brown

    Resenha | Inferno – Dan Brown

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    Outrora polêmico e muito comentado, hoje infelizmente um tanto ignorado, quatro anos depois do mediano O Símbolo Perdido, Dan Brown volta às livrarias com seu sexto romance, Inferno. Esta quarta aventura do simbologista e professor de Harvard, Robert Langdon, traz um admirável esforço do autor em renovar a estrutura de suas obras, mas mantendo sua marca que é mesclar suspense com informações histórico-culturais.

    Desta vez, Langdon não é chamado às pressas para ajudar a investigar um assassinato bizarro (como em Anjos e Demônios e O Código Da Vinci) ou atraído para uma armadilha (início de O Símbolo Perdido). Na verdade, nem mesmo o professor sabe como começou esta história: ele acorda num hospital, com um ferimento na cabeça, sem qualquer lembrança dos últimos dois dias. Para piorar, ele não está nem nos Estados Unidos, mas na Itália, mais precisamente em Florença. Quando um atentado contra sua vida ocorre ainda dentro do hospital, Langdon inicia uma desesperada fuga, auxiliado pela médica Sienna Brooks. A partir de um perturbador objeto encontrado no bolso de Langdon, eles vão seguir diversas pistas na busca de respostas, e percebem que estão lidando com um gênio maligno obcecado pela célebre obra literária de Dante Alighieri. E que o mundo todo está em perigo, como não poderia deixar de ser.

    A narrativa veloz e cinematográfica não é novidade nos livros de Brown, mas esse aspecto está particularmente afiado em Inferno. Além do ritmo acelerado desde o início e dos tradicionais capítulos curtos – claramente “cenas” de um filme, o autor segue a infalível fórmula de jogar o leitor na história sem saber (quase) nada, descobrindo junto com o protagonista. Falando em fórmula, pode se até dizer que Brown buscou fugir um pouco da sua, brincando com as expectativas do leitor. Suas figuras de sempre estão lá: a ajudante feminina, a figura de autoridade com motivações suspeitas, o capanga/vilão físico exótico, etc. Mas são tantas reviravoltas e pistas falsas (no geral, muito bem construídas), que pela primeira vez não da pra adivinhar nada se baseando pelos trabalhos anteriores do autor. Ponto pra ele.

    Também digno de nota é o fato do vilão morrer logo no início da história. Nada de spoiler aqui, isso ocorre no prólogo no livro, e enfatiza o fator “refazer as próprias pegadas” que Langdon precisa percorrer. E a jornada será mais uma vez um divertido passeio turístico, passando por lugares como o Duomo de Florença, a Basílica de São Marcos, e a Galleria degli Uffizi. Vemos museus, igrejas, pinturas, esculturas, obras arquitetônicas; todos inspirados ou relacionados ao Inferno de Dante (pra quem não sabe, uma das três partes da Divina Comédia). As descrições de locais e obras podem irritar os mais impacientes, pois quebram um pouco o ritmo. Mas além de enriquecerem a história, mostram a importância de Langdon. Ele não é um homem de ação, um Indiana Jones. Mesmo em boa forma, ele continua sendo um tiozão acadêmico almofadinha, então sua arma tem que ser mesmo seu vasto conhecimento.

    Um provável pergunta: há alguma polêmica, Brown tentou atacar alguma instituição dessa vez? Bem, sim e não. A exemplo do livro anterior, quando aliviou para a Maçonaria, aqui o autor alfineta de leve a OMS, mas reconhece sua importância. Os temas discutidos mais uma vez são científicos, e envolvem armas biológicas, superpopulação e o transhumanismo (filosofia que prega a obrigação moral de se usar ciência e tecnologia para superar as limitações humanas). Porém, diferente dos tediosos debates sobre noética em O Símbolo Perdido, aqui a a discussão é muito mais relevante. E Brown acerta em cheio ao estabelecer que não há respostas fáceis, óbvias… e nem mesmo “vilões” no sentido puro da palavra. Apenas pontos vista, alguns mais radicais e perigosos, mas não totalmente desprovidos de lógica. E palmas também para o final, consideravelmente corajoso ao buscar a resolução do dilema apresentado. Para um autor tão acostumado a panos quentes, surpreendeu.

    Ainda que perca pontos com algumas explicações forçadas e enigmas menos inspirados que o habitual (visualmente, são pouco estimulantes), o saldo final de Inferno é muito positivo. Aproxima-se do melhor trabalho de Dan Brown, Anjos e Demônios, e pode ser recomendado com tranquilidade até mesmo para quem não é fã do autor.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Universidade Monstros

    Crítica | Universidade Monstros

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    Não é de hoje que percebemos a grande indústrias de cinema infantil pegando o péssimo hábito de se apoiar em franquias ao invés de criar produtos novos. Tivemos três sequencias de Madagascar, Toy Story, A Era do Gelo e ainda Shrek. E é claro que, por mais que saiamos do cinema satisfeitos devido a baixa expectativa para um filme infantil, sempre fica aquele ranso, e não raras vezes profere-se: “eu ainda prefiro o primeiro”.

    Em 2001 tivemos Monstros S.A., que mostra a história de Mike Wazowski (voz de Billy Crystal) e James P. Sullivan (voz de John Goodman) trabalhando em uma companhia de energia, que tem como matéria-prima o grito das crianças que eles assustam. Tudo flui normalmente até que a pequena (e fofa) Boo (voz de Mary Gibbs) consegue entrar no mundo deles, causando um pânico imediato, já que eles consideram crianças um elemento mortal. Depois de perceber que ela não causa nenhum mal, acabam se apegando a ela, o que vai causar uma das principais partes dramáticas do filme, que é quando Boo precisava voltar pra casa. Chega ao final do filme, Boo retorna ao seu lar, e tudo volta ao normal. Há margem para uma continuação? Não. Mas espera aí.

    E então 12 anos depois a Pixar lança Universidade Monstros, um prequel – já que essa segunda parte resolve contar como Mike e Sullivan se conheceram na universidade (digamos que nada mais é do que buscar o ouro no fim do poço).

    Resumindo a sinopse: Desde pequeno, Mike sempre estudioso e esforçado sonha em estudar na Universidade Monstros e virar um grande assustador, e para isso, se inscreve no programa de sustos. Lá ele conhece Sullivan, que por vir de uma família famosa, não se preocupa em estudar para se formar e quer apenas viver de fama. Logo de primeiro encontro, é possível ver que para a amizade dos dois se concretizar e virar a união que é em Monstros S.A., é necessário que algo mude. É quando a diretora do curso entra em cena, que as coisas mudam e os dois finalmente terão que aprender a trabalhar juntos e superar as diferenças para conseguirem se formar.

    Como a maioria dos filmes infantis sempre traz uma lição de moral, e a de Universidade Monstros não é tão boa assim. Apesar de Mike sonhar em ser um grande assustador, foi preciso tempo para que ele enxergasse que nem sempre o sonho é necessariamente uma vocação (como vemos em Monstros S.A. ele não trabalha assustando crianças, ele fica como treinador de Sullivan). Mas fora essa triste (porém real) lição de moral, o filme também aborda outros valores como trabalho em grupo e o respeito  as diferenças.

    Ao longo do filme, que gira em torno de uma competição entre fraternidades da universidade, o filme é voltado para um humor familiar (claro, por se tratar de um filme infantil) e que agrade a todos os tipos de público. Porém, é sentida a falta do elemento fofura, já que estávamos acostumados com a presença constante de Boo no primeiro filme – e que sem dúvida foi a personagem mais fofa já criada pela Pixar – que tentou ser preenchida por 2 minutos de um Mike quando criança logo no começo do filme.

    Quanto ao visual gráfico, Pixar é Pixar, e como era de se esperar, o trabalho é simplesmente magnífico. Houve cenas externas que cheguei a imaginar que eram reais (sem a presença dos monstros, óbvio) e a criação de todos os elementos, de todos os monstros é como se você pudesse enxergar a textura de que são feitos.

    E após sair do cinema com a famosa sensação de “eu ainda prefiro o primeiro”, acredito que não há mais como criar um novo filme para Mike e Sullivan, e caso aconteça, por favor Pixar, nos surpreenda.

    Texto de autoria de Larissa Tinoco.

  • Crítica | Depois de Maio

    Crítica | Depois de Maio

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    Retratando a efervecência política do início dos anos 70, o filme acompanha Gilles (Clément Métayer), estudante do ensino médio, e seus colegas de escola – Christine (Lola Créton), Alain (Felix Armand) e Jean-Pierre (Hugo Conzelmann) – que militam num grupo que defende ideias revolucionárias. Depois que uma “ação” dá errado, com desdobramentos imprevistos, os amigos se vêem forçados a sair dos arredores de Paris.

    Gilles, apesar de engajado politicamente, está mais interessado em adquirir conhecimento para levar adiante sua arte – sua intenção é fazer cinema. E essa sua escolha causa discussões acaloradas com os amigos, que respiram política e não entendem como ele pode privilegiar a arte em detrimento da luta pela mudança da situação do país em que vive. E é interessante ver como ele defende seu ponto de vista, afirmando que a arte, a expressão artística deve acompanhar e dar vazão a essas ideias. Um dos diálogos que mais me agradou foi entre Gilles e Christine em que discutem sobre um filme de ideais revolucionários a que acabaram de assistir. Enquanto ele questiona que se a temática é revolucionária, a estética e a linguagem utilizada também deveria ser revolucionária; ela, já absorvendo o posicionamento dos autores do filme visto, afirma que o intuito é atingir as massas, e manter a linguagem “tradicional” é a única maneira de fazer essas ideias serem compreendidas. Fazer algo experimental não obteria o mesmo resultado.

    Christine:
    Ils ont des convictions, ils vont jusqu’au bout.
    Et toi? tu fais mieux qu’eux?
    (Eles têm convições, vão até o fim.
    E você? Faz melhor que eles?)

    Os personagens são rasos, e a atuação superficial do elenco também não colabora. Entendo que a maior parte  é composta de não-atores, salvo por Lola Créton. Mas isso não é desculpa – vide Cidade de Deus. Exceto por algumas cenas, em que os atores parecem genuinamente envolvidos e imersos nos personagens e na trama, a maior parte do tempo tem-se a impressão de que todos estão entediados, posando para a câmera enquanto recitam seus diálogos.

    Três elementos se destacam positivamente. A trilha sonora, simplesmente deliciosa de ouvir, composta em sua maioria de músicas menos conhecidas da época. Merece ser desfrutada independentemente do filme. A direção de arte, responsável por uma reconstrução de época bastante eficiente, com cenários e figurinos que remetem diretamente ao período retratado. E a fotografia de tirar do fôlego de Eric Gautier (On the road e Into the wild). Praticamente todos os fotogramas do filme merecem ser emoldurados e exibidos como obras de arte. Se o elenco não fez sua parte, conquistando o público, a fotografia compensou – e muito – fazendo o espectador mergulhar naqueles enquadramentos.

    O filme não tem uma estória fechada, com começo, meio e fim. A trama é bem solta e não há as estruturas características da maioria dos filmes – pontos de virada, arcos dramáticos, etc. O espectador vai acompanhando cada um dos personagens em sua jornada de descobrimento e passagem para a vida adulta. O rumo que cada um deles toma, suas escolhas, suas amizades, seus interesses, seus amores. O diretor optou por não dar um fechamento ao arco dos personagens, já que a vida deles continua, não termina ali. Enfim, o filme acaba, mas a estória não.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Carta Aberta à Literatura Fantástica

    Carta Aberta à Literatura Fantástica

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    Existem muitos gêneros literários. A internet brasileira – sua podos e blogosfera pop, principalmente – tem confundido e defendido a confusão entre fantasia, ficção científica e literatura fantástica. Literatura fantástica, dizem, é a grande mãe dentro da qual estão fantasia, ficção científica e horror.

    Mas não, e explico o motivo: no Brasil, na nossa tradição acadêmica que estuda narrativas, é quase ponto pacífico que fantasia/ficção científica é uma coisa, fantástico é outra. Simples assim, porque temos uma tradição de estudar as estruturas narrativas a partir de referências que, muitos e muitos anos atrás, definiram assim as dinâmicas de narrar.

    Fantasia/ficção científica – assim mesmo, juntas, sendo quase a mesma coisa – não dizem respeito ao cenário em que se passa a história. Esses gêneros dizem respeito à estrutura que dá vida ao que é narrado. Literalmente, estruturas narrativas. A sequência da confusão diz que fantasia/fc são fantástico porque tratam de coisas que não podem/poderiam acontecer em nosso mundo (neste aqui, na vida do dia a dia). Mas isso é só mais uma confusão: essas estruturas narrativas apresentam cenários que, sim, não correspondem à nossa realidade, mas são construídas a partir de uma lógica interna, uma coerência ficcional que organiza e dispõe a realidade dentro do cenário. Assim, por exemplo, existe uma lógica perfeitamente compreensível na magia dos elfos em Senhor dos Anéis (mesmo que essa magia “não exista em nosso mundo”), e é perfeitamente lógico, dentro do universo ficcional de Star Trek, que Capitão Kirk e Spock sejam desmaterializados na Enterprise e reapareçam, inteiros, na superfície do planeta vermelho gasoso de belas mulheres verdes.

    O fantástico, por outro lado, não é assim. Fantástica é aquela estrutura narrativa que deixa em suspenso a comprovação lógica de algo. Se um elfo de Tolkien de repente fosse esmagado por um elmo gigante caído dos céus, sem qualquer explicação lógica, essa estrutura narrativa estaria usando um artifício gótico (do Castelo de Otranto, para ser mais exato), um dos pais desse tal fantástico. Outro dos pais desse fantástico gótico, por exemplo, é o bem conhecido Frankenstein, de Mary Shelley.

    Mas fantástico ainda tem outra estrutura, que é a que mais usamos quando pensamos sobre isso no Brasil: é a estrutura do Gato Preto, de Edgar Allan Poe (que o Zé do Caixão pronunciava “po-ê”). Se vocês bem se lembram [spoiler alert], o personagem é aterrorizado durante o conto pelos miados do gato que, pensa, o está acusando de ter matado sua esposa. Não fica claro se o gato de fato estava sobrenaturalmente acusando o personagem, se sua quase-materialização no porão foi algo sobrenatural, ou se tudo não passava da mente distorcida do personagem [/spoiler alert]. ISSO é fantástico. O balanço entre um ponto e outro da lógica narrativa, da estrutura que faz o leitor e o texto passarem da “certeza de que era o capiroto” para o “mas acho que, no fim, o cara era apenas doido”.

    E alguns parágrafos acima eu frisei a tradição que nós, no Brasil, costumamos adotar, e disse que ela é “quase” ponto pacífico. Quase porque é claro que outras referências e filiações literárias e críticas podem dar outras compreensões dessa divisão. Em Portugal, por exemplo, com a crítica influenciada pela tradição francesa do fantastique, as distinções entre fantasia/fc e fantástico são, de fato, menos claras. Em nosso caso brasileiro, por outro lado, com as tradições russa e anglo-saxônica, especialmente, temos a tal da distinção de estrutura narrativa, e não de cenário.

    Fora da academia, entre o público nerd (orgulhosamente, eu incluso) que consome cultura pop, não há maiores problemas em confundir nariz de porco com tomada. O que não podemos fazer (porque somos nerds, ora, e o que nos define é o interesse pelas coisas) é simplesmente ignorar uma tradição, um conhecimento acumulado, refletido, teorizado, apenas porque sim. Seria como dizer que e não é igual a mc². Ou que dia 25 de maio não é o dia da Toalha.

    Isso não quer dizer que você – e a podosfera brasileira – vai deixar de falar que Tolkien é literatura fantástica. Longe de mim exigir isso, policiar a fala alheia. Isso quer dizer, apenas, que agora você sabe. E saber é metade da batalha.

    Texto de autoria de Leandro Durazzo, escritor, tradutor, antropólogo, budista, da barriga da mãe para o mundo. Pode ser lido em Os Caras do Clube e Mísera Mesa.