Autor: Vortex Cultural

  • Crítica | Cosmopolis

    Crítica | Cosmopolis

    Cosmopolis

    “Nós precisamos de um corte de cabelo”, diz Eric Packer (interpretado por Robert Pattinson), um multimilionário de 28 anos, antes de entrar em sua limusine particular e altamente tecnológica. Um presidente está na cidade, um rapper morreu e anarquistas estão realizando manifestações nas ruas. Packer insiste em querer cortar o cabelo. Esse é o cenário que temos ao longo de toda a extensão de Cosmopolis.

    Packer é a clara personificação do poder do dinheiro. Investe todo o seu dinheiro contra o crescimento da moeda chinesa – com o objetivo de inverter a sua valorização -, insiste em querer comprar uma capela e os quadros que estão dentro (mesmo quando não está à venda) e não se importa com o fato de um presidente estar na cidade. Está acima da política, da religião e de todo o resto. O interior altamente tecnológico de sua limusine serve como uma casca para o mundo exterior.

    A contraposição à figura de poder de Packer vem com sua mulher Elise (Sarah Gadon) – com a qual acabou de casar e que é dona de uma enorme riqueza -, que não quer ter relações sexuais com ele. Em um ponto do filme, Elise diz não querer transar com seu marido porque sentiria dor. Não conseguiria fazer o sexo ser impessoal para ela. O dinheiro compra sexo – e Packer de fato tem relações sexuais com várias mulheres durante o filme -, mas não poderia comprar o sexo de sua esposa, que não o ama.

    Aqui vemos uma clara crítica ao capitalismo, que reage contra o movimento natural e linear da história e contra sua queda, ignorando completamente as reações e reagindo contra a teoria marxista de ascensão/queda dos sistemas de produção. Visualmente esta crítica fica muito bem apresentada nas cenas em que Packer permanece calmo e indiferente dentro de sua limusine, enquanto o caos e a anarquia se encontram do lado de fora. Por outro lado, narrativamente, a crítica é fraca e se perde em diálogos que falam muito e dizem pouco.

    A genialidade da direção de David Cronenberg é muito evidente no filme. Por mais de 70% do filme estamos junto de Packer dentro de sua limusine, mas em nenhum momento temos a impressão de que as cenas estão se repetindo. A escolha do elenco foi também um acerto. Considerando a fama dúbia que Robert Pattinson possui devido à sua carreira, ninguém melhor do que ele para representar o tão amado, mas ao mesmo tempo tão odiado, dinheiro. Pattinson foge de seu estereótipo vampiresco sentimental e dá lugar a um milionário excêntrico e de reações frias. Atinge seu ápice contracenando com Paul Giamatti, que rouba a cena com sua excelente atuação, nos últimos 15 minutos de filme, no melhor e mais profundo diálogo de todo o longa.

    Cosmopolis se mostra uma obra complexa e extremamente verborrágica. A falta de linearidade de sua narrativa exige demais de um espectador que procura entender todos os diálogos que se sucedem, porém com pouco sucesso. A genialidade da direção é evidente, como também o é a fraqueza de seu roteiro.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | O Fantasma do Futuro

    Crítica | O Fantasma do Futuro

    Ghost in the Shell

    Ghost in the Shell (Fantasma do Futuro em sua tradução) é a primeira adaptação para os cinemas do mangá homônimo criado por Masamune Shirow. Dirigida por Mamoru Oshii, a adaptação acabou se tornando um dos maiores ícones da ficção científica no cinema, sendo influência direta nas obras de diversos cineastas posteriormente, além de ser uma das principais obras responsáveis pela popularização das animações japonesas no Ocidente.

    Em 2029 temos um mundo em que a tecnologia atingiu níveis neurais. A capacidade de processamento de dados a nível cerebral se tornou algo banal e a tecnologia já se tornou algo inerente na vida de todas as pessoas. A Seção 9 é um departamento especial de polícia, liderado pela Major Kusanagi Motoko, cuja especialidade é combater cyber-terrorismo e crimes relacionados. A trama se desenvolve quando Kusanagi e sua equipe investigam um criminoso conhecido como “Puppet Master”, que começa a roubar informações secretas do governo hackeando o “ghost” de suas vítimas.

    A narrativa do filme se desenvolve através da busca existencialista em que a protagonista se aprofunda. Em uma sociedade em que a tecnologia faz parte inerente da vida das pessoas, a única coisa que diferenciaria um humano de um robô seria a presença de um “ghost” (uma alma). Temos um distanciamento e intangibilidade da alma humana. O corpo é apenas uma casca para essa subjetiva alma e esse único fator seria definidor da humanidade e individualidade de alguém.

    Logo no início somos apresentados à Major Kusanagi, uma mulher com corpo inteiramente mecânico, porém com cérebro orgânico. Em sua primeira cena, Kusanagi entra em combate totalmente despida de suas roupas, apenas trajando uma capa de invisibilidade militar. Já aí podemos observar que o corpo cibernético transcenderia o que é humano e a sexualidade. O Paradoxo de Teseus, que foi discutido por filósofos como Heráclito, Sócrates, Platão, Thomas Hobbes e John Locke, diz: “Será que um objeto que teve todos os seus componentes trocados permaneceria sendo o mesmo objeto?”. Essa é a pergunta que a Major se faz ao longo do filme.

    A discussão continua com a presença do Puppet Master, que era apenas uma inteligência artificial criada pelo governo para fazer “trabalhos sujos”, mas que atingiu o auto esclarecimento. Não aceitando o fato de que seria desligado, ele se rebela e foge.  Seria o androide com tal racionalidade isento de humanidade? Quando se encontra com Kusanagi, diz: “A vida se perpetua através da diversidade e isso inclui a habilidade de se sacrificar quando necessário”.  A junção das duas personalidades – robótica do Puppet Master e humana de Kusanagi – poderia formar um ser completamente novo, mais grandioso e evoluído. Algo maior de fato é criado, mas Oshii nos deixa em dúvida do que seria essa entidade.

    A arte de Ghost in the Shell é  muitíssimo bem trabalhada, passando ao espectador a atmosfera opressora e sombria de um futuro dominado pela tecnologia através dos tons azulados e cinzentos acentuados. A animação é suave e natural, mas ao mesmo tempo detalhada, e se mescla sutilmente com a trilha sonora.

    Ghost in the Shell é uma obra grandiosa e complexa, que levanta questões e deixa o ar de dúvida como uma verdadeira obra de ficção científica o faz.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Looper

    Crítica | Looper

    Rian Johnson conseguiu alguma notoriedade como diretor em 2005 quando seu filme de estreia, Brick, ganhou atenção em festivais como Sundance e Toronto. Brick era um filme estranho, sobre um adolescente (Joseph Gordon-Levitt) que buscava a namorada desaparecida. Looper mantém de certa forma o estilo de Johnson, mas essas características, quando colocadas em um filme com propostas muito comerciais, acabaram perdendo parte do sentido.

    Looper se passa em um futuro próximo, 30 anos antes da invenção da viagem no tempo, banida pouco depois de seu surgimento. Loopers são assassinos encarregados de se desfazer de vítimas vindas do futuro e que, em algum momento, terão que eliminar a seus próprios “eu” futuros. Tudo isso é explicado didaticamente por uma narração em off de Joseph Gordon-Levitt, e começa aí um dos problemas do filme.

    Looper é excessivamente verbal. A narração em off explica detalhes desse mundo futuro que seriam muito mais interessantes se fossem explorados dentro do filme. Ao mesmo tempo, o roteiro tem buracos enormes, e mesmo o nó central do filme parece não fazer sentido.

    Outro problema é a manipulação do rosto de Joseph Gordon-Levitt para deixá-lo mais parecido com Bruce Willis. Não funciona, deixa o ator beirando o ridículo, rouba boa parte de suas possibilidades de atuação e, principalmente, seu carisma. Seus melhores momentos estão quando ele consegue aparecer por baixo da computação gráfica e finalmente parecer humano para o espectador.

    Por outro lado, Johnson traz aquilo que tornou Brick um filme notável: um cinema que expõe de forma muito clara seus próprios mecanismos e referências. Looper é uma ficção científica com ares de noir; sendo assim, a cidade, a trilha e diversos planos ecoam Blade Runner e, óbvio, O Exterminador do Futuro. Muitos clichês de gênero são tratados com certa ironia, e a intenção inicial do filme parecia ser não se levar tanto a sério.

    No entanto, essa intenção se perde e Looper acaba um filme que não funciona como uma ironia ou uma brincadeira de linguagem e nem como um filme de ficção científica. No fim, resta um filme que usa as ferramentas do cinema de forma muito interessante, e parece esboçar uma discussão sobre o peso das escolhas e o que nos faz o que somos. Além disso, a direção de arte e edição de som são muito bem feitas e a montagem é usada com uma criatividade rara, mas no fim o filme se afoga em um roteiro ruim e no excesso de maquiagem em um bom ator.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • A Necessidade de Cotas para o Audiovisual Nacional

    A Necessidade de Cotas para o Audiovisual Nacional

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    Cotas costumam ser um assunto polêmico. Depois que o Ministério da Cultura anunciou a criação de editais para negros, vieram as criticas pelas redes sociais.

    Geralmente quem é contrário as cotas pertence ao grupo que sempre foi privilegiado, e o discurso mais usado é o da meritocracia. No entanto, esses se esquecem que a mesma meritocracia esbarra quando encontra o preconceito indireto, a intolerância racial velada ou simplesmente a cultura que privilegia a exclusão.

    Outro argumento falho é apelar à falta da liberdade de expressão quando tentam sem sucesso inverter a ordem de conquistas deste tipo, pegando o exemplo acima do Minc, de querer ter o direito inalienável a um edital só para brancos. O problema é que as pessoas se esquecem que as relações entre brancos e negros não são iguais, e não adianta fingir que são, elas são desiguais desde sempre. Até hoje os negros ainda pagam a dívida de séculos de escravidão e opressão que sofreram dos brancos, através de preconceito e desvantagens de todo o tipo.

    Hoje em dia temos poucos negros e negras inseridos no audiovisual nacional. Dos diretores, os mais notáveis são o mineiro Joel Zito Araújo e o paulista Jeferson De. Na parte técnica como fotógrafos, diretores de arte, sonoplatas e editores, são poucos também, mas não estou conseguindo lembrar de nenhum, você está? Caso positivo, informe que eu atualizo o post.

    É na atuação que aparecem mais, mas ainda assim muito pouco. Desde a retomada até 2005, segundo esta dissertação (gráfico 1, página 14) estreamos em média 27 filmes por ano, sendo que em 2010, de acordo com o informe anual da Ancine (tabela 12), chegamos ao lançamento de 75 longas. E agora em 2012, na revista de setembro do portal Filme B (que divulgamos aqui), pode-se conhecer os 100 longas que estão em produção atualmente no Brasil.

    Desta quantidade toda de filmes recentes, em quantos deles negros, mulatos e indígenas são protagonistas? Em quantos filmes são roteiristas, diretores ou técnicos importantes como fotógrafos ou editores? Agora, relacionando com todos os outros onde brancos são os protagonistas, diretores, roteiristas e editores, qual a proporção que teríamos entre os não brancos e os brancos? 10:01? 20:01? 50:01? Ou chegaríamos aos absurdos 100:01? Deixo aqui em aberto aos mais interessados correrem atrás.

    Dos blockbusters que me vêm a cabeça são “Cidade de Deus” (2002), “Tropa de Elite” (2007), “Tropa de Elite 2” (2010) e “5 x Favela, Agora Por Nós Mesmos” (2010) (Se conhecer mais algum, avise para atualizar a postagem). Isso sem falar, é claro, nos filmes dos diretores citados até o momento.

    No entanto, o caso mais exemplar da necessidade das cotas está na série de tv fechada do canal GNT “Sessão de Terapia”, adaptação do original israelense “BeTipul”, dirigido aqui por Selton Mello e com Maria Fernanda Cândido no elenco. Nela, o psicanalista Theo atende em seu consultório pacientes diversos. O curioso é que o elenco principal da série, composta por 8 atores, são todos brancos, como pode ser visto abaixo, não há um negro, oriental ou indígena, nada.

    Por mais que o argumento contrário as cotas neste caso seja de que o público alvo do GNT seja composto em sua maioria por mulheres entre 25 e 49 anos de classe média e alta, já se provou que boa parte dos negros estão inseridos na classe média. A não ser que o público alvo do canal seja formado por mulheres BRANCAS de classe média e alta, o que acredito que não seja.

    “Sessão de Terapia” se passa na cidade de São Paulo, a maior do país, e, por conta disso, a que mais possui problemas, pois é formada por uma quantidade de pessoas de diversas origens étnicas, com crenças variadas e de orientações sexuais tão distintas que, por mais que seja bem dirigida pelo Selton Mello, bem escrita e conte com atores competentes, torna uma difícil identificação do público com a série para quem não é branco.

    Ou seja, como um negro, mulato, indígena ou oriental vai enxergar os seus próprios problemas e relacioná-los com os dilemas dos personagens se eles não se vêem nos mesmos? De que forma o público poderá atingir a reflexão com as situações geradas? Por mais que seja de classe média, um negro, mulato vai conseguir compreender a dor dos personagens?

    Quem novamente for contra as cotas, deve vir com o argumento de que se a obra for universal, qualquer um se identifica. É verdade, mas não se aplica ao caso brasileiro, onde a nossa maior característica é sermos plurais e contar com pessoas de cores, credos e orientações sexuais tão distintas quanto. Vocês se lembram que recentemente tentaram esbranquiçar o mulato Machado de Assis em uma propaganda da Caixa Econômica Federal, né?

    Portanto, não se justifica a escolha de um elenco inteiro que não representa nem um terço da pluralidade do povo brasileiro. É questão de identidade, ou no caso, a falta de. Nos EUA, o movimento negro conseguiu avanços no cinema e na teledramaturgia do país durante os anos 60 e 70 com as cotas para atores negros, conseguindo na década seguinte gerar séries que tratavam de seus dilemas, como Cosby Show (1984-1992) e Fresh Prince of Bel-Air (1990-1996), no mar das séries que só tratavam das famílias brancas (não é preciso inumerar, né?).

    Como noticiado em muitos podcasts, os nerds se lembram, é claro, do episódio onde Martin Luther King convenceu Nichelle Nichols a não abandonar sua personagem Uhura na série clássica de Star Trek, por que ela representava os negros do país.

    E assim como os EUA, o Brasil é um país complexo, e apesar das dificuldades estamos cada vez mais conseguindo avanços significativos no combate as várias discriminações para que consigamos atingir uma sociedade mais livre e mais justa através da inclusão. E essa inclusão passa pela necessidade de se ter negros, mulatos e indígenas como roteiristas, diretores e técnicos em cargos importantes na indústria, como também encarnando protagonistas etnicamente diferentes nas grandes séries dos canais fechados.

    Ainda mais agora desde que a PLC 116 foi aprovada em setembro de 2011, obrigando os canais a cabo a exibir conteúdo produzido no Brasil, aumentando a expectativa do setor. O que acontece com isso? Que iremos ver a economia do audiovisual brasileiro girando, isso significa produtoras independentes como a Conspiração Filmes no Rio de Janeiro, a O2 em São Paulo, entre outras, contratando mais gente para produzir conteúdo revelante e de qualidade que serão exibidos nos grandes canais fechados, como HBO, Sony, Warner, Fox, AXN, canais Globosat e por aí vai. Mais informações sobre esta lei aqui.

    A abordagem do problema até aqui foi superficial. Não é possível dimensionar em um texto pequeno toda a problemática representada pela escolha equivocada da produção de elenco da série do GNT. O que é possível fazer é: a) inventariar as questões possíveis a ser levantadas (a escolha de 8 atores brancos para o elenco principal da série de destaque de um dos principais canais a cabo foi pontual); b) tentar desvendar os motivos (o que o GNT deseja comunicar para o seu público?); entre outras questões diversas.

    Por último, se é que alguém ainda não entendeu que as relações entre brancos e não brancos vão demorar para se equiparar, e que até lá, negros, mulatos e indígenas irão precisar de medidas a longo prazo como uma educação pública melhor, como também medidas diretas como cotas, este desenho abaixo exemplifica bem a questão:

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Dredd

    Crítica | Dredd

    Dredd

    Sem fazer muito alarde em um ano no qual adaptações de quadrinhos dominaram a cena cinematográfica, chega essa nova versão do Juiz Dredd, policial casca-grossa dos quadrinhos ingleses. Conhecido pelo grande público graças ao filme de 1995 estrelado por Sylvester Stallone, desta vez o personagem ganhou um filme quase independente e de baixo orçamento. O que para os fãs foi uma boa notícia, pois possibilitou uma interpretação mais fiel às origens, que não fez concessões quanto à ultra-violência (a censura é 18 anos) e a marca registrada de NUNCA tirar o capacete.

    Na trama, vemos um futuro pós-apocalíptico (existe outro tipo de futuro, aliás?) onde as metrópoles cresceram tanto que a criminalidade e o caos social chegaram a níveis alarmantes. A solução foi ampliar os poderes da força policial, os oficiais (chamados de Juízes) agora tem autoridade para julgar os crimes e aplicar as respectivas sentenças no momento da prisão dos suspeitos. Nesse cenário, Dredd é o mais temido juiz de Mega City One (cidade com 800 milhões de habitantes), e num belo dia tem a missão de avaliar a novata Anderson, que não passou nos testes para o cargo de juíza mas ganha uma chance graças a seus poderes telepáticos. Em sua primeira missão juntos, eles acabam presos em um gigantesco condomínio governado pela traficante Ma-Ma, que obviamente ordena a morte dos juízes.

    Filmes do gênero, que apresentam uma realidade diferente da nossa, tendem a ser grandiosos, no sentido de contar uma história que vai alterar aquele status quo. Por isso mesmo, um dos elementos mais interessantes de Dredd é seu caráter episódico. Não vemos uma história de origem, nem um grande evento destinado a mudar a vida do protagonista. É simplesmente um dia de trabalho em que as coisas deram mais errado do que o habitual. Essa simplicidade de proposta, que alguns podem erroneamente enxergar como ponto negativo, se revela um alento de originalidade.

    Também digna de nota é a inteligência do filme em usar suas limitações. Grande parte da ação acontece em cenários simples, e a pobreza do local justifica a fotografia escura. A exceção são os momentos em que algum personagem usa a droga slo mo, que reduz a percepção da passagem do tempo. Desculpa perfeita pra empregar câmera lenta e cores vivas, com um 3D muito bem utilizado, simbolizando a fuga daquele mundo sujo e cru. Pelo menos até o momento em que as balas implacáveis de Dredd arregaçam os corpos dos vilões, com uma riqueza de detalhes que chega a ser gore.

    Apesar de prejudicado pela falta de queixo, Karl Urban faz um trabalho interessantíssimo como o protagonista. Focado inteiramente na base da expressão “bucal” (pois nem dá pra chamar de facial) e da voz sempre no mesmo tom baixo e rouco, ele constrói o personagem mergulhando na caricatura que ele é nos quadrinhos. E mesmo com o personagem não tendo desenvolvimento nenhum, chama a atenção sua praticidade e profissionalismo diante de todas as situações, por mais desesperadoras que pareçam. Ele não perde o controle e responde emocionalmente, mas se limita a aplicar a lei. Ou melhor, ELE É A LEI. Olivia Thirlby surpreende no papel da rookie juíza Anderson, pois apesar de ser uma gracinha ela convence enquanto durona. Já Lena Headey, conhecida por suas limitações, até ensaia algo interessante com sua canastrice aplicada a uma vilã também caricata, mas não fica só na sugestão mesmo, sua Ma-Ma não consegue assustar de fato.

    Pra não dizer que o filme é perfeito, fez falta uma maior ênfase à fodacidade de Dredd. Fica apenas subentendido que ele é o pica das galáxias daquela cidade. Algo sem dúvida perdoável diante de todos os méritos que a produção teve. Por isso mesmo, não deixa de ser lamentável, ainda que previsível, o péssimo desempenho na bilheteria, tanto nos EUA quanto no Brasil (o único lugar onde o filme se deu razoavelmente bem foi no Reino Unido, terra natal do personagem). Com uma continuação praticamente inviabilizada, o que resta é que essa ótima experiência tenha seu valor reconhecido ao menos dentro de seu nicho.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | Eu, Robô – Isaac Asimov

    Resenha | Eu, Robô – Isaac Asimov

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    Isaac Asimov (1920-1992), natural da Rússia, foi professor assistente de bioquímica na  Escola de Medicina da Universidade de Boston. A partir de 1958, passou a se dedicar à literatura e acabou se tornando um dos principais ícones da ficção científica, juntamente com Arthur C. Clarke e Robert A. Heinlein. Em Eu, Robô, publicado em 1950, Asimov desenvolve a relação entre humanos e robôs, inovando o modo de pensar os robôs e, ao mesmo tempo, se afastando da lógica de Frankstein (Mary Shelley) – em que uma criatura entra em conflito com o criador, por este tentar se aproximar de deus – muito comum à época.

    “Eu, Robô” é uma coletânea de nove contos interligados entre si, os quais perpassam pela história da robótica na humanidade pelos olhos de Susan Calvin, em 2057, uma psicóloga de robôs prestes a se aposentar que dedicou a maior parte da sua vida trabalhando para a empresa U.S. Robôs, fabricante cuja proposta era construir robôs para servirem os seres humanos para as mais diversas atividades. Todos eles estariam apoiados sobre três leis fundamentais da robótica (as quais foram criadas pelo próprio Asimov):

    1) Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.

    2) Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.

    3) Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Lei.

    Desde o primeiro conto, intitulado “Robbie”, somos levados à progressão da relação dos robôs com os seres humanos e a forma como essas três leis se aplicam de maneira intrínseca no intelecto desses seres. Neste primeiro momento temos uma história de Robbie, um robô mudo cuja atribuição é servir de babá para uma criança, mas sofre com a rejeição e preconceito da mãe da garota. Asimov nos apresenta uma humanidade temerosa por mudanças drásticas, de serem substituídos por máquinas em seus trabalhos, além de evidenciar uma metáfora para a discriminação de minorias.

    Deste momento em diante encontramos robôs que falam, que raciocinam sobre questões esotéricas e existenciais, com crises de estresse, que cuidam de linhas de produção inteiras e que projetam o futuro para a humanidade. O relato por parte de Susan, a qual se dedicou a compreender como pensam os robôs, evidencia sua afinidade maior com estas máquinas, pois acredita que estas são dotadas de bondade. Mesmo quando temos dúvida que um robô poderia se revoltar contra um ser humano (que seria um ser tecnicamente inferior), as três leis da robótica sempre se mostram superiores, refletindo dessa forma em uma ética por parte dos mesmos.

    No conto “Razão”, Cutie é um robô que possui uma incrível capacidade de raciocinar sobre as mais diversas coisas. Seu passatempo preferido é ler romances de ficção científica, pois lhe atrai ver a forma como humanos pensavam o futuro em um passado pouco tecnológico. Asimov praticamente se diverte consigo mesmo ao descrever Cutie, ainda mais visualizando esta realidade em meados de 1950 e considerando que até hoje o ser humano se fascina em sonhar e imaginar o futuro desconhecido.

    No último conto, quase como uma profecia, “O Conflito Evitável”,  a primeira lei da robótica atinge um nível mundial e as máquinas passam a cuidar dos seres humanos, evitando conflitos, guerras e perpetuando nossa existência. No fim, os seres humanos dependem das máquinas para sua existência.

    “Eu, Robô” é uma ficção científica intrigante que leva o leitor a pensar, juntamente com a robô-psicóloga Susan Calvin, a forma como os robôs pensam, sua evolução e a forma como se tornaram cada vez mais participativos no seio da sociedade. O livro é mais do que uma mera obra de ficção científica. É um ensinamento, uma experiência filosófica e uma obra de reflexão para a humanidade.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | 13 Assassinos

    Crítica | 13 Assassinos

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    O ano é 1844. O Japão passa por um período de relativa estabilidade e a maioria dos samurais aposentaram suas espadas. Essa estabilidade começa a ser ameaçada por Lord Naritsugu, irmão do atual Shogun, um nobre sádico que abusa, estupra e mata os mais pobres ao seu bel prazer. Um oficial do shogunato, por revoltar-se com relação às atitudes do tirano, temendo pelo Japão caso ele se tornasse o próximo Shogun, reúne um grupo de samurais para o matarem.

    13 Assassinos é um remake do filme homônimo de 1963 de Eiichi Kudo, trazido à luz em 2010 pelo aclamado Takashi Miike. Seus filmes são conhecidos por sua violência extrema, mas aqui Miike dá atenção para um modelo clássico de filmes de samurai. Ao mesmo tempo em que não abandona a violência gráfica (porém aqui não tão visceral como de costume), dá atenção para planos contemplativos, diálogos ricos e atuações expressivas.

    A narrativa do filme começa com os samurais angariando companheiros para enfrentar o lorde maligno. Samurais de mais experiência e que viveram na época das guerras se juntam com alguns de seus aprendizes para lutar pelo Japão e não pelos seus nobres, por isso acabam se tornando assassinos. A influência de Sete Samurais de Akira Kurosawa é evidente, até mesmo quando um ronin se junta à causa do grupo de samurais, representando o ar descontraído da seriedade e disciplina dos demais companheiros.

    Aqui temos uma divisão bem definida entre o bem e o mal, característica marcante em filmes de samurai. No primeiro ato do filme vemos tortura, assassinato, estupro e mutilação. O espectador está preparado psicologicamente por quem torcer no segundo ato, quando os samurais estão recrutando aliados, e finalmente no terceiro, em que a grande batalha acontece.

    O que vemos é uma cidade inteiramente construída pela produção simplesmente para ser totalmente destruída durante 45 minutos de batalha sem interrupções e coreografadas, se afastando positivamente de efeitos especiais por computação, tão utilizados atualmente. A atuação conjunta de uma dezena de pessoas ao mesmo tempo é simétrica em diversas cenas do filme.

    O pensamento de que 13 assassinos lutando contra 200 homens da guarda real poderia parecer forçado cai por terra nesta produção grandiosa. Takashi Miike consegue fazer com que seu remake seja um dos filmes de samurai mais significativos dos últimos anos e reafirmar sua competência como diretor. Esta é talvez sua obra mais madura.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Intocáveis

    Crítica | Intocáveis

    Intocáveis

    A França tem uma tradição forte em cinema: filmes franceses frequentemente levam prêmios nos festivais importantes, Oscar de melhor filme estrangeiro e boa parte dos grandes diretores da história do cinema trabalhou no país. Mas de vez em quando um filme francês acaba se destacando por conquistar uma inesperada bilheteria mundial. Foi o caso de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (provavelmente o filme francês mais visto fora do país), Albergue Espanhol e agora Intocáveis.

    Baseado em uma história real, Intocáveis apresenta Philipe, um milionário que ficou tetraplégico em um acidente de parapente e precisa de um assistente em tempo integral, para ajudá-lo com coisas como tomar banho, comer, ir ao banheiro e se vestir. Inusitadamente, Philipe contrata Driss, um jovem da periferia, pobre e sem qualquer experiência para o cargo.

    Em um diálogo com o irmão, Philipe afirma que contratou Driss porque pela primeira vez alguém não o olhou com pena, e é exatamente esse aspecto da relação entre os dois que torna o filme notável. Driss não tem pena de Philipe, ele reclama de boa parte de suas obrigações, responde ao chefe e faz piadas como “onde você encontra um tetraplégico? onde você o deixou pela última vez”. E é justamente essa falta de crença nas limitações de Philipe que o leva a ultrapassá-las.

    O filme lança um olhar divertido sobre a amizade entre Philipe e Driss e, assim como o jovem, evita o melodrama e uma delicadeza extrema, que poderia transformá-lo em algo piegas ou previsível. O maior mérito de Intocáveis é justamente olhar para seus protagonistas, ambos “condenados” de uma certa forma, com leveza e buscar o potencial cômico de uma história que parecia um drama. A própria narrativa do filme brinca com essa expectativa: a primeira cena deixa o espectador tenso, preparado para uma tragédia e ao final se mostra só uma piada.

    Há momentos delicados e mesmo emocionantes, mas eles se mantêm leves e o tom geral é de comédia. Intocáveis poderia ser um filme óbvio, mas essas escolhas, aliadas aos bons diálogos e o carisma dos atores, o tornam inesperado, divertido e um dos melhores exemplos do cinema francês recente.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas – Parte 1

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas – Parte 1

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    Neste mundo injusto, qualidade e sucesso comercial nem sempre coincidem. Após o triste anúncio do fechamento da Warner Premiere, divisão da empresa responsável por animações lançadas direto para o home vídeo, ficou a expectativa em relação à última produção do selo: nada menos do que a adaptação da obra máxima do Homem-Morcego, O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, que não só redefiniu o personagem como toda a indústria dos comics (ao lado de Watchmen) após sua publicação em 1986.

    Somente os mais ingênuos esperariam uma transcrição cem por cento fiel de todo o estofo presente no material original, mesmo numa animação voltada a um público mais adulto. Afinal, são 200 páginas de uma narrativa extremamente densa, aprofundada não apenas na psicologia perturbada do herói, como também em ferrenhas críticas ao governo, à mídia e à própria sociedade norte-americana. Mesmo com a acertada decisão de dividir a história em duas partes, é preciso ter isso em mente e fazer certas concessões para poder apreciar este grande trabalho.

    Na trama (que é um futuro alternativo a partir do que o Batman era nos anos 80), Bruce Wayne se aposentou da função de vigilante urbano após a morte do segundo Robin, Jason Todd. Na casa dos 50 anos, ele vive como uma fera enjaulada, esforçando-se pra ignorar seu interior enquanto assiste Gotham se afundar cada vez mais num caos social. A numerosa e sádica gangue dos Mutantes domina as ruas e, com o Comissário Gordon prestes a ser aposentado compulsoriamente, parece não haver esperança, visto a total incapacidade das autoridades. Até que o retorno de um velho inimigo motiva Bruce a vestir mais uma vez a capa e o capuz e voltar à ação mais violento do que nunca, com uma ajuda inesperada.

    Batman: O Cavaleiro das Trevas – Parte 1 não foge da lei suprema de qualquer adaptação de uma obra fechada: parecer, aos olhos de quem conhece o material original, uma versão resumida e simplificada. Ainda assim, grande parte da força da história se mantém, como a construção de todo o cenário levando gradativamente ao retorno do Batman. Alguns elementos são bem datados, como as gangues com visual punk, mas o retrato de uma sociedade em frangalhos, praticamente entregue ao poder paralelo do crime, sem dúvida é atemporal.

    Houve um exagero, porém, na forma por demais explícita como o poder constituído na figura do prefeito é retratado com um imbecil incapaz. Compreensível, pois um cuidado maior nisso levaria mais tempo e arriscaria prejudicar o ótimo ritmo que a animação conseguiu ter. Nessa linha, a opção por reduzir ao mínimo as inserções televisivas na história foi provavelmente a melhor coisa da animação. Parêntese pessoal aqui: por mais que isso sirva pra situar o impacto que o Batman tem sobre a cidade (e criticar o tendenciosismo e desinformação da mídia), preciso dizer que na graphic novel era maçante e cansativo todo o espaço dedicado aos telejornais. Se o objetivo é cumprido sem cair no tédio, ponto para a animação.

    Mas nem tudo são flores. É preciso apontar a falha maior: a ausência das narrações em off dos pensamentos do herói. Marca registrada de Frank Miller, era através desse recurso que tínhamos noção do quão próximo da psicopatia estava Bruce Wayne. Da forma como ficou, isso pode até ter passado um tanto despercebido pra quem não conhece a HQ. Ainda que a violência exacerbada tenha permanecido, ao menos visualmente, algumas cenas perderam muito. Em especial, sem dúvida alguma, o momento em que o Batman é acuado por um inimigo armado e analisa suas opções, descartando as que desarmam com mínimo contato e optando pela que ALEIJA.

    Apesar de tudo, há que se destacar que a animação trouxe excelentes cenas de ação: as lutas contra o líder mutante por si só já valeriam o filme. O visual ficou num válido meio termo entre o estilo oriental padrão nas produções animadas da DC e uma reprodução do traço “quadradão” característico de Miller, embora muito mais “limpo”.

    Como se ainda precisasse, a Warner/DC mostrou mais uma vez que sua especialidade são as produções animadas, muito mais do que os filmes live action (polêmica mode on). Só nos resta lamentar o fim desse inspiradíssimo filão da empresa, enquanto aguardamos até o início de 2013 para conferir a segunda parte de Batman: O Cavaleiro das Trevas, com os aguardados confrontos contra o Coringa (dublado por Michael Emerson) e Superman.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | O Primeiro Cinema: Espetáculo, narração, domesticação – Flávia Cesarino Costa

    Resenha | O Primeiro Cinema: Espetáculo, narração, domesticação – Flávia Cesarino Costa

    o primeiro cinemaTomei conhecimento da segunda edição deste livro primeiramente em 2005, quando estava escrevendo o meu Trabalho de Conclusão de Curso no término da faculdade de cinema. Eu havia discorrido sobre a forma como o diretor norte-americano D.W. Griffith havia conseguido atingir o efeito dramático em seus filmes por volta de 1908. Nos dois anos seguintes tentei o mestrado, onde a ideia era abordar o início das práticas do cinema no Brasil, em especial no Rio de Janeiro.

    Acontece que, na primeira vez, ele se revelou uma preciosa fonte de ambientação histórica para tentar se entender o contexto sócio-político-econômico-cultural, além de todas as transformações que ditaram a mudança nos EUA do século XIX para o XX (principalmente as científicas e urbanas), onde Griffith se inseriu antes de mudar, e moldar, todas as formas conhecidas de cinema desde então; nas duas seguintes, ele me foi um modelo de análise historiográfica a ser seguido.

    O livro foi escrito pela professora Flávia Cesarino Costa baseando-se na sua dissertação de mestrado, defendida na PUC-SP em 1994.

    Uma curta sinopse: a autora faz uma análise da produção, comercialização, distribuição e exibição de filmes nos EUA no período compreendido entre 1894 e 1908, designado por ela como “primeiro cinema”, seguindo a corrente historiográfica dos autores do Simpósio de Brighton (nesta cidade inglesa em 1978 ocorreu o 34ª encontro de preservação de filmes da FIAF, onde jovens autores da época propuseram um revisionismo histórico deste período nos seus respectivos países, como EUA, França, Inglaterra e Canadá).

    O mais fascinante no livro está nos diversos detalhes do período que Flávia ressalta, apontando também as particularidades envolvidas e relacionando-as com a época, ainda promovendo reflexões acerca delas. O saldo final acaba sendo um competente retrato de uma época que se revela tão rica em experimentações, além de anárquica no seu processo de ser, o que a torna tão única em toda a história do cinema.

    Por exemplo, a autora comenta que já em 1895 o cinema se misturava a outros divertimentos da época mais importantes do que ele (p. 29), se marginalizando para percorrer caminhos obscuros para não ser extinto; ela também cita que, até 1900, os exibidores tinham autonomia no processo, podendo cortar ou aumentar a duração de um filme (p. 45); vemos a descrição dos ‘trick films’ (p. 48, filmes feitos com trucagens) e dos ‘filmes de perseguição’ (p. 49, primeiras formas de narrativa a partir de 1903); um dos pontos mais interessantes é quando Flávia começa a abordar a era dos ‘nickelodeons’ (p. 59, de 1906 a 1915), período final do primeiro cinema.

    Significativa também é a escolha para o subtítulo do livro: “espetáculo” se refere à época inicial do cinema, em que qualquer forma de atração era absoluta e a anarquia ‘ditava as regras’; “narração” diz respeito à transição que foi ocorrendo gradualmente na experimentação da edição de filmes sem compromisso nenhum com a narrativa até Griffith; e a “domesticação” se dá quando se tenta legitimar o cinema como espetáculo de massa perante a sociedade deixando os nickelodeons mais agradáveis a classe média, limpando o local e restringindo o acesso ao local a todos que não fossem “pessoas de bem”.

    Um extra bem interessante são informações dos principais filmes e frames de cenas durante o livro inteiro.

    Por último, deve-se louvar a coragem da autora em abordar uma época do cinema tão pouco estudada e difundida entre os interessados pela arte, em função de outros estudos que discorrem sobre os fervilhantes anos 60 ou sobre obras de diretores/atores renomados e/ou premiados que dispensam apresentações de suas obras.

    O único ponto negativo que ressaltaria é a origem do livro: de vez em quando a leitura fluente volta a ser uma dissertação acadêmica, quebrando um pouco o ritmo e prejudicando talvez uma melhor apreciação dos leitores que não se interessam por uma abordagem mais técnica.

    Vale a leitura? Sim, para quem gosta de cinema, a curiosidade de conhecer essa época tão fascinante se torna o chamariz principal. Agora, se você for um amante do cinema, é mais do que obrigatório conhecer e ter este livro na prateleira, até mesmo como eventual consulta, para saber o contexto da época em que surgiu e, o mais interessante, como ele se desenvolveu através dos caminhos percorridos, e os motivos que o levaram para tal.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Sobre Meninos e Lobos

    Crítica | Sobre Meninos e Lobos

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    O cinema de Clint Eastwood sempre se aproximou da Tragédia: seus personagens parecem operar em um universo cruel e aparentemente sem sentido, onde ainda assim alguns desfechos se mostram inescapáveis. E talvez em nenhum de seus filmes isso seja tão claro quanto em Sobre Meninos e Lobos.

    Jimmy, Dave e Sean são amigos de infância que acabaram se afastando, mas convivem com a lembrança de quando Dave foi levado por um carro e passou três dias desaparecido, durante os quais foi repetidamente estuprado. A lembrança é carregada como trauma por Dave e como culpa pelos outros dois.

    A escolha de Dave é aleatória, qualquer um dos outros dois meninos poderiam ter sido levados, mas não foram. Ao mesmo tempo é possível questionar se Jimmy teria entrado no carro ou saído correndo, ou se os homens escolheriam um menino capaz de sair correndo. A linha fina, e por vezes invisível, entre aquilo que é possível escolher e aquilo para o qual somos inevitavelmente conduzidos parece ser o principal tema de Eastwood aqui, mais do que nunca o diretor se pergunta o que nos faz o que somos e porque.

    Os três personagens se reencontram quando a filha de Jimmy é assassinada e Sean se torna o detetive responsável pela investigação. Desde o início o espectador é levado a crer que Dave é o responsável pelo crime e Eastwood manipula com maestria o que vemos ou não, os ângulos de câmera e recortes de montagem que incriminam Dave cada vez mais. No fundo, ele está condenado antes de qualquer investigação, o espectador já o julgou quando a câmera passa dos seus olhos para a menina dançando sensualmente na mesa.

    Assim, Eastwood começa construindo uma história de vingança, um mundo razoavelmente ordenado em que o dano gerado por uma violência se desdobra em mais violência. É cruel, mas faz sentido. Aos poucos o cineasta subverte seu próprio filme e no fim o assassinato de Katie nada mais é que um azar cujas condições foram criadas por uma série de escolhas e circunstâncias aparentemente desconexas.

    Eastwood também desconstrói seus personagens conforme se aproxima deles: vemos a fraqueza em Jimmy e o trauma de Dave ganha contornos mais nítidos e a repulsa inicial causada por ele vai se transformando em compaixão e finalmente dor quando fica claro o quão inescapável é seu final.

    Em Sobre Meninos e Lobos, mais uma vez Clint Eastwood assume um filme de gênero, nesse caso o policial, e distorce seus elementos: não há lógica ou ordem moral aqui, como na maior parte dos filmes policiais, apenas personagens quebrados que agem de acordo com suas próprias limitações e tentam fazer escolhas, mas é questionável até que ponto eles realmente tem a liberdade de fazer essas escolhas.

    Ao mesmo tempo o diretor constrói seu filme com planos mais bonitos: é notável quando a câmera se afasta e vemos Sean Penn desesperado, cercado de policiais, impotente e angustiado. Em diversos momentos a câmera assume um ângulo a partir de cima, diminuindo seus personagens ou criando sombras estranhas e distorcidas, quase expressionistas. Sobre Meninos e Lobos é uma obra sobre ilusões e manipulação, e Eastwood imprime isso impecavelmente na forma do filme.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Resenha | Wolverine Noir

    Resenha | Wolverine Noir

    Chegou às bancas mais um lançamento do selo Marvel Noir. Depois de Homem-Aranha, X-Men e Homem de Ferro, a editora Panini traz agora ao Brasil a reinterpretação sombria do mutante mais famoso e casca-grossa dos quadrinhos. Wolverine Noir tem roteiros de Stuart Moore e desenhos de C.P. Smith e, ainda que tenha seus problemas, traz uma aventura que parece ter se encaixado melhor do que seus antecessores na proposta da linha.

    Enquanto os autores das citadas histórias concentraram-se em transpor os elementos de cada herói para a estética noir (entre acertos e equívocos), aqui temos uma trama verdadeiramente desse gênero, na qual a presença de Wolverine e de seus coadjuvantes parece mera coincidência. Para isso, o roteiro parte dos clichês mais monumentais do estilo: Jim Logan é um detetive particular, sentado na escuridão de seu escritório tendo pensamentos melancólicos sobre esta droga de mundo e querendo matar seu parceiro, o grandalhão simplório chamado Cão. Quase dá pra ouvir sua narração com uma trilha de jazz ao fundo e sentir o cheiro da fumaça. Eis então que surge a femme fatale Mariko Yashida, que vai arrastar Logan para um caso em que as coisas definitivamente não são o que parecem.

    A partir daí, a história se divide entre duas linhas temporais. Enquanto o presente incorpora diversos elementos das passagens de Wolverine no Japão, temos flashbacks de alguns anos antes que são uma adaptação fiel e bastante interessante da minissérie Origem. James é mostrado como um tímido filho de um pastor cujo tema preferido para sermões é o conflito do homem com seus instintos bestiais. Quem conhece um mínimo de Wolverine já imagina o quanto isso afeta o caráter do jovem James, consumido por uma sede de violência que não compreende, além de desejos pouco puros pela bela ruiva Rose. Ele aprende a controlar seus impulsos com as lições do jardineiro Smitty, que o instrui na técnica e filosofia dos samurais. Mas a presença de Cão desencadeia uma tragédia.

    A opção por contar duas histórias em uma tem um resultado ambíguo. O passado acaba engolindo o presente, torna-se mais interessante. Embora isso possibilite um bom desenvolvimento do personagem Logan e do conflito interno que o move (ou o impede de se mover na vida), a trama no presente se torna rápida e apressada demais no espaço que lhe é dedicado. Não há uma investigação aprofundada, um grande trabalho detetivesco. As coisas simplesmente acontecem e pronto, com direito inclusive a sub-aproveitamento do vilão Creed (pra quem não sabe, o Dentes de Sabre, arqui-inimigo do herói) e do inusitado plot de ninjas agindo na New York dos anos 1930.

    Pode-se dizer que temos um conto noir no lugar de um romance, algo não necessariamente ruim, mas que poderia ter rendido mais. Vale ressaltar, porém, que a fidelidade à proposta é mantida com louvor: o tom é pessimista e profundamente amargo do início ao fim. Sobre a arte, houve uma certa inconstância. Alguns momentos são brilhantes dentro dos já citados clichês, ao trabalhar muito bem luz e sombra (ou sombra e sombra), focando apenas nas silhuetas. Mas em outros o artista apresenta um traço “sujo” burocrático, chegado a ser feio e com anatomias questionáveis. Reflexo talvez da variação do próprio roteiro. No saldo final, Wolverine Noir não é uma obra magnífica, mas tem qualidades que a fazem merecer ser lida.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Juventude Transviada

    Crítica | Juventude Transviada

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    Nicholas Ray é um nome tão importante no cinema moderno que Jean-Luc Godard disse uma vez que “o cinema é Nicholas Ray” e Wim Wenders acompanhou seus últimos dias e transformou-os no excelente Um Filme Para Nick. Não é a toa que seu filme mais famoso revolucionou o cinema americano e transformou James Dean em um ícone.

    Juventude Transviada começa com Dean deitado no chão, bêbado, brincando com um macaquinho de dar corda. Ele em seguida deita o boneco, o cobre com um pedaço de papel, como se o pusesse para dormir, e deita ao seu lado. A cena é estranha, incômoda e diferente de tudo que o cinema americano tinha feito até então. Essa sequência inicial, uma espécie de prólogo antes do início real do filme, também marca o que será o personagem de Dean: um misto de fragilidade, insolência e estranheza.

    A trama apresenta uma série de adolescentes de subúrbio, todos eles com casa, família e uma situação confortável. No entanto, há uma sensação de desconforto que passa pelos personagens do filme e mostra de forma sutil a parcela de trágico e dolorido que existe na juventude média americana.

    Esses adolescentes buscam um lugar, uma espécie de entendimento e conforto que não encontram em casa: Jim se divide entre uma mãe histérica e um pai extremamente passivo; Judy entre uma mãe apática e um pai que a repele porque já é “muito crescida”; e os pais de Plato, milionários, estão sempre viajando. Ray coloca seus personagens em um lugar delicado: já são grandes o suficiente para terem consciência das fraquezas de seus pais (e no caso de Judy para despertar um tipo de desejo que deve ser afastado), mas incapazes ainda de romper com a estrutura familiar.

    Nicholas Ray é o primeiro cineasta a olhar de perto a adolescência e, mais que isso, a leva-la a sério suficiente para lhe dar ares de tragédia. Desde o início, quando ouvimos na delegacia que Plato atirou em cachorrinhos, sabemos que há algo de incontrolável e violento nele. Buzz, o namorado “popular” de Judy, morre tentando provar que é mais corajoso que Jim: provar algum valor, ser aceito, é algo tão importante que vidas são postas em risco. Ao mesmo tempo a morte de Buzz serve para acentuar o rompimento dos adolescentes com seus pais: eles habitam em um mundo perigoso, onde tragédias ocorrem, mas seus pais mal sabem, eles estão definitivamente sozinhos.

    Juventude Transviada toma o adolescente como símbolo daquele que não encontra lugar na sociedade, que não está em nenhuma das caixas delimitadas e explora com sensibilidade a tensão entre querer permanecer à margem e querer se encontrar. Esse olhar para personagens desajustados ou incompreendidos é parte do que torna o filme tão inovador e um elemento que acompanha todo o cinema independente americano e o cinema francês da década de 60.

    Com esse filme Nicholas Ray criou um ícone e mudou o cinema, ao mesmo tempo que fez um clássico que, embora com alguns elementos datados, ainda diz respeito a uma certa experiência universal.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | O Legado Bourne

    Crítica | O Legado Bourne

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    Era grande o desafio da Universal Pictures ao continuar sua lucrativa franquia Bourne, uma vez que tanto o diretor Paul Greengrass quanto o astro Matt Damon decidiram não retornar após o terceiro filme. Sobrou então para Tony Gilroy, presente desde o início na trilogia como roteirista e produtor, assumir também a direção e descascar o abacaxi. Felizmente, ele não optou por transformar de vez Jason Bourne em James Bond, trocando simplesmente o intérprete e contando uma história qualquer. Isso jamais funcionaria num série tão bem amarrada quanto esta. A solução foi partir para uma trama paralela e, entre a necessidade de conectar-se ao que veio antes e ao mesmo tempo desenvolver vida própria, pode-se dizer que O Legado Bourne tropeçou um pouco mas conseguiu esse complicado equilíbrio.

    A história começa em paralelo aos eventos de O Ultimato Bourne, quando a merda cai no ventilador e a imprensa começa a divulgar informações sobre Jason e o Projeto Treadstone. Uma equipe governamental chefiada pelo Coronel Eric Byer (Edward Norton) se encarrega do controle de danos, e o principal temor é quanto à exposição de outros projetos secretos destinados à criação de super-espiões. O mais ameaçado deles é o chamado Outcome, que, além das técnicas de reprogramação psicológica vistas nos filmes anteriores, envolve até mesmo alterações genéticas nos pacientes. Quando começa a queima de arquivo, um dos agentes, Aaron Cross (todo espião tem nome maneiro, isso é regra), e a Dra. Marta Shearing se unem na fuga pela sobrevivência.

    Seria inevitável comparar este filme com os anteriores, sendo eles tão bem conceituados pela crítica. Mas o quarto capítulo não faz feio diante dos demais, principalmente por apresentar uma história mais complexa, com mais cenários e desdobramentos políticos. Ponto positivo: dessa vez não ficamos limitados a ver perseguições e incessantes cenas da central de monitoramento. Os dois protagonistas são desenvolvidos antes de se encontrarem, e mesmo depois têm um objetivo mais claro do que puramente fugir e buscar informações. Por outro lado, essa preocupação comprometeu um pouco o ritmo do filme, que oscila entre o interessante o maçante. Também questionável é a decisão de eliminar de forma radical o Projeto Outcome: ficou a impressão de que uma abordagem mais cirúrgica eliminaria os riscos e permitiria manter o programa.

    Jeremy Renner segue tentando se firmar como astro de ação e, após várias participações como coadjuvante após Guerra ao Terror, finalmente tem um filme pra chamar de seu. Ainda não foi dessa vez que ele chegou lá – não tem o carisma de um Tom Cruise ou Jason Statham -, mas se mostrou competente e conseguiu segurar o rojão. Está bem à frente de Sam Worthington ou Taylor Kitsch, por exemplo (não que isso seja algum mérito, mas enfim). Edward Norton, se é que alguém tinha alguma dúvida, interpreta ele mesmo e o faz bem, mesmo com o espaço limitado. Rachel Weisz, já meio veterana mas ainda linda, até no automático é uma atriz fantástica, e ganha como bônus alguns momentos para brilhar. De resto, uma pena que Joan Allen e David Strathairn tenham aparições relâmpago; seria legal ver mais desses ótimos atores.

    Em linhas gerais, este poderia ter sido um filme à parte, já que Jason Bourne serve simplesmente como uma desculpa para tudo acontecer. Só que aí seria quase um plágio, pois o plot de projetos secretos de aperfeiçoamento de agentes e o clima de conspiração política justificam (ou quase) o “Bourne” no título. E, próximo ao final, temos as célebres marcas da franquia: parkour numa cidade exótica, perseguição no trânsito com a câmera fechada, e a música Extreme Ways, do Moby, chamando os créditos. Só faltou, e esta foi provavelmente a maior falha do filme, o épico combate mano-a-mano com um rival do mesmo nível, apesar da finalização desse inimigo ter sido muito inspirada. Com o final aberto, claramente deixando a intenção de prosseguir a franquia dentro da franquia, é triste que O Legado Bourne passe um tanto despercebido em meio aos vários lançamentos do verão norte-americano. Mas, como sonhar não custa nada, bem que Matt Damon podia mudar de ideia pra termos Jason Bourne ao lado de Aaron Cross num quinto filme.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Review | The Newsroom – 1ª Temporada

    Review | The Newsroom – 1ª Temporada

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    The Newsroom estreou em junho desse ano na HBO americana e trouxe Aaron Sorkin de volta à televisão. O premiado roteirista de A Rede Social e O Homem que Mudou o Jogo tornou-se conhecido por seu trabalho em The West Wing e agora traz para uma série boa parte dos elementos que se tornaram sua marca.

    The Newsroom foca em Will McAvoy, um âncora de televisão tido como absolutamente inofensivo, que se vê afastado por conta de uma crise nervosa, e ao retornar ao estúdio, descobre que toda a sua equipe foi reformulada. Como chefe da nova equipe está Mackenzie MacHale, ex-namorada do protagonista, que o convence a iniciar o que ela chama de jornalismo 2.0.

    Mackenzie quer trazer os fatos, a relevância e a coragem de volta ao jornalismo. McAvoy passa a cobrir política com uma mão de ferro, e torna-se de repente o âncora mais incômodo da televisão americana.

    Os conflitos gerados por essa mudança são o motor principal da série, mas é a construção de personagens que realmente chama a atenção: eles são complexos, falhos e consideravelmente reais. Ao longo dos episódios, a personalidade de Will vai sendo construída nos mínimos detalhes, assim como sua relação com Mackenzie. O talento de Sorkin para diálogos proporciona carisma ao grupo de jovens empregados do jornal.

    São os diálogos e o realismo dos personagens que equilibram os momentos em que The Newsroom soa utópica ou piegas. Sorkin parece ter consciência de que esse jornalismo é praticamente impossível e de que sua série pode soar como uma palestra motivacional: é dito várias vezes que o projeto não vai dar certo e Mackenzie convence Will a tentar citando Don Quixote, o maior símbolo de utopia patética da literatura mundial.

    The Newsroom é uma série de Aaron Sorkin em diversos aspectos, sendo o mais gritante deles a capacidade de construir grandes momentos a partir de trivialidades, e equilibrar esses momentos com bons diálogos e personagens. A tensão e os conflitos foram bem administrados e o fim da primeira temporada inevitavelmente deixa o espectador ansioso para a segunda.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Resenha | One-Piece

    Resenha | One-Piece

    One-pieceEm um mundo em que praticamente 90% dele é água, navios se tornam muito importantes, e onde a maior parte dos transportes é feita de navio, é claro que haveriam piratas, e é neste mundo que se passa One-Piece.

    Mangá e Anime criado por Eichiro Oda, mangaká já premiado antes por Wanted, conta a história de Luffy, O Pirata de Chapéu de Palha, começando sua vida como pirata, sonhando ser o rei dos piratas. A motivação é bem simples, houve um homem que recebeu o titulo de “Rei dos Piratas”, chamado Gol D. Roger, quando finalmente capturado pela marinha, esta achando que isso poria um fim na era dos piratas, ele sorri embaixo da guilhotina e diz: “No final da Grand Line eu escondi o maior tesouro do mundo, o One-Piece, ele está lá e será de quem chegar primeiro”, e isso dá inicio a uma nova era de piratas.

    O estilo da narrativa muda um pouco ao longo da história, começa um tanto quanto infantil e tende a evoluir para mais juvenil, e embora às vezes pareça que vai caminhar para um lado mais sombrio, acaba não indo muito.

    Antes de falar de personagens é necessário falar das Akuma no Mi, as frutas do demônio. Frutas que ao serem comidas dão poderes específicos, porém o custo desses incríveis poderes é o fato de que você não pode ficar com água acima do joelho ou entrará em estado de choque. Alguns dizem que não é um poder muito útil para um pirata, mas tem gente que corre atrás desses poderes. Luffy foi um que comeu uma dessas, a Gomu Gomu no Mi, a fruta da borracha e se tornou um homem feito de borracha. Entre outros usuários de Akuma no Mi famosos temos Smoker, cujo nome é seu poder, um homem fumaça, “FireFist” Ace, homem fogo, e por aí vai. Não há limite para o que pode surgir, já apareceram poderes loucos e alguns comuns, a única coisa igual é a fraqueza a água e a “seastone”, que é uma pedra que desativa os poderes.

    E agora podemos falar dos personagens, a tripulação do Chapéu-de-Palha são os personagens principais do mangá: Luffy, Zoro, Nami, Usopp, Sanji e outros que vão aparecendo ao longo da jornada são personagens simples e caricatos. Não são personagens “reais”, porém tem suas motivações bem trabalhadas, até porque geralmente cada adesão a tripulação é acompanhada de um arco ligado ao passado do membro e assim sua motivação para se juntar ao Luffy. Porém vale citar, durante muito tempo eu achei que Luffy ia ser um personagem que sofreria do efeito Goku, não importa quanto tempo passasse ele não teria evolução, seria sempre o mesmo psicologicamente. Felizmente isso não ocorreu, embora pareça que não houve mudança, nos últimos capítulos dá pra notar a diferença de suas ações e pensamento, embora não muito.

    O traço é infantil, redondo e o que é comumente ligado a arte de Anime, mas não chega a incomodar e com o tempo ele melhora, nas ultimas edições do mangá ele tem saído limpo, sem rabiscos e com bastante detalhes.

    Como disse antes, o tom da narrativa muda depois de certo tempo, mais precisamente depois do arco de Skypeia, no arco chamado Water Seven que tem uma das cenas mais emblemáticas do mangá/anime. Então se vai ver/ler recomendo que leia pelo menos até aí, embora até ai já seja bastante coisa.

    One-Piece é uma história aclamada por fãs e crítica, situada há muito tempo no top 5 de vendas e audiência no Japão, tanto sucesso não vem por nada. Uma excelente história de aventura, não tenha medo de embarcar nessa (essa não podia faltar).

    Texto de autoria de André Kirano.

    One-Piece

  • Resenha | Whiteout: Morte no Gelo

    Resenha | Whiteout: Morte no Gelo

    Quando saiu o filme Whiteout (2009, Dominic Sena), traduzido aqui (e não menos problemático por isso) como Terror na Antártida, o filme me conquistou simplesmente pelo local onde se desenvolvia a premissa: a Antártida. Isso mesmo, você não leu errado, o filme se passa na Antártida. Eu nunca tinha visto nenhum filme policial se passar por lá e explorar tudo de inóspito que o ambiente em particular tem a oferecer.

    Infelizmente, o roteiro do filme é falho, e a direção insegura aliada à atuação fraca dos atores contribuiu para que o filme fosse fraco. Felizmente acabei descobrindo tempo depois que o filme era baseado na Graphic Novel de Greg Rucka (história) e Steve Lieber (arte). Acabei conseguindo ler o material que saiu por aqui pela Devir sob o nome (menos problemático, mas ainda correto) de Morte no Gelo (tradução: Kleber de Souza), que me surpreendeu bastante. Vamos a ela.

    Curta sinopse: vivendo na Antártida, na base americana de Amundsen-Scott, a agente americana Carrie Stetko começa a investigar uma série de assassinatos junto da agente inglesa Lily Sharpe.

    O roteiro de Greg Rucka consegue ambientar e dar credibilidade ao seu enredo policial fora dos centros urbanos, tão comuns em enredos do gênero, e seu ponto forte é explorar toda a peculiaridade que existe na Antártida e que tanto atrapalha a protagonista, incluindo aí o “whiteout” que dá nome à obra (espécie de nevasca absurda provocada por ventos de mais de 300 km/h, que levanta o gelo acabando com qualquer tipo de visibilidade).

    Outra grande sacada é a protagonista: Carrie Stekto não é uma agente comum, atormentada pelo seu passado e com as suas idiossincrasias que a tornam tão real quanto qualquer um de nós. Rucka também não teve medo de fazer sua heroína sofrer, e isto, em época de publicações como Guerra dos Tronos por aqui, é admirável.

    Steve Lieber consegue retratar os interiores, principalmente das instalações militares, com boa composição de imagens: seu traço se torna mais descritivo, porém usando sempre as sombras a seu favor. Quando retrata os exteriores, a descrição dá um pouco de espaço ao contraste entre o céu e a neve. Já quando retrata exclusivamente o gelo, ele é livre, dando ênfase a tudo que não for branco, creio eu para dar a sensação de se estar perdido, de “falta de chão”. Seu ponto alto é a composição nos “whiteouts” e também durante as lutas, conseguindo dar personalidade a cada cena com seu traço.

    Por fim, a sábia escolha do preto e branco em um ambiente como a Antártida retrata com competência toda a premissa da obra: como sair de um labirinto sem enxergar direito?

    O único ponto negativo que eu destacaria é que a trama de inovadora tem pouco, principalmente em relação aos enredos policiais, chegando a ser previsível em alguns momentos. Mas nada que impeça uma boa apreciação aos amantes do gênero.

    Louvável o esforço da Devir em trazer para o Brasil uma Graphic Novel de alta qualidade, tanto de impressão quanto de material artístico.

    Vale a leitura? Sim, principalmente se você quiser fugir um pouco dos quadrinhos de super heróis e ler algo diferenciado e bem retratado em um ambiente natural que estamos tão pouco acostumados a ver em qualquer mídia, ainda menos nos quadrinhos.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | 360

    Crítica | 360

    360

    Fernando Meirelles ganhou projeção mundial em 2002, quando Cidade de Deus tornou-se um relativo sucesso de bilheteria na França e foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Depois disso, o diretor se focou em co-produções entre sua produtora brasileira e estúdios de Hollywood; 360 é resultado de um desses esforços conjuntos.

    O filme apresenta vários núcleos localizados em diferentes partes do mundo, que se entrelaçam formando uma espécie de ciclo de relações humanas. Há a moça eslovaca que se prostitui, o casal inglês em que a mulher tem um caso com um fotógrafo brasileiro, a namorada do fotógrafo que o abandona e volta para o Brasil e o senhor em busca da filha desaparecida.

    À primeira vista o filme se parece incomodamente com Babel, mas Meirelles, ao ser menos pretensioso, acerta mais do que Iñárritu. As histórias contadas aqui não falam de grandes eventos ou questões mundiais, mas são o retrato de pessoas comuns, narrativas íntimas e delicadas que se entrelaçam de forma natural. A estrutura do filme, que apresenta cada núcleo como um episódio ao invés de ir e voltar várias vezes entre eles, também funciona melhor.

    O cinema de Meirelles sempre olhou para o cinema marginal brasileiro e a nouvelle vague francesa, e essas referências se manifestam aqui na simpatia por alguns personagens do “submundo”, na fotografia granulada e no ambiente cru que abrem o filme e, principalmente, em alguns recursos de câmera e montagem. Mas, para um diretor que vem de movimentos que romperam de forma tão forte com o cinema clássico, falta ousadia em 360. Desde a beleza da fotografia até a resolução das histórias, tudo parece correto demais, higiênico e bem resolvido demais; falta no próprio filme o caos que ele busca retratar.

    360 fala de pessoas quebradas, angustiadas, de partes que faltam, e de busca. Cada um dos personagens tem o sentimento de algo perdido e os encontros raramente acontecem como esperado. No entanto, essa sensação de um mundo desencontrado e um pouco fora do eixo não se traduz no filme – nem esteticamente, nem no tratamento da narrativa. Falta o encontro entre tema e forma que Meirelles alcançou em Cidade de Deus e mesmo em O Jardineiro Fiel.

    Além disso, as histórias são irregulares: a das moças eslovacas é consideravelmente melhor explorada e desenvolvida que as outras. Algumas ficam soltas, outras um pouco sem sentido porque falta profundidade e sutileza. No caso do núcleo protagonizado por Anthony Hopkins e Maria Flor, a atuação fraca dela prejudica o que poderia ser o melhor momento do filme.

    360 não é um filme ruim: é um filme bom nos seus melhores momentos e regular quando erra, mas é um filme esquecível. O conceito é interessante e funciona, a fotografia é excelente e a direção de Meirelles é eficiente, mas falta algo que impressione e marque o espectador.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Os Mercenários 2

    Crítica | Os Mercenários 2

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    Quando Sylvester Stallone decidiu não dirigir a sequência de seu sucesso de 2010 (ele passou o cargo para Simon West e apenas co-assina o roteiro), deve ter pensado em ter menos trabalho e mais diversão. Isso já entrega o tom de Os Mercenários 2: muito mais do que o primeiro filme, esse mergulha com gosto na auto-ironia e se assume de vez uma comédia, na qual a ação é apenas uma desculpa pra toda a galera se divertir fazendo o que mais gosta.

    A história é o mais simples e clichê possível. Após uma missão aparentemente fácil acabar muito mal, o bando de Barney Ross sai em busca de vingança, aproveitando o embalo pra salvar um inocente vilarejo do Leste Europeu – afinal, eles são os mocinhos: matam geral, mas só quem merece. O plot envolve qualquer coisa relacionada a armas nucleares soviéticas, só pra ajudar na cara de anos 80 do filme, mas a verdade é que o roteiro parece algo escrito às pressas durante as filmagens das cenas de ação, só porque alguém ali lembrou que precisavam de uma “liga” entre elas.

    E, para desespero da ala hipster, isso não tem importância diante do que o filme se propõe a fazer, não se levando a sério em (quase) nenhum momento. Diversão honesta, regada a tiroteios nos quais a contagem de corpos chega a níveis astronômicos e piadinhas e mais piadinhas sobre as carreiras e as idades dos envolvidos. Ainda que visualmente este fique aquém do antecessor, em termos de impacto massa véio, a pegada humorística e as participações mais especiais acabam compensando.

    Falando sobre o elenco (até porque não há muito mais o que dizer sobre o filme), nosso herói Sly não seria ele se não jogasse uma carga dramática em seu personagem, basicamente por conta do novato sniper vivido pelo irmão do Thor (que não é o Loki), o que resulta num problema, nem tanto pela execução mas pelo fato de isso destoar de todo o resto no filme.

    Jason Statham mais uma vez co-protagoniza e garante os bons momentos de porradaria ninja, já que os outros se dedicam mais a atirar. E também porque Jet Li apareceu só pra constar, imagino que estava obrigado por contrato. Dolph Lundgren é o símbolo maior do novo direcionamento, pois deixa completamente de lado o tom sombrio do filme anterior e se torna o alívio cômico dentro da comédia. Randy Couture (quem?) e Terry Crews já tinham pouco espaço e agora têm menos ainda – no caso do segundo, uma pena. Fechando o time, uma mercenária, a chinesa feiosa que teve até mais destaque do que merecia.

    Em relação aos astros convidados, Schwarzenegger tem um papel maior (surgindo de qualquer jeito na trama, mas enfim) e cumpre o que se esperava dele: metralha igualmente inimigos e piadas com “exterminar” e “eu voltarei”. Bruce Willis é intimado pelo Sly e também vai pra linha de frente, porém tudo meio burocrático. Faltou alguém falar que ele é “duro de matar”.

    Van Damme faz o vilão (chamado Vilain, é sério) e, apesar da cara derretida e dos braços de Popeye, parece à vontade, convence como um cara mauzão. E finalizando com o melhor, a lenda, o mito, o… eu ia dizer Deus, mas isso seria rebaixá-lo: Chuck Norris. Vale o ingresso, só isso. E daí que sua aparição não tem a menor lógica na história? Se sua entrada em cena com trilha sonora de western já não fosse digna de aplausos, o filme ainda brinca da forma mais gratuita possível com os Chuck Norris Facts!

    Depois dessa, pode-se dizer que um terceiro Os Mercenários seria desnecessário. Mas, enquanto houverem medalhões a serem chamados para brincar com si mesmos, há “conteúdo” a se explorar. Sly pode continuar reunindo a turma pra se divertir, e nós pegamos carona com eles.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | O Dia em que Eu não nasci

    Crítica | O Dia em que Eu não nasci

    O Dia em que Eu não nasci

    Logo no início do filme somos apresentados a Maria Falkenmayer (Jessica Schwarz), uma garota alemã que, em escala no aeroporto de Buenos Aires em sua viagem pela América do Sul, ao ouvir uma canção de ninar desaba em lágrimas sem sequer saber o motivo. Compelida a descobrir o que significava aquele sentimento misterioso que havia surgido dentro de si, Maria resolve se aventurar na capital argentina sem nem ao menos perceber que está entrando em uma jornada perturbadora de autoconhecimento.

    O inexplicável leva a protagonista a descobrir que seus pais biológicos na realidade são argentinos e que eles foram vítimas da ditadura no país, ocorrida em meados dos anos 80. Anton Falkenmayer (Michael Gwisdek) tenta convencê-la a aceitar a realidade e desistir de sua busca pelo seu passado, mas não encontra êxito, pois Maria está obstinada em saber a verdade.

    Um filme que explora a obscuridade da verdade do começo ao fim. O espectador está tão perdido quanto a protagonista do filme, que também se atrai em querer saber a verdade. Jessica Schwarz ganha destaque em sua atuação, cujo expressivo semblante consegue carregar as emoções que estão contidas por toda a extensão da projeção. As filmagens sempre feitas próximas ao corpo da atriz ajudam a fazer com que o espectador se apegue cada vez mais aos sentimentos e à forma que Maria age.

    Não é possível falar de O dia em que eu não nasci sem dar grandioso destaque para a ambientação de suas filmagens, mescladas com uma trilha sonora melancólica que ,por mais clichê que seja em filmes do gênero, se encaixa perfeitamente na atmosfera do filme dirigido por Florian Micoud Cossen.

    É perceptível uma certa crítica à falta de informações que muitos países possuem (inclusive o próprio Brasil) em períodos de autoritarismo por que passam. Fantasmas desses tempos obscuros que são carregados por várias pessoas no mundo todo, incluindo Maria.

    O dia em que eu não nasci é um filme encantador que faz com que nos percamos nas ruas da Argentina junto com a protagonista do filme. Uma verdadeira imersão ao desconhecido.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Os Imperdoáveis

    Crítica | Os Imperdoáveis

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    Clint Eastwood é, por si só, uma instituição do cinema americano: seus personagens e sua pessoa se misturam e como diretor ele é responsável por grandes clássicos. Em 1992, Eastwood retorna ao Western, gênero que o deixou famoso, mas que vinha esquecido há um tempo considerável.

    Os Imperdoáveis gira em torno de William Munny, um antigo assassino que adota uma vida reclusa com seus filhos e vive assombrado por seu passado violento e pela morte da mulher. Munny é encontrado por Kid, um jovem interessado em ganhar uma recompensa de 1000 dólares oferecida por um grupo de prostitutas que buscam vingança. Interessado no dinheiro para os filhos, Munny encontra seu antigo parceiro Ned Logan e segue para a missão.

    O oeste, nos filmes clássicos do gênero, sempre representou a ameaça da natureza sobre o homem e o herói é aquele capaz de colocá-la sob controle. O cowboy americano é o homem capaz de, por sua própria força (física e mental), civilizar forças perigosas e desconhecidas. Munny não é esse homem.

    O personagem é apresentado pela primeira vez já com algum tempo de filme. Vemos então um Clint Eastwood de cabelos brancos, enrugado, e é impossível não contrastar essa imagem com sua imponência nos filmes de Sergio Leone. O envelhecimento e a passagem do tempo rondam os personagens principais: eles já não atiram ou montam da mesma forma, dormir ao relento os deixa doentes. No final a passagem do tempo, o envelhecimento, a natureza enfim, parece estar ganhando deles.

    Em diversos momentos, Munny é jogado no chão por animais: ele não consegue controlar seus porcos ou seu cavalo. O personagem também não pode controlar a si mesmo. A vida regrada, o afastamento das mulheres e do álcool são a tentativa desesperada de encontrar do lado de fora aquilo que ele parece saber que está dentro. Munny teme que a crueldade esteja em sua própria natureza, teme que a crueldade anterior não seja mais do que parte dele mesmo.

    O código moral em uma terra sem lei é mais um elemento onipresente nos Westerns e é outro ponto que Eastwood coloca em discussão nesse filme. Em um dos diálogos finais, Beauchamp afirma que não merece morrer daquela forma; Munny lhe responde que merecer tem pouco a ver com aquilo. O personagem de Eastwood, ainda que atormentado, sai ileso enquanto Ned, o “melhor” dos dois, incapaz de matar a sangue frio, morre espancado. A moral e a virtude de um atirador são objeto da longa sequência em que Little Bill e Beauchamp conversam na prisão e o motivo pelo qual o biógrafo se desencanta com English Bob.

    Ao contrário de um faroeste clássico, aqui o destino dos personagens tem pouco a ver com seu comprometimento moral e a morte raramente vem acompanhada de nobreza. O universo de Os Imperdoáveis não tem lei, nem aquela certeza de sentido que acompanha boa parte do cinema americano.

    O filme é construído em grandes planos abertos, como esperado do gênero, mas aqui eles não servem para mostrar a terra a ser conquistada, e sim aquela que destrói e endurece os personagens. As cenas internas são sempre escuras, os planos fechados, cada personagem limitado por si mesmo e a moça mais bonita do filme tem seu rosto marcado por cicatrizes.

    Eastwood não chega exatamente a desconstruir o gênero, mas o elemento de tragédia e o pessimismo que insere em seus filmes subvertem os clichês. É um esforço notável e prova de sua excelência como diretor que os elementos mais fortes em Os Imperdoáveis não sejam os pertencentes ao faroeste, mas as características marcantes do cinema de Eastwood.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.