Categoria: Críticas

  • Crítica | Halloween: A Noite do Terror

    Crítica | Halloween: A Noite do Terror

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    O clássico de John Carpenter começa com a câmera emulando os olhos do monstro, como em Jaws de Spielberg, mostrando a criatura carrasca punindo os lascivos. Mesmo com o assassinato sendo retratado, a lente é recatada e não acusa o golpe fatal no prólogo, para só depois revelar o assassino, o inocente Michael Myers, ainda infante.

    Jamie Lee Curtis, ainda com 20 anos, viria a inaugurar o estereótipo de scream queen, além de tornar a sua personagem, Laurie, a mais famosa personagem do tipo na história do cinema. A filha de Janeth Leigh ainda não estava no auge da beleza – especialmente ao que é visto em True Lies – mas compunha a vítima perfeita, escandalosa, veloz na corrida e claro, engenhosa na feitura de armas improvisadas e planos de fuga esdrúxulos. A fita tem um ar de artesanal, a começar pela trilha sonora e música, compostas pelo próprio realizador. A edição de som é primorosa e eleva a aura de suspense às alturas.

    Donald Pleasence seria figura carimbada na franquia. O seu detetive Loomis é apresentado como um sujeito paranoico. Pérolas como essas: “O Mal se foi!”; “Isso não é um homem”; “O mal chegou à sua cidadezinha” e “Olhos negros, olhos de puro mal”, saem a todo momento da boca do personagem e transformam a figura do doutor em motivo de chacota dado o pavor que o doente causa nele, além de tornar o médico numa figura tão ou mais depravado e desequilibrado quanto Myers. Loomis observou o crescimento do rapaz em um homem, por 15 anos acompanhou o seu caso e nada pôde fazer, pois nesse período o insano somente olhava para a parede até o famigerado dia da fuga. Mas o show de absurdos prossegue, a “máquina assassina” ao tentar atacar Laurie Stroode, capa o seu braço mesmo empunhando uma machete. O assassino é atrapalhado, característica pouco comum em slasher movies, e mais tarde abandonada nos filmes da franquia, mas homenageado por Wes Craven e Kevin Williamson no personagem Ghostface, vilão da quadrilogia Pânico.

    A semi-nudez parece ser um gatilho para a fúria assassina do infante assassino preso num gigantesco corpo de dois metros de altura. Myers funciona como um arauto da moral, se utilizando de sua máscara não nominada para manter o sigilo de sua identidade, como a justiça sem rosto distinguível, simbolizando os ecos do conservadorismo perdido em virtude do sexo livre, um paladino tão extremo e descompensado que confunde a proteção a estes valores com a punição para quem não os cumpre a risca, trazendo a morte àqueles que deturpam o conceito da moral e exterminando os sexualmente ativos.

    São mostrados apenas meia dezena de mortes no filme. As cenas de ação não causam muito impacto, até por ser bastante cruas, mas compensam em visceralidade e verossimilhança o que falta em grafismo nos assassinatos. O subgênero de terror slasher era algo ainda embrionário e as coincidências e furos de roteiro tornariam-se repetidas a exaustão nos filhotes bastardos de Halloween, não somente neste sub-tópico mas em inúmeros outros tipos de horror movies, especialmente as temáticas do assassino “imortal”, fuga do vilão e a permissividade da sobrevivência do monstro, jamais morto, mesmo quando se há oportunidade, claro que estes pontos foram distorcidos e apresentados de mil formas diferentes. Halloween de John Carpenter é um arrombo de suspense e tornou-se uma franquia muito lucrativa a despeito do interesse de seu realizador.

  • Crítica | Kick-Ass 2

    Crítica | Kick-Ass 2

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    Quando foi lançado em 2010, o primeiro Kick-Ass assumiu ares de um pequeno cult. Parodiando super-heróis com humor negro, visual e trilha sonora marcantes e a direção competente de Matthew Vaughn (responsável depois pelo ótimo X-Men: Primeira Classe), o filme surpreendeu e agradou aos desavisados. Mas pra quem havia lido a HQ de Mark Millar e John Romita Jr., o resultado foi até interessante, mas inegavelmente uma versão suavizada da escrotidão existente na mídia original. Dessa forma, se o segundo volume da saga nos quadrinhos já se mostrou repetitivo e menos inspirado, no cinema o prejuízo foi ainda mais evidente.

    Nesta nova aventura, Dave/Kick-Ass (Aaron Taylor-Johnson) junta-se a um grupo de vigilantes mascarados chamado Justiça Eterna, cujo líder é o ex-mafioso e hoje cristão Coronel Estrelas e Listras (Jim Carrey). Mindy/Hit-Girl (Chloe Grace Moretz) vive em conflito entre continuar o legado de seu falecido pai e trucidar marginais, ou respeitar o desejo de seu atual guardião e viver como uma adolescente normal. E o ex-Red Mist e agora MotherFucker (Christopher Mintz-Plasse) usa o dinheiro de sua família mafiosa pra formar uma equipe de supervilões e buscar vingança.

    Ainda que Dave e Mindy tenham algumas divertidas interações (como a garota deixando claro quem é o “Robin” da dupla), na maior parte da história os três protagonistas seguem em tramas paralelas, o que enfraquece a narrativa. Fica a impressão de ser um seriado de tv mal planejado, que não consegue juntar os personagens e investe em encheção de linguiça até o final da temporada. E por incrível que pareça, o vilão acaba sendo o mais interessante. Enquanto Kick-Ass e seus colegas oferecem um sonolento mais do mesmo e a Hit-Girl embarca num dispensável clichê teen/high school, os melhores momentos do filme são com o McLovin. De início ele paga para ter um treinamento ninja hardcore, se achando um Batman do mal (com direito a um “Alfred” vivido por John Leguizamo), mas naturalmente não aguenta o tranco, e resolve contratar outros para lutar por ele – afinal, o dinheiro é seu super-poder.

    Porém, a narrativa entrecortada não é o único, nem o principal, problema do filme. Com Vaughn apenas como produtor, a direção e o roteiro ficaram com o inexpressivo Jeff Wadlow. Ele se limita a emular, sem a mesma habilidade, o estilo do original, enquanto adapta com grande fidelidade a HQ Kick-Ass 2 (e usa também elementos da minissérie solo da Hit-Girl). E com isso, escancara as falhas de Millar. Além da perda do fator novidade, o escritor resolveu exagerar mais, tentando um tom mais grandioso. Tanto o quadrinho quanto o filme se perderam completamente, indecisos entre fazer piadas ou se levar a sério.

    O caso é que no gibi fica mais fácil ignorar isso e se divertir com os absurdos, pensando algo como “ah, é uma história de super-herói, que venham os clichês”. Mas no filme fica muito mais perceptível a ruptura com o conceito inicial de “realismo”. Ao tentar incluir momentos dramáticos, mortes, sofrimento, consequências para a vida pessoal de um mascarado, a violência deixa de ser engraçada e se torna incômoda. O humor não passa mais nem como negro/politicamente incorreto, fica apenas mal-colocado. Até é possível fazer graça com qualquer absurdo, desde que se mantenha o tom de zoeira constante. Aqui, a chave é desligada em algumas cenas, para tentar incluir um peso dramático, e quando é ligada de novo, a estranheza é chocante.

    Chega a ser irônico que a “culpa” maior de Kick-Ass 2 seja sua fidelidade ao material original. Pelo menos fica o exemplo de que na transposição de mídias, a adaptação precisa ser feita com mais cuidado.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Fome

    Crítica | Fome

    82 - Hunger

    Estreia do diretor britânico Steve McQueen, Hunger (Fome) se passa na prisão de  Maze, onde os prisioneiros condenados por participar de ações terroristas do IRA eram levados. A história se passa em torno de Bobby Sands, (Michael Fassbender) um combatente do exército republicano irlandês, que lidera um movimento a fim de conseguir o status de “prisioneiro político” ao invés de prisioneiro comum, o que o governo da então primeira-ministra Margaret Thatcher se recusa a fazer.

    Mais do que um filme político, Hunger evita todos os clichês e se foca somente nos detalhes e nas características comuns de cada um dos personagens do filme, sejam os detentos, sejam os guardas. Tentando ao máximo fugir da panfletagem, McQueen consegue desenvolver uma narrativa onde importa mais discutir as motivações por trás dos atos daqueles guerrilheiros do que qualquer outra coisa.

    Usando uma estética da violência para se estabelecer o padrão das relações naquele ambiente, o filme não poupa o espectador de uma brutalidade crua e fria, mas que provavelmente choca mais os habitantes de outro país do que do Brasil, onde já estamos habituados ao tratamento desumano de nossos presídios, o que desumaniza também a sociedade e seus agentes do micro-poder responsáveis pela manutenção deste ciclo. As sequências mostrando o cotidiano paranoico de um guarda da prisão ao olhar minunciosamente o carro e sua rua, procurando por ameaças antes de ir trabalhar, mostra como a violência infligida ao outro sempre acaba por violentar também seu executor. Outra sequência também de tirar o folego é quando o batalhão de choque é chamado para conter uma revolta dos prisioneiros. Extremamente bem filmada, a cena consegue passar um realismo e uma ferocidade raras no cinema.

    Porém, sabiamente, Hunger não se limita a somente mostrar a violência. Há outros condutores de relacionamento. Depois de estabelecida a dinâmica do presídio, McQueen se volta para estabelecer as motivações por trás dos guerrilheiros do IRA. Vindos de uma Belfast onde todos se conhecem e frequentaram as mesmas igrejas, escolas e lugares públicos, Sands encontra-se com um Padre, onde explica sua próxima ação a fim de minar a credibilidade dos britânicos: uma greve de fome iniciada em sequência, com intervalos de dias entre os prisioneiros, onde ficaria impossível monitorar todos. Em um belíssimo plano-sequência de 16 minutos, o Padre Dominic Moran (Liam Cunningham) tenta, em vão, convencer Sands da loucura que seria impor aos amigos e família tal sofrimento. Mas Sands, em uma argumentação extremamente convincente e elaborada, fruto de uma imensa reflexão e ideologia beirando o fanatismo, se mostra irredutível.

    O terceiro ato é a consumação da greve de fome, onde somos forçados a ver agora um ato de uma violência auto-infligida de Sands em si mesmo, onde ele mostra ao mesmo tempo que é dono de seu corpo, e o sofrimento físico causado pelos britânicos naquele período de encarceramento não representam nada. A entrega de Fassbender ao papel também merece destaque, já que o ator, que já era magro, precisou emagrecer ainda mais 16 quilos a fim de gravar as cenas finais, onde Sands agoniza. Ele morre, junto de outros companheiros. O governo britânico não dá o status de prisioneiros políticos ao grupo, mas concede outras melhorias a fim de acabar com a greve e a pressão internacional. Se ao menos Sands não consegue seu objetivo principal, consegue, ao doar sua vida a uma causa, transformar seu corpo e sofrimento em panfleto político e expor ao mundo o que estavam passando, expondo também o autoritarismo dos anos Thatcher.

    Hunger se mostra então um filme sobre violência, das mais diversas formas, usadas pelos mais diversos pretextos, e como ela pode ser usada como forma de discurso. O principal mérito do filme, no entanto, é não se deixar cair em melodramas, ao executar com perfeição as cenas dramáticas com uma tonalidade séria, sem músicas que forcem o choro, que tentem exagerar ou mesmo diminuir o nosso sofrimento ao testemunhar tais atos. Dessa forma, é um filme corajoso, frio, e que nos tira do nosso lugar comum com uma brutalidade necessária para nos chacoalhar nesses tempos tão cínicos e insensíveis a dor do outro e a dor altruísta.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

    Ouça nosso podcast sobre Steve McQueen.

  • Crítica | Fuga de Nova York

    Crítica | Fuga de Nova York

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    Fuga Para Nova York é um dos melhores filmes de John Carpenter e sempre lembrado na lista de grandes produções da década de oitenta. Misturando ação com ficção científica, a trama situa-se em 1998, em um futuro em que a ilha de Manhattan tornou-se uma gigantesca prisão que o governo monitora pelo exterior. Devido a um atentado contra o avião do presidente dos Estados Unidos, o veículo faz pouso forçado dentro da prisão e precisa ser resgatado a todo custo. Snake Plisken, um famoso bandido local, é obrigado a realizar o salvamento.

    Kurt Russell já havia trabalhado com Carpenter anteriormente e realizam mais uma parceria bem sucedida. A criação do anti herói de poucas palavras tornou-se icônica pela cara mal encarada e o tapa olho característico. Mesmo silencioso a maior parte do tempo, é um personagem com presença cênica e  carrega em si a simbologia de um nome feito nas ruas, a partir da tatuagem de cobra que tem na barriga, garantido seu perfil brucutu. O típico anti-herói que não se transforma durante a jornada. Mesmo tendo estrelado apenas dois filmes, foi marcante o suficiente para sempre estar na memória de cinéfilos e de listas sobre heróis de ação.

    Ao assistir está produção antiga, nota-se as sequências de ação bem diferentes das vistas hoje. Ainda não havia apreço por cenas de lutas coreografadas como balé, nem utilização de cortes rápidos. A produção tem somente um conciso polo de ação – o resgate do presidente – e nesta situação que se desenvolve pequenos conflitos e embates que surgem no caminho desta missão.

    A ambientação de Nova York suja e desolada, como uma prisão-esgoto para os bandidos, é bem retratada e demonstra o talento que John Carpenter possui para produzir boas histórias no universo da ficção científica (recuso-me a utilizar a expressão futuro distópico, tão em voga no momento). Embora ainda vivo, parece aposentado. Seu último filme, Fantasmas de Marte, foi lançado em 2001 e foi um fracasso retumbante de público. Fazendo jus a um filme bobo que aproveitou o hype da exploração de nosso planeta vizinho para uma história de antiga civilização que assombra a população terrestre do local.

  • Crítica | O Último Exorcismo

    Crítica | O Último Exorcismo

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    Logo na primeira cena o cinegrafista é enquadrado no espelho, que já caracteriza o filme em primeira pessoa no formato de mockumentary, estilo muito em voga e utilizado a exaustão nos últimos, The Last Exorcism é de 2011, muito após Bruxa de Blair, Cloverfield e Rec. O personagem central é Cotton Marcus (Patrick Fabian), jocoso, um showman do “credo cristão” que não tem vergonha de se valer da ignorância de seus fiéis. Apesar disso, no início, ele não deixa claro se seu caráter é de charlatanice pura ou mesclada com um pouco de fé em Deus. Ele declara que não acredita em demônios, mas quando faz os exorcismos ele tem de fingir acreditar.

    A fé do protagonista é abalada devido a doença do seu filho, mas a manteve minimamente acesa pelo menino ter sobrevivido. Após algum tempo, através de notícias em jornais, descobriu sobre um caso de exorcismo em que um rapaz autista morrera, e Cotton decide fazer uma cruzada contra a escola de Exorcismo que o Vaticano abrira, através do documentário que estivera gravando.

    A “vítima” é mostrada como uma menina criada em um lar cristão fundamentalista, mas ainda assim, é atormentada pelo diabo – ao menos é o que acredita o seu pai. Nell, interpretada por Ashley Bell, torna toda a feitura do filme em algo relevante, aliás as atuações são pontuais em quase todos os casos, especialmente com Louis Herthum, Patrick Fabian e Calebe Landry Jones.

    Lá pelos 27/28 minutos o reverendo é mostrado montando suas arapucas de exorcismo, como cordões invisíveis, sons emulando Satanás em aparelhos de mp4. A “pilantragem” é muito semelhante a de muitos iguais brasileiros, que se utilizam da ignorância alheia e alta superstição para encher seus bolsos de dinheiro.

    Os relatos dos cidadãos comuns prestam um serviço de verossimilhança à obra, mas já foram usados tantas vezes que torna-se um recurso exaustivo. Daniel Stamm dirige seu segundo longa-metragem e até consegue prender a atenção de espectador, mesmo que seu horror movie não contenha muitos sustos.

    No segundo ato as coisas mudam, e Nell passa a dar indícios de medo, aparentemente ligada à figura paterna. O patriarca diz achar que as ações são demoníacas, mas o testemunho do irmão e do pastor local fazem levar a possibilidade para uma criação de métodos medievais, agressivos e violentos, o que causaria na menina problemas de ordem psiquiátricas, que se agravam com a descoberta de sua gravidez, especialmente com a possibilidade de incesto.

    Na última meia hora o ritmo acelera drasticamente, o que torna a trama ainda mais interessante. O conjunto de possibilidades apresenta hipóteses interessantes, que remetem até à perda da inocência, mas que se provam como falácias puras e simples. O plot twist à la Bebê de Rosemary é legal, mas falta a si a ambiguidade do clássico de Polanski. O Último Exorcismo, em última análise, é uma exploração competente do tema, mesmo sem recorrer a todos os clichês do gênero filme de exorcismo, apelando para as repetições típicas dos mocumentários.

  • Crítica | Blue Jasmine

    Crítica | Blue Jasmine

    Blue Jasmine

    Woody Allen, é um cineasta prolífico e obsessivo. São quase 50 filmes, muitos deles apresentando de alguma forma os mesmos temas, os mesmos personagens e as mesmas narrativas. Nas mãos de Allen isso não é um problema, sua obsessão genuína e seu humor fazem com que voltemos ao cinema para ver exatamente isso, Woody Allen sendo Woody Allen.

    Blue Jasmine é ao mesmo tempo algo novo na filmografia do diretor e algo profundamente clássico. É novo porque nunca ele havia se debruçado tanto sobre uma figura feminina, mesmo em Annie Hall, ela aparece pela perspectiva de Alvy, e em Vicky Cristina Barcelona a tríade de mulheres fragmenta a atenção. Aqui não, o filme é todo de Jasmine, é seu rosto que ocupa a tela em super-closes, é sua neurose e seus traumas que conduzem a narrativa, nós só sabemos o que ela está disposta a admitir.

    Também é novidade que Woody Allen dê tanta liberdade criativa a um ator. Na maioria de seus filmes, o intérprete acaba parecendo o próprio Allen (o caso mais notável deve ser Owen Wilson em Meia Noite em Paris), ou ao menos incorporando trejeitos e entonações típicas de seus filmes. Mas a Jasmine de Cate Blanchett é uma criação dela, sua postura, voz e jeito, são todos dela, ainda que a personagem seja uma clássica neurótica de Woody Allen.

    E é por isso que o filme é também clássico. Jasmine é uma personagem típica do diretor: neurótica, verborrágica, esnobe e, ainda assim, inexplicavelmente cativante. O ambiente que ela circula também é familiar, especialmente nos filmes dos últimos anos: a classe alta urbana, culta, cheia de jantares, ingressos para a ópera e obras de arte na sala de casa.

    Blue Jasmine é o resultado de dois esforços criativos, onde Allen entra com seu estilo habitual e Cate Blanchett injeta novidade e um outro ponto de vista, criando uma mulher que é sobretudo real. A atuação dela é antológica, o estado emocional e as oscilações da protagonista se refletem em sua postura, sua voz, até a aparência de seu rosto. Blanchett sempre foi uma ótima atriz e esse é sem dúvidas um de seus melhores trabalhos.

    Há um outro mérito em Blue Jasmine: Woody Allen erra menos que de costume ao tratar de classes menos favorecidas. O esnobismo do autor vem a seu favor quando olha para seu próprio meio, mas derrapa em todos os filmes em que ele tenta falar de classes baixas (à exceção, talvez, de O Sonho de Cassandra). Aqui, embora a irmã da protagonista e seus namorados não sejam exatamente bem construídos, eles são um pouco mais agradáveis e menos estereotipados que os personagens de, por exemplo, Os Trapaceiros.

    Filmado em São Francisco, o filme não chega a fazer da cidade a sua protagonista, o que é um respiro depois de infinitos filmes em que o cenário teve papel mais significativo do que os personagens em cena. Talvez por estar de volta ao seu país, Woody Allen se sinta a vontade para voltar para dentro de casa e para dentro de personagens neuróticos e obcecados, menos planos abertos, mais super-closes. Jasmine talvez cruze um pouco mais a linha da loucura do que a média dos personagens do cineasta. Allen também volta ao tema da sorte: é um acaso que a leva a recaída, é por um acaso que não tem saída.

    Blue Jasmine é exatamente isso: um filme de Woody Allen que soa como um filme de Woody Allen. Falta a parcela de genialidade de obras como Annie Hall e Manhattan, mas não importa, é ainda assim um filme bastante bom.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | O Colecionador de Ossos

    Crítica | O Colecionador de Ossos

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    Não há mediano no universo de filmes policiais. Ou a trama sustenta-se e consagra-se ou vira história mal contada com elementos de investigação. Atualmente, o cinema preocupa-se muito mais em criar uma atmosfera violenta, pelo choque que causa no público, do que conduzir uma boa investigação, coerente e instigante, mesmo que isso seja sinônimo de uma história mais tradicional.

    O Colecionador de Ossos tornou-se um defensor de um estilo não mais em voga, preocupado em justificar a função de cada assassinato no enredo e nunca tirar de cena um dos elementos primordiais da narrativa de investigação: o detetive. Baseada na obra de Jeffery Deaver, a trama desenvolve a dinâmica de dois policiais díspares que, devido à importância do caso, são obrigados a trabalhar juntos.

    A formulação da parceria entre as personagens é composta de maneira não usual. Promove um brilhante detetive forense, incapacitado por um acidente, e uma novata descontente com o departamento em que trabalha. Juntos, a unidade que a dupla produz se torna eficaz, utilizando a experiência de um homem preso a uma cama e um precoce instinto forense de uma policial novata, ainda não acostumada com a brutalidade dos crimes.

    A interpretação de Denzel Washington impressiona pela limitação da personagem. O ator consegue, utilizando apenas o rosto e o tom da voz, expressar a amargura de um homem limitado fisicamente, ciente de que seu quadro clínico não será melhor, e o brilhantismo de um detetive dedicado, em anos de profissão, a estudar e compreender a difícil ciência forense, tornando-se uma referência no assunto e com vários livros publicados. Enquanto Angelina Jolie, ainda não glamourizada pela beleza ímpar, entrega eficiência entre certa beleza ordinária de uma policial bem composta, com personalidade forte, fundamentando credibilidade à trama.

    O sucesso do filme se deu, em boa parte, pelo fato do público acompanhar com os detetives a evolução das mortes e a investigação do caso. Abstendo-se de revelações surpreendentes ou reviravoltas no roteiro como gancho. Preocupando-se em manter a coerência da história para que ela potencialize o suspense da investigação e a eventual revelação dos culpados.

    Estranhamente, nunca houve uma continuação, embora os romances de Deaver deem sequência à parceria das personagens. O livro que originou esta produção foi o primeiro a apresentá-las e, também com estrutura tradicional, apresenta com excelência seu crime e seus desenlaces, sendo uma recomendação a quem gosta do gênero ou se interessou pelas personagens.

  • Crítica | O Cão dos Baskervilles (1939)

    Crítica | O Cão dos Baskervilles (1939)

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    Dirigido por Sidney Lanfield, o Cão dos Baskerville é a primeira fita em que Basil Rathbone encarna o detetive Sherlock Holmes. Os cenários belíssimos, a neblina, os cortes secos, a fotografia e figurinos lembram muito as películas da Universal com temáticas de monstros, das quais o próprio Rathbone participou anteriormente – como o Filho de Frankenstein, lançado no mesmo ano, em 1939.

    O drama começa em Dartmoor, mostrando Charles Baskerville (Ian MacLaren) morrendo. Sherlock não demora a aparecer, aos 4 minutos sua silhueta é mostrada, mas só depois o seu rosto, numa tentativa da câmera de já instaurar uma aura mitológica no personagem. A diferença entre as duas locações é notória, enquanto a escuridão predomina no quintal da Mansão dos Baskerville, o apartamento 221b é um ambiente iluminadíssimo, sem espaço para ambiguidades e enfatizando, claro, os dons de clarividência de seu ilustre locatário.

    A justaposição das cenas em flashback da lenda, lida direto do manuscrito pelo Doutor Mortimer (Lionel Atwill), é um artifício interessante, mas ao ouvir a anedota – bastante amenizada comparada ao conteúdo do livro – Holmes não dá muita importância, tomando o seu violino para tocar despreocupadamente. Seu interesse só retorna ao caso quando é citado novo herdeiro, Henry Baskerville (Richard Greene) então o detetive envia Watson (Nigel Bruce) para ir com eles a Dartmoor, enquanto Holmes se preparava ainda em Londres.

    Watson e Henry se mostram incrédulos em relação a lenda local, ainda que só sejam completamente descrentes superficialmente. As cartas do doutor, em seu conteúdo, mostram o quanto ele está reticente a possibilidade de uma criatura sobrenatural estar rondando o solar. A cena da médium chamando a memória do falecido Sir Charles pode ser encarada como uma referência a obsessão ao espiritismo que assolou o autor Arthur Conan Doyle, e claro, sem a presença do astuto investigador para possivelmente desmentir a mulher ou evidenciar sua charlatanice.

    Mais tarde, com Sherlock já em Dartmoor acompanhado de Watson em uma perseguição, nota-se que a coloração de suas vestimentas, predominantemente cinzas, os fazem quase se camuflar naquele ambiente enevoado, o que se intensifica ainda mais com a filmagem rotoscópica em preto e branco. A revelação do vilão liberando a fera não é nem de longe tão urdida quanto no romance de Conan Doyle, ela é explicita demais, ignorando toda a sutileza e nuances do texto original, sobrando obviedade, apesar da prática ser comum nas obras cinematográficas dos anos 30.

    Talvez o maior problema da adaptação de Lanfield seja a personificação de Watson, um bufão atrapalhado e alívio cômico, pautando a atuação de Nigel Bruce no humor físico, muito diferente de sua contraparte literária, não tão genial quanto Holmes, mas ainda assim bastante inteligente e astuta. A obrigatoriedade de um romance, no caso entre Henry e Beryl Stapleton (Wendy Barrie) também tira o foco que deveria ser dado às investigações, o artifício era uma praxe na época, tanto que o primeiro nome nos créditos finais é o de Richard Green, só depois o de Basil Rathbone e em seguida Wendy Barrie.

    A conclusão é um pouco diferente do original, John Stapleton (Morton Lowry) tenta emboscar Holmes, e retorna à Casa dos Baskerville para terminar o serviço, lá a hipótese dele ser um descendente bastardo do Sir Hugo da lenda é tomada como fato, para que tudo fique mais claro para a audiência. A produção alcançou um sucesso suficiente para a feitura de uma continuação, ainda em 1939.

  • Crítica | Gravidade

    Crítica | Gravidade

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    A primeira coisa que chama atenção na carreira de Alfonso Cuarón é sua diversidade: constam em seu currículo de diretor um filme infantil, uma adaptação moderna de clássico da literatura, um indie filmado no México (seu país natal), um Harry Potter e duas ficções científicas. Embora competente em todos esses filmes, Cuarón nunca destacou-se como diretor, mesmo em E Sua Mãe Também, seu longa mais aclamado, os méritos pareciam ser do roteiro e das atuações, não exatamente do talento do cineasta para decupagens e cortes, e é por isso que a excelência técnica de Gravidade vem como uma surpresa que é quase um choque.

    O roteiro é quase nada: após um acidente com um satélite russo, dois astronautas se veem à deriva no espaço, mas, como Ridley Scott já ensinou, no espaço ninguém pode te ouvir gritar. A referência não é a toa, Alien é uma influência que transparece em Gravidade, a começar pela ideia de fazer no espaço um filme cujo foco não é exatamente o espaço. Alien era um filme de terror, Gravidade é um drama, o espaço é o cenário que permite a premissa narrativa, mas a tecnologia envolvida nunca é o ponto central da trama.

    O ponto central da trama de Cuarón é Ryan Stone e está aí o maior fraco do filme. A personagem não passa de um amontoado de clichês: cientista solitária, perdeu a filha pequena em um acidente estúpido pelo qual ela obviamente se culpa, está no espaço para fugir dos seus demônios terrestres. Clichês tornam-se clichês por um motivo bastante simples: eles funcionam. Mas nem sempre. Um dos fatores que sempre deixou Cuarón a alguns passos de ser um grande diretor é que, para alguém que parece gostar muito de clichês, ele não sabe usa-los a seu favor. O personagem de George Clooney também é um clichê, mas o ator consegue encarna-lo com leveza, humor e charme que o tornam uma caricatura plausível, alguém que talvez pudesse carregar um filme de 90 minutos nas costas. Mas Sandra Bullock não pode. Stone é má construída, mas poderia funcionar nas mãos de uma atriz mais competente. Bullock não é terrível, mas certamente não tem os recursos necessários para sustentar um filme em que ela é a única personagem em tela por 90% do tempo. Sua atuação é sem sal e morna, toda a dimensão de tensão e pavor colocados no filme nem passam por seu rosto.

    Se existe tensão, e existe muita, o mérito é todo do diretor. Cuarón constrói planos belíssimos, precisos e ao mesmo tempo inesperados, a insignificância do homem perto ao tamanho da Terra e, mais ainda, do universo se coloca como opressora e inescapável nos grandes planos abertos  de um céu repleto de estrelas. Gravidade demonstra por imagens o como somos realmente poeira de estrelas e assim transforma o objetivo de sua protagonista em uma missão impossível. Stone precisa vencer absolutamente todas as estatísticas, sua vida é uma chance em mil e a metáfora final, comparando a chegada da cientista a Terra com a existência da vida parece adequada.

    As metáforas de morte, renascimento e evolução estão presentes por todo o longa, mas funcionam como um guia de composição de imagens, um bônus do diretor. Está ali e é possível ver, mas também está ali uma história bem contada, um filme tenso e bem amarrado. Há um mérito enorme nessa escolha: uma ficção científica com metáforas existenciais, mas que não permite que essas metáforas roubem a cena é o que o próprio Scott deveria ter feito em Prometheus, mas não conseguiu. Porque Gravidade é essencialmente isso: um filme clássico que conta uma história, deixa o espectador tenso ou emocionado nas horas certas, obedece um arco determinado e tem um final feliz, reflete sobre questões mais profundas, mas não busca ser nenhum tipo de filme filosófico ou reflexivo. Gravidade está bem mais perto de Alien do que 2001: Uma Odisseia no Espaço ou Solaris.

    Além de composições excelentes, Cuarón conduz seu público através do som, enfatizando o silêncio opressor do espaço. O uso do silêncio, e não da trilha, é o verdadeiro trabalho nesse filme e o principal responsável pela criação de atmosferas e sensações. Porque no final, Gravidade é isso: um filme de atmosferas e sensações. A tensão engendrada não vem por nós de roteiro, mas porque o espectador consegue imaginar a sensação terrível de se estar à deriva no espaço. Funcionaria melhor com uma personagem mais bem construída, em alguns momentos o filme me perdeu como espectadora simplesmente porque não me importava se Stone morresse de algum jeito terrivelmente dolorido no espaço, criar um personagem empático é essencial para a tensão.

    Gravidade prova que Alfonso Cuarón pode ser um grande diretor, a composição de planos do filme e o uso da linguagem é algo tão preciso que apenas Aleksander Sokurov faz algo comparável hoje em dia (mas em um “nicho” bem diferente do mercado). Contudo, como em todos os seus filmes, Cuarón fica um passo atrás de seu próprio potencial, uma escolha errada aquém de um filme perfeito.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Blood Money: Aborto Legalizado

    Crítica | Blood Money: Aborto Legalizado

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    Sinopse: Uma investigação sobre a indústria do aborto nos Estados Unidos, do ponto de vista dos ativistas contrários à prática, conhecidos como pró-vida. O documentário pretende mostrar que o aborto legalizado é sinônimo de assassinato de bebês, que as mulheres sofrem traumas irreparáveis com essa prática, e que a intenção por trás do aborto é apenas a ganância e a vontade de diminuir a quantidade de negros nos Estados Unidos, já que as mulheres negras representam a maioria dos abortos no país.

    De acordo com o diretor, o documentário Blood Money foi idealizado em 2004, no período das eleições presidenciais, ao perceber que o tema apenas virava assunto de debate nessa época com nítidas intenções eleitoreiras, sem acrescentar informação ou qualquer esclarecimento.

    David K. Kyle estreia na direção com este documentário – narrado por Alveda King, sobrinha de Martin Luther King Jr. – cuja sinopse dá a impressão de que se trata de uma denúncia referente à monetização do aborto nos Estados Unidos. Contudo, o roteiro alterna entre militância pró-vida e denúncia, sem muito cuidado na transição de um a outro, o que dá a impressão de que a montagem foi feita aleatoriamente. A sequência de depoimentos e apresentação dos fatos parece não seguir uma linha narrativa. Mesmo tratando-se de um documentário, as ideias poderiam estar melhor alinhavadas, de modo a apresentar o tema da maneira mais sucinta possível. O que, em vários momentos, não ocorre.

    É ponto pacífico que a melhor maneira de defender um ponto de vista não é mostrar apenas o seu lado da questão, mas sim mostrar os dois lados e, com argumentos, demonstrar que seu lado é o melhor. E o roteiro não faz isso. Todos os entrevistados compartilham do ponto de vista do diretor/roteirista. Qualquer espectador mais crítico com certeza fica à espera de depoimentos que façam o contraponto. E, na tentativa de aproximar o público do drama de algumas entrevistadas, o exagero nos closes é entediante – o excesso causa desconforto.

    Certamente, seria mais interessante ao público caso a parcela de denúncia do documentário tivesse sido investigada com maior profundidade. A exploração da indústria do aborto, a “criação” de clientes em potencial, a eugenia e o controle de natalidade, o ‘modus operandi’ das clínicas e afins são mostrados bem superficialmente. Enquanto que os depoimentos dos entrevistados que são nitidamente contra o aborto – muitos deles sem qualquer base científica ou jurídica – ocupam mais de 60% do tempo.

    Não cabe aqui discutir ser a favor ou contra as ideias apresentadas no documentário, mas vale frisar que o tom de “catequização” talvez seja um tiro no pé nas intenções do diretor de suscitar o debate sobre o assunto.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Alta Fidelidade

    Crítica | Alta Fidelidade

    high fidelity

    Baseado na obra de Nick Hornby, Alta Fidelidade é o 14° longa de Stephen Frears – de Coisas Belas e Sujas e Terra de Paixões. Traz em seu conteúdo uma comédia intimista, pessimista e até conformista, dependendo é claro dos olhos que a analisam. Mais do que isso, High Fidelity é um filme sobre como as escolhas da vida são feitas e sobre o que se deve insistir.

    John Cusack faz Rob Gordon, um rapaz já não tão jovem, com idade aproximada de três décadas, mas que guarda em seu estilo de vida algo de infanto-juvenil. Não é um loser completo por possuir uma loja de discos que mais se assemelha a um sebo nos moldes brasileiros, onde emprega dois desajustados que não saem de lá mesmo com os baixos salários que recebem, mas que ainda assim, se permitem acreditar que são melhores do que os clientes que por lá passam. Em uma fala, vinda de um amigo dos três, em que ele compra um disco raro e que o vendedor se recusara a vender para um cara “comum”, exemplifica bem essa máxima (que é também o resumo a auto-imagem que alguns blogs nerds brasileiros se encaixariam – entre eles, este Vortex Cultural):

    “- Por que o vendeu para mim e não para ele?
    – Você não é tonto, Louis.
    – Vocês são esnobes.
    – Não somos.
    – É sério. São totalmente elitistas. Julgam-se os eruditos, depreciados e desprezam as pessoas que sabem menos que vocês, que é todo mundo.
    – Sim.
    – É muito triste, só isso.”

    Rob tem uma estranha tara por querer ranquear tudo, passando todo o seu tempo junto a Barry – Jack Black – fazendo listas Top 5, de setlists, bons filmes ou momentos marcantes da vida. Tais ações lembram muito os maneirismos do comportamento obsessivo, a ânsia por qualificar a tudo e a todos é reflexo de outra máxima dos personagens, de que o que faz uma pessoa importante é o que o indivíduo gosta, não o que ele é. A declaração soa superficial, e é, segundo o protagonista, mas corresponde a realidade daqueles que são mostrados em tela, e é obviamente crível visto a ótima construção dos personagens.

    A estrutura narrativa que Frears escolheu não poderia ser melhor, a narração de Rob tratando de quase todos os assuntos diretamente com o público não soa estranho em momento algum, e deixa de ser estranha com poucos momentos de exibição. O modo como o conjunto de nerds é retratado é engraçado, pitoresco, mas não é super caricato. A falta de tato social dos personagens é mostrado de forma verossímil, e eles não precisam ser os estereótipos em todo o tempo, cada um deles é mostrado com nuances, complexidade e dimensionalidades múltiplas.

    As relações mostradas constituem um dos pontos fortes do roteiro, que contempla na relação de Rob e Laura – Iben Hjejle – uma linha guia, mas que ramifica por cada um dos namoros que ele teve durante sua vida. O resgate aos momentos anteriores de sua vida representam em alguns momentos nostalgia e em outros pontos de puro terror,  mas tem em comum a interessante tarefa de análise do caráter e do comportamento de Rob diante das tão temíveis relações amorosas, explicitando as inseguranças e os medos do sujeito medíocre diante do temível gigante chamado solidão – que se solidifica com a decisão dele de parar de pular de galho em galho. Gordon não termina o filme como um sujeito perfeito, mas demonstra que seu personagem evoluiu, e aprendeu que deve tentar se arriscar mais, ousar e tentar ser algo mais além do ordinário.

    Apesar da mensagem final ter um tom de auto-ajuda, a criatividade em como as coisas se desenrolam passam por cima de qualquer possibilidade de pieguismo barato, graças ao roteiro de Cusack, Steve Pink, Scott Roserberg e D V DeVincentis, além é claro, da portentosa lente de Stepher Frears, que soube condensar todo o humor cáustico e nonsense com toda a metalinguagem presente no script e tirando de seu elenco as melhores atuações possíveis.

  • Crítica | Serra Pelada

    Crítica | Serra Pelada

    80 - Serra Pelada

    Depois do fracasso de 12 Horas (Gone) em Hollywood, o cineasta Heitor Dhalia volta ao Brasil com o longa Serra Pelada, que conta a história, de dois amigos, situada dentre a loucura desencadeada pela descoberta de ouro no interior do Pará. No início da década de 1980, o complicado Juliano (Juliano Cazarré) e o professor Joaquim (Júlio Andrade) decidem sair de São Paulo e ir atrás da riqueza do ouro em Serra Pelada logo quando há a descoberta do metal na região, na tentativa de enriquecerem e mudarem de vida, mas logo verão que as condições para isso acontecer serão mais complicadas do que pensavam.

    Partindo de uma perspectiva intimista e situando dois personagens comuns em meio a uma história recente e de drama social do país, Dhalia se utiliza de toda a qualidade técnica que o cinema nacional agora dispõe, desde a captura de som, que chega a incomodar tamanho o volume do som ambiente, (como alguém engolindo um líquido, tão alto quanto a conversa no local) até a ambientação, o set, o figurino e a locação, passando um realismo que confere bastante credibilidade ao espectador. O uso da narração também é questionável, pois as informações apresentadas (como os nomes dados a cada etapa e responsável pela produção do ouro) poderiam ser inseridas no contexto de outra forma, menos direta. Porém, parece que a escola Tropa de Elite ainda é muito forte e deixou marcas nesse aspecto.

    Quanto às atuações, os maneirismos dos protagonistas são contidos e poucos estereótipos são usados, o que vale um ponto extra em se tratando em uma produção filmada na região norte. Com exceção dos homens feminizados e tratados como as mulheres do acampamento de forma muito simplista. A participação de Wagner Moura como um dono de “barrancos” de exploração de ouro também é interessante. Excelente ator que é, consegue garantir boas participações, mas às vezes exagera nos maneirismos na tentativa de caracterizar seu personagem, como em uma cena em que mastiga compulsivamente, com uma captação de som altíssima, prejudicando o entendimento de suas falas.

    Porém, o desenvolvimento da história e dos protagonistas, que no início é cativante, passa a ser cansativa pela excessiva vontade do diretor em nos mostrar cada detalhe de cada transição, deixando de lado a interpretação, em um vício muito comum do cinema nacional, que tem dificuldade em separar-se da narrativa novelesca da televisão. Com isso, as duas horas do filme soam desnecessárias, já que o segundo ato perde muito tempo em montar situações repetidas para estabelecer fatos que já soam claros ao espectador, o que prejudica a narrativa final e o desfecho.

    Também faltou uma caracterização maior do restante da população trabalhadora de Serra Pelada. Não os paulistas de classe média como os protagonistas, mas também o miserável, explorado que não consegue sucesso e não consegue enriquecer tão fácil como o filme pode deixar enganar. Faltou um espaço maior a esse cidadão comum, que é retratado de forma simplista, sob uma perspectiva do sudeste e do asfalto, que não entende o drama desse povo, que é mais do que um mero coadjuvante tendo destaque somente em cenas de brigas de bar.

    De maneira geral, Serra Pelada inicia bem, introduz personagens reais em uma situação real, mas foca demais em duas pessoas e suas tragédias pessoais, que pouco a pouco vão fazendo o tal realismo do filme se perder em meio a tantas reviravoltas que soam artificiais, enquanto a questão social do garimpo, focada timidamente no início, vai sendo deixada cada vez mais de lado. Apesar de uma iniciativa interessante, ainda falta maturidade ao cineasta em saber criar narrativas menos maniqueístas e com personagens mais profundos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Gravidade

    Crítica | Gravidade

    Gravidade - Pôster Teaser

    O novo filme do diretor mexicano Alfonso Cuarón já era considerado um dos melhores do ano  mesmo antes de ser lançado, e tamanha expectativa geralmente não dá bons resultados, ainda mais quando seu trabalho anterior, o excelente Children of Men (Filhos da Esperança) atingiu um sucesso enorme de crítica. Porém, ao contrário de outros diretores estrangeiros em Hollywood, Cuarón parece ter encontrado um equilíbrio essencial entre uma narrativa clássica, mas com uma técnica precisa, que fornece elementos, metáforas e que se comunica com praticamente todo tipo de público.

    A história do filme gira em torno dos astronautas Matt Kowalski (George Clooney) e Ryan Stone (Sandra Bullock). Ambos estão em uma missão de conserto ao telescópio Hubble quando são surpreendidos por uma chuva de destroços decorrente da destruição de um satélite por um míssil russo, que os joga no espaço, sem comunicação e auxílio da NASA. A partir de então, eles precisam encontrar um meio de sobreviver naquele ambiente.

    Com uma premissa interessante, e um trailer de tirar o folego (e que ganha pontos por não contar absolutamente nada da história), Gravidade atraiu um grande público aos cinemas do mundo, público este que geralmente não iria ver um filme com temática espacial. Por sua imensa qualidade técnica, tanto no manejo da câmera e no uso milimétrico de plano-sequencia quanto na intensidade e profundidade do som, Gravidade garante uma imersão completa na urgência e no perigo do espaço, que assusta qualquer pessoa com sua imensidão, vazio, frio e principalmente, sem oxigênio.

    Essa imersão é essencial justamente para acompanharmos o desenrolar dos eventos de Matt e Stone em busca da vitória contra cada uma das adversidades em seu caminho, que apesar de não serem totalmente verossímeis aos especialistas da área, garante um grau de realismo suficiente para o espectador confiar em tudo o que está vendo e acreditar que tudo realmente pudesse ser daquela forma. Só por causar debates nesse sentido, o filme já tem um imenso mérito.

    O longa oferece vários tipos de metáfora que flertam com o nascimento humano, a luta pela sobrevivência e principalmente a superação de dificuldades, de onde precisamos sair de uma zona de conforto aprisionante em busca de uma custosa, porém, engrandecedora liberdade. A cena final representa isso, ao se acostuma com a falta de gravidade, Stone se sente feliz ao não conseguir andar de primeira, e está grata por ter aquele peso da vida nas costas ao contrário da sufocante leveza do espaço.

    Porém, um ponto fraco do filme é justamente a falta de profundidade e a busca limitada de razões para seus signos. Se Gravidade está sendo tão comparado a obras clássicas como “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, deveria ter tamanho peso quanto Kubrick imprimiu em sua obra, que também está repleta de elementos técnicos aditivos a uma narrativa complexa, porém, bela, que foge do simples “entendimento” para a pura “interpretação”, que toda obra de arte deve ter, e nisso, Gravidade mira aquém do que poderia. Talvez pela época e pela fase atual da indústria do cinema, mas por toda sua qualidade, falta uma empatia maior pelos personagens, que por vezes são caricatos demais, como Matt, ou não muito convincentes de seu drama pessoal, como Stone.

    Difícil dizer se o filme irá sobreviver ao frenesi e entrará no hall de produções como 2001, Solaris ou Contato, porque o debate em torno destes vai além das qualidades técnicas, e sim das questões e aflições humanas ali retratadas. O que dá pra dizermos agora é que o público nunca se cansará de produções boas e de cineastas com algo a dizer, e sempre irá consumir produtos com qualidade. O sucesso de Gravidade prova isso. Que venham outros tão audaciosos quanto.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Thor: O Mundo Sombrio

    Crítica | Thor: O Mundo Sombrio

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    O sinal de alerta diminuiu bastante, mas continua ligado. Após o repleto de equívocos Homem de Ferro 3, o Marvel Studios prossegue em sua chamada Fase 2 com Thor – O Mundo Sombrio. Esta segunda (Leia nossa crítica sobre o primeiro Thor) aventura solo (e terceira aparição, na cronologia peculiar do estúdio) do Deus do Trovão sabiamente dedica-se ao universo particular do personagem e consegue encontrar espaçao para, enfim, introduzir elementos para os próximos filmes. Porém, tropeça em alguns problemas desconfortavelmente semelhantes ao citado terceiro filme do Sr. Stark.

    A trama, surpresa nenhuma, situa-se logo após Os Vingadores. Vemos Loki em prisão perpétua, e a única que parece ainda se importar com ele é sua mãe adotiva Frigga. Thor está empenhando em batalhas pelos Noves Reinos, mergulhados num caos depois da destruição da Ponte do Arco-Íris, e não consegue deixar de pensar na Terra e/ou Jane Foster. A bela doutora, por sua vez, segue pesquisando fenômenos científicos enquanto suspira pelo loirão. E é ela, graças a um acidente do destino, que desencadeia a ameça da vez: derrotados há milhares de anos por Bor, avô de Thor, os elfos negros e seu líder Malekith retornam para devolver o universo às Trevas.

    O primeiro Thor sofre duras críticas – injustiçadas – que se concentram no tempo do filme passado na Terra. Em O Mundo Sombrio, esse tempo é reduzido, mas o problema é maior. Paradoxal? Nem tanto. Antes era uma história de origem, havia a necessidade de se criar uma ligação do herói com nosso mundo, até por conta de Os Vingadores. Agora, havia todo um background específico a ser trabalhado. E o filme começa muito bem, mostrando o ancestral Bor e os outros reinos além de Asgard e Midgard. Seguir nessa linha poderia render um plot muito mais interessante: ver Thor, Lady Sif e os Três Guerreiros empenhados nas tais batalhas para pacificar os mundos, em mais do que alguns flashes. Em vez disso, o argumento escolhido privilegia os coadjuvantes terrestres, cuja utilidade é enfatizar o aspecto humorístico.

    O erro não chega no nível catastrófico de Homem de Ferro 3, aqui o timing está mais acertado, recuperando o estilo consagrado da Marvel. O melhor momento do filme, inclusive, é uma piada sensacional com a aparição inesperada de outro vingador. Mas o longa acaba pecando pelo excesso, há mais gracinhas do que seria necessário. A personagem Darcy, apesar de Kat Dennings ser puro amor, irrita porque cada uma de suas frases é irônica/engraçadinha. Somando-se a ela, um inútil novo personagem (o estagiário) e o Dr Selvig transformado num maluco nudista, um humor óbvio e fácil demais.

    Em relação aos vilões, pode ser uma apontada uma certa preguiça em desenvolver algo mais criativo. Destruir o universo durante um alinhamento de planetas (rebatizado aqui como Convergência entre os Reinos) é clichê dos mais básicos. Pelo menos os elfos negros tem um visual interessante e trazem uma tecnologia que representa um desafio para Asgard. Aliás, a “tecnomagia” estabelecida no primeiro filme ganha mais espaço, vemos mais armas e naves que reforçam o teor fantástico que Thor permite que Universo Marvel comece a explorar.

    Enquanto isso, os personagens asgardianos infelizmente tem um papel bem mais discreto do que no primeiro filme. Hogun mal aparece, Fandrall e Volstagg pouco fazem e Sif é tremendamente desperdiçada. Heimdall, então, chega a ser patético lembrar da sua anunciada “maior participação” nessa sequência. Odin é mostrado ainda mais como um rei velho e cansado, ansioso por deixar o trono, e não como o poderoso Pai de Todos. Compreensível, para dar espaço para Thor ser não apenas o guerreiro, mas o herói que ele precisa ser. De positivo, o maior destaque dado para Frigga.

    Mas o dono do filme não poderia ser outro senão Loki. Tom Hiddleston incorporou tanto o personagem, que nem precisa se esforçar para ser o mais carismático. Ele passeia, flutua pelas cenas e se diverte ao trabalhar mais uma vez com a característica mais marcante do Deus da Trapaça: a ambiguidade. E pra não dizer que não falei dos protagonistas, Chris Hemsworth e Natalie Portman estão ok, nada demais. O romance recebe um enfoque que já era esperado, porém não incomoda, ao menos não em comparação com os reais defeitos da história.

    Não que Thor – O Mundo Sombrio seja um filme ruim. O problema em analisá-lo é que os pontos positivos são os mesmos de sempre: ótimo visual, ritmo equilibrado (na maior parte do tempo) entre tensão e humor, e boas cenas de ação. Como a expectativa era mais alta, pois a liberdade era maior por não existir a necessidade apresentar personagens/ambiente, os aspectos negativos acabam se sobressaindo. Em resumo, uma aventura divertida, mas esquecível, e um grande potencial sub-aproveitado. Agora é esperar pela incógnita total chamada Guardiões da Galáxia (atenção para a cena pós-créditos) e promissor (haters gonna hate) Capitão América – O Soldado Invernal. Sem esquecer da esperança maior que é Vingadores – A Era de Ultron.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | O Incrível Mágico Burt Wonderstone

    Crítica | O Incrível Mágico Burt Wonderstone

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    Steve Carell ganhou notoriedade com seu papel de Michael Scott na versão americana de The Office, onde o principal mérito do ator era o fato de não emular a versão original – e muito mais constrangedora – encarnada por Ricky Gervais. No entanto, o que deveria ser apenas um papel tornou-se uma máscara, um modo de atuar, que fracassa algumas vezes e acerta em outros, e este é o caso de O Incrível Mágico Burt Wonderstone, onde o estereótipo funciona.

    Apesar de já ter flertado com filmes onde se exige uma maior capacidade dramática, dando mostras de que não é um ator incompetente, é no filão de comédias de conteúdo estúpido com uma mensagem fofa por trás que Carell se sente mais a vontade e agrada mais o público. Burt Wonderstone, seu personagem, é mais um desajustado, excêntrico, egocêntrico, sexista, além de ser um artista ultrapassado, que teme a novidade e tem óbvias dificuldades em mudar.

    A história mostra desde a sua infância, onde se inspira em Rance Hanson (Alan Arkin), um famoso mágico, para seguir seu caminho. Com o tempo, forma uma bela dupla com seu amigo de infância Anton Lovecraft, Steve Buscemi, com quem faz inúmeros shows em Las Vegas. Sua popularidade é consideravelmente alta, o que o deixa confortável até o surgimento de uma nova “espécie” de mágicos/ilusionistas, muito mais visceral e extrema do que ele, encarnado por Steve Haines.

    A nova forma da mágica não tem limites ou normas de segurança muito bem estabelecidas, pondo em perigo o profissional o tempo todo, e isso deixa o público maravilhado, mais por deixá-lo impressionado, confundindo o receptor, do que por sua qualidade em si. A escolha de Jim Carrey para o papel é curiosa e até emblemática por este ser um humorista de uma geração mais tradicional do que a do protagonista, mas fazendo um humor escatológico, que flerta com artistas novos, a exemplo, Jackass. Haines é um agente do caos, com um ar nonsense e bizarro, além dos limites do suportável, que evidencia que os tempos são outros.

    Em contrapartida, após cair em decadência e perder tudo o que tinha, Wonderstone se volta para um público antes desprezível, em um asilo de idosos, e para sua surpresa reencontra a paixão por seu ofício, através do seu mentor Rance Hanson, que com toda sua rabugice e insensibilidade restaura o seu amor pela mágica, fazendo-o lembrar que esta é a responsável pelo rompimento com a realidade dura e cruel.

    A prática do ilusionismo representa algo antiquado, que já foi adorado – em especial por crianças – mas está fora de moda, mais uma vez reforçando a mudança como dificuldade de vida, e rompimento com a rotina como um desafio quase insuperável. Don Scardino, acostumado a dirigir episódios de sitcom, consegue levar o tom de humor e equilibrar o elenco de estrelas de uma forma competente, e apesar da mensagem final ser um pouco piegas, não há  grandes motivos para reprimendas em sua direção.

  • Crítica | Carne de Cão

    Crítica | Carne de Cão

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    Segundo longa-metragem dirigido por Fernando Guzzoni, realizador do documentário chileno La Colorina junto a Werner Giesen, Carne de Perro narra a história de Alejandro, um ex-servidor militar de passado obscuro, ligado de forma indefinida ao regime de Pinochet e que segue sua vida de forma conturbada, sem muitos recursos e afastado daqueles que ama e que jurou cuidar – sua esposa e filha.

    Alejandro Goic, que interpreta o protagonista homônimo empresta muita veracidade ao drama presente na história, encarnando uma alma confusa e furiosa que tem muita força e agressividade para transmitir, mas não sabe como catalisar toda essa fúria. Em momento nenhum fica claro quais eram as motivações do passado de Alejandro, e isso até contribui para a construção da personalidade caótica dele. No primeiro momento em que é posto em cena, o protagonista tem um ataque de raiva ao receber um telefonema, quebra o aparelho e esmurra a parede quase pondo-a abaixo. Após isso ele lava sua mão ensanguentada enquanto a câmera foca o seu punho deformado e inchado graças as batidas, demonstrando com imagens a selvageria a que o personagem estava acostumado a viver.

    O motivo do rompante de ódio era a notícia do falecimento de um de seus antigos companheiros. No velório, Alejandro puxa o filho do defunto de lado e profere palavras de ordem com o dedo em riste, da forma mais convincente que conseguiria expressar: “Seja um bom chileno, como o seu pai foi!” – ao ouvir isso, o rapaz se desfaz em lágrimas. Mais tarde, a ordem dos fatos mostra que o motivo da morte foi um suicídio, algo que apavora demais a psiquê já combalida do personagem principal.

    Ele se sente abandonado também por seus companheiros do grupo de apoio a ex-combatentes, pois estes são incapazes até mesmo de providenciar para si auxílio médico. Ao finalmente conseguir uma consulta, é passado para a ala psiquiátrica, onde ouve a contragosto que o mal pelo qual passa são crises mistas, movidas por ansiedade e angústia. Apesar da obscurescência de seu passado, dá para traçar um paralelo com a situação dos mariners estadunidenses após a Guerra do Vietnã, pois neste retrato os dramas são muito parecidos: mentes perturbadas pelas atrocidades cometidas no passado, mas sem a compreensão nem por parte de seus iguais, representados pelos militares aposentados, e nem pela opinião pública, representada pela ex-mulher que faz questão de manter distância do antigo cônjuge.

    O carro quebrado, táxi em que Alejandro trabalha, simboliza a vida destroçada que ele insiste em manter, impedido até de conseguir o seu sustento de forma digna. Demonstra vulnerabilidade nas cenas em que deita-se no colo da menina, possivelmente buscando nela o amor que não tem na filha e na mulher. Nas cenas no chuveiro, através da água que escorre por seu rosto, permite-se chorar, seus sentimentos mais íntimos só afloram nas cenas em que a limpeza é o foco dos atos.

    A cena em que agride o seu cachorro, único ser remanescente de sua antiga rotina, demonstra todo o descontrole emocional pela qual ele passa, além de explicitar a sua vontade de não existir mais, o fato de cuidar das feridas do animal pode ser encarado como uma última tentativa de viver, que desemboca na sua mudança de atitude com relação a figura religiosa. A forma como Alejandro se agarra nisso demonstra sua vontade de viver, usando a crença no divino como avatar da mudança de atitude e de amor à própria vida. O roteiro de Guzzoni prioriza muito a mensagem pelo visual e acerta nessa escolha de uma forma delicada e pontual.

  • Crítica | Canibais

    Crítica | Canibais

    The-Green-Inferno-by-Dan-Mumford

    A última pérola de Eli Roth, Canibais ( do original The Green Inferno), faz uma homenagem justa e muito fiel às fitas italianas de canibais, pautados numa realidade fantasiosa e absurdamente preconceituosa dos hábitos indígenas do lado de baixo da Linha do Equador. Sem realizar um filme há bastante tempo – o último, O Albergue: Parte II, havia sido registrado em 2007 – excetuando, claro, o segmento O Orgulho da Nação, em Bastardos Inglórios, o realizador demonstra que ainda possui uma mão forte para registrar o sadismo e a ferocidade inerentes e inexoráveis à existência humana.

    O roteiro escrito pelo próprio diretor em conjunto com Guilermo Amoedo (Aftershock, Que Pena tu Familia), mostra um bando de jovens idiotas e suas motivações batidas, quase todas voltadas para sexo com uma falsa capa de preocupação social. A história acompanha Justine, interpretada por Lorenza Izzo, uma menina bonita, rica, filha de um representante da ONU, que se aproxima de um grupo de ativistas por simpatizar com a figura de seu líder, Alejandro, Ariel Levy. A motivação banal cobra o seu preço e logo ela se vê viajando até o Peru para defender uma tribo indígena da extinção, acompanhada é claro por um grupo de jovens tão alienados quanto ela, com direito a estereótipos raciais e arquétipos toscamente construídos – tudo é feito sem razão aparente e zero motivação lógica, exatamente como os filmes trashs que o cineasta tenciona homenagear.

    O grupo que tenta levar a civilização americana aos pobres latinos não fica impune e tem seu avião abatido, aparentemente por acidente, caindo na selva amazônica. O show de xenofobia se agrava, mostrando os nativos como seres sem escrúpulos, primitivos, religiosos e claro, canibais. O show de goire é muito bem registrado, o elenco de desconhecidos é maltratado, dilacerado, decepado, tem seus órgão vitais postos a mostra, membros cortados ainda vivos e mais um sem número de barbaridades que tornam a fita incomodamente hilária para quem tem estômago fraco, mas que constitui um verdadeiro deleite para o cinema de mal gosto.

    Eli Roth mostra muita evolução na maneira de filmar, desde as cenas de tortura lancinante, até os registros no interior do avião com a gravidade em estágios anormais, numa “belíssima” cena de vômito em que os fluidos tomam a direção vertical a norte – sensacional, além, é claro, de brincar com a visão tosca do estadunidense médio sobre os perigos estrangeiros, tema abordado antes em seu Hostel. A câmera na mão emula a sua referência óbvia aos mockumentaries como Canibal Holocausto, não que isso seja um demérito, visto que sua habilidade de registro é primoroso.

    Se há alguma inteligência no roteiro, esta se esconde atrás dos diálogos absurdamente engraçados, em especial os de Alejandro, que revela a real intenção do ato rebelde como uma encenação para desviar os olhos da mídia do trabalho de seus contratantes. O mais tresloucado e sem noção do grupo – que em determinado momento se masturba na jaula para aliviar a tensão, claro recebendo a reprimenda de seus colegas – é por incrível que pareça o mais lúcido, ao dizer “Acha que o governo não sabia de 9/11, ou que ele combate o tráfico de drogas? Bons e maus são farinha do mesmo saco!

    A tribo de Yajes é um show a parte. Suas mulheres são recatadas e cobrem seus seios, mesmo que nenhuma seja esteticamente apetitosa, aliás, a única crítica negativa a obra é a quase que completa ausência de nudez. Como já era de se esperar, os jovens vão morrendo um a um, até que só sobre a protagonista, que em seu relato final exime os nativos da culpa, negando que eles sejam canibais, para no final, ela enxergar nos seus colegas de faculdade, camisas com a foto de Alejandro, seu nêmesis, como uma inspiração a la Che Guevara. Eli Roth mostra que está em sua melhor forma, trazendo o melhor produto de sua pequena porém relevante filmografia, superior até mesmo a Cabana do Inferno. Canibais é uma ode ao cinema exploitation, além de consistir num dos filmes mais engraçados de 2013.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

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    É muito difícil falar de É o Fim sem entregar um grande e vital spoiler sobre o filme. Talvez você diga: “Ah, mas filmes sobre o fim do mundo têm aos milhares por aí ultimamente”. Mas pode acreditar, nenhum deles é igual a esse. No meio de um mar de filmes com a temática “fim do mundo”, É o Fim consegue ser bem original (dentro dos filmes hollywodianos do gênero), por mais paradoxal que isso possa parecer.

    A história se passa num dia normal onde Jay Baruchel (interpretado por ele mesmo) chega a Los Angeles pra visitar seu amigo Seth Rogen (também interpretado por ele mesmo). Seth então convida Jay para ir a festa de inauguração da casa de James Franco (é, como você imaginou ele é interpretado por James Franco) ao qual Jay aceita relutantemente. E é quando eles estão lá, que o dito Fim do mundo começa a acontecer, deixando o trio preso ao local, junto com Danny Mcbride, o “senhor bom demais pra ser verdade”, Jonah Hill e Craig Robinson.

    E o mais legal é justamente ver os atores interpretando uma versão caricatural de si mesmos, sem medo de se mostrar como um bando de drogados, covardes e egoístas entre outras características mundanas. O filme inclusive lembra muito a pegada de Segurando as Pontas, filme do próprio Rogen, que inclusive é citado seguidas vezes no filme. Vale destacar as hilariantes pontas de outras estrelas de Hollywood como Emma Watson, Rihanna, e o doidão Michael Cera (no melhor papel de sua carreira, provavelmente).

    Obviamente está presente aquele humor escrachado, comumente imoral dos filmes de Rogen, além, é claro, de girar em torno de amizades masculinas (os chamados browmances) outra característica marcante nos filmes roteirizados por ele. Mas o humor nonsense é o principal atributo desse filme. E sim, é o fim do mundo, então vai ter sangue, membros amputados entre outras tiradas que apesar de darem um susto inicialmente, acabam te fazendo morrer de rir do humor negro bem aplicado no roteiro.

    Com sinceridade, no final me encontrei num clima total de incredulidade tentando acreditar no que esses caras foram capazes de fazer, sem saber o que esperar na próxima cena. E a cena final… A cena final só pode ser definida como “What the F#@$…???” Simplesmente a cereja do bolo de loucuras que o filme se propõe.

    É o Fim, dentro de um gênero que se repete exaustivamente com o mesmo tipo de situações e piadas repetitivas, é uma comedia com um plot diferenciado. Se você é menor de 18 anos e meio sensível a sangue, vai assistir qualquer outra coisa, esse filme não é pra você.

    Mas se você tem um humor afiado, sem frescuras e com uma pitada caprichada (bota caprichada nisso) de humor negro, assista, pois é de rachar o crânio (talvez literalmente).

    Texto de autoria de Diogo G.

  • Crítica | Super

    Crítica | Super

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    O foco do filme, logo de início é em Frank Dabor, interpretado por Rainn Wilson, um sujeito de vida ordinária, sem quase atrativo nenhum, com pouco tato social e nenhuma noção do que é atrativo ou não para os outros seres humanos. Em suma é um loser, humilhado desde a infância, que só teve dois momentos dignos de nota: O dia do seu casamento, e a vez em que ajudou um policial a pegar um bandido apontando para onde o marginal foi.

    Super é o segundo filme dirigido por James Gunn, e mostra a rotina enfadonha de seu protagonista com a câmera na mão, explicitando uma realidade nua e cruel explicitando a vida patética e apática dele. Frank é tão desmotivado que acha em um programa de canal evangélico a inspiração que  provocará a mudança em sua vida, assistindo a uma esquete com um super-herói politicamente correto. A mensagem “sagrada” vai de encontro ao seu próprio ideal ético e o motiva a fazer a diferença ele mesmo. Frank se entrega ao vigilantismo, como se esta fosse a única forma de ser feliz e reconquistar a garota, e deixa claro que só opta por esta decisão porque é a única que conhece.

    O herói recusa o seu chamado indagando a Deus se Crimson Bolt é mesmo o desejo divino para o seu destino. O personagem não havia dado mostras até então de ser religioso, e escancara a total falta de motivação em sua vida, se agarrando a primeira solução que aparece a sua frente, o que é evidenciado ainda mais pelo fato de ele não cobrir nenhum rastro – usa o mesmo carro em sua vida civil e de combatente do crime, chama uma atenção desnecessária para si, é atrapalhado e estabanado, e acho que para fazer o bem só é necessário querer fazê-lo, mesmo que sem preparo.

    A trama envolve assassinato, uso abusivo de drogas, prostituição, tráfico de pessoas e uma violência cheia de grafismos, mas em uma tônica humorística como uma capa, que envolve o filme e o cristaliza, tornando-o um espécime curiosíssimo. Os golpes e hematomas são hiper-realistas se comparado com outros filmes de humor, há amputação de membros, deformações corporais, massas encefálicas à mostra e uma ultra violência bastante incomum.

    Apesar do pouco tempo em tela, a personagem Sarah, de Liv Tyler, parece ter tido na sua vida, a real escolha para a exploração de jornada do herói explicitada por Joseph Campbell e executada à exaustão no cinema hollywoodiano. Sua trajetória de vida passa por todas as etapas discutidas em Herói de Mil Faces e sua caracterização é a única que permite ter maiores nuances e detalhamentos de caráter, conduta e sensibilidade, o que faz analisar a história de Frank como algo acessório, um pastiche para fortificar a real história, que se torna ainda mais evidente com o final edificante do filme. Rainn Wilson parece funcionar melhor como coadjuvante, a exemplo de The Office, e como no seriado, ao máximo funciona neste Super, com seu ótimo desempenho em tela.

  • Crítica | Terra Prometida

    Crítica | Terra Prometida

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    Terceira parceria de Gus Van Sant na direção, com Matt Damon nos roteiros, dessa vez sem os irmãos Affleck como fora em Gênio Indomável e Gerry, o guião é assinado em conjunto a outro ator, John Krasinski e trata de um personagem reticente quanto aos rumos que sua carreira está tomando, especialmente porque seu trabalho passa por tentar vender uma proposta a uma cidade interiorana, que o faz lembrar em muitos aspectos a sua antiga vida no campo.

    Steve Butler, Damon, acompanhado de Sue, Frances McDormand, vai até um cidade interiorana tentar convencer a população de que a instalação de uma exploradora de Gás Natural seria bom para a região, usando o tacanho argumento – suficiente para alguns dos residentes – de que a exploração tornaria os moradores em pessoas ricas. O plano parece ir para frente, até a intervenção de Frank Yates, Hal Holbrook, um professor de ensino médio que esconde um background de alto gabarito e tenta organizar um foco de resistência, que mais tarde, “parece” ser engrossada pelo esforço de Dustin Noble, um ambientalista que busca alertar a cidade para não repetir os erros de outros tantos lugares explorados pelo grupo Global. Frank jamais admitira qualquer união ou parceria com Noble, talvez demonstrando seu poder de observação e semi-onisciência, a personagem de Holbrook serve como catalisador do lado bom da consciência de Steve, sem dúvida alguma as mudanças ocasionadas na vida dele partiram primeiro do exemplo dele.

    A direção de Gus Van Sant é correta, sem maneirismos de câmera, um autêntico exemplar de narrativa clássica americana, o que fortalece ainda mais o trabalho de atuação de todo o elenco, irretocável para dizer o mínimo.

    O papel que Krasinski faz é o completo inverso do de Damon, pois Dustin finge ser atrapalhado e inseguro para se aproximar dos anseios da população, e literalmente joga para a arquibancada, especialmente quando canta o clássico de Bruce Springsteen, Dancing in the Dark – conteúdo simbólico até demais para sua trajetória no filme. Enquanto Steve parece ser o decidido e auto-suficiente empresário, mas que carece de retórica e repertório, Dustin aparenta ser um idealista preocupadinho com o bem estar geral, mas na verdade possui toda a situação em seu controle absoluto, além, é claro, de ser muito carismático e irônico, características que Butler persegue sempre, sem jamais conseguir alcançar, ao contrário, seu estado permanece o de ingenuidade até o fim. A rivalidade entre os dois é um dos pontos mais altos do filme.

    Steve acabara de receber uma promoção que tanto queria, mas o dilema moral o consome, a todo momento ele busca aceitação e redenção, diante dos outros e de si próprio, inúmeras vezes repete a fala “Eu sou um cara bom!”, além de ter essa qualidade proferida por muitos dos moradores, que sequer o conhecem, mas consideram-no um sujeito legal, apesar de sua profissão escusa. Essa inquietação ocasiona uma virada repentina em sua vida, aparentemente inesperada, mas até óbvia para quem observou suas atitudes do começo ao fim da história.

    A jornada de Steve Butler é de inexorável derrota, o plot-twist faz ele trair seus ideais profissionais em nome do código ético impresso em seu próprio caráter, e responde a indagação presente na fala geral da população: “O que um sujeito bom como você faz num trabalho como esse?”, a resposta é a mais politicamente correta possível e fecha o ciclo redentório de vida de Steve, que passa a enxergar toda a sua carreira e a sua vida sobre uma outra ótica, como uma volta às suas origens, o que torna o produto final um tanto corretamente moralista, mas não chega a ser um incômodo.

  • Crítica | Ladrões de Bicicleta

    Crítica | Ladrões de Bicicleta

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    Em 1948, a Europa, e principalmente a Itália, estava sob a sombra do pós-guerra: viúvas e mães sem filhos, jovens feridos, pobreza, desemprego e a memória ainda muito fresca do nazismo formavam a paisagem. A Segunda Guerra representa, culturalmente, um marco tão importante não só pelo número concreto de mortos e feridos, mas porque simbolicamente foi o fim de um projeto, o fim da ideia da Europa como marco da civilização e progresso, o fim de um mundo que acreditava que ciência e racionalidade só podiam trazer o bem. No centro do velho continente havia mais barbárie que nos confins da África, foi a grande descoberta do povo europeu.

    Se é um novo mundo, é necessária uma nova arte e, consequentemente, um novo cinema. O pós-guerra marca o início dos movimentos de modernização que culminariam nas diversas “Nouvelle Vagues” ao longo da década de 60 e na liberdade de diretores como Federico Fellini e Ingmar Bergman. Na Itália essa mudança vem com o nome de Neorrealismo.

    O Neorrealismo, como a maioria dos “movimentos” do cinema, não era um grupo organizado ou unificado, mas sim um momento da produção italiana em que diversos cineastas, cada um de forma individual, pareciam caminhar na mesma direção. Embora não exista um manifesto, ou um conjunto de regras, algumas características marcam os filmes neorrealistas: eles saem do estúdio e passam a filmar em externas, trazem personagens “do povo”, buscam olhar para os problemas sociais da Itália da época, trabalham com frequência com não-atores. A ideia é, como o nome do movimento indica, captar a realidade o máximo possível.

    Ladrões de Bicicleta é tido como um dos filmes marcos do Neorrealismo e, a princípio, ele é de fato um ótimo exemplar. O filme narra as dificuldades que um operário desempregado enfrenta para sustentar a família, é quase todo filmado em externas e o protagonista é interpretado por um verdadeiro operário de fábrica. Mas são inovações apenas de produção e o longa de De Sica permanece, em narrativa e linguagem, um filme clássico.

    O que não quer dizer que não seja uma obra prima do cinema. Mas há, efetivamente, pouca novidade em Ladrões de Bicicleta, ainda mais quando comparado com os outros filmes significativos da época, como Roma, Cidade Aberta e A Terra Treme. A narrativa acompanha Antonio, um operário desempregado que encontra uma possibilidade de emprego como pregador de cartazes, mas que logo no primeiro dia tem sua bicicleta roubada. Mas De Sica, ao contrário do que faziam seus contemporâneos, não se satisfaz em deixar a realidade e a miséria falarem por si só, ele é didático, emotivo e aproxima seu filme de um melodrama: a cena no restaurante não é realista, é milimetricamente construída para emocionar o espectador.

    Mesmo o momento em que alguma ambiguidade moral entra em cena e Antonio ensaia ser um anti-herói (o anti-herói, o bandido charmoso e sem moral, seria o personagem preferido das Nouvelle Vagues) a coisa foi contada de tal forma que o protagonista não chega nem perto de ser um ladrão, ele é uma vítima, um mártir. Os personagens de De Sica não são figuras anônimas da massa romana, como nos filmes de Rosselini, mas personagens “especiais”, heróis de suas próprias histórias, mesmo que estas sejam tristes, como em qualquer narrativa clássica.

    O Neorrealismo é uma resposta a um mundo de menos certezas, menos preto no branco. Roberto Rosselini mata sua protagonista nos primeiros quinze minutos de filme, Visconti sequer elege um personagem principal em A Terra Treme, a cidade e a multidão invadem seus filmes. Mas não Ladrões de Bicicleta. O rosto de Antonio aparece em close diversas vezes, assim como o da criança, mas a miséria generalizada do país não aparece, o protagonista é construído como um ser azarado, um sofredor individual, e não como um exemplo de uma situação maior.

    Ainda assim, Ladrões de Bicicleta é um lindo filme, De Sica conduz sua história com delicadeza e simpatia. Há humor e a cena final é, sem dúvidas, um dos grandes momentos da história do cinema. É um drama muito bem feito, mas o tema e a forma de produção são apenas uma fachada de novidade, essencialmente é um filme clássico, ainda mais quando colocado ao lado de obras revolucionárias. Um dos grandes momentos do cinema, mas não um momento que mudou seus rumos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.