Categoria: Críticas

  • Crítica | Ninguém é Perfeito

    Crítica | Ninguém é Perfeito

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    Um ex-policial ultraconservador, Walt Koontz (Robert De Niro), sofre um AVC enquanto tenta socorrer um vizinho. Com metade do corpo semi-paralisada, torna-se um recluso. Por indicação de sua médica, a fim de melhorar suas condições de fala, começa a ter aulas de canto com o vizinho do andar de cima, Rusty (Philip Seymour Hoffman) que, por acaso, é uma drag queen.

    A estrutura “dois personagens opostos que não se dão bem, vêem-se obrigados a conviver devido a alguma circunstância (aparentemente) imprevista e passam a enxergar o oposto com outros olhos” é bastante manjada, mas ainda funciona muito bem em estórias em que os personagens, e seu desenvolvimento, são o foco. Referente à forma como cada um encara o outro, é interessante reparar, logo no início do filme, quando Koontz discute com Rusty através do vão central do prédio, o ex-policial grita de dentro do apartamento e vê Rusty distorcido pelo vidro da janela. Se o espectador tem alguma dúvida sobre o preconceito de Koontz, essa cena mata qualquer incerteza.

    Há algumas cenas externas, contudo a maior parte do filme passa-se dentro do prédio sujo e decadente. Os apartamentos minúsculos atulhados de memórias (Koontz) e de sonhos (Rusty) – acentuam a solidão de cada um deles. O espectador consegue sentir a claustrofobia do ambiente, mas Schumacher poderia não ter exagerado tanto nos ângulos holandeses e nos closes para obter esse efeito.

    O filme poderia facilmente pender para o dramalhão, já que os diálogos são pouco inspirados e muitas vezes suscitarem aquela impressão de “Hmmm, acho que já ouvi isso em outro filme.” O que salva a trama desse destino são algumas tiradas cômicas – e bastante sarcásticas – que arrancam risos do espectador ao mesmo tempo que o deixam ligeiramente desconfortável por compartilhar da visão preconceituosa de um ou de outro.

    Apesar de Schumacher não constar da minha lista de diretores/roteiristas prediletos (longe disso), há que se reconhecer um mérito dele neste filme: conseguiu não interferir na performance dos atores. Sim, pois mesmo considerando-se que os personagens – Koontz e Rusty – serem um tanto caricatos, De Niro e Hoffman têm atuações primorosas. Atuações que per se carregam o filme nas costas, já que o desenrolar da estória é bem previsível para qualquer um que já tenha assistido a muitos filmes. Ambos estão muito bem, mas Hoffman realmente se destaca como Rusty. Percebe-se isso nitidamente numa cena mais sóbria em que, mesmo vestindo um terno, ele ainda é uma drag queen. E ele obtém isso ‘apesar’ do exagero do punho desmunhecado e dos trejeitos clichês, está tudo em sua maneira pausada de falar e na entonação de sua voz.

    É um daqueles filmes em que as atuações compensam o roteiro mediano e pouco envolvente.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Universidade Monstros

    Crítica | Universidade Monstros

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    Não é de hoje que percebemos a grande indústrias de cinema infantil pegando o péssimo hábito de se apoiar em franquias ao invés de criar produtos novos. Tivemos três sequencias de Madagascar, Toy Story, A Era do Gelo e ainda Shrek. E é claro que, por mais que saiamos do cinema satisfeitos devido a baixa expectativa para um filme infantil, sempre fica aquele ranso, e não raras vezes profere-se: “eu ainda prefiro o primeiro”.

    Em 2001 tivemos Monstros S.A., que mostra a história de Mike Wazowski (voz de Billy Crystal) e James P. Sullivan (voz de John Goodman) trabalhando em uma companhia de energia, que tem como matéria-prima o grito das crianças que eles assustam. Tudo flui normalmente até que a pequena (e fofa) Boo (voz de Mary Gibbs) consegue entrar no mundo deles, causando um pânico imediato, já que eles consideram crianças um elemento mortal. Depois de perceber que ela não causa nenhum mal, acabam se apegando a ela, o que vai causar uma das principais partes dramáticas do filme, que é quando Boo precisava voltar pra casa. Chega ao final do filme, Boo retorna ao seu lar, e tudo volta ao normal. Há margem para uma continuação? Não. Mas espera aí.

    E então 12 anos depois a Pixar lança Universidade Monstros, um prequel – já que essa segunda parte resolve contar como Mike e Sullivan se conheceram na universidade (digamos que nada mais é do que buscar o ouro no fim do poço).

    Resumindo a sinopse: Desde pequeno, Mike sempre estudioso e esforçado sonha em estudar na Universidade Monstros e virar um grande assustador, e para isso, se inscreve no programa de sustos. Lá ele conhece Sullivan, que por vir de uma família famosa, não se preocupa em estudar para se formar e quer apenas viver de fama. Logo de primeiro encontro, é possível ver que para a amizade dos dois se concretizar e virar a união que é em Monstros S.A., é necessário que algo mude. É quando a diretora do curso entra em cena, que as coisas mudam e os dois finalmente terão que aprender a trabalhar juntos e superar as diferenças para conseguirem se formar.

    Como a maioria dos filmes infantis sempre traz uma lição de moral, e a de Universidade Monstros não é tão boa assim. Apesar de Mike sonhar em ser um grande assustador, foi preciso tempo para que ele enxergasse que nem sempre o sonho é necessariamente uma vocação (como vemos em Monstros S.A. ele não trabalha assustando crianças, ele fica como treinador de Sullivan). Mas fora essa triste (porém real) lição de moral, o filme também aborda outros valores como trabalho em grupo e o respeito  as diferenças.

    Ao longo do filme, que gira em torno de uma competição entre fraternidades da universidade, o filme é voltado para um humor familiar (claro, por se tratar de um filme infantil) e que agrade a todos os tipos de público. Porém, é sentida a falta do elemento fofura, já que estávamos acostumados com a presença constante de Boo no primeiro filme – e que sem dúvida foi a personagem mais fofa já criada pela Pixar – que tentou ser preenchida por 2 minutos de um Mike quando criança logo no começo do filme.

    Quanto ao visual gráfico, Pixar é Pixar, e como era de se esperar, o trabalho é simplesmente magnífico. Houve cenas externas que cheguei a imaginar que eram reais (sem a presença dos monstros, óbvio) e a criação de todos os elementos, de todos os monstros é como se você pudesse enxergar a textura de que são feitos.

    E após sair do cinema com a famosa sensação de “eu ainda prefiro o primeiro”, acredito que não há mais como criar um novo filme para Mike e Sullivan, e caso aconteça, por favor Pixar, nos surpreenda.

    Texto de autoria de Larissa Tinoco.

  • Crítica | Depois de Maio

    Crítica | Depois de Maio

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    Retratando a efervecência política do início dos anos 70, o filme acompanha Gilles (Clément Métayer), estudante do ensino médio, e seus colegas de escola – Christine (Lola Créton), Alain (Felix Armand) e Jean-Pierre (Hugo Conzelmann) – que militam num grupo que defende ideias revolucionárias. Depois que uma “ação” dá errado, com desdobramentos imprevistos, os amigos se vêem forçados a sair dos arredores de Paris.

    Gilles, apesar de engajado politicamente, está mais interessado em adquirir conhecimento para levar adiante sua arte – sua intenção é fazer cinema. E essa sua escolha causa discussões acaloradas com os amigos, que respiram política e não entendem como ele pode privilegiar a arte em detrimento da luta pela mudança da situação do país em que vive. E é interessante ver como ele defende seu ponto de vista, afirmando que a arte, a expressão artística deve acompanhar e dar vazão a essas ideias. Um dos diálogos que mais me agradou foi entre Gilles e Christine em que discutem sobre um filme de ideais revolucionários a que acabaram de assistir. Enquanto ele questiona que se a temática é revolucionária, a estética e a linguagem utilizada também deveria ser revolucionária; ela, já absorvendo o posicionamento dos autores do filme visto, afirma que o intuito é atingir as massas, e manter a linguagem “tradicional” é a única maneira de fazer essas ideias serem compreendidas. Fazer algo experimental não obteria o mesmo resultado.

    Christine:
    Ils ont des convictions, ils vont jusqu’au bout.
    Et toi? tu fais mieux qu’eux?
    (Eles têm convições, vão até o fim.
    E você? Faz melhor que eles?)

    Os personagens são rasos, e a atuação superficial do elenco também não colabora. Entendo que a maior parte  é composta de não-atores, salvo por Lola Créton. Mas isso não é desculpa – vide Cidade de Deus. Exceto por algumas cenas, em que os atores parecem genuinamente envolvidos e imersos nos personagens e na trama, a maior parte do tempo tem-se a impressão de que todos estão entediados, posando para a câmera enquanto recitam seus diálogos.

    Três elementos se destacam positivamente. A trilha sonora, simplesmente deliciosa de ouvir, composta em sua maioria de músicas menos conhecidas da época. Merece ser desfrutada independentemente do filme. A direção de arte, responsável por uma reconstrução de época bastante eficiente, com cenários e figurinos que remetem diretamente ao período retratado. E a fotografia de tirar do fôlego de Eric Gautier (On the road e Into the wild). Praticamente todos os fotogramas do filme merecem ser emoldurados e exibidos como obras de arte. Se o elenco não fez sua parte, conquistando o público, a fotografia compensou – e muito – fazendo o espectador mergulhar naqueles enquadramentos.

    O filme não tem uma estória fechada, com começo, meio e fim. A trama é bem solta e não há as estruturas características da maioria dos filmes – pontos de virada, arcos dramáticos, etc. O espectador vai acompanhando cada um dos personagens em sua jornada de descobrimento e passagem para a vida adulta. O rumo que cada um deles toma, suas escolhas, suas amizades, seus interesses, seus amores. O diretor optou por não dar um fechamento ao arco dos personagens, já que a vida deles continua, não termina ali. Enfim, o filme acaba, mas a estória não.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Superman II: The Richard Donner Cut

    Crítica | Superman II: The Richard Donner Cut

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    Richard Donner – que dirigiu o primeiro filme da franquia – foi impedido de realizar a sequência de seu Superman. Os filmes foram rodados em paralelo, e seu sucessor – Richard Lester – teve de refilmar muitas sequências, rever partes inteiras do roteiro. Em 2006 foi lançada esta versão de Superman II, se valendo até mesmo de imagens de testes de cenas.

    A história começa revisitando o julgamento de Zod, Ursa e Non. Esta versão contém algumas cenas com Marlon Brando ainda – o que não ocorreu com a versão lançada nos cinemas em 1980. Os personagens parecem ter evoluído. O núcleo de Lex Luthor (Gene Hackman) continua sendo o alívio cômico. Lois Lane (Margot Kidder) consegue em minutos de cena algo que demorou décadas de quadrinhos para descobrir: deduzir que Clark Kent esconde alguma coisa, e para isso bastou somente olhá-lo.

    Há algumas incongruências, como a falta de explicação de como Lex encontrou a Fortaleza da Solidão. O herói é tão onipotente que mesmo nas Cataratas do Niagara seu cabelo permanece intacto e engomado. Algumas das sequências mostram os atores com visuais completamente diferentes – o que não chega a ser um erro de continuísmo, visto as condições de algumas tomadas resgatadas. O ataque do General Zod a Casa Branca começa muito mal, mas aos poucos vai melhorando, demonstrando que resistir ao trio de bandidos é inútil. Uma ótima fala é de um sujeito espantado com os feitos dos alienígenas que diz “Oh, God”, e o general prontamente responde “ZOD”.

    A histriônica atuação de Terence Stamp é muito icônica. Seu vilão afetado, arrogante e soberbo é muito bem realizado, ainda que seja bastante caricato. Um dos problemas que Zod parece enfrentar é o tédio. A total falta de desafios em sua vida abre brecha para a atuação de Luthor, que aparece magicamente na residência presidencial. Até então o tirano sequer sabia da existência do filho de Jor-El.

    Há uma explicação bem mais plausível para o retorno do herói a sua forma poderosa, após renunciar aos seus poderes. O fato ocorre após um discurso emocionado de Jor-El, pontuado com uma boa demonstração dramatúrgica de Marlon Brando e Christopher Reeve. No final Superman destruiria a Fortaleza da Solidão, e o desfecho do casal é melancólico, e outra vez o recurso de viagem no tempo seria utilizado, o que é uma pena.

    Esta versão é mais como uma colcha de retalhos, está longe de ser algo comparável a Blade Runner: Versão do Diretor, por exemplo. Ao menos dá um vislumbre de como seria Superman 2: A Aventura Continua pelas mãos de seu idealizador primário.

  • Crítica | Os 300 de Esparta

    Crítica | Os 300 de Esparta

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    Em 1962 chegava às telas de cinema a película de Rudolph Maté sobre a batalha das Termópilas entre helenos e persas. Como era de praxe, a trama não tem quase nenhuma fidelidade histórica, mas a fidedignidade e veracidade não são os maiores problemas desse 300, a ambientação não é diferente de seus contemporâneos, seja nos figurinos espalhafatosos e em seus defeitos maiores.

    O filme é lento, o protagonista demora a aparecer até para dar certa importância ao vilão e a pseudo-união entre os estados gregos. Os espartanos no discurso são retratados como guerreiros bravos, honrados e cheios de frases de efeito, mas com o decorrer da trama essa imagem é desconstruída.

    Há uma forte carga moral, completamente incompatível com a época da batalha, e mais ligada ao momento dos anos 60. Um casal grego estabelecendo voto de castidade até o casamento seria um contra-argumento ao estouro da liberdade sexual, associada a movimentos ultra-culturais, mas as mensagens não param por aí. As alegorias passam também pelo confronto ideológico EUA x URSS na Guerra Fria. Espartanos são puritanos, corretos, se valem da força física para demonstrar sua superioridade ao resto mundo e acima de tudo, só se manifestam belicosamente após serem confrontados. Seus soldados são convictos da vitória, chegando a citar que uma vez que quando um “espartano entra na guerra” não há como perdê-la, essa arrogância é típica também do pensamento norte-americano, que se julga superior a tudo e todos.

    A trama da possível traição também serve a questão da paranoia estadunidense, que via em muitos o ideal vermelho. O exército persa lembra em alguns momentos os selvagens índios que antagonizavam os Westerns clássicos. Há até um regimento no esquete grego que está lá unicamente para tocar flauta. As lanças jogadas parecem retiradas do jogo infantil pega-varetas.

    Os discursos de união entre os estados proferidos por Leonidas (Richard Egan) são infantis e ufanistas. Os personagens são mal construídos, o drama apresentado por Ellas (Diane Baker) é bipolar, uma hora ela quer que seu futuro marido seja um guerreiro espartano na linha de frente e na outra quer uma vida tranquila no campo.

    A redenção do suposto traidor serve unicamente para justificar o clichê do roteiro, de que todo espartano é um bravo. A esperança grega é toda pautada em fé, religião e visões inspiradas pelos deuses – semelhantes ao conhecido conservadorismo republicano.

    A batalha final apesar de ser a mais bem filmada, ainda é mal feita. O maior erro do filme é não exprimir em tela a vantagem do desfiladeiro, claro, devido aos escassos recursos da época. O lendário batalhão não possui qualquer imponência, a força intransponível só foi demonstrado nas falas do “Rei Nicolau”.

    A única demonstração de coragem real, foi a recusa em entregar o cadáver do nobre Leonidas aos persas. O rei é pueril, mas pode ser encarado como patriótico e inspirador. Os erros da produção são honestas, por isso não são tão gritantes. The 300 Spartans inspirou Frank Miller a escrever a Graphic Novel 300 de Esparta, e vale ser assistida para ter noção do que movia o cinema popular dos anos 60, antes da era dos blockbusters.

  • Crítica | Finalmente 18

    Crítica | Finalmente 18

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    Finalmente 18 pode ser considerado uma versão adolescente de Se Beber, Não Case!. Conta a história do garoto Jeff Chang (Justin Chon), que no dia de seu aniversário – e as vésperas de uma importante entrevista para a faculdade de medicina – resolve sair pra tomar uma cerveja com seu dois melhores amigos. Passando por vários bares do campus onde Jeff estuda, os três adolescentes vivem várias situações engraçadas, e que os deixam cada vez mais encrencados.

    Se tratando de um roteiro criado pelos mesmos gênios de Se Beber, Não Case! (Jon Lucas e Scott Moore), que são conhecidos por pegar um tema clichê e exaustivamente usado no cinema e a partir disso, criar algo novo, não obteve êxito dessa vez, visto que o enredo se mostrou um pouco fraco. O filme mostra situações engraçadas mas por pouco tempo. Coisas previsíveis se mostram na cenas que se passam, sem ter o elemento surpresa para o espectador, do tipo:  levar um búfalo para uma festa de universidade e esperar que nada aconteça com ele. Você basicamente assiste 10 minutos de filme, ri durante uma cena, e já pode voltar a conversar com o colega do lado sobre o que pretende fazer no dia seguinte, por que a próxima parte interessante vai demorar a se apresentar.

    Além das situações engraçadas, o filme também conta com um lado voltado para o emocional. Não só com os amigos de infância, mas com um casal que se forma e se apaixona perdidamente em apenas uma noite de aventuras (e sendo no século 21, qual a chance né gente?), o que na minha opinião, toda essa parte do mimimi amoroso quebrou o pouco que não tinha de batido no filme.

    Justin Chon (A Saga Crepúsculo) interpretou bem o papel principal de um nerd alcançando a maioridade e aproveitando todas as regalias de 21 anos de idade em uma noite só. Skylar Astin (A Escolha Perfeita) fez a interpretação perfeita do amigo bom moço, que faz o tipo “quero me divertir sem deixar o bom senso de lado” e sempre se deixando levar pela paixonite que acontece em 10 minutos de conversa. E é claro que é impossível não comentar do já famoso papel festeiro non-sense de Miles Teller (Projeto X)  sempre levando todos pra farra e tocando um descontrole geral na noite dos três amigos.

    Então, se você está procurando aquele típico filme para assistir em uma quarta-feira (e sim, pagar meia) essa é uma ótima escolha. Dá pra dar umas risadas, mas como disse, sem novidades.

    Texto de autoria de Larissa Tinoco.

  • Crítica | Monstros S.A.

    Crítica | Monstros S.A.

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    Monstros S.A. (Monsters INC, EUA, 2001, Dir: Pete Docter) lançado dois anos após o último longa da Pixar, Toy Story 2 (Idem, EUA, 1999), foi talvez o filme que ajudou a mostrar para Hollywood que a era das grandes animações estava de volta, mas de uma forma diferente, agora computadorizada. Ou seja, era o tradicional se travestindo de novidade.

    Sinopse: Mike e Sully moram em Monstrópolis e são empregados da Monstros S.A., uma empresa que funciona a base de uma linha industrial automatizada que gera energia para a sua cidade através de gritos de crianças, pelas portas de armário das mesmas. Até que a criança Boo passa para o mundo dos monstros causando uma enorme reviravolta.

    O roteiro sem grandes furos ou golpes aparentes talvez seja um dos melhores já apresentados em um filme da Pixar desde que ela começou a sua parceria com a Disney, ao lado de Procurando Nemo (Finding Nemo, EUA, 2003) e o mais recente Toy Story 3 (Idem, EUA, 2010). É um dos filmes da companhia que mais tem referências, só que ao cinema em si e ao seu início.

    A estrutura escolhida não é por acaso: a humana Boo chega no mundo estranho dos monstros, e, com os seus poderes especiais (gerar a energia que alimenta o seu mundo) e a ajuda de Mike e Sully, acabam por destronar o tirano Waternoose e seu lacaio Randall. Monstros S.A. segue o molde que se tornou célebre com “Viagens de Gulliver” de Jonathan Swift, e “Uma Princesa de Marte” de Edgar Burroughs, mas que talvez tenha tido origens na mistura dos mitos gregos dos heróis Perseu, Orfeu, Belerofonte e as andanças de Héracles. Esse também foi um dos moldes que estruturou alguns filmes de aventura de Errol Flynn dos anos 30 como os faroestes de John Wayne.

    As referências ao início do cinema não param por aí. Os monstros podem ser associados obviamente aos filmes de terror clássicos da Universal. A função principal da Monstros S.A. é assustar os humanos, mesmo que sejam crianças, para conseguir o que desejam. Da mesma forma que a catarse dos espectadores em forma de grito alimenta o cinema de terror através de ingressos comprados, aqui o mesmo grito é um dos principais bens que sustentam aquela sociedade.

    Outra curiosidade apresentada no roteiro é o vídeo institucional que Mike e Sully assistem assim que são apresentados pela primeira vez ao espectador. Logo depois, os protagonistas saem de casa e vão até a fábrica, e assim podemos ver como os habitantes de Monstrópolis se comportam. Aqui pode ser visto como uma referência aos filmes de ficção científica dos anos 50: uma sociedade harmônica que vive o sonho americano, e de uma hora para outra é invadida por um ser horrível, no caso uma criança, que promove o terror e o pânico nos seus habitantes.

    Na parte final do longa ocorre uma sequência onde Mike, Sully e Boo fogem de Randall e Waternoose no meio dos mecanismos que levam e trazem as portas. Cenas de perseguição vieram dos filmes de perseguição, uma das fórmulas mais antigas que fizeram com que D.W. Griffith ajudasse a consolidar o cinema narrativo a partir do ano de 1908. Cria-se uma tensão dramática ao intercalar três cenas: a donzela em perigo amarrada na linha do trem, o trem andando cada vez mais rápido e o herói chegando para resgatá-la.

    Outro dado curioso é quando Roz exige de Mike os relatórios para que continue a trabalhar. A simples menção da burocrata dentro da empresa não é por acaso. Relatórios são registros de alguma atividade, e o registro foi uma das funções primordiais que manteve o cinema em atividade e o impediu de ser extinto enquanto não havia se estabelecido como narrativa ficcional. Desde visitas a chefe de estado, até viagens para países africanos, o cinema teve que percorrer estes caminhos para não ser dominado pelas outras formas de entretenimento da época. Entenda mais aqui.

    A linha de montagem que mostra como os gritos das crianças humanas são produzidos e armazenados, pode ser interpretada como menção a própria industrialização que o cinema sofreu no final dos anos 10 e início dos 20 quando a era dos grandes estúdios começou. Neste caso, a inserção de uma criança neste universo pode ser uma referência ao início da indústria do cinema em si, por mais que o revisionismo histórico através do Simpósio de Brighton critique os primeiros historiadores que associavam a arte cinematográfica a “uma criança que não sabia o que estava fazendo”.

    A primeira cena de Monstros S.A. é uma simulação gravada de como se deve assustar uma criança, para que os monstros possam treinar melhor. É assim que o cinema ficcional age: ele simula uma série de inverdades encadeadas cheias de significados para que no fim a sociedade reflita e debata sobre os conceitos que ali estão. Em uma das últimas cenas, a mesma simulação revela o caráter do vilão Waternoose. E este é um dos pilares do cinema documental: expôr as outras facetas de um mesmo tema para gerar o mesmo debate. Em Janela Indiscreta (Rear Window, EUA, 1954), Hitchcock fizera um ensaio ao demonstrar a curiosidade do espectador e o quanto ele deseja quebrar a sua condição passiva e se inserir naquele universo, ao ponto do personagem de James Stewart se intrometer para impedir um assassinato. No longa não é diferente, os monstros, que são os próprios espectadores da simulação, a manipulam da forma que assim necessitam no momento.

    Outro fato curioso é a inversão de valores ao mostrar que monstros tem muito mais medo das crianças, o que os levam a sofrerem a descontaminação e limpeza por uma equipe especial caso sejam tocados. O medo dos monstros permite que eles sejam manipulados através de uma mentira, como vemos nas cenas finais: crianças não os contaminam. O medo das crianças a eles é a mesma forma de alienação, por mais que o fim maquiavélico tente justificar a imposição de limites auxiliando a sua educação, com a típica frase: “Se você não comer este prato, o monstro vai vir te pegar”. Essa premissa pode ser entendida também como uma crítica à imposição de uma verdade absoluta em uma sociedade através da manipulação promovida pela mídia, religião, política ou morais sociais rigorosas.

    No final do filme, os monstros percebem que a tão valorizada energia que vinha antes pelo grito de medo se torna dez vezes mais poderosa quando gerada por uma risada infantil. A mensagem é clara: o humor é uma das melhores formas de se lidar com o medo das crianças. Se for expandido para todas as idades: enfrente com bom humor o seu medo para que ele não vire um monstro incontrolável.

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    Para a psicologia, a maioria dos temores infantis são estados emocionais que representam uma etapa do seu próprio amadurecimento, e conforme vão crescendo eles se alteram tanto no tema quanto de intensidade. Da mesma forma que o medo vem da imaginação, é também dela que surgem as melhores formas de combatê-los. Ao expressá-los para seus pais seja de que forma for, as crianças conseguem conviver melhor com eles até entendê-los e superá-los. Não a toa Boo, com a ajuda de Sully, no final do filme consegue derrotar o seu próprio monstro, Randall.

    O problema surge também quando muitos pais falham em não conseguir se comunicar com os filhos pequenos, ainda mais na sociedade moderna onde permanecemos horas no trabalho, perde-se muito tempo no trânsito das grandes cidades e acaba se passando menos tempo do que gostariam ao lado dos filhos. Não a toa as crianças acabam se afeiçoando as vezes mais as suas babás do que aos próprios pais. O filme trata disso quando Boo se afeiçoa a Sully chamando-o de “gatinho”. A simples menção a um animal de estimação projeta nele a figura de um protetor e o apelido carinhoso mostra que ela consegue superar a sua condição de monstro se comunicando e interagindo com ele, já que ele não é seu monstro. São as funções básicas que as crianças veem em seus pais: carinho e proteção.

    A única hora em que existe quebra de confiança é através da representação máxima do cinema no filme: a simulação. Boo fica com medo quando Sully assusta uma criança robótica a mando de Waternoose. No cinema, a impressão de realidade tem o poder catártico de revelação ao espectador, transformando os personagens em tridimensionais através da psicologia dos seus atos. Sully é carinhoso, mas ainda assim é um monstro, Boo é uma criança destemida, mas também tem medo, e Waternoose é um bom chefe até aquele momento, depois vemos que é maquiavélico. Personagens humanizados através da psicologia são a base de boas narrativas.

    A maioria das obras de arte mais impressionantes que a humanidade já produziu trazem traumas dos artistas, feridas tão profundas que muito provavelmente tiveram início em sua infância. As obras surrealistas de Salvador Dali e Magritte são um exemplo, apenas dois exemplos rápidos ficando somente na pintura. No cinema não é diferente: os diretores do expressionismo alemão importados para Hollywood nos anos 20 e 30 fizeram com que a narrativa da sétima arte atingisse um nível superior, superando qualquer gênero.

    As vozes dos atores foi outro acerto. Não a toa Billy Cristal e John Goodman foram escalados para serem os protagonistas, já que fizeram muita comédia. James Coburn como vilão no seu penúltimo filme pode ser encarado como outra homenagem ao passado do cinema, mais especialmente aos anos 60.

    Por fim, a animação do filme impressiona. A qualidade e atenção à todos os detalhes não deixam os mais puristas reclamar do que tenha faltado. A textura dos pêlos de Sully, a movimentação dos personagens e a iluminação das cenas são o ponto forte. As cores escolhidas para a pele dos monstros e a vestimenta de Boo foram também bem feitas, junto dos cenários. Detalhe para a impressionante cena de perseguição no mecanismo que levam e trazem as portas.

    Monstros S.A. não é uma simples animação para crianças. Ele tem tantas referências a diversos temas que o tornam um dos melhores filmes já feitos, sem dúvida está no topo da Pixar, além de ser uma declaração de amor ao cinema.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Despertar dos Mortos

    Crítica | Despertar dos Mortos

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    Sem enrolação nenhuma, George Romero já joga na mesa todas as suas cartas, mostrando ao público o estado de nervos alterados que tomou os vivos, através das reações de uma equipe de TV que transmite informações aos cidadãos americanos sobre a praga dos mortos. Em meio ao caos presente no estúdio, alguns personagens se recusam a passar em rede nacional uma lista de abrigos fornecida pelas autoridades, que está desatualizada. Pouco tempo depois disso, é mostrada uma incursão da polícia em um prédio e no meio da ação um policial surta e passa a atirar em pessoas vivas, só sendo detido por fogo amigo. Essas experiências todas acontecem em menos de 10 minutos corridos e deixam claro o caráter deste filme.

    Há um claro antagonismo em relação ao cenário do primeiro episódio da Trilogia Zumbi de Romero. Ao contrário de Noite dos Mortos Vivos, este Dawn of the Dead não se passa numa cidade do interior, mas sim em uma metrópole, o que proporciona um olhar ainda mais atual para o apocalipse que se instaurou. Outro fator novo é a demonstração das memórias dos zumbis, que faz com que hábitos de sua vida normal voltem, mesmo após terem sido transformados.

    Segundo um cientista, interpretado por Richard France – um dos personagens mais curiosos, mesmo com poucas cenas –  os undeads não são canibais, pois não comem seus semelhantes, só carne humana fresca. É com esta fala que a questão da inteligência das criaturas é discutida pela primeira vez: ele afirma que os infectados têm por hábito repetir o que faziam em vida, dizendo que podem fazer uso de objetos e ferramentas de fácil manejo, mas não teriam perícia o suficiente para utilizar-se de armas de fogo. Aqui é demonstrado, ainda que timidamente, que estes seres estão em evolução.

    Apesar do clima trash e das maquiagens pouco convincentes – que funcionavam melhor com a  fotografia preto e branco –, o roteiro de Romero toca numa temática atual e critica o consumismo, associando o ato de comprar a um instinto primitivo humano – por isso o shopping estaria cheio de descerebrados. A forma de filmar o grupo de sobreviventes – em algumas passagens – andando lentamente, quase se arrastando, semelhante aos zumbis, faz discutir quem são os mortos na realidade. Isso é resquício da inspiração no romance de William Matheson, Eu Sou a Lenda. O agente que faz com que os protagonistas abandonem seu porto seguro não são os ressuscitados, mas sim os vivos, que tentam saquear o shopping. O bando de mercenários encabeçados por Tom Savini arromba tudo, inutilizando um bom esconderijo. O grupo em sua maioria age como seres irracionais, querendo unicamente tomar os pertences das lojas.

    Mais uma vez Romero põe um negro como protagonista e último sobrevivente, assim como no episódio anterior, reforçando o caráter crítico de sua filmografia. Despertar do Mortos não é um filme perfeito, carece principalmente de um orçamento razoável, mas é uma das primeiras amostras da genialidade do pai de um gênero de filmes hoje copiado à exaustão.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

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    É fato que todos conhecem a estória do Superman, nem que seja apenas em linhas gerais. Bebê chega à Terra sozinho numa espaçonave oriunda de Krypton. Criado pelo casal Kent, Clark cresce tendo que aprender a lidar com suas habilidades sobre-humanas.

    Apesar de ser mais um filme da franquia Superman, este não é uma continuação dos demais, mas sim, um filme de origem. E, sendo assim, é em torno do início da estória de Clark que gira a trama do filme. Claramente superior a Superman: O Retorno de Bryan Singer ( morno demais, demasiado entediante ) , este investe suas fichas num personagem mais realista, mais sombrio e, contrariando o senso comum, mais alienígena que todos os anteriores. E por conta disso, pode-se arriscar dizer que este não é um filme do Superman – de um homem com superpoderes –  mas sim de um herói ou um deus  em processo de construção.

    O prólogo, interessante mas excessivamente longo no meu entender, nos mostra o conflito que causou a destruição de Krypton e que levou Jor-El (Russell Crowe), um cientista do alto-escalão, a enviar seu filho recém-nascido, Kal-El – que virá a ser Clark Kent (Henry Cavill) – numa espaçonave à Terra. Não conheço os quadrinhos – aliás, o personagem em si não me agrada muito – e, portanto não faço a menor ideia de como “deveria” ser retratado o planeta. Mas a direção de arte acertou ao optar por um aspecto biomecânico, lembrando um pouco os desenhos de H.R.Giger utilizados em Alien.

    E, desde o início, já começam a aparecer os típicos buracos de roteiro, quase inevitáveis nesses filmes de super-heróis. Se, conforme é esclarecido tanto por Jor-El como pelo General Zod (Michael Shannon), todos os kriptonianos já nascem com papéis pré-definidos, o espectador um pouco mais observador certamente se pergunta como Jor-El, predestinado a ser um cientista, luta tão bem quanto (ou quase melhor que) Zod, um soldado nato. Isso e mais a cena “ironman style” em que Jor-El veste sua armadura, diminuem o impacto da sequência do confronto entre eles, enfraquecendo a imersão na trama. Mas ainda assim, esse primeiro terço do filme consegue prender o público o suficiente para querer assistir ao desenrolar da estória.

    A opção de retratar a infância e adolescência de Clark através de flashbacks, ao invés de seguir uma narrativa linear, deu certa leveza e dinamismo à estória. Desse modo, o espectador vai, aos poucos, sendo apresentado ao personagem, conhecendo seu passado, seu convívio com os pais adotivos – Martha (Diane Lane) e Jonathan Kent (Kevin Costner), e o modo como descobriu e aprendeu a controlar seus poderes. Algumas sequências poderiam ser mais curtas, mas não chegam a comprometer o ritmo do filme.

    Aproveitando a deixa, vale ressaltar que a tentativa de reafirmar o personagem como sendo o “homem que veio do céu para salvar a humanidade” é forçada e fora de contexto. O tom messiânico incomoda bastante em vários momentos. O discurso de Jor-El sobre o destino do filho, afirmando que seu papel é ser um “guia” para os humanos atingirem a paz e a felicidade eternas – algo como um nirvana – soa piegas e até meio ingênuo. Como se já não bastasse Clark falar, sem mais nem menos, que tem 33 anos, a cena em que ele aparece numa igreja conversando com um padre, que surgiu do nada na estória, é patética, além de totalmente desconectada da estória.

    O filme não é feito só de cenas intimistas e familiares, logicamente. O que todo fã espera são as sequências de ação, que são inegavelmente muito boas. O problema é que, devido à escala megalomaníaca (justificável), as cenas lembram demais Os Vingadores – principalmente o momento de embate entre Superman e Zod em Metrópolis. E, assim como o prólogo, esta sequência acaba sendo cansativa pela duração extensa e pela falta de estratégia do vilão que afinal, é um militar. E não apenas isso, tem-se a impressão de que toda a ação, a luta, a destruição está concentrada demais nesse momento da estória, quase saturando o espectador.

    Interessante reparar que, apesar de não haver semelhança física, em alguns momentos Cavill lembra um pouco “O Superman”, Christopher Reeve – convenhamos que não é muito difícil ser mais expressivo que Brandon Routh – e o ator consegue dar ao personagem tanto a insegurança de quem ainda não tem certeza de que rumo irá tomar, quanto o carisma do herói que vai “salvar o dia”. Não é atuação digna de prêmio, até pela quase bidimensionalidade do personagem, mas é convincente na medida certa. Kevin Costner e Diane Lane estão ok como os pais adotivos de Clark. Amy Adams consegue tirar de Lois Lane aquele ar de mocinha indefesa em perigo. Mas quem se destaca é Michael Shannon, construindo um vilão a seu modo incorruptível e ao mesmo tempo bastante ameaçador.

    É natural que um reboot  gere estranheza e divida opiniões, e também é natural que não agrade a gregos e troianos – isto é algo inerente aos filmes do gênero. É difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre tornar a estória palatável aos “leigos” e agradar aos fãs de carteirinha. E, apesar de alguns defeitos, Man of Steel é um filme que cumpre sua função de entreter.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | Sucker Punch: Mundo Surreal

    Crítica | Sucker Punch: Mundo Surreal

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    Existem ocasiões em que é melhor deixar as lições de moral, as críticas sociais e as grandes mensagens de lado. Ao contrário do que muita gente diz por aí, eu acredito no entretenimento por entretenimento e não vejo problema em “desligar o cérebro” para curtir um game, quadrinho ou um filme meio sem noção. Alguns diretores de cinema tem esse “cinema pipocão” como sua marca registrada e, mesmo quando adaptam obras bastante profundas, acabam não se importando com o conteúdo e capricham mesmo é na forma. É o caso, na minha opinião, de Michael Bay e do diretor encarregado do filme de hoje: Zack Snyder.

    Sucker Punch – Mundo Surreal é a primeira obra original de Snyder. O roteiro, a produção e a direção ficaram nas mãos dele e, justamente porque é um dos maiores exemplos recentes do “cinema pipocão” (superado apenas pelo, dizem, FANTÁSTICO Velozes e Furiosos 6) não foi muito bem aceito pela crítica. Não sou crítico, não entendo nada de cinema mas gosto bastante da sétima arte e afirmo, em caixa alta e negrito: SUCKER PUNCH É ANIMAL!

    A história acompanha uma jovem de cabelos loiros que, após a morte da mãe, é internada pelo padastro em uma instituição psiquiátrica para ser lobotomizada e não interferir nos planos do homem de ficar com toda a herança deixada pela falecida. Apelidada pelos responsáveis do sanatório de Babydoll, a jovem alia-se a outras 4 internas em um plano para escapar do manicômio antes que o responsável pela operação de Babydoll chegue de viagem.

    Qualquer história, até mesmo essa, possui capacidades infinitas contidas em si. Um diretor mais preocupado com transmitir uma mensagem poderia fazer dezenas de críticas e conduzir até mesmo este roteiro de forma reflexiva e encorpada. A habilidade que Snyder tem de se esquivar de tudo o que poderia fazer deste filme menos vazio, entretanto, é bastante impressionante. Confesso que, se ele buscasse qualquer coisa mais profunda, eu ficaria bastante decepcionado. Os trailers e os cartazes de Sucker Punch são extremamente honestos quanto à proposta do filme: Uma aventura fetichista e lisérgica, incoerente e bastante pirotécnica. Era isso que eu esperava, mas até mesmo eu fiquei boquiaberto com a maluquice que é esse filme.

    A história, na verdade, não passa de uma aventura mental de Babydoll, que substitui sua realidade triste por uma aventura muito mais emocionante. Em sua cabeça, Babydoll substitui o sanatório comandado pelo corrupto agente penitenciário por uma espécie de bordel com garotas escravas e gostosas que se prostituem para clientes ricos e as pessoas mais poderosas da cidade. Em sua realidade paralela, Babydoll possui uma habilidade incomparável para “dançar” (entenda como quiser) que faz com que todos à sua volta fiquem “hipnotizados” (entenda como quiser de novo) e permite que as amigas da loirinha consigam os objetos necessários para implementar a tão desejada fuga: Um mapa, um esqueiro, uma faca e uma chave. Quando começa a “dançar” (essas aspas estão ficando chatas…), Babydoll transporta as amigas e ela mesma para uma nova realidade paralela dentro da realidade paralela (qualquer semelhança com A Origem não é mera coincidência) onde elas precisam enfrentar os “monstros” que protegem os artefatos necessários para a fuga.

    As sequências de ação acontecem todas durante o enfrentamento das garotas e desses “guardiões” dos objetos que estão, de alguma forma, ligados aos artefatos em questão. Assim, as meninas enfrentam soldados nazistas mortos-vivos para recuperar o “mapa de um bunker alemão”, um dragão gigantesco para roubar a “pedra de fogo”, robôs humanoides em um trem futurista para “desarmar uma bomba” e roubá-la, e desafiam o cafetão do bordel para finalmente imprimir a tão esperada fuga. Todas essas sequências de ação são filmadas em mundos com estéticas bem diferentes entre si e tem elementos “massavéisticos” transbordando na tela que vão desde espadas, metralhadoras e um avião de guerra até robôs gigantes e seres mitológicos como orcs e dragões. Tudo isso interpretado por jovens gostosíssimas talentosas em trajes maravilhosos minúsculos. Como não poderia faltar em um filme de Zack Snyder, a câmera lenta aparece em todas as “missões”, geralmente quando uma das gostosas garotas salta ou desvia de um golpe inimigo.

    A trilha sonora é composta por versões de músicas famosas e é bem aproveitada nas sequências de ação do filme. No geral, as músicas ajudam a embalar as violentas batalhas de Babydoll, Sweat Pea, Blondie, Rocket e Amber contra os seres imaginários da cabeça doentia do Snyder. Computação gráfica que não atrapalha mas também não impressiona demais fecha a conta deste que foi um dos filmes mais doentios e confusos que eu já vi. É impossível afirmar de onde Snyder tirou toda essa maluquice, mas obviamente Christopher Nolan e seu inteligentíssimo A Origem tem uma parcela de culpa. A estrutura que Snyder utiliza em seu roteiro lembrou-me, em partes, a forma como o personagem Pi conta sua aventura no filme de Ang Lee. Quando a realidade é tão sem graça que não interessa a ninguém, nega-se a realidade…

    Como falei no início, o filme não é inteligente, não é reflexivo e muito menos profundo. Na minha opinião, é um filme muito bonito, com uma fotografia caprichada e puramente visual. Não era o intuito do Snyder trazer nenhum tipo de mensagem, como eu também acredito que não era a ideia dele quando dirigiu 300 ou Watchmen. Snyder e Bay são dois diretores que, quando trazem algum tipo de profundidade em seus filmes, o fazem de maneira totalmente inconsciente…

    Sucker Punch foi um fracasso no cinema, mas pra mim é um ótimo filme “snyderiano”. Ninguém fala bem do filme por aí, mas acho que o diretor poderia salvar essa página do Vortex nos favoritos do Internet Explorer dele para mostrar pra família que pelo menos uma pessoa gostou do filme. Entretenimento por entretenimento: Tamo junto, Snyder!

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | 300

    Crítica | 300

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    Zack Snyder é um diretor tão criticado por suas últimas realizações, que torna-se fácil esquecer-se de suas qualidades. Uma delas é o talento que ele tem em retratar cenas introdutórias. A abordagem da criação do guerreiro espartano e o consequente endeusamento do seu protagonista aliado a trilha sonora retumbante, que eleva os ânimos e torna o clima de 300 em algo naturalmente épico.

    Tudo na película é estilizado: Fotografia, cores em tons sujos que fazem com que o sangue coagulado sobressaia, o excesso da câmera lenta – claramente inspirada por Sam Peckinpah – que já era presente em Madruga dos Mortos, aqui é ainda mais abundante.

    Aspectos comuns a história e um pouco deixados de lado na HQ são abordados por Snyder, como a maior autonomia que a mulher espartana teria em relação às outras helenas. Uma boa demonstração disso é a interrupção que a Rainha Gorgo (Lena Headey), faz a primeira conversa entre os espartanos e o mensageiro persa.

    A principal discussão do filme é a forma como o Rei Leônidas (Gerard Butler, no papel de sua vida) encara a questão religiosa. Para ele, o misticismo deveria dar lugar à razão. Os éforos são retratados como corruptos, que aceitam suborno persa – diferente da Graphic Novel de Frank Miller. Os vilões de Snyder têm um sério problema por serem retratados quase sempre com um estereótipo de homossexual afetado, Xerxes foi o primeiro deles, o tom imponente se torna motivo de piada. Na verdade, quase toda a parte do roteiro que foge da história baseada passa por erros crassos e é lotada de incongruências. O corcunda Ephialtes por exemplo teve grande parte da sua motivação reduzida, graças ao fato dele só trair seu povo por ter sido rejeitado por Leônidas, quando na trama de Miller ele tenta se suicidar sem sucesso – fato que o faria culpar seus pais, os deuses e é claro, o Rei. A sub-trama envolvendo a Rainha e Theron também é muito equivocada. A entrega e pouca resistência de Gorgo, e a cena em que ela desmascara o político na frente do plenário em meio a uma audiência, fazendo cair uma bolsa com um punhado de moedas persas é ridícula, fraca e trata o espectador como um imbecil.

    Mas o foco de 300 é a Ação, sem dúvida nenhuma. As cenas de batalha são magistralmente filmadas, começando pelas “formações em tartaruga”, as execuções e o combate corpo a corpo, até o despencar do despenhadeiro. O céu coberto pelas flechas fazia o dia parecer noite, e os brados de Leônidas eram inspiradores e encorajavam seu exército. O Slow Motion bem utilizado funciona muito bem, ainda mais nas cenas de decapitação, e a vantagem espartana das Termopilas é mostrada visualmente em uma execução muito competente.

    O sacrifício dos guerreiros gregos, aliado ao estilo videoclíptico e ao clima massa veio, garante a 300 ser um sucesso de público, retrata os espartanos como um grupo de sádicos sedentos por sangue e como assassinos profissionais que não temem a própria morte. É uma história de bravura e resistência, além de ser um ótimo trabalho de Zack Snyder.

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  • Crítica | A Lenda dos Guardiões

    Crítica | A Lenda dos Guardiões

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    Após Watchmen, Zack Snyder se refugiou em uma animação, baseada no romance de Kathryn Lasky, A Lenda dos Guardiões é a chance do realizador em fazer penas de corujinhas caírem no seu ritmo conhecido, regado a muito slow motion.

    Desde 300, Snyder demonstra um enorme esmero com o visual e fotografia em seus filmes, e este não é diferente. O contraste entre as inúmeras espécies e subespécies de aves, suas cores, seu visual de asas abertas é algo estonteantemente belo.

    Apesar da maioria da filmografia do diretor ser de qualidade discutível, seus filmes ainda eram um bom entretenimento, conseguiam prender a atenção do individuo desatento, que pouco se importa com coesão ou de baixa expectativa em relação a consumir uma história bem construída. Era um entretenimento minimamente divertido, totalmente diferente desse Legend of the Guardians. O roteiro não é mal feito, mas a animação não distrai, não faz rir e não emociona. O alívio cômico só aparece depois de decorrido mais de um terço da trama, e ainda assim é não é nada demais. A trajetória dos aventureiros até encontrar os seus heróis é muito curta, falta perigos reais em sua jornada, os personagens são insossos e nada carismáticos, não há como se importar com o destino deles. As virtudes e auxílios se aproximam muito facilmente do grupo de alados.

    Ao menos, é passada uma mensagem muito boa, através do mentor do protagonista. Soren, a coruja dublada por Jim Sturges (do também “excelente” Cloud Atlas), ouve do seu herói idealizado, que um guerreiro não recebe louros após as batalhas, o que perdura e marca suas vidas são as cicatrizes, contudo, o importante é ter o foco em fazer o que é correto.

    As batalhas em câmera lenta entre corujas vestindo armaduras e armas brancas contra morcegos devem ser interessantes em algum lugar mas não aqui, torna-se ainda mais difícil se importar com o destino dos passarinhos, principalmente por causa do protagonista Loren – uma ave que só faz chorar, que é insegura e extremamente chata. A tentativa em tornar o herói em um ser mais humano esbarra no fato básico dele ser um animal. Falha miseravelmente no quesito, e torna todo esse drama deveras maçante.

    Os efeitos especiais não deixam a desejar, e infelizmente mal dá para analisar o estrelado – Geoffrey Rush, Helen Mirren, Hugo Weaving, Sam Neill – que estão no automático e quase não são acionados. A Lenda dos Guardiões é fraco e tem dificuldade em descobrir qual é o seu público.

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  • Crítica | Watchmen

    Crítica | Watchmen

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    No inicio Edward Blake assiste um comercial de Nostalgia antes de ter sua casa invadida. Fica claro que ele sabia que seria atacado. A luta é muito bem filmada, como poucas em filmes de super-heróis e a música na trilha – Unforgettable de Nat King Cole – deixa tudo com o ar de suspensão e até incredulidade. O começo promissor tende a enganar, faz parecer que Watchmen de Zack Snyder seria algo bom e que o velho Alan Moore estava errado, mas logo na cena posterior as ilusões são esmagadas.

    Snyder tem um talento nato para montar introduções, percebe-se isso em 300 e Madrugada dos Mortos, e seria assim também neste Watchmen, não fosse pela sutileza de rinoceronte com que ele trata alguns fatos apenas sugeridos na revista: o caso JFK, o beijo na enfermeira após o dia D e o encontro entre um “herói”, Mick Jagger e Ziggy Stardust em uma festa rosa – aliás essa é a primeira de uma série de cenas irritantes com o personagem.

    O filme não é um desastre completo por duas atuações distintas. A caracterização de Rorschach feita por Jackie Earle Haley é quase perfeita, seu personagem gera medo e emula toda a sociopatia de sua contraparte dos quadrinhos. Jeffrey Dean Morgan também faz um Comediante muito bom, suas cenas são disparadas as melhores do filme. Blake bate indiscriminadamente em mulheres e crianças, é cínico e se vale do argumento de estar em guerra. Apesar de ser até meio babaca, o personagem consegue ser o mais sóbrio da história, o que mais entende para onde o mundo está indo. Nem Patrick Wilson – que nunca foi grande coisa – compromete, seu Coruja 2 é crível, assim como os “veteranos” Carla Gugino – deliciosa nos anos 40 – e Stephen McHattie. Outro ponto positivo nesta versão é a cena de assassinato de Hollis Mason, intercalando os socos nos trombadinhas com suas ações na Era de Ouro – que gera outro bom momento,  com um rompante de raiva do Coruja II num bar no submundo. A Sala de Guerra onde Nixon faz suas reuniões também é uma ótima referência ao Dr. Fantástico de Stanley Kubrick.

    Os maiores problemas do roteiro não são as incongruências, mas sim as obviedades. No apartamento do Comediante há mil fotos das duas Espectrais. Para caracterizar o isolamento do Dr. Manhattan, decidiu-se retratá-lo como um altista, gerando assim a segunda pior atuação do filme – a sua cena vencendo o “Vietnã” é risível, tanto pela explosão dos adversários quanto pela música mal escolhida – que dá um tom de paródia que não cabe a atmosfera que Snyder pretende – este é outro problema, a seleção de músicas é ótima, mas o encaixe nas cenas em si é equivocado na maioria das vezes, vide o Hallelujah de Leonard Cohen numa cena de sexo.

    Watchmen é muito bem filmado, mas sua trama é repleta de furos. Seus poucos acertos são méritos da história original, o que faz a película se assemelhar a uma paródia da HQ. O pior de tudo está guardado para Ozymandias. O herói é transformado em vilão na primeira cena em que aparece, é afetado, franzino, fraco e não parece carismático em momento nenhum, é como uma versão reduzida e decadente do original, ele não aparenta arrependimento ou reticência nenhuma por seus atos. Todas as tentativas de Matthew Goode em melhorar isso falham miseravelmente. Nem seus feitos como pegar uma bala com as mãos faz sentido e sua nova versão do “plano redentor” é cheia de falhas. A culpa recair sobre os ombros do Dr. Manhattan justificaria um ataque soviético imediato aos americanos, não haveria porque gerar uma união mundial. O script de Alexsei Trotsenko e David Hayter privilegia a ação e reduz a ambigüidade dos personagens a movimentos óbvios.

    O Axaque de Daniel e seus socos em Veidt são demonstrações patéticas e piegas de moralidade – motivadas supostamente por desejos dos produtores. O “vilão” tem que ser retratado de forma isolada, solitária e triste. A Versão do diretor, com suas 3 horas de duração, melhora um pouco a obra, mas ainda está muito aquém da história de Moore. As cenas extras dão mais sentido a algumas pirações do realizador, mas esse filme custou a Zack Snyder o posto de “visionário”, tornando-o apenas “elegante”.

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  • Crítica | Minha Mãe é uma Peça: O Filme

    Crítica | Minha Mãe é uma Peça: O Filme

    O comediante niteroiense Paulo Gustavo ganhou notoriedade ao executar uma peça em que satirizava a figura materna. O espetáculo intitulado Minha Mãe é uma Peça era um monólogo e o texto era do próprio artista, que acrescentava mais conteúdo com o crescimento de popularidade da obra.

    André Pellenz, que trabalha nos programas de Paulo Gustavo (220 Volts e Vai que Cola) é responsável pela versão cinematográfica. Esse é seu primeiro longa-metragem, e talvez por isso os seus erros sejam mais perdoáveis. O roteiro parece uma versão suavizada da peça, feito sob encomenda para alcançar um público ainda maior, abrindo mão de argumentos ótimos no original, como a forma de Dona Hermínia lidar com um filho homossexual. No filme a versão de Juliano (Rodrigo Pandolfo) é extremamente comedida e corre o risco do fato passar despercebido ao indivíduo mais desatento. A trama principal é chata e pouco engraçada, o que salva são algumas pequenas sketches e flashbacks que mostram as situações vividas pela protagonista, mas tais quadros cômicos não levam a história para frente, estão lá para encher linguiça somente, isso faz com o resultado final se assemelhe a um Frankenstein, com pedaços distintos reunidos de qualquer forma.

    As outras interpretações fora a do astro principal não são fracas, mas deixam tudo muito a desejar, aquém do que poderia ser, mesmo com o elenco estrelado que Pellenz possui em mãos. O forte da obra prossegue sendo Paulo Gustavo, com seus trejeitos e gritaria absurda. Seu modo de agir, falar e se locomover é hilário, e essa qualidade evidencia ainda mais os defeitos do filme – não há nenhuma cena em que ele não esteja enquadrado que funcione como comédia, todas são sem graça, maçantes e sofríveis, e não precisava ser assim. Devido à pasteurização do script, que tornou as questões ambíguas da peça em obviedades não há como culpar Herson Capri, Ingrid Guimarães, Samantha Schmutz e os outros atores, pois não havia com o que eles dialogarem, pareciam engessados e mecânicos. O público alvo desta versão é diferente do teatro, o objetivo é o de atingir o máximo de gente possível, inclusive o espectador mais conservador, que tende a aceitar mais facilmente um homossexual quando ele é engraçado.

    No geral, Minha Mãe é uma Peça o Filme entretém e faz rir, principalmente se para o indivíduo que for assisti-lo o comediante for um sujeito completamente desconhecido. A realização de Pellenz e Gustavo não é muito diferente dos últimos produtos de comédia que ocuparam as salas de cinema brasileiras, como Os Penetras, E aí… Comeu? e Agamenon, ainda que este seja muito mais engraçado que os citados.

  • Crítica | O Lugar Onde Tudo Termina

    Crítica | O Lugar Onde Tudo Termina

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    Segundo longa-metragem de Derek Cianfrance, este The Place Beyond the Pines traz um drama com uma história pouco convencional, cheia de reviravoltas e magistralmente filmada.

    O filme é dividido em três atos que são protagonizados por personagens diferentes. O primeiro deles é estrelado por Luke Glanton, interpretado por Ryan Gosling que já havia trabalhado com Cianfrance no excelente Blues Valentine. A situação familiar indesejada em que o personagem se mete o leva a tomar atitudes precipitadas e impensadas, fazendo-se valer de seu talento como dublê de motocicletas – papel muito semelhante a um de seus recentes sucessos, Drive. A tatuagem no rosto de Glanton prevê as lágrimas que viriam a cair sobre o seu rosto – um paralelo interessante entre sua antiga e desregrada vida, e seu novo estilo “familiar”. A decisão que o personagem toma por impulso o leva a uma série de ocorrências cada vez mais perigosas, Glanton parece não conseguir medir a gravidade das coisas que faz e das consequências que elas trariam.

    A perseguição policial em que o dublê se envolve é uma sequência impressionante, oras em primeira pessoa e em outros momentos com câmera na mão. Cianfrance evolui cada vez mais em suas realizações. Ao apresentar o próximo protagonista, o diretor registra uma lágrima caindo da janela do segundo andar, o que não poderia ser mais emblemático. Mudar o foco e mostrar histórias distintas no mesmo filme é uma tarefa complicadíssima, e o roteiro não peca, ao contrário, mostra a evolução dos envolvidos sobre outra ótica. A trama de Avery Cross – Bradley Cooper – é bastante diferente da de Luke Glanton, seus dramas e problemas são o completo inverso do criminoso.  Em todo momento, o policial é reticente em praticar atos ilícitos, seu Ethos parece incorruptível, e seu pecado, ao menos em sua própria interpretação é o de conivência e não corrupção pura e simples.

    O terceiro ato ocorre após 15 anos e registra as ações da geração posterior a de Luke e Avery. O passado de Cross – que agora ocupa o cargo de promotor público – vem para assombrá-lo e ele tenta mais uma vez remediar a situação de forma equivocada.

    As atuações certamente são o ponto forte do filme, Derek Cianfrance trabalha muito bem com o que tem em mãos. Coadjuvantes como Robin – Ben Mendelsohn – marcam presença de forma eficiente e abrilhantam demais o produto final. O trio de protagonistas também exerce seu oficio de maneira belíssima, Gosling faz o que já está habituado – o que é sempre bom – Cooper encarna muito bem o policial honesto e o político ganancioso e isolado, seus problemas são reais e fazem o espectador sentir a sua dor e  isolamento. Dani DeHaan faz um papel riquíssimo e é a boa surpresa do filme. Em muitos momentos emula as características de seu pai, agindo como uma bomba prestes a explodir, e em outros ele tem atitudes como as de sua mãe e seu pai adotivo, seu personagem é uma amálgama muito bem feita e mesmo com tudo isso possui personalidade própria.

    Os 15 minutos finais são de uma tensão absurda. O Lugar Onde Tudo Termina fala sobre como um péssimo dia pode gerar uma cadeia de eventos  caótica, e acabar com toda uma (ou mais) vida(s) “correta(s)”. Não trata o espectador como imbecil e não faz concessões morais, seus personagens são tridimensionais e cheios de falhas.

  • Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

    Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

    As Vantagens

    As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, EUA, 2012, Dir: Stephen Chbosky) é adaptação do homônimo livro lançado em 1999 escrito pelo roteirista e também diretor do filme, que por sua vez foi criador da série Jericho, cancelada após a segunda temporada.

    Sinopse: um menino introvertido entra no segundo grau e é acolhido por dois meio-irmãos veteranos, que o ajudam a se adaptar às dificuldades da adolescência na rotina escolar e na vida.

    Para entrar no universo de adolescentes/jovens perdidos, a direção de Stephen Chbosky tenta emular os filmes da Sofia Coppola, especialmente “Virgens Suicidas” (1999), e Bertolucci com o seu “Os Sonhadores” (2003). O problema é a falta de identidade a partir disso. Não há um plano marcante do ponto de vista cinematográfico que seja mérito exclusivo da direção, nenhum movimento de câmera, marcação de atores em cena, nada. A mise-en-scène blasé só consegue se sustentar por meio do roteiro, a única hora em que se pode ver o talento do diretor é na direção de atores: Chbosky consegue extrair boas atuações dos três atores principais, principalmente de Logan Lerman.

    Diria que mais da metade da força que o filme teve perante seus fãs e admiradores veio da sua atuação de Lerman. Conhecido por ter interpretado Percy Jackson, o outro Harry Potter, Lerman mostra aqui que só precisava de uma chance fora do mundo blockbuster para mostrar o seu talento. Com uma interpretação contida durante a maioria do filme, ele consegue passar todas as características do seu personagem de forma sublime: angústia, medo, insegurança, amor, e, principalmente, os demônios internos que o atormentam. Se o ator der sorte de continuar a pegar personagens mais profundos e manter esse nível, talvez daqui a alguns anos poderemos ver surgir um novo Ryan Gosling.

    Os outros atores interpretam bem o seu papel. Emma Watson, porém, não consegue ir muito além, ela é engolida pelo bom Ezra Miller, o Kevin, de “Precisamos Falar sobre o Kevin” (2011), e principalmente por Logan, que engole todo mundo que está em cena do meio para o final do filme. O resto do elenco cumpre bem a sua finalidade, com especial menção a Tom Savini, Paul Rudd e Joan Allen, que saem um pouco das suas interpretações usuais.

    O roteiro sem grandes furos tenta conduzir a narrativa por um meio não convencional. De uma forma forçada tenta impôr o protagonista em um universo hipster e assume assim uma outra estrutura dramática, que só serve para acentuar o fato de que o adolescente deslocado encontrou pessoas esquisitas e com problemas semelhantes ao dele. Não à toa, ele os chama de “amigos” várias vezes ao longo do filme, logo o protagonista, que era conhecido por não ter ou saber fazer amigos.

    E então vem o maior problema do roteiro, por consequência, do filme: a conveniência de voltar à dramaturgia convencional e sua estrutura quando ficou sem saída aonde havia ido antes. A briga no refeitório na metade para o fim e a “grande revelação” do final do filme exemplificam isso. É um roteiro covarde, frouxo, bundão, que fingiu uma audácia que não tinha, pois, no fim das contas, não se sustentou. Ou seja, pretensioso. Nesse sentido, “Meninas Malvadas” (2004) com a Lindsey Lohan, mesmo sendo uma comédia blockbuster cumpre melhor este papel, é um filme mais eficiente abordando a mesma temática no mesmo universo.

    A fotografia quase o tempo todo usa filtros não realistas, como naquelas cenas que representam sonhos, o que impede um melhor trabalho de Andrew Dunn, que já havia fotografado os ótimos “Preciosa” (2009) e “Amor a Toda Prova” (2011). As únicas partes que ela se sobressai é quando os demônios internos do protagonista são retratados.

    A editora Mary Jo Markey, também não consegue mostrar o seu talento, como já havia evidenciado nos filmes irregulares Star Trek 2 – Além da Escuridão, a série Lost e Super 8. A edição linear ajudou na narrativa, mas a única hora que se sobressai é semelhante à fotografia: ajuda a mostrar os demônios internos do protagonista.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Madrugada dos Mortos

    Crítica | Madrugada dos Mortos

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    A estreia de Zack Snyder foi em uma refilmagem e dificilmente seria melhor. Seu Dawn of the Dead é diferente de tudo o que Romero propôs como apocalipse zumbi e ainda assim é muito competente. O ritmo dos ataques é frenético, a transformação é praticamente instantânea e o departamento de arte não poupa galões de sangue falso.

    O imediatismo não é só devido ao fato dos mortos-vivos serem velozes, as criaturas são quase sobre-humanas, a sobrevivência é muito mais difícil e as condições de vida escassas. Não há tempo para ajudar pessoas ou resgatar entes queridos, é cada um por si. Madrugada dos Mortos é um fôlego novo no gênero, e muito superior aos seus primos pobres – Resident Evil e afins.

    O remake é certamente a obra mais acertada de Snyder. Sua forma de filmar causa arrepios, isola os personagens através da angulação da câmera e passa a atmosfera de desespero sem precisar ser didático. A música que acompanha os créditos iniciais – The Mans Come Around de Johnny Cash, serve como ótimo resumo dos fatos ocorridos após a infecção. A discussão proposta pelo roteiro é igual a mensagem de George Romero, mas é atualizada para uma nova geração, que cresceu vendo os vídeo-clipes da MTV, e o realizador é muito competente, pois engloba o espectador mais novo ao mesmo tempo que não esquece o velho fã de mortos andantes.

    O elenco está bastante à vontade. Ving Rhames faz um policial sem muita paciência para o moralismo comum ao outros sobreviventes, mas que no fundo se importa com o grupo. Sarah Polley faz uma protagonista que evolui muito com o decorrer da trama, de uma frágil e condescendente enfermeira até uma líder nata. Mesmo os clichês são bem utilizados, e não denigrem a obra.

    O filme é repleto de momentos grotescos. A cena do parto e toda a atmosfera que a envolve é sinistra, amedrontadora e asquerosa. É tenso e muito divertido. Snyder gravou um curta metragem – que está nos extras do DVD da versão nacional – mostrando o cotidiano de Andy (Bruce Bohne), que grava em vídeo desde o início do apocalipse zumbi até a sua transformação. Isso acrescenta muito a trama, e tornou-se prática comum nos filmes do diretor – vide o mockumentary  Sob o Capuz de Watchmen.

    O plano de fuga arquitetado pelo heróis é estúpido, e nos 20 minutos finais todos viram exímios atiradores. Há um julgamento moral muito forte, até puritano em alguns pontos, os personagens que caem são os que antes eram mostrados com alguma “parafilia” latente – seja homossexualidade, poligamia ou o registro visual de relações sexuais – mas o recurso é comum a filmes de Terror, e não causa tanto descontentamento quanto à redenção de um dos anti-heróis.

    As cenas pós-créditos são ótimas, e dão um aperitivo de como seria a vida dos sobreviventes após a chegada na ilha. Quando o inferno estiver lotado, não haverá escapatória para os que ainda permanecem vivos.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | Superman: O Filme

    Crítica | Superman: O Filme

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    O primeiro nome nos créditos iniciais é o de Marlon Brando e  logo após vem o de Gene Hackman, acompanhado é claro pela magistral música de John Williams. A abertura é longa: entre o Prólogo e o anuncia da direção ocorrem mais de cinco minutos, milimetricamente planejados para gerar expectativa no público.

    A história é de Mario Puzo – de Poderoso Chefão – e começa com o julgamento dos três super-criminosos kriptonianos, encabeçado por Jor-El. Neste momento já é possível perceber a prepotência, arrogância e imponência de Zod , que dispara bravatas contra o “juiz”.

    Os efeitos especiais de Roy Field eram magníficos para a época, e não fazem feio hoje, claro fazendo-se algumas concessões. Grande parte da magia em Superman é fazer o espectador acreditar que O Homem poderia voar. O roteiro de Puzo se vale das origem contada por Siegel/Shuster, a criança recém-chegada a Terra tem um força descomunal e a demonstração de suas habilidades é muito parecida com a abordagem das primeiras histórias de Action Comics dos anos 30. A criação discreta dos Kent, a forma de esconder os poderes evitando-se exibições e seu uso para benefícios próprios, tornam Clark no herói sempre preocupado com o bem estar dos menos favorecidos.  Outro fator que colaborou para isso foi à instrução de Jor-El, por meio do sistema de inteligência artificial kriptoniano, ele diz que a humanidade é boa, só precisa de alguém para guiá-los.

    Apesar da lentidão, as passagens de tempo são muito bem executadas, desde o prólogo em Krypton, passando pela infância e adolescência de Kal-El em Pequenópolis. O Herói só veste seu uniforme depois de passados 48 minutos de exibição. A atuação de Christopher Reeve vivendo um pacato repórter capial é muito boa, e o deixa como o completo avesso do imponente escoteiro. Mesmo com Margot Kidder fazendo uma Lois Lane cheia de caras e bocas e voz insuportável, há de se acreditar no casal, graças à química e ao enorme carisma de Reeve. Os outros personagens também possuem uma caracterização bastante peculiar, Lex Luthor em sua primeira aparição assassina um detetive que o perseguia, se auto-intitula a maior mente criminosa do universo – sua personificação varia entre o cientista louco com gênio criminoso extremamente maniqueísta, soberbo e mal por essência. Os capangas também exageram no tom humorístico, mas não é nada que atrapalhe o bom andamento do filme.

    Interessante como o Super deixa um barco de algumas toneladas sobre uma avenida bem em frente a uma delegacia – de quem seria a responsabilidade de rebocar o encouraçado? Impressionante também é como o dono da prisão leva numa boa a invasão ao seu “estabelecimento”, onde o herói deixa dois criminosos no interior das dependências do cárcere.

    A maneira como o Super-Homem cai na armadilha de Luthor é estúpida, imprudente, óbvia e inaceitável. Nesses momentos os elementos da história parecem inspirados nas versões mais pueris do Super-Homem, como as mostradas no desenho Superamigos. Em contrapartida as façanhas e sacrifícios que ele faz pela população, mesmo com os exageros tornam o caráter cinematográfico ainda mais épico. Suas promessas são cumpridas, o dever com os inocentes é maior que as suas necessidades pessoais. Um ponto fraco no roteiro é o artifício utilizado no final – a viagem no tempo – em que liga-se uma variação de Deus Ex-Machina completamente desnecessária, sem falar no fato disso ser uma desobediência direta a ordem de seu pai de “não interferência na história humana”. Isso mostra que o kriptoniano é suscetível a tentações.

    Super-Homem o Filme é um clássico incontestável, mesmo que não seja perfeito. Certamente é o melhor filme de super-herói realizado até o presente momento, além é claro de ter servido de inspiração para as outras adaptações que viriam depois. Uma grande realização de Richard Donner – talvez a mais notável de toda a sua carreira.

  • Crítica | Guerra Mundial Z

    Crítica | Guerra Mundial Z

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    O gênero zumbi é conhecidíssimo do grande público nos tempos atuais, principalmente por causa do sucesso da série de TV The Walking Dead. Grande parte deste sucesso é devido ao fato de que o criador do gênero moderno de zumbis, George Romero, usou essa temática para fazer analogias, sempre críticas, da sociedade naquele momento.

    Nos anos 2000, o gênero “zumbi” voltou com tudo após ficar em dormência durante os anos 80 e 90. Os expoentes desta retomada foram Extermínio e Madrugada dos Mortos. Porém, a estética dos zumbis se alterou. Ao invés de criaturas decrépitas e lentas, agora temos zumbis super-rápidos e que se movem sempre em grupos enormes com um comportamento irracional, e é aqui que se encaixa a analogia aos tempos modernos, a crítica ao consumismo, as grandes massas que se movimentam sem pensar, somente seguindo impulsos primários, aglomerando-se e brigando por aquilo que consideram vital. Quem já passou por uma liquidação, ou mesmo vivenciou uma Black Friday, deve ter experimentado algo parecido.

    Guerra Mundial Z segue nessa linha, porém, à sua própria forma. Terminou de ser filmado em 2011, mas problemas de produção, brigas entre o ator/produtor Brad Pitt e o diretor Marc Foster atrasaram o lançamento do longa, que até teve o final refilmado. Geralmente filmes com problemas assim acabam dando um resultado ruim, mas não foi este o caso. Guerra Mundial Z convence como filme-catástrofe e como ação. Consegue prender a atenção do espectador e criar momentos genuínos de tensão sem apelar a (muitos) clichês do gênero.

    Na história, Gerry Lane (Pitt) é um ex-funcionário da ONU especialista em trabalhar em regiões de conflito pelo mundo, por isso sua intensa experiência em fugas de situações de risco. Porém, agora ele está aposentado. E o filme se inicia justamente em seu cotidiano familiar na Filadélfia, ao mesmo tempo em que somos apresentados gradualmente a notícias de uma estranha infecção estar se espalhando pelo mundo (também excepcionalmente apresentada na abertura, com a também boa música-tema executada pela banda britânica Muse).

    Durante também uma excelente sequência no trânsito congestionado, somos apresentados a infecção de uma hora para outra, o que não pareceu fazer muito sentido, porque por mais que Lane conte o tempo de infecção através de mordida em 12 segundos, uma onda como a que atravessa a cidade seria sentida bem antes, de forma mais gradual. Neste aspecto, o avanço da infecção mostrado em Todo Mundo Quase Morto parece muito melhor construído, mesmo se tratando de uma paródia do gênero.

    A partir daí, o 1º ato é todo de Lane e sua família tentando fugir da infecção, conseguir mantimentos e procurar abrigo, o que também tem dois pontos negativos: a cena do supermercado, onde sua mulher é atacada sem mais nem menos em meio a uma multidão, para criar uma tensão que soou um pouco artificial, e a vitimização e o excesso de bondade e hospitalidade de imigrantes latinos que recebem Lane em sua família. Há a clara tentativa de sensibilizar o espectador, que também soa um pouco artificial. Pequenos problemas e situações ao mesmo tempo forçadas e sem sentido naquele contexto se repetem algumas vezes durante a exibição, o que talvez possa ser creditado a tantos problemas de filmagem e produção.

    No entanto, após o 2º ato seguimos Lane por sua investigação no mundo a respeito de como a doença surgiu e como poderia pará-la. E o comportamento de Lane frente à ameaça é um dos pontos mais interessantes do filme, já que geralmente protagonistas de filmes desse gênero não conseguem aprender com a prática, observando e tirando conclusões, o que Lane faz de maneira bem clara e inteligente, e sempre com o propósito de avançar a história. As sequências na Coreia do Sul e principalmente em Israel são boas, apesar dos zumbis escalando o muro e correndo em hordas parecerem artificiais demais em alguns momentos.

    Na parte final, no laboratório da OMS, momentos de tensão são muito bem construídos, com o som ambiente silencioso, construindo uma crescente e lenta angústia no espectador, consciente que o menor ato pode desencadear uma tragédia. No final, a história tem um desfecho aceitável, e que provavelmente será retomada em continuações.

    Apesar de alguns problemas, Guerra Mundial Z convence ao criar momentos honestos de tensão e medo, e um senso de urgência real frente ao perigo apresentado, onde conseguimos nos identificar com o protagonista, suas intenções e reações. Em um gênero tão desgastado por filmes e séries de TV, é sempre bom ver algo que tente apresentar algo de novo.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Segredos de Sangue

    Crítica | Segredos de Sangue

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    Do excelente realizador sul – coreano Chan-Wook Park (de Oldboy ) Stoker é um thriller, que mostra uma família que acabou de perder seu patriarca. A história é centrada no clã Stoker e nas relações entre India – filha do morto, encarnada muito bem por Mia Wasikowska-, a mãe – interpretada por Nicole Kidman – e pelo tio recém-chegado de viagem Charlie – Mathew Goode – que parece esconder um passado obscuro, e que basicamente tenciona seduzir as duas mulheres da família.

    O mais interessante em Stoker, é a forma como Park registra os sentimentos dos personagens. Os ângulos de câmera demonstram o isolamento de India logo no começo, dispensando qualquer argumentação textual ou fala. Os planos frios combinam com a arquitetura repleta de objetos brancos, pela casa, que por sua vez contrastam com as vestes negras de luto. Há uma abundância de cortes secos e planos aéreos, as dúvidas e reticências da protagonista são pontuadas com o tremer das filmagens. Nas vezes em que ela observa as pessoas que a desagradam, a imagem vem de baixo para cima, de uma forma inquisitiva. A lente se distancia dela em alguns momentos, principalmente quando está acompanhada de sua mãe, demonstrando seu incomodo com o convívio humano – um dos pequenos indícios do que viria.

    O roteiro sugere uma enorme quantidade de situações incestuosas e desejos sexuais reprimidos, quase sempre ligados a morbidez. Outro fator observado em alguns personagens é a obsessão por simetria, aos poucos o quadro ganha contornos reais e desenha a real intenção do filme.

    O foco nas cenas de violência é geralmente no agressor, e no prazer que ele sente em fazer aquilo, a intenção passa por demonstrar a evolução do desejo carnal em gerar dor, além é claro da erotização da violência.

    Numa das falas de Richard – o falecido pai – diz-se o seguinte: “Às vezes é preciso fazer algo ruim para não fazer algo pior!”. A frase é interpretada por sua filha e pelo espectador, como uma compensação, em que pequenos atos de maldade aplacariam e amenizariam a vontade de fazer algo cruel de verdade. A enorme quantidade de signos e pistas que permeiam o filme fazem maior sentido quando juntas no final.

    A rejeição seria a principal razão para os atos atrozes mostrados no ecrã, mas estes são registrados de forma dócil, quase sem nenhum julgamento moral. A câmera mostra que a visão de India para a maioria dos fatos que acontecem ao seu redor, são vistos de forma propositalmente parcial, ignorando pessoas ou situações e as conseqüências desses atos.

    O filme é reflexivo e toca em muitos assuntos familiares complicados e, na maioria das vezes, ignorados. A mensagem final explana que negar a própria natureza é infrutífero, pois os desejos incubados não permanecerão assim para sempre. O título nacional “Segredos de Sangue” é um spoiler gigantesco, uma lástima, pois os fatos se desenrolam de forma imprevisível e gradual, o esmero e o cuidado de Chan-Wook Park em filmar Stoker é gigantesco, não apela para clichês de filmes do gênero, ao contrário, pois só se descobre o caráter da obra juntando as pistas, e é claro, em seu final escancarado.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

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    O Super-Homem é um dos personagens mais emblemáticos da DC, e do mundo dos quadrinhos em geral, e provavelmente uma das figuras mais lucrativas da indústria de entretenimento mundial. Ainda assim, recentemente a editora vinha encontrando dificuldade em emplacar o personagem no cinema, a falta de qualidade dos filmes era um problema, mas mais que isso, o Homem de Aço parecia não se comunicar com as novas gerações, seu personagem aparentemente obsoleto em uma época de heróis menos maniqueístas, mais ambíguos.

    No entanto, após o sucesso estrondoso da releitura que Christopher Nolan fez do Batman e da Marvel ter vendido com relativo sucesso o Capitão América (ainda mais anacrônico que o Super-Homem) uma nova tentativa se tornou inevitável. Confesso que fiquei surpresa quando um projeto desse tamanho foi parar nas mãos de um diretor que acabava de sair de um fracasso tão absoluto (não por acaso, todo material de divulgação diz apenas “do diretor de 300 e Watchmen“) e cuja fama nunca foi das melhores, mas Zack Snyder, com supervisão de Nolan é preciso dizer, assumiu o trabalho de finalmente tornar o Super-Homem um blockbuster.

    E Homem de Aço faz exatamente isso: ele torna o personagem palatável, viável para o público de hoje, menos patético e bom moço e entrega um filme com boas sequências de ação e altamente vendável. Não é que a direção exagerada e um tanto sem rumo de Snyder não esteja presente, ela está, mas a impressão é que o diretor foi posto na coleira e essa coleira foi entregue na mão de Nolan.

    Em primeiro lugar há um prólogo em Krypton: o filme situa o planeta, apresenta os pais de Kal-El e mostra o como seu mundo desmoronou.  É um mau começo. Embora visualmente impressionante, as cenas deveriam ter uma carga dramática que Snyder é completamente incapaz de segurar, os diálogos soam artificiais e tudo alterna entre vergonha alheia e novela mexicana intergalática, mas felizmente isso passa.

    Mesmo quando chega na Terra, Homem de Aço é um filme de origem, contando como Clark Kent se tornou o Super-Homem. A estrutura é pouco linear e a narrativa alterna entre cenas do presente, da adolescência e da infância de Clark, poderia funcionar na mão de um diretor mais competente, embora eu ache que a narrativa linear e clássica funcionasse melhor em um filme que conta tão obviamente a jornada de um heroi, mas com Snyder tudo parece apenas confuso, ainda que o fluxo não seja seriamente comprometido. Snyder insere, como já é hábito dos filmes de super-heroi, pequenos bônus para os fãs do personagem: a presença de Pete Ross e Lana Lang, um cartaz escrito Smallville (embora o nome da cidade nunca seja mencionado), outro da Lexcorp e outras referências que são divertidas e ajudam a dar substância ao universo que ele está construindo.

    O filme melhora consideravelmente nos momentos que se passam no presente. Lois Lane é a melhor personagem feminina que ja apareceu em um filme do gênero: inteligente, sexy e longe do estereótipo da donzela em perigo. As cenas de ação são bastante boas também, surpreendentemente o filme tem ritmo, tensão e ótimas explosões. A sequência final acaba sendo arrastada (na verdade, o filme todo é uns 20 minutos mais logo do que o necessário), mas não chega a ser ruim.

    Se como filme de ação, Homem de Aço funciona, seus problemas estão justamente na tentativa de fazer drama. O novo Super-Homem é um ser dividido dentre duas identidades, um estrangeiro na terra, algo que potencialmente será rejeitado pelos humanos, mas as cenas de carga emocional não se sustentam, assim como o prólogo em Krypton tem diálogos terríveis e atuações forçadas, Russel Crowe conseguindo ser menos expressivo que uma Kirsten Stewart com preguiça.

    Mas, ainda que muito mal conduzidas, essas cenas servem ao propósito de atualizar o Super-Homem e é preciso reconhecer o enorme mérito da DC em manter o espírito do personagem, ao invés de simplesmente repetir a fórmula que funcionou com o Batman. O Super-Homem é um herói leve, otimista, o símbolo do progresso e da esperança americanos, não é um órfão amargurado que vive nas trevas e Snyder não se esquece disso. O Super-Homem pode chorar após matar um homem mau para salvar uma família, mas ele não hesita em fazê-lo, ele pode se sentir dividido entre a Terra e Krypton, mas não pensa duas vezes quando a escolha é matar humanos para reconstruir seu planeta, ele é essencialmente “bom”, correto e esperançoso. Há um pessimismo de base, uma desconfiança em relação a natureza humana que soa como os temas de Nolan (ele é produtor do filme afinal), mas a conclusão aqui é que é preciso dar o salto de fé, que a humanidade vale a pena.

    Assim, Homem de Aço consegue dar alguma substância a um herói que parecia acabado e esteticamente quase torna a capa vermelha aceitável. Não é um filme de drama e seu foco não é o conflito existencial do personagem, que aliás aparece em cenas muito mal feitas, mas usa essas ferramentas como âncora, jeitos de humanizar o Super-Homem, torna-lo mais plausível e contextualizado para que o público possa aceitar o personagem. Tudo isso, aliado a uma estética fria e um pouco suja que ameniza as pirotecnias cinematográficas de Snyder entregam um filme de ação eficiente que está muito longe de uma obra prima, mas deve conseguir uma bilheteria gigantesca, garantir continuações e assim finalmente emplacar o personagem.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.