Categoria: Críticas

  • Crítica | Duro de Matar 2

    Crítica | Duro de Matar 2

    duro de matar 2

    John McClane estava errado. O último natal em que teve que salvar sua esposa não foi o mais infernal de sua vida. Um ano se passou, a família McClane está estabelecida e o policial aguarda a chegada do avião da esposa a Washington para passarem o Natal na companhia dos pais.

    No caos de um aeroporto em véspera de feriado, McClane nota algo estranho e, ao avisar em vão as autoridades, sente-se na obrigação de investigar o que está acontecendo.

    Duro de Matar 2 dá sequência ao grande sucesso gerado pelo primeiro em um filme mediado. O cenário é substituído e ampliado para um gigantesco aeroporto, dando maior dimensão para o atentado terrorista da vez e ampliando as cenas de ação.

    Ao contrário da primeira produção, McClane não está sozinho, mas é desacreditado pela polícia que sempre tem consciência dos fatos após acontecidos. Conforme avança a problemática – terroristas que tomam o aeroporto para resgatar um avião com um importante prisioneiro de guerra –, cabe a ele tentar resolver a situação, sempre nervoso por estar, novamente, em uma situação limite.

    A dose de adrenalina na história é duplicada e apresenta os primeiros sinais de uma licença poética sobre a personagem que, antes, era a mais humana possível. Aqui, o policial se torna o único capaz de restaurar a paz e sofre muito mais do que antes, saindo-se mais invencível, ainda que as cenas de ação em si não percam seu estilo.

    A trama escorrega ao tentar apresentar algo maior do que o primeiro filme, envolvendo mais personagens e inserindo-as em uma história com maiores proporções. Apesar disso, McClane continua sendo o salvador das situações, como evitar um acidente aéreo em um aeroporto sem luzes locomovendo-se em uma pista de pouso com duas tochas na mão.

    Na improbabilidade de somente um homem ser capaz de fazer tudo pela incompetência dos demais, nasce o riso irônico de McClane, uma das características mais fortes da personalidade do herói, mas que também é diminuída na trama.

    Talvez evitando em demasia não replicar a primeira trama, produziram uma com diversos exageros que poderiam ser melhor apresentados sem retirar o elemento humano que simbolizou a revolução de Duro de Matar.

  • Crítica | Sunshine: Alerta Solar

    Crítica | Sunshine: Alerta Solar

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    Sunshine – Alerta Solar é uma ficção científica de 2007, dirigido por Danny Boyle (dos excelentes Extermínio e Cova Rasa). Já tinha ouvido falar bem do filme, e por ser fã do gênero sci-fi, resolvi conferir.

    Na trama, a Terra do futuro corre o risco de ter toda a vida extinta, pois o sol está para desaparecer. A última esperança é a nave espacial Icarus II e sua tripulação de 8 pessoas (Michelle Yeoh, Cillian Murphy, Chris Evans, Rose Byrne, Cliff Curtis, Troy Garity, Hiroyuki Sanada e Benedict Wong), que transporta uma bomba atômica do tamanho da ilha de Manhattan, que teoricamente alimentará uma nova vida dentro do Sol. Porém, durante a viagem e sem contato com a Terra, eles descobrem o sinal de S.O.S. da Icarus I, a nave enviada 7 anos antes com o mesmo objetivo e cuja causa do fracasso é desconhecida. A tripulação fica dividida entre alterar a trajetória da missão, de forma a obter a bomba existente na Icarus I, o que traria à missão mais uma chance de sucesso, ou seguir o plano original. A decisão recai sobre Capa (Murphy), o físico da tripulação, que decide ir à outra nave. Porém a mudança de trajetória causa avarias à Icarus II, iniciando uma série de problemas enfrentados na reta final da missão.

    A princípio, o filme começa bem, falando sem explicar muito que, num futuro mais ou menos distante, o sol brilha menos, a terra é um lugar congelado, e uma segunda missão (já que a primeira sumiu sem deixar rastro) foi enviada para tentar detonar uma mega-bomba atômica no sol na tentativa de fazê-lo voltar a brilhar.

    As explicações sutis de como a nave funciona, as razões pelas quais estão ali, algumas neuras de personagens a tanto tempo isolados no espaço são bem encaixadas, e a falta de explicações tão comuns no gênero não incomoda, por realmente não importar, naquele momento, as razões pelas quais o sol está acabando. O problema é que, a partir do 2º ato, a história passa de uma ficção científica bem construída para um terror-espacial ao estilo Alien um pouco pobre, com alguns toques de 2001 – Uma Odisséia no Espaço.

    Está tudo lá. A nave antiga abandonada sem razão aparente, a tensão gerada pelo silêncio, a Inteligência Artificial que é desligada, o ocupante misterioso que caça cada um dos tripulantes e tudo mais. Porém, no meio de todos os fatores conhecidos, o espectador ainda consegue se perder em meio a tantos acontecimentos. A escolha do uso expressivo da cor amarela em tantas cenas (para demonstrar a força e potência do sol) é boa e causa um impacto interessante, mas prejudica a narrativa pois nos impede, também pelo trabalho precário de câmera, de entendermos realmente o que está acontecendo. O filme também peca ao abordar diálogos grandiosos sobre Deus e o Homem, e a tentativa de negarmos o nosso destino, de uma forma um pouco infantil e clichê, em um “deus ex machina” que não traz muita coisa de novo a quem conhece bem o gênero.

    Apesar de toda a virtuosidade técnica e do excelente início, o que marca o filme é o seu final, deixando no espectador essa marca, fazendo-o esquecer um pouco dos conflitos e motivações de cada personagem, deixando o drama de lado e favorecendo mais as cenas de ação e tensão, que também poderiam ter sido melhor construídas se respeitassem a premissa inicial.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Arizona Nunca Mais

    Crítica | Arizona Nunca Mais

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    Segundo filme dos irmãos Coen, Arizona Nunca Mais (Raising Arizona) surpreende em vários aspectos. Primeiro porque é um filme que sempre via em todos os lugares que passava, desde locadoras até as lojas de DVD, e nunca tive interesse em vê-lo até pouco tempo atrás. Por essas e outras que é sempre bom rever conceitos…

    Nicolas Cage interpreta H.I. McDonnough (ou apenas Hi), um ladrão de lojas de conveniências que acaba se casando com Edwina (Holly Hunter), a policial que sempre tirava suas fotos de fichamento na polícia (uma sequência bem engraçada no início do filme). Depois de um período de felicidade imensa, o casal resolve ter um filho. O problema é quando descobrem que Edwina não pode ter filhos. A partir daí, suas vidas começam a perder o brilho e a felicidade de antes. Ed larga a polícia, Hi volta a pensar em assaltar lojas e por aí vai. Porém, quando Nathan Arizona, o dono de uma cadeia local de lojas de móveis, e sua esposa Florence têm quíntuplos, Ed e Hi, naturalmente, resolvem que a coisa mais natural a fazer é tomar um dos bebês para si, pois “seria injusto alguns terem muito e outros tão pouco”.

    Novamente o roteiro e a direção dos Coen mostra um primor e uma elegância visual incrivelmente competentes, mesmo ao retratar um cartunesco e caipira sul dos EUA, onde os diálogos (curtos e longos), sotaques e analogias são propositadamente exageradas a fim de enriquecer a cultura dos personagens e estabelecer o universo fantasioso (que logo percebemos não ser exatamente igual ao nosso). Talvez um dos pecados do filme esteja aí, nessa demora, pois ao espectador menos paciente, a sucessão cômica e irrealista de eventos do filme pode provocar uma reação de descrédito e fazê-lo abandonar a experiência, o que seria uma pena, mas compreensível.

    Porém, os pontos positivos, como os diálogos secos entre alguns personagens (como na cena do assalto a banco, onde nem mesmo os bandidos, com um bebê, conseguem assustar o incauto senhor típico do sul) superam os negativos, e as interpretações são excelentes. Nicolas Cage faz um brilhante bandido de bom coração, e exagera na medida certa o sotaque e as caretas a fim de enriquecer o ridículo da história. Artifício este que o ator usará cada vez mais desproporcionalmente com o passar dos anos, até chegar ao ridículo de sua carreira nos anos atuais.

    O que sobra da experiência é uma sensação boa de leveza, de diversão sem compromissos com a realidade, inteligente e que tira do espectador risadas naturais e espontâneas, com um humor honesto e difícil de vermos hoje em dia.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Essential Killing

    Crítica | Essential Killing

    essential killing

    Essential Killing é um daqueles filmes cujo título traduzido não consegue passar toda a complexidade de seu título original. Não por culpa da tradução, mas sim do idioma. Recheado de simbolismos e praticamente sem diálogos, cabe ao espectador tentar traduzir e compreender tudo o que se passa na tela.

    Vincent Gallo interpreta (e muito bem) um terrorista afegão que após matar três americanos em seu país natal, é preso, torturado e transportado de prisão em prisão, até que, após um acidente, consegue fugir. E é aí que seu martírio pela sobrevivência realmente começa.

    Contrastando com a violência desproposital dos métodos da “guerra ao terror” dos EUA, o fugitivo Mohammed tenta fugir no meio da neve (que parece ser ao norte da Europa, já que não é dito em momento algum) e em meio a essa fuga, passará por diversas privações e desafios, tendo que matar homens e animais, de qualquer meio possível, para conseguir escapar.

    Porém, como diz o título, suas mortes são “essenciais” a sua sobrevivência, desprovidas de violência por violência ou de um sadismo, mas cheias de medo, desespero e tristeza por estar fazendo aquilo, já que a todo momento ele tem flashes de memória de sua vida em seu país, ou como ele queria estar longe daquilo tudo. Somos também contrastados com a violência profissional do exército americano, pois todos estão ali, “cumprindo o dever”, e um deles é morto enquanto recebe a notícia de que teve gêmeos, o que nos faz pensar em como pessoas comuns, país de família, conseguem separar a crueldade do seu dia-a-dia no trabalho da vida particular. O impacto da violência desenfreada no mundo atinge todos os níveis de pessoas, em todos os países.

    Conforme o personagem se adapta a cada situação, vemos também suas roupas mudando, como se a cada nova peça de roupa, de cor diferente, um pouco do antigo ser deixa de existir, e um novo toma lugar, sem deixar opção ao dono.

    Com uma duração curta, de 1h24, Essential Killing nos mostra de forma simples e direta a diferença básica entre os tipos diferentes de natureza, e dentro da natureza humana, e como nos relacionamos entre si e com ela, nas diferentes situações, onde o próprio protagonista vira, no final, parte da “matança necessária” (ou seria nesse caso desnecessária?) no ciclo da vida.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Gosto de Sangue

    Crítica | Gosto de Sangue

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    Primeiro longa dos irmãos Coen, com roteiro de ambos e Joel na direção, Gosto de Sangue (Blood Simple) é um filme de 1984, praticamente ignorado no Brasil e relativamente desconhecido nos EUA, mas que começa a ser descoberto e cultuado pelo recente sucesso de Onde os Fracos Não Têm Vez e Bravura Indômita.

    O filme conta a história de um dono de bar, Marty (Dan Hedaya), casado com Abby (Frances McDormand), que por sua vez, tem um relacionamento extraconjugal com o funcionário do bar, Ray (John Getz). Com um clima noir e cenas referenciais a clássicos desse gênero, que passam também por Hitchcock, o filme se estabelece desde muito cedo como um suspense, mas tendo também leves toques de humor negro. Aqui ainda podemos ver vários elementos da narrativa dos Coen que serão melhor desenvolvidos e utilizados nos próximos filmes, como posicionamentos de câmeras estáticos e/ou muito lentos, que escondem certos detalhes, trabalhando com o som a fim de criar uma expectativa maior, diálogos (que muitas vezes criam tensão) com sotaques e palavreados locais, closes, etc.

    Por ser um baixo orçamento e um filme de estréia, a qualidade técnica e narrativa impressiona. Claro que por vezes o som parece ficar abafado, mas nada que comprometa a qualidade geral do filme. A cena onde o assassino fica preso com a faca na mão na janela é um exemplo de construção de tensão, onde acompanhamos lentamente a progressão dos eventos com uma apreensão quase como da vítima, que naquele instante não nos dá nenhuma pista a respeito do que está fazendo e o que irá fazer em breve.

    O tom escuro, fatalístico e irônico de uma história trágica é outro ponto positivo, pois os atos dos protagonistas nos chocam a todo instante, mas a sucessão de acontecimentos que fazem esses atos escalarem em uma jornada de horror dá a história o traço de “comédia de erros”, que pautará boa parte dos filmes da dupla nos anos seguintes, sendo cada vez melhor elaborada, como em Fargo.

    Em épocas onde superproduções atingem orçamentos estratosféricos, com histórias de 180 minutos tediosas e com personagens rasos, é bom descobrir obras menores como essa, que passam desapercebidas, mas que nos fazem renovar a fé em um cinema de qualidade, com algo a dizer além do óbvio.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Busca

    Crítica | A Busca

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    Uma história normalmente é composta por um gatilho. Um acontecimento, seja interno ou externo, que desencadeia a ação ou a reflexão. No filme dirigido por Luciano Moura, o que transforma A Busca é o desaparecimento repentino de Pedro, filho único de Theo e sua jornada ao procurá-lo.

    Interpretado por Wagner Moura, Theo é um médico – elemento que mal se apresenta em cena – dentro de uma família despedaçada. Vivendo uma crise com a esposa e o desentendimento com o filho que não deseja o futuro ansiado pelo pai. A composição das personagens nos faz inferir que são uma representação da tradicional falta de comunicação familiar, e a suposta fuga do garoto o estopim que aponta o desmoronamento da família.

    Em uma jornada dentro do Brasil, pai segue os poucos rastros deixados pelo filho. É evidente a sensação de compor um drama memorialista às avessas, que produza no público uma reflexão sobre a questão circular da trajetória da vida. Se filhos passam boa parte da vida acompanhando seus pais, aqui é o pai que segue, literalmente, os rastros do filho.

    Mas a intenção de produzir o drama permanece presa nos meios da história. E o que parecia ser uma procura para compreender um filho, amplifica em demasia o destaque no pai que começa a olhar mais para sua própria mudança no percurso e esquece da agonia de não saber onde está o filho.

    Há uma bela cena em que o pai mergulha em um rio, simbolizando a ideia de uma transformação batismal, que demonstra essa mudança abrupta de preocupação pelo filho desaparecido para aquele que, de alguma maneira, parece resgatar em si certo elemento perdido.

    Se composto de maneira equilibrada e delicada, a ausência do filho da trama não necessariamente daria enfoque para o pai. Mas o roteiro de Elena Soares e Luciano Moura explicitam que o astro da história é a personagem de Moura, dando-nos a impressão de duas ideias colocadas justapostas e não bem amarradas em uma trama só.

    Tentando dialogar sobre a desconstrução da família, do silêncio que separa os pais dos filhos, o filme peca ao conduzir a trama, tanto na cena com maior potencial dramático, quanto no próprio drama que se transforma desnecessariamente no decorrer da história.

    Dando-nos a impressão de que, ao tentar fugir de clichês, seu argumento perdesse a naturalidade. Negando tanto o senso comum de uma narrativa que o produto final parece mais mal executado do que um produto sensível e original.

  • Crítica | Homem de Ferro 3

    Crítica | Homem de Ferro 3

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    Atenção, texto contendo spoilers.

    Para muitos, a questão primordial era pra onde ir após Os Vingadores. A grandiosidade alcançada pelo grupo não poderia ser repetida nos filmes solo dos heróis, mas isso não é um problema. Boas histórias sempre podem ser contadas, em diferentes escalas. Além do mais, o anúncio da chamada Fase 2 da Marvel no cinema indicava mais uma vez um planejamento bem controlado sobre as futuras produções, conduzindo a Vingadores 2 em 2015. Porém, tudo isso parece ter sido deixado completamente de lado. Entre uma ânsia incontrolável em dar um “fechamento” à trilogia (não deveria ser um reinício?), e questionáveis direcionamentos de roteiro, Homem de Ferro 3 na verdade deveria se chamar “As Aventuras de Tony Stark”. E não, isso não é uma coisa boa.

    A intenção básica de Shane Black, que assumiu a direção no lugar de Jon Favreau e também co-assina o roteiro, foi de humanizar Tony Stark. O que começa muito bem, mostrando o bilionário sofrendo uma espécie de estresse pós-traumático devido aos eventos de Nova York. Entre pesadelos, privação de sono e ataques de pânico, ele se dedica a aperfeiçoar suas armaduras, para estar preparado pra qualquer coisa que o mundo jogar contra ele ou seu amor agora assumido, Pepper Potts. E o próximo perigo já desponta no horizonte: o terrorista Mandarim, com seus ataques sem deixar pistas e seus vídeos ameaçando os EUA. Também entram na jogada dois cientistas presentes no passado de Tony, Aldrich Killian e Maya Hansen, trazendo o projeto Extremis, uma espécie de terapia genética capaz de dar superpoderes a humanos normais.

    A partir do ataque à mansão de Stark é que as coisas começam a desandar. O ritmo fica confuso, cria-se uma barriga na história (nada no universo explica ou justifica a presença a daquele garotinho), surgem furos gritantes no roteiro, como os planos e ações do vilão que se contradizem e parecem mudar de uma hora pra outra. Porém, o erro fatal do filme acaba sendo mesmo a velha mania de TIRAR A ARMADURA. Entende-se a necessidade de usar Robert Downey Jr ao máximo, até pra fazer valer o milionário cachê que ele está levando. Mas é forçado demais ver Stark transformado num James Bond, invadindo locais e combatendo bandidos com apenas alguns apetrechos, demonstrando incríveis habilidades físicas. As cenas de ação envolvendo as armaduras são ótimas, o resgate dos passageiros do avião e a batalha final quase valem o ingresso. Mas é pouco, ainda mais quando se esperava que esse terceiro capítulo redimisse o maior defeito dos dois anteriores. Se ficava um gostinho de quero mais em relação às lutas, principalmente no segundo, pelo menos as histórias eram bem amarradas. Neste, nem isso.

    Outro fator prejudicado foi o humor. Como o trailer sugeria, a trama tentou ser mais séria, densa. Contudo, não quiseram deixar as piadinhas de lado, e o resultado é que elas ficaram parecendo mais bobinhas do que o habitual, e com um timing terrível. A cada momento pretensamente dramático, entrava alguma gracinha pra quebrar o clima. O destaque foi perto do clímax do filme, onde isso ficou inacreditavelmente ruim. Até por conta disso, a tal humanização não convenceu, pois não houve drama ou perigo real. Tudo se resolve facilmente para Tony Stark, com ou sem armadura. Aliás, ele ter que se virar sem seus trajes por tanto tempo também acaba se revelando uma forçada de barra incoerente, em grande parte por Jarvis ser retratado cada vez mais como uma entidade onipresente e onisciente, e não como uma inteligência artificial.

    Citando algo positivo, os aspectos técnicos são impecáveis como sempre. Ficou bacana o visual dos soldados Extremis, apesar de meio genérico, pareceu ameaçador. O trabalho de Shane Black enquanto diretor não compromete. Se a menos a Marvel o tivesse controlado melhor enquanto roteirista… os atores também fazem um bom trabalho. Nada de novo a ser dito sobre O CARA, nem sobre Gwyneth Paltrow. Já Don Cheadle, coitado, esse sofreu. A marqueteira “atualização” do Máquina de Combate para Patriota de Ferro até rendeu uma zoada legal. Mas Rhodes também foi vítima do ódio dos realizadores contra armaduras, e só fez pose até perder a sua também. A ele restou uma curta participação como o sidekick que combate o mal usando camisa polo. Rebecca Hall não teve muito a fazer com sua personagem sem muita utilidade na trama, enquanto Guy Pearce mandou bem fazendo o seu canastrão habitual.

    Já o Mandarim merece uma análise a parte. Ele parece estar concentrando quase toda a polêmica sobre o filme, cegando as pessoas para os problemas muito mais graves. Este vilão não é, MESMO, o temível nemesis do Homem de Ferro que é nos quadrinhos. Mas embora o fã tenha razão em bradar “nãããooo, o Mandarim é muito mais foda do que isso”, foi uma adaptação interessante. Coerente na proposta do filme de criticar (ainda que de forma rasa) a indústria armamentista e a manipulação da mídia, além de um sensacional tapa na cara de quem diz que os trailers entregam tudo e não existem mais surpresas guardadas para o cinema. E Ben Kingsley merece aplausos.

    Por outro lado, houve incoerência no modo como o filme tratou a postura do protagonista diante do Extremis. Na ótima saga de Warren Ellis e Adi Granov, Tony usa o vírus aprimorado em si mesmo, para adquirir maior controle sobre armadura e poder vencer o inimigo. Faria todo o sentido do mundo ver algo parecido no cinema, ainda mais no cenário criado do herói passando a temer ameaças desconhecidas. E nem precisou de algo cósmico, mágico, nada disso, ele viu surgir em seu próprio mundinho científico um adversário que não poderia superar só com suas armaduras tradicionais. Mas eis que então, indo na contramão de absolutamente tudo que o próprio filme havia plantado, Stark segue outro caminho.

    Que$tõe$ contratuais e a vontade de Downey Jr em si (ainda indefinida, é bom que se diga) são possíveis explicações, claro. Mas nada de bom resultou disso: Homem de Ferro 3 contradiz a si mesmo, se coloca fora da Fase 2 e nada faz para introduzi-la, e ainda prejudica monstruosamente Vingadores 2. Fica a expectativa que esse tropeço, o primeiro, não tire a Marvel Studios dos trilhos, e que os próximos filmes voltem a acertar a mão. E que essa não seja a última vez que vemos o Homem de Ferro/Tony Stark/Robert Downey Jr nos cinemas, pois seria uma despedida melancólica, ao som de uma marcha fúnebre ao invés do bom e velho AC/DC. Aliás, caramba, até isso faltou…

    Ps: cena pós-créditos fazendo ligação com os próximos filmes, tendo alguma relevância? Pra quê, né?

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Somos Tão Jovens

    Crítica | Somos Tão Jovens

    somos tão jovens - cartaz

    Não há dúvida que o Somos Tão Jovens ganha um prestígio maior por ter uma “trilha sonora” tão conhecida. E, segundo informações da própria produtora do filme, todo o som foi captado no momento das gravações, ou seja, ao vivo. O que confere a verossimilhança necessária para fazer o espectador mergulhar no filme e curtir o som e a estória. Mas nem tudo são flores. Apesar do roteiro ser bem amarrado, não ter “barrigas” e balancear bem trama e música, a tentativa canhestra de inserir frases das letras da Legião nos diálogos não caiu nada bem. As falas parecem forçadas, como se os atores estivessem recitando um soneto de Camões. À parte isso, quando não tentam ser líricos e artificialmente poéticos, os papos entre os adolescentes têm naturalidade e um bom ritmo.

    Vale destacar a reconstrução da época, detalhada e bastante cuidadosa. Não só nos figurinos, penteados e cenários. Mas também os carros (placas inclusive), eletrodomésticos, bebidas, cigarros, até logomarcas de empresas que existem até hoje mas que tinham um layout diferente do atual – o caminhão de uma marca de sorvetes bem conhecida, cujo logo era amarelo, branco e azul marinho, despertou boas lembranças. Pode parecer pouco importante, mas o cuidado com esses pequenos detalhes garante que o espectador não se veja saindo do universo do filme ao perceber algo “mais moderno” que a época retratada.

    A escolha do elenco também foi cuidadosa. Thiago Mendonça, de forma quase assustadora, lembra demais Renato Russo. Em certo momento do filme em que o ator está barbado, a semelhança é ainda mais impressionante. E não é apenas física. Os maneirismos, o jeito de andar, de mexer nos óculos, de falar – está tudo lá. Mas nem todos os atores são sósias de seus personagens, mas nem por isso menos identificáveis. Edu Moraes, por exemplo, está longe de parecer Herbert Vianna. Porém os óculos são inconfundíveis, e Moraes consegue reproduzir a maneira de falar e os trejeitos de Herbert de modo bastante fiel. O restante do elenco também tem boas atuações, com exceção de Sérgio Dalcin (como Petrus) que não consegue dar credibilidade ao personagem ao não se decidir o quão carregado deve ser seu sotaque gringo. Contudo, sua participação é curta, e não chega a prejudicar muito.

    Mais que acertada a decisão de não retratar a vida de Renato Russo, mas sim a de Renato Manfredini Júnior. Acompanhar a gestação de uma das melhores bandas dos anos 80 é algo que prende a atenção do público, sendo ele fã ou não da banda. Afinal, gostando ou não, difícil algum espectador que não tenha ouvido, ao menos uma vez, alguma música da Legião Urbana. E, para os leigos, ou melhor, para os menos fanáticos, é interessante descobrir que os primeiros grandes sucessos da banda vieram dessa fase pré-Legião. E mais interessante ainda, perceber de onde veio o ímpeto criativo de Renato, a habilidade de contar estórias numa letra de música e, ao mesmo tempo, refletir os pensamentos e conflitos da sua geração.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Oz: Mágico e Poderoso

    Crítica | Oz: Mágico e Poderoso

    oz - magico e poderoso - poster brasileiro

    Produzir uma regravação ou reinventar uma história, ampliando o universo conhecido, sempre necessita de cuidado. Quando maior o afastamento do filme original, mais cultuado ele pode se tornar, e uma releitura nem sempre pode ser positiva.

    Tim Burton arriscou-se duas vezes nesse terreno com A Fantástica Fábrica de Chocolates e Alice No País das Maravilhas, saindo-se razoavelmente bem no primeiro e destruindo a história original de Lewis Carroll no outro – dois exemplos que, embora tenham gerado rentáveis bilheterias, poderiam permanecer no mundo de possíveis ideias apenas.

    A história de Dorothy e o Mágico de Oz faz parte dos primórdios do cinema e marca-se também como o primeiro filme colorido. Talvez hoje a produção não tenha a mesma aceitação entre as crianças, sendo hoje um material mais próximo da adoração cult do que do entretenimento infantil. Como a história é baseada em uma série de livros do autor Frank L. Baum, era quase inevitável que, em algum momento, o argumento fosse retomado.

    Oz – Mágico e Poderoso, com direção de Sam Raimi e produção da Disney, homenageia explicitamente o longa original. Seus minutos iniciais são filmados sem cor, retomando a intenção de seu autor ao compor a história do Mágico de Oz, contrapondo Kansas, um estado cinzento e sem brilho, às cores vivas de Oz.

    James Franco personifica o mágico do título, dando lhe imensa credibilidade como um mágico picareta de um circo que, para evitar cobradores, foge com um balão que, após um tufão, para na cidade colorida coincidentemente chamada Oz. Neste momento, os efeitos especiais transbordam, dando espaço para personagens como um macaco falante e uma boneca de porcelana.

    Elemento comum em histórias mágicas envolvendo estrangeiros de outro mundo, a terra de Oz tem como profecia a vinda de um mágico que chegará ao local para salvar todos da tirania da bruxa má. O que seu povo não sabe é que Oz é um mágico de araque, dono de truques simplistas como retirar pombas da cartola.

    A primeira hora da produção é mais interessante, concentrando-se no mágico até sua chegada a Oz, onde conhece uma das bruxas da história, interpretada por uma estranha Mila Kunis. É nesse ponto que descobre se encaixar na profecia citada e, por saber que a recompensa vem em ouro, aceita a missão. Evidente que este será um dos elementos de transformação da personagem.

    Quando a trama eclode no tradicional clichê de um mundo de fantasia em que bem e o mal estão prestes a entrar em uma guerra, os efeitos especiais e o senso comum dominam. De um lado, a bruxa interpretada por Rachel Weisz tentando manter a tirania; do outro, o mágico Oz utilizando de sua inteligência malandra para produzir ilusões que convençam de seu poder de mentira.

    A direção de Sam Raimi mal se faz presente: seu estilo é perceptível em poucas sequências e planos, como se se curvasse aos efeitos especiais em excesso. Tudo muito brilhante, colorido em excesso, não repetindo o mesmo estilo da produção de 1939, que, ainda que com cores berrantes, mantinha harmonia cênica.

    Raimi informou que não pretende dirigir a sequência do filme, que já foi confirmada pela produtora. De nada vale escolher um diretor renomado se ele não terá espaço para imprimir seu estilo ao realizar o longa.

    A primeira aventura da releitura do mundo de Oz sustenta-se apenas pela boa interpretação de James Franco. Há especulações sobre quais personagens estarão na continuação, mas, aparentemente, a Warner ainda é detentora dos direitos da personagem Dorothy; portanto, podemos ficar aliviados. Seria uma ideia infeliz trazer a garota novamente para o mundo de Oz e destruir dessa maneira o argumento do filme original. É torcer para que o estúdio saiba a bobagem que fez com a trama de Alice e não cometa o mesmo erro nesta nova franquia.

  • Crítica | Oblivion

    Crítica | Oblivion

    Mesmo não sendo o suprassumo do gênero, este é um filme de sci-fi para fãs de sci-fi. Não só pela história em si – felizmente, não apenas um mundo pós-apocalíptico como pretexto para cenas de ação -, mas também pela infinidade de referências a outras obras de ficção científica que fãs mais aficionados certamente se divertirão identificando. E a quantidade de referências chega a ser, ao mesmo tempo, qualidade e defeito, já que em vários momentos faz o espectador “sair” do filme ao tentar lembrar a qual obra remete aquela cena, diálogo ou cenário. Numa contagem rápida e rasteira, há referências a oito filmes, sendo Wall-E e 2001 – Uma odisseia no espaço as mais óbvias – algumas das demais é preferível não citar, pois configuraria spoiler.

    O roteiro foi baseado numa graphic novel homônima do próprio Joseph Kosinski, com desenhos de Arvid Nelson. E, assim como em seu filme anterior – Tron: o legado – Kosinski apresenta ao espectador um ambiente visualmente interessante, bem menos grandioso mas totalmente condizente com a realidade do futuro não muito distante em que se passa a história. A “casa” acima das nuvens em que vivem Jack Harper (Tom Cruise) e sua parceira, Victoria (Andrea Riseborough), com seu visual clean e asséptico – em branco e prata, além de muitas transparências – faz o contraponto na medida com o ambiente inóspito da “superfície”.

    Interessante notar que os personagens também refletem essa dicotomia. Enquanto Vika parece fazer parte da residência – tão arrumada e estéril, sem nenhum fio de cabelo fora do lugar – Harper parece deslocado ali dentro, menos à vontade do que quando exposto à poeira da superfície devastada. Em vários momentos, o comportamento de Vika – condicionado, irredutível, robótico até – faz pairar uma dúvida sobre sua humanidade. Em contrapartida, apesar dos trejeitos de Ethan Hunt, Harper é nitidamente mais “gente como a gente”, saudoso do planeta que conhecia antes do ataque alienígena. Completam a galeria de personagens Beech (Morgan Freeman) e Sykes (Nikolaj Coster-Waldau, o Príncipe Jaime de Game of Thrones).

    A primeira meia hora do filme é bastante lenta, com vários trechos que, se suprimidos, não fariam falta – inclusive a introdução inicial com narração em off, já que Harper repete toda a história para Julia Kusakova (Olga Kurylenko) após resgatá-la. Além disso, várias cenas contemplativas, embora agradavelmente embaladas por Led Zeppelin, poderiam ser encurtadas sem prejuízo algum. Ao contrário, certamente o ritmo da narrativa se beneficiaria, evitando tantas “barrigas” durante o filme. É nítida a intenção do roteirista/diretor de apresentar detalhes do universo do filme e de seus personagens. Porém isso poderia ter sido feito não necessariamente de uma maneira mais dinâmica, mas certamente mais enxuta. O ritmo da trama parece se ajustar após esses 30 minutos iniciais, conseguindo mesclar bem as cenas de ação e as de questionamento e/ou explanação dos eventos. Infelizmente, as várias perguntas, tanto de Harper quanto do espectador, vão se acumulando no decorrer do filme e o roteiro tenta respondê-las nos 20 minutos finais. O clímax não fica bem resolvido, explicações são dadas às pressas e de forma explícita – o que, de certa forma, presume que o espectador seria incapaz de perceber detalhes -, reafirmando a falta de consistência narrativa.

    A premissa é boa, os personagens são bons, o filme é visualmente impressionante, os efeitos especiais são bem feitos, abundantes mas pouco invasivos, a trama tem algumas reviravoltas interessantes. Pena que o roteiro não consiga amarrar isso tudo de uma forma melhor. Tem-se a impressão de que há muitas boas ideias, mas alguma falta de maturidade ao organizá-las. Mas também há indícios de que Kosinski está no caminho certo, se continuar evoluindo desse modo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Fargo

    Crítica | Fargo

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    Faz tempo que tenho a mania de ver as filmografias de grandes diretorias na ordem, e recentemente quis ver a de Joel e Ethan Coen. Porém, com eles resolvi começar pelo meio. O que me fez pular a ordem cronológica de filmes dos irmãos Coen e começar por Fargo foi ter lido que eles colocam um aviso no início dizendo que a história foi baseada em um acontecimento real, quando na verdade não foi. Desde quando li isso, já fiquei intrigado, pois adoro subversões desse tipo, sem compromisso nenhum com a realidade. No entanto, apesar de não ter esse compromisso com a nossa realidade, Fargo tem compromisso com sua própria realidade, como todo grande filme deve ter. E, nesse aspecto, entrega tudo o que promete.

    O eixo da história deve ser familiar a todos. William H. Macy interpreta Jerry Lundegaard, um pai de família desesperado para arrumar dinheiro, pois estaria com problemas financeiros (o que se desenrolará em outra história posteriormente). Então, contrata dois bandidos, Grimsrud (Peter Stormare) e Showalter (Steve Buscemi) para sequestrarem sua mulher e assim dividirem o dinheiro do resgate, que seria pago pelo sogro rico e extremamente crítico em relação a Jerry. No entanto, uma sucessão de pequenos acontecimentos vai mudando a história, que vai aumentando e tomando proporções muito maiores do que as planejadas por Jerry, pois, na fuga, os bandidos matam três pessoas na estrada, sendo um policial e dois viajantes que deram azar de estarem ali naquela hora.

    Os assassinatos acontecem na pequena cidade do interior, no norte dos EUA, onde a policial Marge Gunderson (Frances McDormand) é encarregada de investigar o crime, mesmo estando grávida de sete meses. E é quando Marge entra na história que tudo passa a ficar ainda mais intrigante e emocionante. Sem deixar de passar a delicadeza e bondade de uma mulher do interior, Marge passa a firmeza, inteligência e obstinação de uma policial normal, não dos filmes americanos tradicionais, para resolver um crime baseando-se apenas na investigação.

    Conseguimos também ver os detalhes menores, que geralmente não vemos, quando Marge viaja de uma cidade a outra e chega a um hotel, telefonando para a polícia local avisando que chegou, quando estamos habituados a ver simplesmente policiais se teletransportando e estando em cidades diferentes em intervalos de minutos.

    Marge segue os passos dos bandidos e chega até a concessionária de carros administrada por Jerry, que logo começa a dar sinais claros de preocupação. Com uma investigação simples, calma e baseada apenas em instinto e interpretação, Marge vai, cada vez mais, se fortalecendo no filme, mesmo transbordando fragilidade com sua imensa barriga de grávida, o que nos deixa apreensivos em relação ao encontro dela com os sequestradores, que mostram várias vezes seu grau de violência no filme, principalmente no terceiro ato, cuja simplicidade da resolução nos deixa satisfeitos justamente pelo realismo da cena.

    Outro ponto positivo é a paisagem branca da neve do norte dos EUA, cobrindo estradas, ruas e casas. Funciona quase como um personagem à parte ao contrastar a homogeneidade e a paz do branco com o sangue derramado pela violência dos bandidos. No entanto, o forte mesmo do filme está nos diálogos, que emulam os sotaques do interior dos EUA, com palavreado local e frases feitas, dando o toque de humor negro, característico dos Coen, a cenas com potencial dramático intenso. Dessa forma, o principal mérito em seus filmes geralmente é a forma como eles a contam, e não a história em si, por mais que a história seja boa.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Morte do Demônio

    Crítica | A Morte do Demônio

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    Remakes podem ter diversas motivações para serem feitos: quando um filme europeu ou latino-americano faz um sucesso inesperado e Hollywood aproveita para vender a ideia ao público americano que não vê filmes com legendas, porque um diretor quer revisitar sua própria obra ou porque parece rentável atualizar um clássico de outras épocas e vende-lo para novas gerações. A Morte do Demônio é sem dúvida o último caso: o filme que lançou Sam Raimi não foi exatamente refeito, mas relido, adaptado ao paladar de uma geração acostumada a zumbis realistas e computação gráfica.

    A história sofreu algumas alterações: agora o filme se centra em Mia, uma jovem que decide largar as drogas e para isso convoca seu irmão e melhores amigos para se internar em uma cabana enquanto ela passa pela abstinência. A tentativa de tornar os personagens mais profundos, mais dramáticos, faz com que o filme comece clichê, mas é um acerto de Fede Alvarez (o estreante que dirige o filme, produzido pelo próprio Raimi) manter essa história apenas como pano de fundo e usa-la quando convém para amarrar a trama dos demônios.

    O que se segue é a mesma coisa: os jovens encontram um livro encapado em pele no porão, sem querer liberam os demônios que habitam a floresta e durante 40 minutos os sobreviventes lutam por suas vidas. A Morte do Demônio sem dúvidas começa fraco, uma explicação desnecessária para os demônios na floresta, a menina viciada, o drama entre ela e o irmão, as atuações ruins, tudo isso soa como Stigmata, Na Companhia do Medo, ou qualquer filme de terror supostamente profundo e sem graça, mas quando o sangue começa a jorrar na tela, Alvarez se encontra.

    Se havia algo de genuinamente perturbador na artificialidade do primeiro filme, aqui, ao menos em um primeiro momento, o terror vem por meio do realismo. As feridas e o sangue são realistas suficiente para que o espectador se incomode, a dor dos personagens causa uma reação real e por vezes a sala toda interage em expressões de nojo e aflição. Funciona, incomoda, mas falta charme, ironia, aquilo que tornou tão emblemático o original.

    Mas a violência escala rapidamente e o que era realista vai se tornando absurdo. Os personagens decepam os próprios membros sem qualquer apego e em jatos de sangue dignos de Tarantino, o filme assume definitivamente sua veia trash e demonstra porque é um remake que funciona.

    A Morte do Demônio não é fiel ao original, mas o tem sempre em mente: há pequenas referências divertidas, como um moletom da Michigan University, a personagem que desenha e mesmo a forma do colar que o irmão de Mia dá de presente a ela. E se por um lado existem alterações de roteiro, por outro Alvarez chega até a repetir planos de Raimi e toda sua decupagem é uma homenagem ao cineasta. A consciência que o diretor tem de seu trabalho e do objetivo de seu filme também ajudam.

    Alvarez sabe que precisa vender, sabe que o que está fazendo é tentar atrair uma audiência fascinada com The Walking Dead para os filmes de terror e quem sabe dar novo fôlego comercial ao gênero e ironiza suas próprias saídas fáceis. Ele dá uma trilha sonora brega e planos com cara de anos 80 a cena mais emocionalmente dramática do filme, faz sua protagonista arrancar o braço de baixo de um carro como se fosse borracha e termina tudo com uma chuva (literalmente) de sangue. É nojento, irreal e sim, ruim, mas é exatamente isso que se espera de A Morte do Demônio e funciona.

    No fim, o remake não é inventivo, ou original como o filme de Sam Raimi, mas não o perde de vista, honra sua memória e assume com dignidade o trabalho de atualiza-l0 e devolve-lo a vida. Cumpre sua função de incomodar, entrega a quantidade de sangue esperada e, mesmo sem a ironia fina do primeiro, diverte.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Parker

    Crítica | Parker

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    Apesar de ser o ator mais legal do mundo, Jason Statham tem sua coleção de bombas. Dungeon Siege de Uwe Boll que o diga. Talvez seja uma simples questão de probabilidades, o cara faz em média três filmes por ano, mas o fato é que ele costuma estar em produções medianas ou abaixo disso. Seu mais recente lançamento está nessa categoria.

    Em Parker (não, não é sobre o Homem-Aranha), Statham vive uma espécie de ladrão de bom coração, que tem como regra não ferir ninguém em seus assaltos super bem planejados. Após um trabalho, ele é traído, roubado e deixado para morrer por sua equipe. Surpresa nenhuma, ele sobrevive e parte em busca de ving… justiça, como ele diz. Apenas deixar as coisas certas. A sinopse já indica um filme bem comum, mas que poderia ser divertido caso fosse bem executado. Mas eis que surge um elemento estranho no meio disso e coloca tudo a perder. Elemento esse que atende pelo nome de Jennifer Lopez.

    Difícil entender o que houve aqui. Parece que os produtores tinham em mãos, pronto, um roteiro padrão-Jason-Statham, e decidiram que isso não bastava. “Vamos acrescentar um tempero latino, por que não? Mistura ação com comédia romântica, agradar todos os públicos, sucesso garantido!” Ou seja, algo na linha do horrendo Encontro Explosivo, aquele com Tom Cruise e Cameron Diaz.

    O resultado é uma personagem enxertada à força na história, depois de uma boa meia hora de filme, e que simplesmente não se encaixa com o que vinha sendo feito até então. Quando entra em cena a corretora de imóveis de Palm Beach, recém divorciada, com problemas financeiros e morando com a mãe pentelha, a impressão é que botaram um estagiário drogado pra fazer a edição (ou montagem) e ele colou dois filmes diferentes. Muda o clima, a fotografia, a trilha sonora, interrompe a trama para ficar tentando a todo custo criar alguma utilidade para a personagem, justificar sua presença. O detalhe mais patético é que até o cargo de interesse romântico do protagonista já estava preenchido, e não há triângulo amoroso ou reviravolta. Apenas a corretora doidinha pra dar pro charmoso ladrão, e ele nem aí. A única coisa boa nisso tudo é o breve instante em que ela aparece só de lingerie. Jennifer Lopez, com seus 43 anos, está de parabéns.

    O que resta é lamentar o quão prejudicado foi o bom potencial que havia em Parker. Chover no molhado, mas Jason Statham interpretando ele mesmo nunca é ruim. Da mesma forma, não deixa de ser divertido ver Nick Nolte no papel que vem repetindo em seus últimos trabalhos: um velho cansado que fumou sem parar por 50 anos, dada sua extrema dificuldade pra FALAR. O diretor Taylor Hackford (de Ray e O Advogado do Diabo) mostra competência no gênero ação e entrega ótimas cenas, agressivas e sanguinolentas. Toda a sequência no carro em fuga após o assalto inicial é muito bem filmada. Outro destaque é a luta estilo Bourne com uma sensacional resolução quando o herói tem uma faca apontada contra seu rosto.

    Contudo, esses são só pequenos alentos, o filme não consegue decolar. Mais um Mercenário que decepciona em sua aventura solo. Menos mal que veremos Jason Statham de novo ainda em 2013, torcendo para que seja numa produção melhor.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Mama

    Crítica | Mama

    mama

    Atualmente, o que mais tem por aí é gente dizendo que o cinema (e a produção cultural em geral) está em crise, tanto pela falta de criatividade e homogeneização do pensamento em Hollywood quanto pela massificação e velocidade de reprodução e consumo dos bens produzidos pela indústria cultural.

    O fato é que o cinema de terror vive uma crise maior que a do cinema. Desde os clássicos dos anos 70, como O Bebê de Rosemary e O Exorcista, que levaram e assustaram multidões aos cinemas, não vimos mais fenômenos tão marcantes ou duradouros. Com algumas raras exceções, os anos 80 e 90 produziram uma quantidade enorme de títulos no gênero, um mais genérico que o outro, e apesar de algumas tentativas recentes mais realistas, intimistas e autorais, como as levadas a cabo por Guillermo del Toro, o cinema de terror ainda patina frente a uma população mais cínica, esclarecida e acostumada com a violência que desdenha de grande parte das produções que aparecem.

    Mama, filme de Andy Muschietti baseado em um curta do mesmo autor, se situa na descrição acima. Ao mesmo tempo em que tenta invocar um terror intimista, falha ao pecar justamente na progressão das cenas e dos personagens, não fazendo jus as suas quase duas horas de duração. O filme conta a história de duas crianças abandonadas pelo pai, que some de forma bem clara e nem um pouco misteriosa, colocando já de cara as cartas do filme na mesa. (Não é interpretação. O sobrenatural existe mesmo. Ponto para a coragem da abordagem.) As duas crianças sobrevivem por cinco anos na casa com a ajuda de uma entidade misteriosa até serem descobertas pelo tio Lucas (Nikolaj Coster-Waldau), irmão do pai delas, que as leva para criar junto com sua namorada Annabel (Jessica Chastain).

    A história se desenvolve a partir de situações que vão do leve incômodo (como em filmes de terror qualquer funcionário de cartório é especialista em fantasmas) até o mais absurdo (como da cena final, onde qualquer possibilidade real de final resolvido, só caberia justamente em uma plateia dos anos 70, sem o atual vício realista).

    Em momento algum acreditamos na relação das personagens, que passam, de uma hora para outra, de estranhos a um amor incondicional, ou mesmo na sucessão de eventos que exige uma crença do espectador que ele dificilmente dará. Pessoas se encontram em estradas desertas sem combinarem, personagens resolvidos fazem pós-aparições provocativas sem resultado algum na trama, são só alguns exemplos de incongruências da história, que não é salva pela bela e assustadora fotografia de inverno no início do filme, que remete aos Irmãos Grimm.

    Guillermo del Toro produz o longa, e parece ter chamado para si toda a responsabilidade a respeito dos filmes de terror na última década, após belas realizações como Labirinto do Fauno. No entanto, suas últimas produções têm deixado a desejar, pois parecem seguir um roteiro formatado e estabelecido (“filme independente europeu de um diretor jovem e desconhecido adaptado para o público americano”), que nos trouxe também coisas positivas, como REC e O Orfanato, mas que agora definitivamente parece ter chegado à exaustão.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Acordo

    Crítica | O Acordo

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    Mais uma tentativa de Dwayne Johnson de encarar um papel sério num drama, não sendo apenas “o fortão” do elenco. Infelizmente, a tentativa não passou disso. The Rock não consegue dar peso e presença a seu personagem. Contudo, esse problema não é exclusividade sua. Mesmo que não fosse dele o papel de John Matthews, o pai empenhado em ajudar o filho de qualquer forma, o filme ainda estaria longe de ser considerado bom. Os demais personagens, assim como a trama, carecem de verossimilhança e carisma. É difícil dar credibilidade a uma estória em que o protagonista procura informações sobre cartéis e chefões do tráfico na Wikipedia.

    Matthews tem uma construtora e, coincidentemente, um dos funcionários – Daniel James (Jon Berntha, o Shane de The Walking Dead) – é um ex-presidiário que, coincidentemente, foi preso por tráfico e, coincidentemente, conhece um traficante local e topa (sem muita resistência) apresentar o patrão ao traficante que, também sem muita resistência, aceita testar o serviço de transporte proposto por Matthews, e por aí vai. As coincidências se sucedem de maneira quase vergonhosa e a maioria dos eventos se desenrola de modo tão simplista e óbvio que os momentos de tensão – se é que podem ser chamados assim – passam praticamente despercebidos.

    Os personagens são rasos, boa parte deles não parecem ter uma motivação para seus atos, alguns aparecem e desaparecem do roteiro de acordo com a necessidade – a ex-esposa de Matthews, assim como a esposa atual e sua filha, por exemplo, não têm qualquer relevância, sua presença (ou ausência) simplesmente não mudam em nada o rumo da narrativa. Fica difícil para o espectador criar qualquer identificação e sequer se importar com o destino dos personagens, mesmo de Matthews ou de seu parceiro circunstancial, James – cuja família também pouco influencia no rumo dos fatos.

    Some-se a isso a atuação em “piloto automático” de Susan Sarandon, o excesso de closes e planos-detalhes, as cenas desnecessárias, a insistência e a frequência exagerada de discurso anti-drogas nos diálogos, além de o espectador ser obrigado a ver o protagonista apanhando de quatro drogados – algo inadmissível em se tratando de The Rock – e tem-se uma estória que se arrasta por intermináveis 112 minutos.

    Neste filme, é tudo tão moderado (pejorativamente falando), tão morno que dá saudades daquela selvageria estilizada dos filmes de Braddock. É um daqueles roteiros que ficaria bom se tivesse sido feito nos anos 80, com algum dos brutamontes da época – Charles Bronson, Chuck Norris, Stallone ou Schwarzenegger – no melhor estilo “um destemido contra tudo e contra todos”. Desse modo, ao menos, os furos de roteiro, os clichês, a falta de consistência seriam mais facilmente perdoados e sem dúvida o filme seria muito mais divertido.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Linha de Ação

    Crítica | Linha de Ação

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    A consagração de Mark Wahlberg no cinema se consolidou, principalmente, com suas personagens duronas que surgiram desde o inicio de sua carreira. Em mais de dez produções, o ator foi um policial ou esteve do outro lado da lei, sendo este estilo o mais comum em sua filmografia.

    Normalmente, a repetição de um tipo específico de papel provoca cansaço, mas Wahlberg consegue sair-se bem até quando o filme não possui uma estrutura boa o suficiente para se tornar significativo.

    Linha de Ação tem ambientação levemente noir, situando o público em uma Nova York dúbia, em que não sabemos ao certo se a honestidade e a verdade são reais. Sob o mandato do político Nicholas Hostetler, a cidade vive um período atribulado de alguém que é tido como um ladrão mas, para parecer um político honesto, apresenta medidas populistas.

    Wahlberg é o ex-polícial Billy Taggart que, há sete anos, foi desligado da força policial por excesso de vigor em uma ação que matou um estuprador. A opinião pública transformou a atitude em um extermínio e hoje Taggart vive como um detetive particular, sobrevivendo da melhor maneira que consegue, perseguindo maridos infiéis e esposas desconfiadas.

    Quando o prefeito convoca-o para um serviço, o ex-policial acredita que se trata apenas de mais um caso de adultério. Mas a investigação é somente o início de um elemento maior que o envolve.

    Torna-se evidente que a linha divisória da trama situa-se entre o ex-policial julgado erroneamente e o político aparentemente honesto. Apresentando ao público pistas de sua narrativa, a história permanece no preceito básico de um policial desonrado que, ao se ver subjugado, resolve passar a limpo o que está acontecendo para, literalmente, encontrar uma verdade que se sustente.

    Se Wahlberg naturalmente encarna bem o perfil de um policial, Russell Crowe faz um apagado político que nem carisma ou ódio produz. Esta é a segunda interpretação do ator que permanece em uma linha padrão, como se estive sem vontade de dar vida ao personagem. Há uma única boa cena que se destaca, em um debate televisivo com outro político, em que Crowe demonstra seu domínio em frente às câmeras.

    Porém, a personagem fica ausente na maior parte do tempo da trama, como um grande mestre de fantoches, fazendo com que a investigação durante a história não tenha um rival declarado, surgindo com maior força apenas no embate final que, evidentemente, coloca as duas personagens em conflito.

    O desenlace sem reviravoltas formata uma produção que, antes de assistir, o público é capaz de visualizar do começo ao fim, pela trama risível que nada acrescenta e pela vontade ínfima de seus atores em dar maior profundidade aos seus papéis.

    Recomenda-se não ver o trailer da produção, que revela tanto da história que o impacto ao vê-la fica ainda menor.

  • Crítica | Uma História de Amor e Fúria

    Crítica | Uma História de Amor e Fúria

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    O Brasil não é um país com um histórico forte em animação. Em 1996 foi produzido Cassiopeia, filme em 3D feito no mesmo ano do primeiro Toy Story, mas pouca coisa foi feita desde então, o que torna surpreendente a excelência técnica de Uma História de Amor e Fúria.

    O longa é a estreia na direção de Luiz Bolognesi, roteirista de Chega de Saudades e As Melhores Coisas do Mundo, e acompanha um homem (dublado por Selton Mello) ao longo de 600 anos de história, enquanto ele se encontra e desencontra de sua amada Janaína (Camila Pitanga). Anteriormente chamado Lutas, o filme salta através de momentos importantes da história do Brasil e termina com uma visão distópica do Rio de Janeiro em 2096.

    É um roteiro pretensioso e reside aí o maior problema do filme. A narrativa começa com o conflito entre os tupinambás e os colonizadores portugueses, em seguida salta para a Balaiada (revolta de escravos que ocorreu no Maranhão no século XIX), o movimento estudantil de resistência a ditadura e por último para o ficcional grupo terrorista que busca democratizar o acesso à água, tornada o bem mais caro do mundo no futuro. Ao condensar quatro pequenas histórias em um filme que tem menos de uma hora e meia, Bolognesi planifica seus personagens e os transforma em estereótipos.

    O protagonista e Janaína se tornam símbolos da luta contra a opressão e advogados da liberdade, mas não são nada além disso. Esse tipo de arquétipo, unido a história de amor imortal e as excelentes sequências de ação, funciona talvez com o público juvenil, mas Uma História de Amor e Fúria é também uma animação para adultos e assim, tanto os personagens como os diálogos acabam soando rasos e bastante ingênuos.

    Outro problema é que o filme parece uma aula de história da oitava série: não há ambiguidades, a divisão entre oprimidos-bons e opressores-maus é absoluta e a história é inevitavelmente contada pelos vencedores. Há certamente um mérito nessa posição e na vontade de Bolognesi de explorar o outro lado da história brasileira, mas de novo, tudo se torna raso e superficial quando não existem zonas de cinza ou quando a vida interior dos personagens se resume à sua vontade de lutar. Esse maniqueísmo diminuí um pouco na última história, passada no futuro, que é de longe a melhor parte do filme.

    Visualmente Uma História de Amor e Fúria é impressionante:  o traço estilizado dos personagens e o detalhamento dos ambientes funciona muito bem. A trilha sonora, original em sua maior parte, mas com participação de bandas como Nação Zumbi, também é extremamente bem usada e reforça a sensação de que as sequências de ação são o ponto alto do longa. No entanto, a sensação final é de um filme com pontos fortes e que poderia ter ganhado muito se tivesse menos ambições, mas acabou um tanto plano, ingênuo e inseguro de seu público alvo.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Duro de Matar

    Crítica | Duro de Matar

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    Yippie Ki-Yay. O ano é 88 e o cinema de ação brucutu, com seus heróis de grandes feitos quase imortais, era um sucesso de bilheteria que duraria até meados da década seguinte. Dentro do panteão de personagens cheios de músculos que atiram primeiro e perguntam depois, Duro de Matar introduziria um inovador elemento primordial que hoje se tornou comum nas produções do estilo. No elemento humano chamado John McClaine, Bruce Willis e o diretor John McTiernan criavam um clássico do cinema de ação e, sem nenhuma dúvida, um dos melhores filmes natalinos de todos os tempos.

    A premissa de Duro de Matar não poderia ser mais simples. Apoiada em uma época em que não eram necessárias personagens profundas e reviravoltas para se fazer um bom roteiro, o policial de Los Angeles John McClaine visita a família no Natal e tem o azar de estar na empresa da mulher no momento em que um atentado está em andamento. A trama se passa em um ambiente isolado, um grande prédio comercial de que conhecemos poucos andares. Com quase nenhum armamento, sem ideia do que realmente acontece e sem sapatos, a personagem faz o que pode para defender sua esposa.

    O roteiro introduz um estilo novo de personagem durão indo além do perfil físico. McClaine é irônico, mal-humorado e, acima de tudo, humano. Não possui força descomunal e inteligência acima da média. É um homem defendendo a família, tentando cumprir seu dever, com um certo senso de treinamento e que sangra demasiadamente. O elemento humano acaba se perdendo nas sequências, mas aqui é uma das qualidades mais significativas que o perpetuaram como um dos melhores filmes do gênero.

    A personagem composta por Willis é carismática e desde este filme primordial identifica um de seus famosos tiques faciais de projetar a boca, parecendo que em algumas cenas o ator faz um pequeno biquinho. Independente do cacoete, foi aqui que sua fama se fez como um querido herói de ação que até hoje mantém sua carreira funcional interpretando o mesmo tipo de personagem, quando não o próprio McClaine.

    Os elementos inovadores do filme foram responsáveis por um novo protocolo no estilo de ação que, à procura de heróis mais humanos, causou um declínio dos grandes na década de noventa e que, no início da década passada, fez com que personagens não necessariamente dotados de qualidades físicas visíveis se tornassem a estrela principal do gênero.

    Se ainda atualmente temos personagens de ação resmungonas que alcançam seu objetivo de maneira dolorida e mais humana, devemos estes fatores a John McClaine. O homem errado na hora errada.

  • Crítica | Anna Karenina

    Crítica | Anna Karenina

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    Joe Wright é famoso por suas adaptações literárias: nos últimos anos ele dirigiu Orgulho e Preconeito, Desejo e Reparação e agora Anna Karenina.

    Adaptado do clássico de Tolstoi, o filme conta a história de Anna, uma mulher casada da alta sociedade de São Petersburgo que se apaixona por um jovem militar e acaba sendo levada a ruína. O romance se estende por mais de 800 páginas e é quase um tratado sobre o amor, a felicidade doméstica e os costumes da Rússia do século XIX.

    O primeiro acerto de Wright é abandonar essas pretensões e condensar a história: ele reduz ao mínimo a importância dos personagens secundários e das histórias laterais e se foca na relação de Anna e Vronsky. Uma sensualidade explícita, ausente do original, e o bom trabalho de atuação dos protagonistas confere intensidade ao que já é uma das histórias de amor mais emblemáticas da literatura mundial.

    Na verdade, boa parte da eficiência do filme se deve a adequação dos atores: embora nenhuma atuação seja excepcional (talvez o maior destaque seja para Aaron Taylor-Johnson como Vronsky) eles encarnam bem seus personagens e aquilo que eles representam na história.

    Além do foco no casal principal, Wright torna Anna Karenina mais adaptável ao abrir mão de qualquer naturalismo. A trama se passa em um palco e a movimentação dos atores é teatral e coreografada. Não se trata mais de uma análise da natureza humana ou uma investigação sobre o casamento, é uma história de amor, épica, trágica e fantástica. Essa impressão é reforçada pelos figurinos e pela direção de arte, que criam uma Rússia quase de contos de fadas, uma terra distante, fria e maravilhosa.

    No entanto, por mais que o diretor se esforce em fazer a narrativa caber no filme, Anna Karenina tem problemas de ritmo: a ação é corrida e a narrativa acaba cheia de pontas soltas. A rapidez também acaba tornando raso o desespero final da personagem e seu suicídio parece quase gratuito.

    No final, Anna Karenina é um bom filme e uma boa adaptação, Wright confia em seus atores e na riqueza visual e tenta contornar as nuances psicológicas (que são justamente o problema em seu Desejo e Reparação). Não é uma obra prima, mas é uma história de amor bem contada, intensa e comovente e um filme visualmente impressionante.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy

    Crítica | O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy

    o ancora

    Mesmo depois da tragédia de Os Candidatos, resolvi ver outro filme do Will Ferrell. Dessa vez, O Âncora, que não poucas pessoas disseram que era bom. Realmente, é melhor que Os Candidatos, mas se só isso não diz muito, O Âncora falha em ter exatamente muitos dos elementos de que não gostei no anterior.

    A ideia é excelente. Ferrell interpreta Ron Burgundy, um jornalista local de San Diego, famoso na cidade, juntamente com sua equipe, por comandar o jornal de liderança no horário, durante a machista década de 70, quando o movimento feminista começava a sair das universidades e dos protestos nas ruas para engrossar a luta diária das mulheres no dia a dia por melhores condições, igualdade e, principalmente, respeito e reconhecimento no ambiente de trabalho e na sociedade. Nesse aspecto o filme é primoroso, pois, se as mulheres reclamam de como são tratadas hoje, nessa época era absurdamente pior, e soa ridículo vermos hoje como os personagens da época as tratavam – mas não soa de modo algum irreal, o que transforma algumas situações engraçadas, mas aquele engraçado que incomoda, no bom sentido.

    Também há a boa ridicularização do papel da mídia na sociedade, que sempre se desvia de histórias relevantes, mas que poderia desestabilizar o status quo para cobrir eventos com gatos fantasiados e partos de animais em zoológicos que são tratados como a maior notícia do mundo, sem a menor cerimônia. Além, é claro, de tirar um sarro do ego enorme de jornalistas da TV que se acham o centro do universo por terem 30 minutos diários de aparição.

    No entanto, o outro lado, o do riso forçado, das esquetes fora de contexto e dos exageros, não me pegam. Ainda não entendo porque Steve Carrell é tratado a toda hora como gênio do humor, já que parece interpretar o mesmo personagem, do mesmo jeito, em todo filme, com as mesmas caras, bocas, frases e trejeitos. Sua única exceção parece ter sido no excelente Pequena Miss Sunshine, quando justamente saiu do seu estereótipo.

    Do final não daria para esperarmos muito, nem sei se o filme deveria tentar algo além do desfecho onde inimigos fazem as pazes e resolve os conflitos nesse tipo de filme justamente pela proposta de satirizar o  gênero, mas seria interessante ver uma elaboração mais inteligente do que essa.

    Como resumo da obra, O Âncora é um filme redondo, que funciona para a plateia certa, mas cansa o espectador que exija algo a mais. Possui bons momentos, e deixa a profundidade que poderia alcançar ser atrapalhada pelo humor raso que tenta forçar a todo instante.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Hospedeira

    Crítica | A Hospedeira

    a hospedeira - cartaz

    Sem dúvida, uma parcela do público será atraída ao cinema pelo simples fato de que o filme é baseado no livro homônimo de Stephenie Meyer. Essa parcela, caso vá esperando ver algo minimamente próximo a Crepúsculo, terá as expectativas ligeiramente frustradas. Não totalmente, já que a porção “romance” está presente. Contudo, diferente da estória de Bella e Edward, não é o foco principal, apesar de ser importante para o desenvolvimento da trama. Sobre a relação livro/filme, apenas mais uma observação. Espera-se de adaptações de livros que o filme se sustente per se, isto é, o roteiro não deve pressupor que quem está assistindo já leu o livro. E neste sentido, a adaptação foi bem sucedida. Não há necessidade de conhecimento prévio da obra, nem ficam faltando detalhes essenciais (ou não) que apenas os leitores teriam conhecimento.

    Diferente de outras estórias que versam sobre invasão alienígena, esta não se prende ao início da invasão – os primeiros humanos “infectados”, a percepção dos demais sobre o que está ocorrendo e a luta contra os invasores. Nesta, a invasão já está consumada, os alienígenas já estão entre os humanos ou, mais especificamente, dentro deles, assumindo o controle do corpo e sobrepujando a mente, tomando o lugar do “eu” de cada um. E a trama se volta para os focos de resistência, os humanos reminiscentes, os “não invadidos”, como Melanie (a princípio) e Jared.

    O modus operandi da invasão levanta um questionamento interessante: como reagem ou devem reagir os 100% humanos ao se deparar com um hospedeiro conhecido? O corpo é o da pessoa que se conhecia. Suas feições, seu modo de andar, seu jeito de falar continuam os mesmos. Ainda é a pessoa com que se convivia. Mas ao mesmo tempo, não é mais, ao menos na maioria dos casos. Melanie é uma hospedeira que resiste à invasão. Ela e a invasora, Peregrina (Peg), “brigam” pelo controle do corpo de Melanie, o que gera algumas situações engraçadas quando Mel se irrita com alguma ação de Peregrina.

    É uma pena que o roteiro não tenha dado mais ênfase à faceta sci-fi do filme, certamente para tentar agradar aos fãs oriundos de Crepúsculo. Contudo, essa não é a maior falha do roteiro, já que quem não leu o livro não faz ideia que esse enfoque é bem mais explorado. Apesar de Niccol ter conseguido eliminar a maioria dos excessos do livro – cenas desnecessárias e estórias paralelas que pouco ou nada acrescentavam – o ritmo da narrativa é extremamente lento, quase sonolento em alguns trechos. É uma pena que Niccol, responsável pelos roteiros de Gattaca, O show de Truman e O senhor das armas – todos acima da média – tenha conduzido a trama dessa forma. E o que resta ao espectador é acompanhar Mel/Peg tentando ganhar a confiança dos demais e o triângulo – ou quadrado – amoroso em que ela se envolve, ou seja, situações clichês em filmes para adolescentes.

    O elenco está bem, nenhuma atuação surpreendente ou fora do comum. Saoirse Ronan poderia ter se dedicado um pouco mais a diferenciar a personalidade de Mel e Peg, mas a voz em off de Mel dá conta do recado. Diane Kruger encarna de modo convincente a fria, calculista e (aparentemente) insensível Buscadora. E William Hurt, no papel de Tio Jeb, está em sua zona de conforto representando o chefe do grupo, detentor de sabedoria.

    Apesar das paisagens chamativas, da premissa interessante e do roteirista/diretor merecidamente premiado, o filme não chega a ser memorável. Talvez o espectador se lembre dele apenas quando anunciarem a sequência – o final do filme dá brecha para essa especulação, e a própria Stephenie Meyer cogita escrever mais livros sobre o tema.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.