Categoria: Críticas

  • Crítica | Jack: O Caçador de Gigantes

    Crítica | Jack: O Caçador de Gigantes

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    Mais um filme que revisita uma estória infantil, o conto de fadas inglês “João e o pé de feijão”. E ainda na onda do politicamente correto, desta vez, João (ou Jack) deixa de ser um ladrãozinho – que surrupia primeiro moedas de ouro, depois a galinha dos ovos de ouro e por último a harpa de ouro – para se tornar um jovem destemido que luta para defender seu mundo dos gigantes “malvados”. Porém, o cerne da estória – o garoto ludibriado numa troca que volta para casa com um saquinho de feijões ao invés de moedas – foi mantido, com alguns adendos na tentativa de enriquecer a trama.

    A aventura infanto-juvenil lembra bastante os filmes de fantasia dos anos 80 – Krull, A lenda, História sem fim – com valentes cavaleiros, donzelas em perigo, lutas de capa e espada, apenas com efeitos especiais mais elaborados, com menos maquiagem, maquetes e fantasias e mais computação gráfica. Contada de modo convencional e pouco inventiva, a trama não chega a entusiasmar, mas também não entedia o espectador. Com algumas pitadas de feminismo e tiradas de humor – bem ao estilo de Piratas do Caribe – entretém, mas está longe de causar empolgação. Tem-se a impressão de que o investimento foi grande na concepção dos efeitos especiais e pequeno na concepção do roteiro. Esperava-se bem mais de Christopher McQuarrie, o roteirista responsável pelo excelente Os Suspeitos.

    O elenco está bem, apesar dos personagens terem pouca ou quase nenhuma complexidade. São todos estereotipados: Jack (Nicholas Hoult) é o rapaz honrado, Isabelle é a moça (quase) rebelde, Elmont é o cavaleiro valente, Roderick (Stanley Tucci) é o conselheiro ardiloso. Aliás, enquanto o Elmont de Ewan McGregor vai ficando mais carismático à medida que o filme avança, a princesa Isabelle (Eleanor Tomlinson) parece cada vez mais apenas um elemento decorativo.

    Ao contrário do que aparentavam tanto nos trailers quanto nos anúncios, os efeitos de computação gráfica em combinação com a filmagem 3D deram um bom resultado final, exceto por uma ou outra falha pouco perceptível. Apesar de o 3D não acrescentar muito ao filme, também não chega a atrapalhar como ocorre em alguns casos, principalmente quando o filme é convertido de 2D para 3D. Vale destacar o pé de feijão que simplesmente enche a tela (e os olhos) com sua grandiosidade e riqueza de detalhes. E não se pode reclamar da aparência dos gigantes, já que eles são tão verossímeis quanto um personagem de conto de fadas pode ser. Sobre os gigantes, atenção especial para o “chefe” de duas cabeças, General Fallon, dublado pelo inconfundível Bill Nighy.

    Contudo, nem só de efeitos especiais sobrevive um filme. No máximo, este talvez seja lembrado como “aquele em que Ewan McGregor quase virou petisco de gigante”.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Depois do excelente Na Mira do Chefe o diretor e roteirista Martin McDonagh volta às telas com Sete Psicopatas e um Shih Tzu. Apesar do primeiro ainda ser melhor, esse segundo ainda cai bem como uma comédia de humor negro e metalinguagem a respeito do cinema e violência, que lembra os bons tempos de Guy Ritchie com Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes.

    Com um excelente elenco, que junta Colin Farrell, Sam Rockwell, Christopher Walken, Woody Harrelson e outros, o filme começa com o escritor Martin (Farrell) tentando bolar uma ideia a respeito de Sete Psicopatas com histórias interessantes de vida, e com a ajuda de amigos (Rockwell e depois Walken), vai acrescentando em seu bloco de notas um psicopata com uma história mais interessante e exótica que outra.

    Porém, conforme vai passando, podemos ver que a conversa dos personagens dentro do filme é cada vez mais metalinguística, e cada vez mais referencial ao próprio filme e ao que está acontecendo, subvertendo totalmente a experiência inicial do longa, que nos levava para um caminho tradicional do filme de “máfia-com-perseguição-e-vingança” (e que o próprio filme tira sarro de sua escolha).

    Quando é finalizada a subversão e a história vira totalmente auto referencial e se preocupa somente com isso, um pouco da mágica e da graça acabam, tornando tudo uma paródia dos filmes violentos de Hollywood, com seus finais grandiloquentes e redenções ainda mais carregadas de emoções milimetricamente construídas. Outro ponto positivo é que em momento algum os personagens são tratados como arquétipos tradicionais de “mafioso” ou “psicopata”, o que dá espaço a piadas e situações muito boas, principalmente com Woody Harrelson, cada vez melhor.

    A intenção da sátira é louvável, mas seu resultado acaba fazendo o filme perder um pouco da graça e da intenção original, apesar de garantir algumas risadas, porém, mais pela graça do escândalo do que pela inteligência da construção do clímax.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Os Miseráveis (2012)

    Crítica | Os Miseráveis (2012)

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    Em 2001, com Moulin Rouge – Amor em Vermelho, os musicais ganhavam novamente destaque nas produções Hollywoodianas, com uma história amorosa que inovava no estilo cinematográfico e ainda era repleto de referências ao pop. Talvez não seja exagero afirmar que, ao lado do Western, é o gênero que mantém suas características próprias, sem diluir-se em uma mistura de gêneros que normalmente situam-se as produções contemporâneas que sempre dão espaço para o humor, ao drama, a ação, perdendo parte dos referenciais de outrora.

    Embora muitos não apreciem o gênero, parte da Era de Ouro do cinema americana foi fundamentada em torno de musicais. O Mágico de Oz, primeiro filme colorido, é uma aventura musical, um exemplo entre tantos outros filmes que transformaram suas canções em sucessos, ganhando força além deles.

    O musical é o gênero mais teatral. Quebra a ideia da verossimilhança a favor da arte. A procura de uma maneira de se expressar com maior intensidade, além da interpretação física e da modulação da fala prosódica. Ao utilizar a música como representação, o público reconhece o distanciamento da vida real, mas, por sua força, aproxima-o pelo elemento emotivo.

    Dirigido por Tom Hooper, do vencedor do Oscar de Melhor Filme Discurso do Rei, Os Miseráveis traz ao cinema a versão do musical da Broadway do romance do francês Victor Hugo. Um dos maiores sucesso do famoso teatro trouxe um conceito inédito ao se filmar o gênero. É o primeiro em que as canções foram realizadas direto da cena, sem a gravação prévia em um estúdio. As interpretações das canções mantem-se a favor da emoção das personagens e do desejo dos atores, mas falham se o ator não possui um bom gogó para conseguir refletir o que sente.

    Na trama, acompanhamos o ladrão Jean Valjean, que após roubar um pão e ser preso, decide redimir os erros de sua vida. Mas aos olhos da lei e do inspetor Javert, nenhuma mudança transformaria sua marginalidade. O que faz o inspetor persegui-lo durante a vida toda. Mesmo tornando-se um homem melhor, Valjean não reconhece o sofrimento de uma de suas trabalhadoras que cai em desgraça após ser demitida. É um novo sinal para recuperar sua crença e prometer que cuidará de sua filha, Cosette.

    A história trabalha, em toda sua magnitude que abrange o século XIX como um todo, o viés do tempo e das mudanças históricas. Acompanhando a vida de personagens que foram marginalizados tanto pelas misérias da vida como pela situação da França como país, aqui situado entre a grande batalha de Waterloo e a Revolução.

    Críticas mencionaram o exagero dramático da produção, mas é necessário pontuar desde já que um musical potencializa as ações representadas com maior intensidade e o próprio romance de Victor Hugo é uma narrativa romântica por sua construção sensível e representação crítica da sociedade.

    O grande pecado do filme é não saber diferenciar que o teatro tem formato diferente do cinema. No espetáculo da Broadway, pode ser funcional uma história de 160 minutos em que quase todas as falas são ditas de maneira cantada. No filme, o efeito soa artificial como se as personagens estivessem obrigadas a dizer suas falas somente dessa maneira. Até os musicais mais antigos se pautavam de maneira equilibrada entre números de dança ou voz e partes faladas que dão sequência a ação. Em uma história que permanece demais sequenciando canção após canção, a força das mesmas se perde. Ainda mais quando a gravação foi feita no decorrer da cena, evidenciando quem tem talento e quem fez aulas específicas para as filmagens.

    O astro da produção é seu protagonista, Hugh Jackman, que expõe seu talento vindo da tradição do teatro e, portanto, familiarizado com o estilo. O algoz da personagem, Russell Crowe, parece desconfortável em cantar, ainda que realize uma boa canção solo. O Oscar dado a Anne Hathaway é uma das premiações que se valeu de sua intensa cena solo, da canção mais famosa da trama, I Dream a Dream. Nas outras personagens coadjuvantes, Sacha Baron Cohen, em seu segundo filme musical, demonstra segurança tanto na interpretação como na voz e parece diferenciar sua carreira entre as produções próprias com personagens excêntricos  e aquelas mais tradicionalista que realiza com outros diretores.

    Tentando manter a fidelidade com o musical da Broadway, mesmo não sendo um espetáculo filmado, Os Miseráveis perde parte de sua alma como uma produção cinematográfica. A inovação de cantar do próprio estúdio não salva excessos que poderiam ser evitados se a adaptação não se apoiasse somente no espetáculo teatral, esquecendo que a sétima arte tem um formato diferente.

  • Crítica | O Amante da Rainha

    Crítica | O Amante da Rainha

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    Nikolaj Arcel foi roteirista da versão sueca de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, mas seu novo filme como diretor tem pouco em comum com o romance policial. O Amante da Rainha, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro pela Dinamarca, é um drama de época, clássico, embora violento a sua maneira.

    Caroline é uma adolescente inglesa enviada à Dinamarca para se casar com o jovem rei, o instável Christian. Entre a loucura de Christian  e a constante vigilância da corte, Caroline, ainda uma menina, vive infeliz e solitária até conhecer Johann Struensee o novo médico real. Excêntrico, Johann consegue se aproximar do rei e ajuda-lo a exercer realmente seu poder,de forma humana e moderna, além de começar um caso com a rainha. Mas O Amante da Rainha é uma tragédia e no final tanto o plano de uma nova Dinamarca quanto o romance do casal desmoronam.

    O fio condutor da narrativa é uma carta que Caroline escreve aos filhos no leito de morte e é a voz dela que guia os acontecimentos. Quase todo o filme se passa dentro do palácio, ricamente decorado, mas claustrofóbico, o único momento em que há luz e ar é quando Caroline se aproxima de Johann. Essa oposição entre ambientes fechados e abertos, iluminação dourada e cinzenta, marca de forma muito clara  as partes do filme: a solidão inicial de Caroline, o idílio com Johann e o sonho de uma Dinamarca iluminista e o drama final.

    Da mesma forma o filme opõe iluminismo e religião: a juventude de Caroline, Johann e Christian à velhice dos membros do conselho, suas roupas claras ao preto deles e inclusive a luz com que os personagens são iluminados. A discussão de Arcel sobre o peso da religião na política e os interesses do jogo político são extremamente atuais, ainda que ele cite filósofos do século XVIII.

    O Amante da Rainha se parece com uma tragédia grega, ou de Shakespeare: é a paixão dos personagens que os destrói no fim e desde o início o diretor anuncia isso. O espectador vê , devagar, o poder subindo a cabeça de Johann e Caroline se tornando menos cautelosa em esconder sua traição. O filme é tenso porque envolve o espectador no destino dos personagens, o faz gostar e torcer por eles, mesmo sabendo desde o início que o final não pode ser bom.

    Arcel fez um filme clássico, em termos de cinema e dramaturgia, extremamente minuncioso e bem feito. Mads Mikkelsen (aparentemente o ator nacional da Dinamarca) dá nuances variadas ao seu Johann, mas é Alicia Vikander que brilha no filme: o sofrimento de sua Caroline é real e pungente e ela é igualmente frágil e ousada.

    O Amante da Rainha é um filme longo e de pouca ação. Mas é bem filmado, muito bem atuado e angustiante como as melhores tragédias.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Amanhecer Violento

    Crítica | Amanhecer Violento

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    A cena inicial tem um estilo de documentário. São mostradas, em rápida sucessão, imagens jornalísticas (muitas delas reais) situando um conturbado cenário internacional. Crise econômica na Europa gerando protestos civis; o Oriente Médio em crescente agitação, o que exige maior participação militar norte-americana; a Rússia de alguma forma envolvida em tudo isso; e, principalmente, a Coreia do Norte assumindo uma postura cada vez mais belicosa, deixando os analistas políticos do mundo inteiro perplexos e apreensivos. Tal abertura parece indicar uma preocupação em ser realista, ou ao menos apresentar uma extrapolação crível da nossa realidade… “só que não” elevado à enésima potência. Amanhecer Violento é, mais que um filme, um ode à inverossimilhança.

    Um belo dia, os moradores da pequena cidade de Spokane, localizada próxima a Seattle, têm sua tranquilidade quebrada ao acordar e ver o céu cheio de aviões e para-quedas inimigos. Norte-coreanos. Exatamente: a Coreia do Norte está empreendendo uma invasão em larga escala aos Estados Unidos. Com as forças da Lei rapidamente dominadas, cabe a um grupo de adolescentes formar uma resistência contra os invasores. Liderados pelo deus do trovão, Thor (quer dizer, Jed, um jovem soldado interpretado por Chris Hemsworth), eles vão assumir o nome do time de futebol local, os Wolverines, e do dia para a noite vão virar mestres na arte da guerrilha.

    A direção do estreante Dan Bradley não é das mais inspiradas, as atuações são todas sofríveis (em especial a de Josh Peck vivendo o rebelde Matt, irmão de Jed), mas deixa isso pra lá. Muito mais divertido é analisar a coleção de furos desse inacreditável roteiro. Vamos considerar que os norte-coreanos enlouquecessem de vez e declarassem guerra aberta aos EUA. Bombardeios intensos seriam uma opção mais lógica do que uma invasão. Porém, o filme sugere que o interesse dos orientais não é destruir o inimigo, nem roubar seus recursos naturais, e sim algo como “tornar o país um lugar melhor para as pessoas que vivem lá, libertando-as do capitalismo maligno etc”. Fingindo que isso tem um resquício de sentido para podermos ir em frente, surge a pergunta natural: de onde a Coreia do Norte tirou os recursos (humanos, inclusive) pra fazer isso? Pois é dito no filme que a ocupação está acontecendo no país inteiro, não apenas nos grandes centros. Ah, os russos ajudaram fornecendo tecnologia, equipamentos? Tudo explicado, então.

    E quanto a todo o poderio bélico americano, que não dá as caras mesmo passando-se várias semanas desde a invasão? Sério mesmo que devemos aceitar que uma movimentação militar desse tamanho passou despercebida, ou talvez que TODO o contingente dos EUA estivesse no exterior? Quando, próximo ao final, a coisa adquire ares de ficção científica (é sugerido que os invasores têm uma nova superarma elétrica que desliga todas as máquinas inimigas), o filme se torna nada além de risível. Aliás, o fato de se levar totalmente a sério, o tempo todo, também contribui muito pra isso.

    Amanhecer Violento é na verdade um remake. No original, de 1984, os invasores eram soviéticos. Já era algo forçado, mas perdoável, dada a ameaça mais palpável da Guerra Fria e a ingenuidade geral que ainda havia na época. Esta nova versão foi filmada em 2009, e o atraso em seu lançamento deve-se a dois fatores. A gigantesca crise pela qual passou o estúdio MGM, e outra que adiciona uma nova camada de ridículo: originalmente o inimigo era a CHINA (o que até faria o filme ter um pouco mais de sentido, mas só um pouquinho mesmo). Como os chineses estâo entre os maiores investidores de Hollywood, além de um mercado consumidor altamente lucrativo, há uma diretriz de não mais colocá-los como vilões. Amanhecer Violento optou por simplesmente alterar falas e algumas imagens na pós-produção, e magicamente “China” virou “Coreia do Norte”. Asiáticos são todos iguais mesmo, afinal. Sabendo disso, fica hilário notar que permaneceram no filme vários cartazes em vermelho e amarelo, com mensagens comunistas.

    Depois de tudo isso, não há necessidade (ou mesmo vontade) de analisar os aspectos mais práticos da produção. Como a narrativa péssima, personagens rasos, sem carisma nem desenvolvimento, ou a fotografia e cenas de ação… vá lá, razoáveis. Amanhecer Violento merece ser lembrado como um dos filmes mais ERRADOS de todos tempos, perdendo por muito pouco para o inigualável Imortais.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Hitchcock

    Crítica | Hitchcock

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    Desde a fundação da sétima arte, alguns profissionais – sejam produtores, diretores ou atores – desenvolvem uma carreira tão ímpar, muitas vezes com talento destacado, que transformam-se também em personagens para futuras histórias, de criador para criatura.

    Retratar uma personalidade em um filme biográfico, apresentando sua vida em totalidade, sempre é uma missão ingrata. Algumas produções vêm optando por apresentar parte da história, em um momento significativo que apresenta o cerne do biografado de forma que seja possível compreendê-lo – Sete Dias Com Marilyn e Capote utilizaram-se deste estilo.

    Hitchcock abrange o período de criação de Psicose, uma das obras mais significativas do mestre do suspense. Prestigiado desde a época, o diretor sofria leve pressão da crítica e do público, que aguardavam ansiosos por um novo e excelente projeto, questionando se a idade não teria amenizado Hitchcock. Em meio as incertezas, Hitch investe em um romance recém-lançado de Robert Bloch, uma narrativa inspirada no serial killer Ed Gein – homicida, ladrão de lápides que utilizava cadáveres como troféus – que nenhum outro estúdio se atreveu a utilizar.

    A trama inicia-se em uma representação da história de Gein, emulando o programa de televisão “Hitchcock apresenta”, em que o diretor era mestre de cerimônia. Dialogando com o público, Hitch justifica que, se não houvesse a horrenda história do assassino, sua obra-prima não viria à tona.

    Filmar uma história real, violenta ao extremo, em época moralista e com censura cinematográfica era um processo difícil. O diretor teve que investir dinheiro do próprio bolso para a realização, já que a Paramount Pictures, com que tinha um contrato, aceitou somente distribuir a produção.

    Dono de um perfil genial e genioso, dedicado aos prazeres da comida, romântico ao se apaixonar por cada uma de suas estrelas loiras, boa parte da sustentação de Hitchcock vinha de sua esposa, Alma Reville, roteirista e editora que teve um papel fundamental na conclusão de Psicose mas que, durante a produção, sente-se negligenciada pelo marido.

    A problemática profissional e pessoal parece eclodir em Psicose, dando corpo à loucura da personagem e ao genialismo de Hitchcock, ciente de que a censura negaria a distribuição do filme e trabalhando de maneira minuciosa para produzir cenas que sugerissem as ideias mais agressivas, sem de fato mostrá-las, como a famosa cena do chuveiro, que se tornaria um marco cinematográfico.

    O desenvolvimento desta biografia consegue apresentar os bastidores de uma grande obra sem cair no fetichismo da curiosidade de revelar a história por trás da história. Sustenta-se principalmente pela composição das personagens, com Anthony Hopkins incorporando o diretor com pesada maquiagem, desafiando a imagem de um homem genial o tempo todo, também carente de atenção e estranhamente encantado por suas atrizes. E Helen Mirren sempre em atuações pontuais como a esposa porto seguro que compreende as limitações do marido sem nunca deixar de amá-lo.

    Foi um dos filmes mais grandiosos da carreira de Hitchcock e sua composição tornou-se exemplo para outros filmes que viriam. Nesse longa biográfico com direta homenagem a ele, com maquiagem indicada ao Oscar, a trama mistura-se à história do cinema para apontar como uma lenda se transforma em lenda.

    O roteiro foi baseado no livro Alfred Hitchcock e Os Bastidores de Psicose de Stephen Rebello, lançado no país pela Intrínseca, com tradução de Rogério Durst (Clique aqui para comprar). A história do diretor também gerou uma produção da HBO Films com a BBC, intitulada The Girl.

  • Crítica | O Voo

    Crítica | O Voo

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    Robert Zemeckis há muito tempo abandonou a direção de filmes live-action para trabalhar com animações, tendo um papel fundamental na evolução de técnicas como a captura de movimento, como visto em seus últimos trabalhos – O Expresso Polar, A Lenda de Beowulf e Os Fantasmas de Scrooge. Contudo, essa escolha o deixou bem pouco presente na grande mídia. Doze anos depois de Náufrago – último live-action do diretor -, Zemeckis retorna de onde parou e entrega um grande filme.

    O Voo conta a história de Whip Whitaker (Denzel Washington), um talentoso piloto de aviões comerciais, alcoólatra e usuário de drogas. A história se desenvolve como numa manhã qualquer na vida desse piloto. Whip acorda num quarto de hotel, acompanhado de uma de suas comissárias de bordo, ainda sob efeito de álcool da noite anterior, cheira cocaína para cortar o efeito da bebida e parte para mais um dia de trabalho rotineiro. No entanto, após uma falha técnica em sua aeronave, Whip é obrigado a realizar um pouso forçado de forma pouco usual e acaba salvando a vida de boa parte dos passageiros: 96 dos 102 que estavam a bordo sobrevivem.

    Após salvar praticamente toda a tripulação da morte iminente, Whip é celebrado como herói. Contudo, sua vida começa a sair do controle quando descobre que a FAA (Federal Aviation Administration) está realizando uma investigação e que exames de sangue já foram coletados comprovando o consumo de álcool e drogas antes de o avião decolar, fato que poderia comprometer toda sua carreira e colocá-lo na prisão.

    Com os aspectos centrais da trama colocados em seus devidos lugares, Zemeckis desenvolve sua narrativa, tirando o foco do acontecimento alimentado de modo sensacionalista pela mídia para acompanhar os dilemas éticos de seu protagonista. Whip é autodestrutivo, afastando todos ao seu redor, sua família, amigos e até mesmo seu novo laço afetivo, Nicole (Kelly Reilly), uma ex-viciada.

    O grande mérito do filme é não escolher lados em seus temas, e este é também um de seus maiores problemas. O Voo deixa claro que seu protagonista é um alcoólatra funcional, sugerindo que talvez ele mesmo não tivesse realizado o pouso de forma tão eficaz se não estivesse sob efeitos de álcool e outras drogas. Essa figura questionável não o isenta de suas responsabilidades, assim como também não o redime. Contudo, em seu desfecho só soa extremamente moralista e melodramático, jogando fora boa parte da narrativa que havia construído até então para se tornar um dos contos de superação que inundam Hollywood ano após ano.

    A composição de personagem de Denzel Washington é um show à parte. Pouco a pouco se vê na tela a decadência de um homem sem horizonte, que tenta em vão vencer seus vícios em uma interpretação minuciosa, que foge da obviedade de seus papéis anteriores. Os trejeitos e olhares com os quais o personagem pede uma bebida em dado momento do filme imprimem o quão frágil seu personagem é, numa atuação intensa que demonstra toda sua angústia através de pequenos gestos corporais de suas mãos e boca, assim como sua confiança parece retornar após tomar o líquido tão esperado ou inalar cocaína, se tornando novamente o sujeito arrogante e cheio de si. O elenco coajuvante é interessante, principalmente as participações de John Goodman e Don Cheadle, trazendo debates ou cenas interessantes para a trama; no entanto, a personagem de Reilly parece ter saído de não sei onde para ir para lugar algum, tamanha a importância e a forma abrupta com a qual é utilizada.

    O Voo, apesar de extremamente didático em seu desfecho, traz uma das melhores performances de Denzel Washington nos últimos anos, além de trazer o retorno de Zemeckis na direção live-action. Uma pena pecar em ousadia.

  • Crítica | Detona Ralph

    Crítica | Detona Ralph

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    Desde a parceria com a Pixar, as animações da Disney apresentaram uma significativa queda de qualidade, perdendo um espaço que antes era dominado por seus clássicos. Tentando reverter este quadro, o estúdio riu de si mesmo em Encantada, mistura de animação com live-action, resultando em uma ótima bilheteria e dando abertura para que Bolt – O Supercão, A Princesa e o Sapo e Enrolados trouxessem rentabilidade ao estúdio e recuperassem parte de seu prestígio.

    Detona Ralph foi aguardado e esperado pelo público desde que sua trama foi anunciada, principalmente por se conectar à nostalgia de uma época em que o videogame era a principal diversão da maioria dos jovens. A cada novo material promocional divulgado, ainda mais os que continham a participação de clássicos personagem dos games, a expectativa aumentava e, antes mesmo de sua estreia, havia uma parte do público ansiosa pela produção.

    A maior preocupação em realizar uma história que adentra profundamente um passado nostálgico é saber se ele é capaz de fundamentar-se além da colagem de referências, elemento que sempre agrada o público. E a resposta mais rápida para está questão é sim, o filme é bem-sucedido.

    A premissa retoma um conceito de Toy Story: a ideia de que todos os personagens dos jogos ganham vida após o game over e podem sair de seus jogos e conviver em uma área pacífica de descanso até o início do expediente no dia seguinte.

    O detonador Ralph, do clássico jogo Conserta Feliz Jr, criado há trinta anos, está cansado de ser o vilão da história. Deseja ser reconhecido por seus colegas e sai à procura de conquistar o que demonstre seu valor. A nostalgia vista nas peças de divulgação concentra-se nos trinta minutos iniciais da trama, tempo que deixa qualquer jogador com um sorriso no rosto ao ver tantos personagens clássicos interagindo entre si, como na cena em que diversos vilões realizam uma terapia em grupo assumindo sua função má sem preconceito.

    Após as referências tão aguardadas, a história se concentra no conflito de Ralph, que abandona seu jogo ao descobrir outro em que o vencedor ganha uma medalha do final. É o ponto de partida para que a personagem quebre uma das regras primordiais entre os videogames: não se pode entrar em outro jogo sem provocar danos e nem problemas de programação. Durante sua jornada, Ralph conhece a pequena Vanellope von Schweetz e, com ela, forma a dupla central da história, unindo a força bruta do grandalhão à sensibilidade e à inocência de uma criança.

    O desenvolvimento da trama segue a estrutura de outros desenhos do estúdio: parte de um deslocamento das personagens centrais, produzindo uma história de conquista centrada na ideia de nunca abandonar quem se é nem desistir dos sonhos. A diferença é que, enraizada em uma história nostálgica, com personagens carismáticos, a repetição do argumento não deve ser vista como um problema, mas sim como uma base primordial de diversas animações que, se bem contadas, são eficientes para compor um bom filme.

    Mesmo que não se queira comparar ou competir, Detona Ralph é mais bem sucedido em sua proposta que Valente, a animação da Pixar que falha devido a um roteiro simplista, como uma tentativa de despir-se de camadas mais profundas, tão características do estúdio da luminária.

    O público brasileiro, traumatizado por Luciano Huck em Enrolados, teceu reclamações sobre a dublagem feita por Tiago Abravanel, Marimoon e Rafael Cortez. Porém, ela é competente e muito próxima da original, feita por John C. Reilly, Sarah Silverman e Jack McBrian.

    O sucesso da produção prova que a Disney ainda é capaz de realizar boas animações sem a necessidade de se apoiar na Pixar. Mas hoje, devido à demanda e à concorrência, é necessário maior esforço para se manter como a grande idealizadora dos clássicos como foi outrora.

  • Crítica | Duro de Matar: Um Bom Dia Para Morrer

    Crítica | Duro de Matar: Um Bom Dia Para Morrer

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    Os astros reúnem-se para um épico filme em grupo e depois retornam para suas aventuras solo: Os Mercenários são Os Vingadores do cinema de ação old school. Depois de Schwarzenegger em O Último Desafio (e, pelo menos no Brasil, antes de Stallone em Alvo Duplo), é a vez do inoxidável Bruce Willis ser o centro das atenções. Ele encarna mais um vez seu personagem mais famoso, o policial John McClane, no recente lançamento Duro de Matar – Um Bom Dia Para Morrer. Mesmo desconsiderando a pra variar “genial” tradução brasileira de A Good Day To Die Hard (era díficil chamar simplesmente de Duro de Matar 5?!), é triste comentar sobre este que acabou se revelando o pior capítulo da franquia.

    Naquilo que se passa por “história”, McClane fica sabendo que seu filho Jack, com o qual não falava há anos, foi preso na Rússia e está sendo acusado de assassinato. Como canais legais e diplomáticos são para os fracos, ele resolve embarcar por conta para a terra do grande Zangief pra resolver a parada. Chegando lá, mas que vergonha, descobre que seu pimpolho trabalha para a CIA e está numa missão ultrasecreta visando a recuperação de (sim, isso mesmo) armas nucleares. A partir disso, pai e filho vão rapidamente se entender, sobreviver e derrotar os vilões. E só.

    Na linha do que aconteceu recentemente com Skyfall, grande parte das críticas negativas de Um Bom Dia Para Morrer vem se concentrando na alegação de que este não é o “verdadeiro” John McClane. Besteira. Os mais radicais (e chatos) falam isso desde Duro de Matar 3, e apesar disso os filmes foram empolgantes e divertidos (com o 4.0 sendo o ápice do massa véio bem executado). O problema agora é que o 5º filme é ruim, simplesmente. O roteiro é fraco até para os padrões do gênero, a ação nao consegue compensar isso por ser muito genérica, e nem o carisma do protagonista aparece.

    Bruce Willis costuma mandar bem mesmo no automático, mas aqui ele está em algum ponto abaixo disso. Ele parece se apagar em vários momentos, como se McClane quisesse deixar o filho brilhar. O que nunca passa nem perto de acontecer, naturalmente. E a culpa é mais do roteiro do que do esforçado Jay Courtney (visto em Spartacus e Jack Reacher). A história tenta trabalhar uma relação conflituosa entre pai e filho, mas de maneira rasa e extremamente indecisa. A mágoa que Jack sente pelo pai ausente acaba num passe de mágica quando John diz que o ama. A dinâmica do veterano acostumado ao improviso em contraste com o jovem metódico e certinho espião style, que poderia render algo interessante, fica apenas na sugestão. Isso porque tudo na trama acontece muito fácil e rápido, não há senso de perigo ou urgência em momento nenhum, então não faz diferença o modo como eles resolvem as coisas.

    A velha ironia de McClane, resmungando sobre a roubada em que se meteu, também sai prejudicada no meio disso. Como não demonstra estar passando por dificuldades, ele perde sua humanidade e torna-se chato repetitivo. Por exemplo, ao repetir umas doze vezes que estava de férias. As cenas de ação, que poderiam contar pontos a favor do filme (afinal, é um blockbuster), não chegam a impressionar. Com a breve exceção da perseguição de carros inicial, que começa burocrática mas diverte quando se torna galhofa e absurda. Depois, tudo se resume a tiroteios e correrias Comuns da Silva. Quando surge um lampejo de inspiração visual na cena do “yippee-ki-yay, motherfucker” ou até na referência ao final do primeiro filme, já é tarde demais pra salvar qualquer coisa.

    Com uma recepção amplamente negativa, e uma bilheteria mediana, difícil exergar um futuro para a franquia Duro de Matar. O que não deixa de ser uma pena, pois John McClane merecia um encerramento melhor. Mas pelo menos continuaremos a ver Bruce Willis chutando bundas por aí, certamente.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | As Sessões

    Crítica | As Sessões

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    Nos caminhos que nos levam ao autoconhecimento, a percepção de si em completude à concepção sexual são dois dentre diversos elementos significativos para esta jornada. Mesmo que muitos vejam a sexualidade como um sistema biológico ou um elemento instintivo, o sexo também é reconhecimento e consciência corporal, tanto da observação dos limites físicos do corpo como da percepção do prazer.

    Baseado na vida profissional de Cheryl Cohan Greene, As Sessões apresenta ao público a terapia sexual, uma vertente que trabalha ativamente com o paciente, de maneira breve e focal, para a melhora de disfunções ou qualquer problema referente ao sexo, esse elemento vital ainda hoje visto como tabu.

    A história apresenta um dos pacientes mais significativos da terapeuta: Mark O’Brien, poeta e jornalista de Berkeley que, devido a uma poliomelite na infância, sobrevive graças a um pulmão artificial, mas incapaz de mover seus músculos, ainda que os sinta. Motivado pelo pastor de sua paróquia, O’Brien procura ajuda terapêutica para tentar compreender, dentro de um corpo paralisado, a funcionalidade do sexo.

    A composição de John Hawkes para viver a personagem é equilibrada. Dividida entre o corpo inerte e uma criação católica que também se torna responsável pelo complexo sexual. Utilizar um personagem central deficiente não é argumento novo. Em Meu Pé Esquerdo, Daniel Day Lewis interpreta brilhantemente Christy Brown, e Sean Penn demonstra uma competente atuação em Uma Lição de Amor. Mesmo que tais comparações de outras produções seja inevitável, o poeta é, acima de tudo, um homem comum, divido entre os anseios de conhecer aquilo que ainda lhe é assustador.

    Nos encontros terapêuticos com Cheryl, interpretada por Helen Hunt, a personagem realiza uma jornada lenta de autoconhecimento, compreendendo que no sexo não só o corpo é funcional, mas também a extensão mental. O laço entre terapeuta e paciente é um dos elementos motivadores da trama. Evidenciando que o processo terapêutico é delicado e, para ser funcional, necessita-se de entrega de ambas as partes.

    Indicada ao Oscar por sua atuação, Hunt não compõe uma personagem carismática como O’Brien. Seu comprometimento com sua atuação vale-se mais da maneira natural com que se despe literalmente em diversas cenas de nudez. Sob este ponto, o roteiro escrito por Ben Lewin está distante de qualquer ideia julgadora. Expõe ao público uma vertente da terapia, com a esperança de que a história mostrada na tela produza a reflexão no espectador, evitando julgamentos precipitados sobre a terapia sexual.

    Mesmo que a composição dramática e a relação entre paciente e terapeuta pudessem ser melhor executadas, a história deixa uma reflexão pontual para o público. Através da vida de O’Brien projetamos também o que compreendemos sobre o sexo e as limitações como indivíduo, muito além de uma deficiência ou de um impulso sexual.

    O filme adapta um dos casos do livro homônimo lançado no país pela Editora Intrínseca que acompanha a vida de Sharon desde o início de sua carreira como terapeuta sexual, até os dias de hoje dando palestras e tentando, sem polêmica, explicar porque teve mais de 900 parceiros sexuais e que esse alto numero não significa nenhum elemento pejorativo sobre si própria.

  • Crítica | Fogo Contra Fogo (1995)

    Crítica | Fogo Contra Fogo (1995)

    fogo contra fogo - poster

    Sobre filmes que tentamos assistir por diversas vezes, mas sempre falhamos: nunca assisti inteiramente Fogo Contra Fogo. Admiro a obra de Michael Mann, mas sempre tive problema com essa produção. Ciente de que um filme necessita mais do que atenção, mas também vontade para vê-lo e abertura para compreendê-lo, dei mais uma chance para mim e o reassisti em Blu Ray. E o filme é excelente.

    Escrito e dirigido por Michael Mann, a trama desenvolve o embate entre duas personagens díspares, tanto em profissão, quanto em caráter. Não há a preocupação em julgá-las. Mann desenvolve os dois pólos da mesma história sem dar validade para nenhum dos dois. Promove um jogo em que se mostra as personagens lentamente, compreendendo aos poucos suas intenções.

    O diretor roteirista sempre se preocupa com a motivação de suas personagens. Chega a desenvolver antes do roteiro uma história completa de fatos e acontecimentos, para ter ciência de como suas personagens chegaram até a situação apresentada em sua história. O trabalho obsessivo tem valor na tela. Suas personagens são carregadas de minúcias que explicitam suas angústias internas.

    Além dos detalhes do roteiro, a maneira com que Mann trabalha a direção é única. Sempre integra suas cenas com o ambiente. Os ângulos não são em close nem em panorâmica. Ficam em um meio termo, que mostra tanto as personagens, como parte do cenário que vivem. Como se o ambiente também interagisse com naturalidade na cena. Os planos levemente colocados para cima equilibram a luz natural com a fotografia, parecendo um retrato de uma vida real.

    O trabalho cuidadoso em roteiro, filmagem, concepção de personagens, resultam em uma história densa. Não é um exagero afirmar que Mann faz um western urbano. Colocando dois personagens com objetivos diferentes em uma luta tensa em que, provavelmente, só haverá um vencedor. O duelo é lento, mas existe.

    Ampliando a credibilidade da história estão Al Pacino e Robert De Niro, como policial e bandido dentro desse jogo sutil. Em boa forma, os atores demonstram seu talento, promovendo uma cena memorável, localizada em um café, em que ambos improvisaram suas falas para gerar a estranheza de dois desconhecidos conversando.

    Diretor experiente, Mann é um obsessivo detalhista. O sutil trabalho de composição carrega dentro de si pequenas história épicas, primorosas narrativas consagradoras impressionantes.

  • Crítica | Lincoln

    Crítica | Lincoln

    lincoln

    Spielberg foi por muito tempo um marco do cinema hollywoodiano: seus sucessos comerciais, como Tubarão e Indiana Jones, entraram para a história e, em A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan, ele parecia ser o grande herdeiro do cinema clássico americano. No entanto, já há alguns anos o diretor vem perdendo a relevância, e cada novo filme seu parece apenas mais do mesmo: formulaico e um tanto monótono.

    Lincoln, embora melhor do que Cavalo de Guerra, não é muito diferente. O filme não é uma biografia do ex-presidente, mas se foca nos esforços deste para aprovar a 13ª emenda à constituição americana, que aboliria a escravidão em todo país e assim poria fim à Guerra de Secessão. Dessa forma, quase toda a ação é composta pelo jogo político: senadores convencendo uns aos outros, subornando, ameaçando. E a tensão fica por conta da aprovação ou não da emenda.

    A escolha do tema é acertada: a abolição da escravidão é algo que desperta a simpatia do espectador, algo pelo qual é possível torcer. Mas o filme não tem tensão: o espectador, mesmo que desconheça a história americana, adivinha de início o final e todos os artifícios de Spielberg para disfarçar o desfecho soam como clichês ineficientes.

    Por outro lado, o jogo político em si não deixa de ser interessante, principalmente quando se considera que o partido de Lincoln, a favor da abolição, era o partido Republicano. Outro ponto forte do filme é o próprio personagem central: para os americanos, Lincoln é uma figura gigantesca, quase mítica; para nós ele não possui o mesmo aspecto, mas Daniel Day-Lewis consegue infundir humanidade e dimensão no presidente. Não é que a atuação de Lewis seja excepcional: ele é sempre um excelente ator, mas não faz aqui nada além do esperado. Ainda assim, seu carisma carrega o filme e faz com que o espectador se apegue ao personagem.

    Talvez o maior problema aqui seja que Spielberg leva seu filme a sério demais: a fotografia é escura, contrastada e dramática, e os tons do cenário e do figurino, todos cinzentos. Spielberg quer enfatizar a todo momento o drama da Guerra de Secessão, os horrores que estavam sendo combatidos por seu personagem e ainda se manter fiel à história de uma forma quase didática. Nesse esforço ele perde o que seu filme poderia ter de melhor: a ironia fina, o caráter forte e a excentricidade do próprio Abraham Lincoln. É um filme potencialmente interessante, mas que se torna monótono por excesso de reverência.

    Além disso, no final, o filme se arrasta por uns 30 minutos desnecessários. Lincoln não se propõe a ser uma biografia, mas um recorte de um momento específico na vida do presidente; ainda assim, se alonga até seu assassinato, que, desconexo da história, faz com que Spielberg perca um ótimo final e com que seu filme perca boa parte da força.

    No fim, Lincoln não é um filme ruim, nem chega a ser excessivamente chato: tem momentos interessantes e alguns pontos fortes. Mas é facilmente esquecível, um filme preso em esquemas e fórmulas prontas.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Dívida de Sangue

    Crítica | Dívida de Sangue

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    Clint Eastwood sempre sentiu-se confortável com a proximidade da lei ou dentro de um senso moral que atravessa diversas personagens desde seu início de carreira até em produções de sua maturidade.

    Em Poder Absoluto e Crime Verdadeiro, Eastwood já demonstrava seu gosto por narrativas policiais de conteúdo político ou investigativas, histórias que sempre apresentavam elementos dúbios que se revelavam ao longo da história.

    Baseado na obra de Michael Connelly, Terry McCaleb é um ex-detetive aposentado, recém saído de um transplante de coração. Ao ser abordado por Wanda que lhe pede que investigue o assassinato da irmã, o policial teria muitos motivos para negar. Exceto que está vivo graças ao coração da vítima assassinada. A procura de trazer conforto a irmã, o investigador assume uma investigação informal sobre o caso.

    Divida de Sangue é um tradicional filme policial. Apresenta as circunstâncias do crime no início e no decorrer da trama é realizada a investigação. Não há arroubos narrativos, reviravoltas, nem vilões que chamam a atenção como no recente A Sombra do Inimigo. Mas uma investigação voltada a procura dos detalhes que conseguem produzir pistas.

    Eastwood escolheu para si um papel que condiz com sua idade. Seu detetive repete a personalidade de moral rígida e de pouco humor que permeia toda sua obra e foi composto de maneira exemplar em relação ao personagem do romance de Connelly. É um homem que ainda deseja estar ativo no trabalho mas impedido pelos limites físicos.

    A atmosfera da trama chega a resvalar em alguns momentos nas clássicas narrativas noir, com direito a trilha sonora regada a jazz e cenas que privilegiam a luz ambiente, dando um aspecto mundano a investigação.

    O filme é bastante fiel ao romance mas, devido a sua extensão, opta por encerrar a investigação antes sem perder o clímax que tem boa concepção mas poderia ser melhor executado se aprofundasse no sadismo doentio do assassino. Ao preferir deixá-lo mais simples, a trama eclode em uma desnecessária cena de perseguição policia e bandido.

    A partir deste filme, Eastwood produziria um longa metragem a cada ano. A atmosfera e a reflexão sobre a natureza humana é repetida com mais precisão e peso em Sobre Meninos e Lobos, outra narrativa do gênero, e um dos melhores filmes do diretor.

  • Crítica | A Fuga

    Crítica | A Fuga

    a fuga - poster

    Após o assalto a um cassino, trio de ladrões dirige-se à fronteira EUA-Canadá, quando um acidente na estrada acaba causando a morte de um deles. Escapando ilesos, os irmãos Addison (Eric Bana) e Liza (Olivia Wilde) separam-se com o intuito de dificultar a perseguição policial, tomando rumos diferentes no meio da neve para chegar à fronteira. Enquanto isso, Jay (Charlie Hunnam), um ex-boxeador recém saído da prisão, viaja para passar o Dia de Ação de Graças na casa dos pais – o xerife aposentado Chet Mills (Kris Kristofferson) e sua esposa June (Sissy Spacek).

    A sequência inicial é suficientemente impactante para chamar a atenção do espectador e fazê-lo querer saber o desfecho da estória dos dois irmãos. A tranquilidade quase excessiva dentro do carro – de certo modo um reflexo da quietude da paisagem branca ao redor – é subitamente interrompida pelo acidente. É uma pena que a força dessa cena não se mantenha no restante do filme que avança numa sucessão de eventos bastante previsíveis, com coincidências que por vezes soam forçadas.

    É um thriller de perseguição. Ponto. Dito isto, pode-se afirmar que o filme é satisfatório enquanto thriller de perseguição. Não se deve esperar algo similar a Argo, em que a perseguição é pano de fundo para o estudo dos personagens – todos muito bons. Neste, ao contrário, a tentativa de mesclar ação e dramas pessoais apenas enfraquece a trama. O roteiro, aliás, se mostra bem indeciso, sem saber se explora os dramas pessoais, o isolamento causado pela nevasca, as pequenas tramas paralelas ou se se atém à fuga dos ladrões. Ao tentar focar nos conflitos interpessoais de alguns personagens – Jay e seu pai, Liza e Addison, Hanna e seu pai – ou ao tentar acrescentar um pouco de complexidade psicológica aos personagens – Addison na cabana, por exemplo – a trama perde ritmo e interesse.

    Percebe-se a boa intenção do roteirista, mas isso não é o bastante. A sucessão de clichês e estereótipos, principalmente na construção dos núcleos de personagens, poderia ter sido evitada. Citando apenas os mais óbvios: clichê machista – uma policial feminina, a única da delegacia, que é sempre preterida por ser mulher; clichê racial – um caçador com feições indígenas vestindo um casaco de peles com uma águia pintada nas costas.

    Mesmo a presença de bons atores – Spacek, Kristofferson e Kate Mara (que demonstra todo seu potencial na série House of Cards) – não ajuda na construção dos personagens, já que estes são unidimensionais. A performance do elenco é correta, mas nada além disso. Eric Bana quase convence como o ladrão meio anjo meio demônio. Olivia Wilde não tem como ir além do perfil apático de Liza. Hunnam talvez pudesse tornar seu personagem mais carismático, se ele fosse mais que apenas o link entre os ladrões e seu destino.

    Apesar do excesso de closes e de “establishment shots”, a fotografia não deixa a desejar. Principalmente nas externas em que é beneficiada pela paisagem. Ajudaria bastante se a montagem fosse um pouco mais ágil. Afinal, é uma perseguição a fugitivos, não um filme contemplativo. A sequência de perseguição com snowmobiles, mesmo com a obviedade de alguns cortes, é um bom exemplo do ritmo que deveria ser seguido no restante do filme.

    A sequência inicial e o final (quase) inesperado – depois que os personagens lavam a roupa suja durante o jantar de Ação de Graças – compensam o “miolo” meio morno da narrativa. Em suma, é um filme mediano. Longe de ser um blockbuster, mesmo com o roteiro convencional e pouco criativo, personagens estereotipados e pouco complexos, consegue cumprir a função de entreter e passar o tempo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Medo da Verdade

    Crítica | Medo da Verdade

    gone baby gone

    Após um desgaste em sua carreira de ator, Ben Affleck decidiu se reinventar, dessa vez de maneira distinta do habitual, e acabou coescrevendo e dirigindo seu primeiro longa-metragem. Baseado no romance de Dennis Lehane, Gone Baby Gone, Affleck retrata as agruras do comportamento humano, em um thriller policial desesperançoso e melancólico.

    A adaptação cinematográfica da obra literária de Dennis Lehane traz um comparativo direto com o longa-metragem Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood, também de Lehane, ambos os diretores abordam a realidade de uma comunidade americana que está à margem da sociedade, repleta de seres marginalizados pela classe mais favorecida, e construindo assim, um viés sob a ótica desses personagens.

    Medo da Verdade traz como plano de fundo o desaparecimento de uma garotinha de 4 anos em um bairro do subúrbio de Boston. A investigação policial, coordenada pelo Capitão Jack Doyle (Morgan Freeman) e conduzida pelos investigadores Remy (Ed Harris) e Nick (John Ashton), não vem obtendo êxito no bairro, já que existe um código de silêncio que não pode ser quebrado por um fator externo. Por isso, os tios da menina decidem contratar uma dupla de detetives particulares da região que teriam contatos e informações que a polícia não teria acesso. Os dois detetives, Patrick (Casey Affleck) e Angie (Michelle Monaghan) aceitam o caso e imergem intensamente na investigação.

    A trama traz um thriller policial em sua essência, no entanto, assim como Eastwood em ‘Sobre Meninos e Lobos’, ou Scorsese em Ilha do Medo (também adaptado da obra de Lehane), Affleck usa o gênero para discutir outros temas. Conflitos sobre moralidade, religião e ética estão presentes de forma visceral nesta obra de Affleck.

    Os personagens da trama são todos extremamente bem construídos, profundos, reflexivos e repletos de nuances. Suas atuações eficazes carregam o longa dentro da atmosfera densa proposta pelo filme, tudo isso aliado a fotografia acinzentada e opaca da noite, que envolve suas personagens nas sombras, e a saturação amarelada do dia dos subúrbios de Boston. A direção de arte que confere veracidade a essa degradação proposta pelo filme, seja nos ambientes residenciais fechados ou nas ruas do bairro.

    Ben Affleck em sua estreia na direção, demonstra uma incrível habilidade em realizar uma desconstrução de valores e conceitos, colocando em xeque nossos ideais e questões éticas contra a parede à todo instante. Até qual ponto a verdade será a melhor de nossas escolhas? Quão frágil é nossa percepção sobre o que é certo e errado? Um excelente trabalho de estudo de personagens e de um grupo social.

    Ouça nosso podcast sobre Ben Affleck.

  • Crítica | No

    Crítica | No

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    No é provavelmente o primeiro filme chileno a chamar atenção internacional desde o ótimo Machuca, de 2004. Vindo de um país sem uma cinematografia forte e realizado por um diretor com apenas uma pequena carreira em mostras e festivais, o filme contava em seu favor apenas a presença de Gael García Bernal, mas acabou se tornando uma das grandes surpresas e revelações de 2012.

    O filme de Pablo Larraín abriu a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde foi escolhido melhor filme pelo público (que aplaudiu de pé em diversas sessões), ganhou prêmios especiais nos festivais de Cannes, Hamburgo e Oslo, foi eleito melhor filme em Londres e Tóquio e afinal chegou como o único indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro que poderia tirar o prêmio de Amor.

    No começa anunciando que em 1988, por conta da pressão internacional, o então presidente e ditador Pinochet convocou um plebiscito para decidir sobre a continuidade de seu governo. Haveria um período de propaganda: quinze minutos na televisão para cada um dos lados, a primeira vez que a oposição teria voz em um veículo de comunicação desde o início da ditadura. O filme se centra na preparação da campanha da oposição, que dizia “não” ao governo de Pinochet e em René Saavedra, publicitário responsável por convencer a população chilena a também dizer não.

    A primeira coisa que chama atenção em No é a forma como o filme se relaciona com seu tema: a ditadura de Pinochet é um dos pontos mais escuros da história da América Latina, mas em momento nenhum se assume um tom de lamento, rancor ou amargura. No é uma comédia e a escolha de tom se reflete na campanha sendo montada: é preciso sim assumir e reverenciar a história, mas histórias melhores são contadas quando se abandona a necessidade de lamentar as atrocidades já cometidas.

    Além do tom inusitado, o filme é bem construído: bons diálogos, personagens carismáticos e uma atuação íntima e agradável de Gael García Bernal tornam a obra leve, engraçada, mas sempre muito inteligente. A fotografia lavada, com ares de polaroid ajuda a construir o tom de lembrança, de resgate de uma história que faz parte da infância de boa parte dos espectadores. Existem momentos tensos, principalmente quando o filme acompanha os efeitos que o envolvimento de Saavedra no movimento de oposição têm na vida do publicitário e, para quem desconhece a história do Chile, a tensão é angustiante, ainda assim a impressão final é de ironia e irreverência.

    No é um filme tão fluído, tão bem amarrado que se torna difícil apontar o que realmente faz dele um grande filme. Provavelmente a irreverência com que trata a seu tema e a si mesmo, e a despretensão com que foi feito. É um filme pequeno sobre um tema enorme e que acerta precisamente por isso. Atento às suas limitações, trabalha com e faz graça delas e isso se reflete na própria narrativa que é sobre uma campanha política para derrubar uma ditadura, mas poderia muito bem ser sobre fazer cinema em um país latino americano: sem recursos, comprando uma briga já dada como perdida.

    Larraín construiu um filme memorável, ainda que singelo, e deixou uma lição que o cinema brasileiro poderia aproveitar: é possível “desrespeitar” a história do país, mesmo os pontos mais obscuros dela e assim ser universal sendo nacional. E é possível chegar longe com um filme barato, mas bem feito.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Os Candidatos

    Crítica | Os Candidatos

    OsCandidatos

    Não é de hoje que a política do planeta, em particular a das grandes democracias, precisa de críticas de humor afiadas e precisas para demonstrar seus vícios, fraturas e incongruências. Aí que está o erro de Os Candidatos, pois não é um filme de humor, não é afiado (às vezes beira a grosseria) e passa longe de qualquer tipo de conscientização. Fui ver esse filme já sabendo mais ou menos o que esperar, e infelizmente minhas expectativas foram atendidas.

    Will Ferrell interpreta o congressista Cam Brady, que está concorrendo sozinho a mais uma reeleição em seu condado e é apoiado e financiado por lobistas inescrupulosos com planos cada vez mais ardilosos para aumentarem seus lucros às custas da democracia. Zach Galifianakis interpreta Marty Huggins, o filho gordinho, desajeitado, com trejeitos femininos e que usa roupas justas (lembram-se de Se Beber não Case 1 e 2 e Um Parto de Viagem? Então…) de um milionário local que decide bancar sua campanha contra Brady, já que Marty é de fácil manipulação.

    O filme ainda tenta dar um ar de seriedade, colocando como trama a influência de lobistas em cima do processo eleitoral e como eles escolhem os políticos para depois terem projetos que os beneficiem aprovados, coisa que acontece no mundo todo e que, nos EUA, é algo regulamentado. O plot exagerado (os lobistas querem trazer o regime de trabalho desregulamentado da China para o condado, que seria independente das leis americanas) não ajuda, transformando os vilões em algo cartunesco, sem profundidade, que lembra mais Pica-Pau do que uma crítica mais séria. Dá muito bem para se fazer comédia com profundidade e crítica política. Qualquer pessoa que já tenha visto os dois filmes da excelente dupla The Yes Men sabe disso.

    A partir de estabelecidas as personagens e suas motivações, o filme se repete em um tipo de humor muito comum nos EUA atualmente: o de situações que causam riso no espectador pela vergonha experimentada pelo personagem. Não há absolutamente nada de novo na proposta de humor do filme, que repete o formato das piadas durante todo o longa, em que apenas algumas cenas (e boa parte delas estão no trailer, como a cena em que Brady, bêbado, tenta escapar de um policial durante uma abordagem) conseguem tirar mais do que um sorriso envergonhado do espectador. A escalada da violência física, a perda da ingenuidade de Marty, as constantes mudanças de pensamento e comportamento dos personagens no final, tudo funciona para tornar a narrativa bastante confusa. Apesar de o ritmo se manter constante, a atenção do espectador a cada ato é sacrificada.

    Não sei o que se passa com Ferrell, mas tem escolhido produções cada vez piores para fazer e daqui a pouco estará perto de Nick Cage e Liam Neeson no quesito “perda de credibilidade”.

    Resumindo: Os Candidatos é uma tentativa fracassada de dar conteúdo a um filme de comédia, mas esqueceram de que um filme de comédia, em primeiro lugar, precisa ter graça, e falha miseravelmente nisso.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Mestre

    Crítica | O Mestre

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    A trama se passa em 1950. Um veterano da Marinha, Freddie Quell (Joaquin Phoenix), volta da guerra instável e sem certeza de seu futuro. Como tantos outros, tem dificuldade de se situar na sociedade após o retorno, não só pelas sequelas psicológicas da guerra, mas também por ser um alcoólatra. Depois de abandonar vários empregos, principalmente por causa de seu temperamento explosivo, vagando pela cidade, entra no barco de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), que o acolhe. Dodd é o criador de uma espécie de seita ou religião – “A Causa” – que prega a existência de vidas passadas, usa a hipnose como forma de cura e métodos psicológicos pouco usuais como tratamento de problemas diversos. Quell vê-se arrebatado pela Causa e por seu carismático líder. Ele enxerga em Dodd a figura paterna que não teve. E Dodd enxerga em Quell não apenas o seguidor perfeito, como também a cobaia perfeita para testar uma nova metodologia de “tratamento”.

    Americanos gostam de fazer – e assistir a – filmes que tratam das guerras em que seus soldados lutaram, seus feitos, sua volta ao lar, sempre embebidos de um tom ufanista que costuma irritar aos que não compram essa visão idealizada do “sonho americano”. Para contrabalançar, há os que optam por mostrar o avesso desse sonho. E é o que Paul Thomas Anderson faz n’O Mestre, assim como em seus filmes anteriores. Neste, o foco está no dia a dia dos soldados, nas sequelas da guerra, na nem tão triunfante volta ao lar, na dificuldade de reinserção no cotidiano. Em suma, se o espectador for ao cinema em busca apenas de diversão, esta definitivamente não é a melhor opção. Mas se a busca for por um bom roteiro, regado a ótimas músicas, com performances dignas de nota, este filme merece ser visto.

    Mesmo com certa polêmica criada ao redor do fato de que Dodd é inspirado em L. Ron Hubbard, o criador da Cientologia, esse detalhe é, na verdade, menos relevante do que pode parecer. Não há dúvidas de que o diretor se vale da história também para mostrar como é criada uma seita, como se desenvolve, como angaria seguidores – e os manipula -, enfim, como ganha dinheiro explorando a crença alheia. Mas não é este o ponto central. O cerne da narrativa é o relacionamento entre Quell e Dodd. Importa mais a dinâmica mestre-discípulo (ou cientista-cobaia), a relação quase simbiótica que se estabelece desde o momento em que se conhecem, do que o questionamento sobre o quão charlatão Dodd é, o quanto ele acredita no que diz e no que faz seus seguidores acreditarem. É interessante reparar que, em várias situações, enfatizando o paralelismo – ou o contraste – entre eles, são mostrados lado a lado, como na excepcional cena da cadeia. Freddie dá vazão a toda sua raiva numa cela, enquanto Dodd pondera calmamente na cela ao lado, até que Freddie duvida da veracidade das ideias da Causa, momento em que Dodd se exalta e dá vazão, de seu lado, a toda a irritação por ter suas ideias postas em dúvida.

    A trama é sinuosa, por vezes errática, dando a impressão (errônea) de que a narrativa segue desgovernada em alguns momentos. Ledo engano. A aparente falta de rumo é a representação fiel tanto dos caminhos tortuosos que Freddie seguiu depois da guerra quanto do modo como sua mente funciona. É significativo que, durante o filme, Dodd pergunte várias vezes a Freddie: “Is your behavior erratic?” (“Seu comportamento é errático?”).

    Apesar de toda a força dos dois personagens centrais, há outro que a princípio parece não ter tanta importância mas que se revela essencial à ascensão de Dodd como líder da seita: sua esposa, Peggy. É a figura mais dominadora – e quiçá fanática – do filme. Sua presença, por vezes aterrorizante, é quase mais forte que Freddie e Dodd juntos. A cena do toalete, em que ela o masturba enquanto lhe diz como agir, beira o aterrorizante, demonstrando o controle que mantém sobre Dodd e sobre a condução de sua carreira e vida pessoal. E a atuação de Amy Adams é excepcional, corroborando de forma essencial a construção da personagem. Seus olhares recriminadores conseguem deixar até o espectador com sensação de culpa.

    Não apenas a performance de Adams é digna de nota. A força dos personagens centrais em cena deve-se em grande parte à atuação de Phoenix e Hoffman. Enquanto este último confirma ser um dos melhores atores da atualidade, alternando entre a autoconfiança do líder e a instabilidade emocional ao ser questionado, Phoenix nos entrega o que talvez seja a melhor atuação de sua carreira. Antes de mais nada, pelo aspecto físico. Extremamente magro, assume uma postura ligeiramente encurvada, retraída (exceto ao visitar a casa da “mulher de seus sonhos”), a todo momento em busca de apoio – basta reparar nas mãos constantemente apoiadas no quadril. Falando pouco, com a boca meio fechada e os dentes cerrados, dá a impressão – que se confirma ao longo do filme – de estar sempre prestes a explodir e tenta evitar isso sendo o mais contido possível. E a riqueza de detalhes na interpretação, as minúcias nas variações de humor, as nuances na entonação da voz beiram a perfeição.

    Adicione-se a tudo isso a fotografia competente e a trilha sonora bastante provocativa e tem-se um filme que vale a pena ser visto. Apesar de, a princípio, parecer que será lembrado apenas como “aquele em que o Joaquin Phoenix está irreconhecível de tão magro”, ou então, “aquele que faz alusão à religião de Tom Cruise, sem nomeá-la”, O Mestre vai muito além dessa primeira impressão.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Paraísos Artificiais

    Crítica | Paraísos Artificiais

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    Paraísos Artificiais é uma reflexão acerca de escolhas, e por consequente, consequências. Marcos Prado, diretor e roteirista, além de produtor dos filmes de José Padilha (Tropa de Elite), trabalha com a ideia de uma juventude desvirtuada e/ou incomum. Sexo. Drogas.

    O fato do longa ser conduzido de forma leve, não afeta a intensidade da trama. Esta que, basicamente, entrelaça as histórias de Erika (Nathalia Dill), Lara (Lívia de Bueno), e Nando (Luca Bianchi).

    Erika, DJ que luta por um espaço no cenário da música eletrônica, vive uma relação de amor e amizade intensa com Lara. Adeptas das drogas e das polêmicas raves, cruzam com Nando e Patrick (Bernardo Melo Barreto) em uma festa paradisíaca que dura dias a fio, onde em suma preferem viver estados alucinógenos inconsequentes, ou melhor dizendo – Paraísos Artificiais.

    Prado, não faz da produção uma crítica social às drogas, e faz uso delas como intensificadoras de emoções, sejam elas boas ou ruins. Há sequências em que é impossível não ceder a viagem psicotrópica acompanhada da marcante trilha sonora de Rodrigo Coelho. Isso tudo, aliadado à direção de fotografia de Lula Carvalho (Tropa de Elite 2), que é inegavelmente  magistral em seus planos com ótima iluminação.

    Anos após a festa, Nando reencontra Erika em Amsterdã. Já estabelecida como DJ e com um filho, só ela lembra em que circunstâncias os dois realmente se conheceram, e o que resultou daquilo tudo. A despeito disso, acabam se envolvendo novamente.

    As atuações são excelentes. É incrível como os atores realmente se entregaram aos personagens – inclusive em cenas eróticas, extremamente presentes no filme, mas que são tratadas sob um ponto de vista sedutor, prazeroso, e envolvente. É essencial citar também a montagem do longa, que mesmo trabalhando com duas linhas do tempo juntas, flui de maneira a não deixar quem assiste perdido. Esse formato de construção é quase como um jogo de perguntas e respostas, onde a dúvida que surge em uma linha é respondida em seguida pela outra.

    O debut (ficção) magnífico mostra o que hoje é realidade para muitos jovens. Mostra o quão cíclico esse tipo de pensamento que não tem medo do futuro pode ser. Mostra sim, que Paraísos Artificiais, apesar de intensos, são literalmente – artificiais. Um bom drama definitivamente; que foge de ser um outro entre tantos filmes com a temática droga – é mais sobre, culpa, ódio, amizade, e arrependimentos.

    Texto de autoria de Matheus Porto.

  • Crítica | A Hora Mais Escura

    Crítica | A Hora Mais Escura

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    A diretora Kathryn Bigelow parece ter apreciado a temática EUA vs Oriente Médio. Dois anos após faturar 6 estatuetas do Oscar, incluindo Melhor Filme, com Guerra ao Terror, Bigelow retorna com A Hora Mais Escura.

    A película que ilustra a caçada ao mentor dos atentados do 11 de Setembro, Osama Bin Laden (ou UBL, como é referenciado em alguns momento do filme), roteirizada por Mark Boal, já estava sendo escrita quando o anúncio da morte de Bin Laden foi feito, em Maio de 2011. Imediatamente Kathryn e Boal começaram a retrabalhar o roteiro para que o longa fosse condizente com os novos fatos.

    O resultado deste nos apresenta Maya, interpretada por Jessica Chastain, uma jovem analista da CIA que tem seu primeiro contato em campo interrogando prisioneiros da Al Qaeda no oriente médio – in loco.

    Inicialmente intimidada pelas técnicas de interrogatório, Maya possui uma evolução espetacular e brilhantemente interpretada. Anos se passam enquanto a mesma persegue pistas as quais, em boa parte do tempo, só ela acredita que estas devam levar a algum lugar. Jessica Chastain se supera de forma magistral e demonstra a crueza que, catalizada pela obsessão, transforma-se em convicção.

    O roteiro de Boal que trabalha com elipses temporais constantemente faz uso de capítulos para prosseguir com a narrativa. Os capítulos bem explicitados não levam o espectador a perda da noção  de continuidade. Ademais, o roteiro evolui muito bem quase sempre com, pelo menos, uma tensão martelando sua mente. A segurança dos envolvidos nunca é certa, e o transpasse dessa sensação é fortalecido por ótimas atuações do elenco. Destaque para Jason Clarke, Kyle Chandler e Jennifer Ehle.

    A direção de fotografia de Greig Fraser (Deixe-me Entrar) é eficiente e dinâmica, trabalhando com cenários diversos. Há, de fato, uma identidade visual bem trabalhada. Desplat (Árvore da Vida) toma as rédeas da trilha sonora que, ainda que extremamente mais notável quando escutada à parte, cumpre sua função narrativa.

    A Hora Mais Escura culmina em uma captura curiosa e bem conduzida. A cineasta coordena toda esta apreensão de forma precisa e sensata, sem jamais perder a linha. A Hora Mais Escura explora, ainda que uma versão duvidosa, o trabalho descomunal e personificado de uma nação para capturar o maior de seus inimigos. Bigelow, por mim você volta a esta temática o quanto quiser.

    Texto de autoria de Matheus Porto.

  • Crítica | O Reino Gelado

    Crítica | O Reino Gelado

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    Animação baseada num conto de fadas escrito por Hans Christian Andersen, dinamarquês autor de estórias clássicas: O patinho feio, A menina dos fósforos, O soldadinho de chumbo e A roupa nova do Imperador. Apesar de não tão conhecido quanto os demais, ao menos aqui no Brasil, “A rainha da neve” já ganhou várias adaptações cinematográficas. A propósito, a Disney pretende lançar sua versão, chamada Frozen, em novembro de 2013.

    Como em tantas outras adaptações, apenas o “esqueleto” da estória foi mantido, assim como os personagens centrais – com exceção de Omp, o troll, que no conto original é o próprio demônio. Mas não seguir o conto à risca não é um problema, desde que o filme se sustente sozinho. No caso deste, os roteiristas deram um banho de modernidade em toda a estória, transformando um conto de sete atos, repletos de discussões éticas e morais, num quase thriller de fantasia. Para desfrutar, basta esquecer a estória original, encarar o roteiro como uma nova ideia e embarcar na aventura.

    O roteiro tem algumas falhas mas nada que comprometa a compreensão da estória. Sobre os personagens há pouco a dizer, pois são os esterótipos básicos de contos de fadas: o casal de órfãos – a menina valente e o menino sonhador; a rainha má – com direito a um espelho conselheiro; o ajudante da vilã – sempre um pouco atrapalhado e que acaba se revelando como sendo “do bem”; as pessoas diversas que Gerda conhece durante sua jornada – a dona da estufa, o rei e seus filhos, o grupo de piratas, a feiticeira boa; e, certamente, não poderia faltar um animalzinho – Luta, um furão – para garantir o nível de fofura necessário.

    É nitidamente um filme para crianças. Os adultos acostumados ao estilo Pixar de roteiros de animação certamente sentirão falta daquelas sacadas “for adults only”. O tom é menos de comédia e mais de fábula. Mas isso não deixa o filme menos interessante de se assistir. A qualidade da animação é muito boa, levando em consideração que não se trata de um grande estúdio. A sequência de abertura captura a atenção do espectador de forma bastante eficiente. As cenas de ação, exceto pelo exagero no uso de slow motion, são convincentes e bem empolgantes. Pode perfeitamente ser assistido em 2D, pois o 3D pouco ou quase nada acrescenta à experiência de assistir ao filme.

    É um filme mediano, a maioria de seus aspectos está na média, alguns um pouco abaixo. Não há nada que se destaque do todo, nada que faça o espectador dizer “Ah, a estória é comum, mas tal coisa é sensacional!”. Enfim, “não é assim uma Brastemp” mas cumpre bem sua função de passatempo, certamente agradando crianças e pré-adolescentes.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.