Em 2002, no lançamento de 007 – Um Novo Dia Para Morrer a franquia do agente secreto tentava, sem muito sucesso, mudar de estilo. Havia uma tentativa de alinhar sua história aos dias de hoje, colocando em xeque a função do próprio James Bond em um mundo não mais polarizado. O último filme com Pierce Brosnan fez sucesso, mas trazia a tona um exagero nas cenas de ação, escondendo o roteiro fraco. Aos poucos, o futuro de James Bond nos cinemas foi sendo questionado. A composição de suas produções atingiram uma crise criativa que gerou o adiamento de um novo filme e, logo após, a liberação de Brosnan como o agente do MI6. Em parte, porque, finalmente, produtores haviam adquirido os direitos para filmar Cassino Royale, primeiro livro escrito por Ian Flemming, filmado para a televisão em 1954 e como sátira em 1977 no filme com Peter Sellers e Ursula Andress.
Apresentar o começo da história de James Bond necessitaria de um novo ator e também rever a estética ao realizar uma produção que tanto fosse fiel ao original, quando refletisse uma maneira nova de apresentar a personagem. Aproveitando o sucesso de Identidade Bourne com sua ação realista, trouxeram as telas um agente mais cru e brutal em Cassino Royale.
Dirigido pelo mesmo Martin Campbell que trouxe a franquia de volta em 1995, com Brosnan, em 007 Contra GoldenEye, a produção é uma estupenda construção cinematográfica, equilibrada entre a tradição e o novo. Concebendo com cuidado uma espécie de origem da personagem, sem perder o charme tão característico de vinte filmes anteriores.
Mesmo situada no começo de sua carreira, a trama se desenvolve no presente atual, distorcendo a cronologia para um melhor resultado. O filme inicia-se em preto e branco, reverenciando produções antigas e marcando a idade da personagem, com um Bond prestes a matar um traidor, logo após adquirir sua licença para matar. Novo no cargo, é um agente mais violento, sem o esnobismo futuro e próximo aos tempos de hoje que procuram heróis imperfeitos.
O filme costura bem as cenas de ação e a trama intricada de investigação. A ação bem executada por Campbell produz uma tensão real no público, principalmente por usar o mínimo de efeitos digitais. O roteiro bem realizado permite plena compreensão da investigação que culmina no jogo de cartas no local do título.
Nunca houve tanta tensão em um jogo de Poker. A história de Le Chifre, que tem como único elemento bizarro chorar lágrimas de sangue por um problema lacrimal, é conduzida com excelência. Faz do jogo um espaço a mais para o suspense que cresce em confronto com Bond, que nunca se mantém incógnita, sendo uma constante ameaça.
A personagem desenvolvida por Craig é o James Bond mais físico até então. Mesmo trajando o impecável terno, não há momento ruim para perseguir assassinos por telhados ou em uma corrida frenética com o famoso Aston Martin. Além da iconoclastia da personagem que não se importa com o tipo de bebida que toma, desde que fique levemente embriagado. Zombando de suas características desenvolvidas anteriormente.
O mérito desta produção é recolocar a personagem de novo no radar em uma roupagem que respeita tanto a tradição como agrega novos fãs da franquia. Ao retomar a única obra de Flemming não adaptada, um novo Bond surgiu, ainda com classe e mais próximo aos dias de hoje. Reintroduzindo o famoso agente de uma maneira única ao cinema.
Gran Torino foi o último filme de Clint Eastwood em que ele apareceu como ator e parecia, antes do anúncio de Curvas da Vida, que seria efetivamente seu último trabalho de atuação. Ao abandonar o posto de protagonista de suas próprias histórias, Eastwood construiu um filme que fala justamente de legado e tradição.
No entanto, a tradição aqui vai além do ritual vazio ou da admiração desinteressada pelas coisas “antigas”. Tradição em Gran Torino passa pelo respeito profundo às origens e à identidade.
Walt Kowalski é um homem de origem polonesa que acaba de perder a mulher e vive distante dos filhos em um bairro tomado por imigrantes asiáticos. Kowalski é nacionalista e conservador e olha com desconfiança tanto para a nova população da vizinhança quanto para os filhos que compram carros japoneses e para a neta com piercing no umbigo.
Por uma série de eventos, incluindo uma tentativa de roubo de seu Gran Torino, Kowalski se aproxima da família vizinha e acaba descobrindo que os imigrantes compartilham suas opiniões e sentimentos muito mais que a própria família. É quando vê o respeito e o cuidado com que as tradições são respeitadas que ele começa a desenvolver carinho pelos dois jovens da casa ao lado.
A tradição enquanto algo que deve ser cuidado e respeitado é representada no próprio carro: esse Gran Torino não tem valor apenas por ser um carro de 1972, mas por ser um carro bem cuidado de 1972. A neta de Kowalski deseja o carro porque é legal ter algo “vintage”, a gangue local como uma forma de status, mas é Thao que herda o carro: apesar de não ter laços de sangue com Walt, é ele que entende o valor depositado ali.
Se, por um lado, Eastwood defende a preservação e o respeito às tradições, por outro ele crítica o ritual que se torna vazio. Em Gran Torino a igreja aparece como um padre que mal chegou na idade adulta e não entende nada da vida; a instituição em si perdeu o sentido e continuar indo à missa ou se confessando se torna um teatro patético.
Eastwood dialoga com sua própria imagem: seu personagem é construído em cima das expectativas e dos clichês que se acumularam nele, tanto pelos papéis no cinema quanto por sua posição de republicano. A cena final do personagem lembra a figura imponente dos filmes de Leone, o cowboy decadente de Os Imperdoáveis e o tipo de homem que ele encarnou tantas vezes em vários de seus filmes.
A fotografia é toda lavada, como uma polaroid, e a direção de arte enfatiza a decadência do bairro. Gran Torino é um filme sobre tradição, mas reconhece em sua própria forma que algumas coisas estão ficando para trás.
É um filme sobre fazer as coisas de uma certa maneira, sobre o valor que reside na permanência. É também um filme sobre legado: como e por que essa tradição tem que continuar, já que muitas vezes os laços que pareceriam óbvios não são aqueles que a sustentarão.
Em Gran Torino, Clint Eastwood se volta sobre sua própria imagem e sobre tudo aquilo que dizem dele, e parece reafirmar e de certa forma justificar aquilo em que acredita. É um dos filmes mais otimistas do diretor e talvez aquele em que ator, diretor e personagem melhor se articulam.
Quando se ouve o nome de Ben Affleck, muitas torções de nariz e desconfiança são dadas. Affleck não construiu sua carreira de maneira tão promissora enquanto ator, porém vem se destacando na direção. Argo é a prova viva da maturidade de Affleck no ramo cinematográfico, evidenciando que merece mais respeito e reconhecimento do que lhe dão de fato.
Baseado em fatos reais, Argo se passa no contexto do auge da tensão entre EUA e Irã, no final dos anos 70 e início dos 80. Àquele tempo, os EUA haviam dado asilo político ao Xá Reza Pahlevi enquanto fundamentalistas iranianos invadiram a embaixada americana em Teerã, requerendo a extradição do mesmo. Porém, seis funcionários da embaixada conseguiram fugir e se esconder dentro da casa do embaixador canadense. Tony Mendez (Ben Affleck), agente da CIA especialista em “exfiltração”, desenvolve um improvável plano criando um falso longa-metragem de ficção científica canadense intitulado “Argo” e usando-o como desculpa para adentrar o país e retirar os fugitivos a salvo.
A primeira coisa a se dizer do filme é que a clássica exaltação do heroísmo norte-americano está, sim, presente. Porém, Affleck tem o cuidado de iniciar a história explicando o contexto da época e mostrando a motivação do povo iraniano em suas manifestações. O que se segue dali em diante é a criação meticulosa de uma tensão sincera e real – tendo em vista que vivenciada pelos fugitivos em 1980 -, porém aos olhos da plateia, que acaba participando emocionalmente daqueles fatos (mesmo aqueles que já sabem do final da história). Affleck desenvolve o filme com uma direção muito segura e extremamente satisfatória, demonstrando que sua carreira como diretor só tem a se desenvolver.
Em alguns momentos, o filme se diverte com as auto-referências a Hollywood, mostrando personalidades e vícios dos bastidores da indústria cinematográfica. John Chambers (famoso maquiador que venceu o Oscar por Planeta dos Macacos, interpretado por John Goodman aqui) e Lester Siegel (Alan Arkin) representam esses momentos do filme, que funcionam como alívio cômico no desenrolar do longa. Apesar de não serem tão expressivos assim para o desenrolar da tensa trama, não depreciam a obra final – principalmente ao considerar que os dois atores esbanjam conforto em seus papéis e o fazem muito bem. A atuação de Affleck é relativamente inexpressiva, mas coerente no papel de um agente da CIA, cujo emprego é lidar com tensão e com a vida de outras pessoas enquanto se está correndo risco da própria.
Soma-se às qualidades do filme a fotografia, adequada à época retratada, e a trilha sonora, discreta porém intensa. A qualidade técnica de Argo como um todo é muitíssimo bem trabalhada e todo esse rigor merece ser reconhecido.
Apenas em 1997 o ex-presidente americano Bill Clinton permitiu a publicidade deste caso, cujos detalhes eram confidenciais até então. Hoje temos o privilégio de ver essa história sendo contada nos cinemas e, felizmente, por um diretor tão competente quanto Ben Affleck.
Contato (1997) é a adaptação, dirigido por Robert Zemeckis, do livro homônimo de Carl Sagan. É uma obra de ficção científica e um bom exemplo de uma grande produção, que tem mais a dizer que apenas um belo espetáculo visual.
O filme nos conta a história de Ellie (Jodie Foster), uma pesquisadora de física astronômica que desde a infância, incentivada por seu pai, nutre um fascínio pelo cosmo e, depois de formada com louvores no MIT, declina o convite para ocupar uma cadeira no corpo docente de Harvard para trabalhar com rádio astronomia em um projeto de busca por inteligência extra terrestre (SETI) em Porto Rico e depois consegue financiamento para assumir o Very Large Array (VLA), no Novo México.
Contato brinca em vários momentos com essa mistura de ficção e realidade, com observatórios reais e discursos reais do presidente dos EUA, Bill Clinton, colocados no contexto do filme (ele não atuou, foram usadas imagens pré existentes), além de âncoras reais da CNN, – esses sim trabalhando para o filme. Zemecks usaria esses mesmo recursos novamente em Forrest Gump. Em Contato, temos uma aproximação maior daquelas situações que são exploradas no filme e que, dados os fatos, seriam de certa forma plausíveis caso viessem a acontecer.
Antes de mais nada, o filme é um espetáculo visual, apesar de não ser apenas isso. Com um início belíssimo, de uma tomada como se a câmera estivesse na estação espacial, o filme inicia se afastando da terra, do sistema solar, da via láctea e da galáxia. Belas representações, tanto do céu, quanto de galáxias inteiras são abusadas no filme, o que me lembrou dos melhores momentos da série Cosmos, do próprio Carl Sagan, porém aqui com um orçamento muito maior e, por consequência, muito mais trabalhado esteticamente.
Além de tudo isso, Contato é um filme corajoso pelos temas que aborda. A começar por sua protagonista, uma cientista brilhante, que é a grande responsável por uma das maiores descobertas da humanidade e que se vê em conflito em diversos momentos pelo fato de ser uma mulher enfrentando o mundo machista da própria ciência e também por seus posicionamentos políticos e religiosos. Além da própria Jodie Foster contribuir muito com a credibilidade passada para o papel.
É corajoso também por seus temas e suas críticas, muito delas herdadas de toda a obra de Carl Sagan. Para entender um pouco melhor essa crítica, busco falar um pouco do plot, que segue com Ellie e seu projeto SETI, o qual está prestes a perder o apoio do governo. É quando eles encontram um sinal de rádio, que não parece ser um alarme falso. Não é um pulsar, uma interferência ou estática, mas sim uma inteligência tentando estabelecer contato, tentando passar uma mensagem. Primeiramente só são detectados alguns números inicias da mensagem, números primos, que segundo Ellie seriam a prova de uma inteligência alien e não algo da natureza.
Ellie, enquanto cientista, começou a espalhar a palavra mundo afora, já o governo, através do departamento de defesa americano, começou a sentir a necessidade de manter aquilo em sigilo. E instaurou a ameaça de militarizar suas pesquisas, mesmo sendo uma atividade civil.
O que eles descobrem, além dos números primos, é que os aliens estavam mandando a primeira transmissão televisiva que a humanidade enviou pelo ar, que foi o discurso de abertura das olimpíadas de 1936, na Alemanha, por Hitler. Neste ponto temos mais uma crítica a nossa sociedade como um todo. Hitler é um produto da nossa sociedade, onde qualquer ser pensante não se orgulha de compartilhar a mesma estrutura de cromossomos que ele, portanto, uma crítica a nossas atitudes como seres humanos, que por mais que superemos tal situação ruim, por mais que uma ideia seja derrotada, ela deixará eternamente uma marca, um risco na nossa história.
Seguindo, havia ainda uma terceira camada de informações, essa sim que mudaria o rumo da humanidade: Um conjunto de dados, criptografados, que estabeleciam um padrão, mas ninguém conseguia encontrá-lo. A partir disso o filme tenta traduzir no momento Eureka de Ellie o sentimento da descoberta científica. De algo que estava ali o tempo todo e que era tão simples. Só era necessário um passo a mais de compreensão, um olhar distorcido para que o avanço fosse possível.
A partir desse momento, descobre-se que esses dados eram projetos, plantas, de uma máquina da qual ninguém sabe o real objetivo. Apenas decidem construí-la, afinal, era possível, – mais um dos momentos de exaltação da ciência. Daqui pra frente, se continuar estragarei a experiência com o filme. O que posso dizer, é que há o envolvimento amoroso de Ellie com Palmer Joss (Matthew McConaughey), que também levará a questionamentos sobre fé e Deus, e como isso pode “justificar injustiças”, além do personagem David Drumlin (Tom Skerritt), que é uma espécie de antagonista da história, um homem sem muitos escrúpulos para atingir seus objetivos, numa representação clara da ambição e suas consequências.
Fato é que o filme, tem seus furos de roteiro e seus clichês. Algumas situações são resolvidas rápidas demais e outras fogem um pouco do da lógica do restante do filme, como o fato de Palmer Joss ser um assessor da presidência americana para assuntos sobre religião, sendo apenas um escritor de livros que criticam a tecnologia e ciência que nos levam a uma sociedade mecanicista.
Esses furos, porém, são muito pequenos e não atrapalham o que deve ser observado como foco principal, que são todas as críticas sociais que Contato trás consigo. Sua crítica a religião e a fé cega, juntamente com a política e os modos com que a política se conduz ou deseja conduzir a sociedade, dando crédito a grupos extremos calcados apenas em fé e descreditando aqueles baseados em pesquisa, ciência, em busca da verdade. Apenas pelo fato de que o grupo que crê, constitui uma maioria. Se voltarmos rapidamente à Hitler, este também, em dado momento foi apoiado por uma maioria.
Contato, além de sua crítica, é um filme que exalta a ciência, o pensamento cientifico, o ceticismo e a busca pela verdade. E acima de tudo trata-se de uma homenagem a Carl Sagan, com billions and billions de suas citações adaptadas nas frases ou às situações dos personagens. Sagan, que apesar de não ter um trabalho científico tão notável, foi importantíssimo para toda uma geração, influenciada por seu trabalho de divulgação científica, não só no aspecto técnico e acadêmico – até por ter sido alguém que fugia dos padrões da academia. Mas também pelo incentivo a criatividade e seu modo de enxergar a nossa sociedade.
A comédia romântica não é um gênero conhecido pela imprevisibilidade ou pelas inovações: o roteiro segue uma espécie de fórmula e é preciso fazer um filme simpático e divertido, mas todos os espectadores sabem que um casal se conhece, se desentende e fica junto no final. Sendo assim, o sucesso desses filmes se baseia no carisma e na química dos protagonistas, e também na parcela de “comédia” que torna agradável todo o caminho até um final já esperado.
Ruby Sparks acerta exatamente em fazer um filme que trabalha muito bem a maior parte dos clichês do gênero, mas ainda assim inova o suficiente para se destacar do mar de filmes bonitinhos existentes.
O roteiro escrito por Zoe Kazan (que também é a protagonista-título e neta do lendário diretor Elia Kazan) se foca em Calvin, um escritor prodígio que, dez anos depois do sucesso de seu romance de estreia, está em crise e com bloqueio criativo. Calvin não tem mais amigos e não interage com ninguém exceto seu irmão e psicanalista, até que um dia a protagonista do romance que ele afinal começou a escrever se materializa em sua cozinha e afirma ser sua namorada.
Aqui está a maior originalidade do filme: Ruby Sparks não acaba quando os protagonistas finalmente ficam juntos. Ele começa aí, e sua trama não é composta das desventuras enfrentadas até que um descubra o amor do outro, mas justamente das dificuldades em se manter um relacionamento depois que o primeiro momento já passou. Ruby surgiu na mente de Calvin, logo, ela é a namorada perfeita, sua garota dos sonhos; mas, conforme ela vai vivendo no mundo real, sua personalidade ganha nuances. O que a torna encantadora também a faz inconstante, e a maior questão de Calvin vai ser aprender a lidar com algo que escapa completamente ao seu controle, mas que ele também não quer viver sem.
Kazan acerta na construção de seus personagens: ambos são multi-dimensionais, parecidos com pessoas de verdade e parecem fazer sentido juntos. Mas, mais do que isso, Ruby é uma espécie de crítica ao estereótipo da menina problemática-mas-espontânea-e-adorável que vem proliferando nos últimos tempos. Sim, ela é adorável e também irritante, divertidamente espontânea, mas capaz de acabar de lingerie na piscina de uma festa cheia de gente importante. A visão da roteirista sobre essa legião de meninas “desajustadamente perfeitas” parece estar expressa em uma fala do irmão de Calvin: “Mulheres esquisitas e bagunçadas, cujos problemas apenas as tornam mais adoráveis, não são reais.” E é justamente esse abismo entre a ideia na cabeça de Calvin e a menina de verdade à sua frente o assunto do filme.
Ruby Sparks não açucara excessivamente seu tema: em alguns momentos a relação de Ruby e Calvin beira o doentio, e o final do filme traz uma cena bastante violenta. Ainda assim, o clima geral é alegre, romântico e otimista. Kazan e os diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris (responsáveis por Pequena Miss Sunshine) conseguem resgatar um gênero que definhava visivelmente e inserir inteligência e reflexões válidas, sem perder o charme das comédias românticas tradicionais. Não é uma obra-prima do cinema, mas é um filme inteligente, divertido e a melhor comédia romântica em muito tempo.
Steven Soderbergh tem utilizado a crise econômica dos EUA para abordar algumas de suas histórias, e dessa vez não é diferente. Assim como abordado anteriormente em Confissões de uma Garota de Programa, Soderbergh utiliza o submundo de um dos ramos do entretenimento adulto para sua análise da recessão econômica. Magic Mike transita por esse universo de maneira débil e nada subversivo, como poderia ter sido.
Assim como em 2009, onde Soderbergh traz Sasha Grey, famosa atriz de filmes pornôs para ambientar sua história, agora em 2012 o diretor utiliza a mesma ideia, já que o protagonista do longa-metragem é Channing Tatum, ator em evidência no momento, mas que já teve de trabalhar como um stripper. Ambos os filmes acabam sendo, de certa forma, experiências reais desses atores, seja Grey ou Tatum.
Na trama, acompanhamos a vida de Mike (Tatum), um sujeito perto dos seus trinta anos, que ganha a vida consertando telhados durante o dia, e a noite é uma das atrações de uma casa de stripper dirigida por Dallas (Matthew McConaughey). Em um de seus dias de trabalho como consertador de telhados ele conhece Adam (Alex Pettyfer), um jovem sem perspectivas que abandonou a faculdade e vive de favores com sua irmã enfermeira, Brooke (Cody Horn). Adam acaba descobrindo o trabalho noturno de Mike e logo ganha um lugar no show.
O roteiro de Reid Carolin acerta em alguns momentos e erra em muitos. O filme segue uma estrutura digna de comédia romântica, diálogos terríveis e uma trama que se move do ponto A ao B sem nenhuma reviravolta e com uma previsibilidade que não deveria ser o caso de um material como esse. No entanto, no meio de soluções previsíveis, bobas e mal elaborados, o longa por nenhum momento soa enfadonho.
No meio de personagens estereotipados, Channing Tatum revela uma maturidade interpretativa, principalmente quando está distante do seu trabalho como stripper, mantendo o controle do seu personagem sem se tornar um clichê. McConaughey também merece destaque entre o elenco, entregando um personagem egocêntrico, desconfiado e extremamente intenso em sua interpretação, muito longe de seus papéis nas dezenas de comédias românticas que tem feito, sendo provavelmente o ponto alto do longa metragem. O restante do elenco é bastante inexpressivo, beirando atuações sofríveis.
A direção de Soderbergh utiliza uma montagem preguiçosa, intercalando sequências de atores em shows, dignas de videoclipes sem nenhuma originalidade, para cenas que não vão a lugar algum. Se mantendo dessa forma até o seu aguardado fim.
O tema ousado de Magic Mike é extremamente mal aproveitado, e fica mais difícil de defendê-lo depois de obras como Boogie Nights, de Paul Thomas Anderson, por exemplo. Se isso ainda não fosse o bastante, o discurso do diretor sobre a recessão fica cada vez mais moralista e conservador à medida que o filme avança, o que não deixa de ser frustrante para alguém como o Soderbergh.
A destruição como o fim em potencial sempre causa certa comoção. Seja pelo lado sensível, por uma liberdade anárquica ou o alívio de um fardo. Como nossa civilização ainda não chegou a um fim, o exercício especulativo está sempre presente em diferentes artes que sempre dão vazão ao sentimento de finitude das personagem acomodando-as em padrões. Alguns se sentindo confortáveis em realizar os trabalhos até o último minuto, outros que compreendem o fim como um espaço para mudar tudo, e seguem as variáveis.
Em Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo um meteoro colidirá com a Terra. Todas as tentativas de salvar o planeta falharam e resta apenas se conformar. Dodge é um homem solitário que representa bem sua tristeza pelo semblante. Foi largado pela mulher após o aviso do armaggedon e vive com a sensação de morrer sozinho sem ninguém para uma última despedida.
Não há nenhum motivo evidente para que a trama utilize o argumento do fim, exceto por tentar trazer um contorno diferenciado a esta produção. Como até mesmo um estilo alternativo de narrativa se transformou em fórmula na indústria cinematográfica, a maneira que a diretora Lorene Scafaria encontrou para sua história de amor foi configura-la em um espaço finito de tempo. Elemento fatalista não muito inédito e presente, só para citarmos um exemplo bobo, em diversos romances do escritor Nicholas Sparks (todos devem se lembrar da açucarada história de Amor Para Recordar).
No meio de seu desolamento, Dodge encontra-se com Linda, outra personagem deslocada dentro de seu mundo e que vê no fim uma oportunidade, mesmo que limitada, de recomeçar. Juntos começam uma jornada atravessando o pais para, respectivamente, procurar um grande amor e reencontrar a família. Evidente que os caminhos se transformarão em um laço amoroso.
A necessidade de sempre se promover uma história de amor retira da trama um possível potencial positivo de apenas situar duas personagens solitários no contexto apocalíptico sem a necessidade de uma relação. Mas movidos apenas pela vontade de não permanecerem solitárias no final, com o toque de melancolia necessário.
Curiosamente, o cineasta Lars Von Trier também realizou um exercício de destruição final em Melancolia, gerando até mesmo comparações entre sua produção e este filme. Porém, colocado de maneira tão desimportante a trama não funciona nem para gerar reflexão, se tornando mais uma história de amor que tem um leve valor pela competência de Steve Carell em fazer um perdedor, personagem que, alias, foi bem melhor executada pelo ator em Pequena Miss Sunshine.
Oficialmente interpretado por seis atores, James Bond mantém-se durante décadas a serviço da Inglaterra, assistindo à derrocada de grandes nações e a crises e revoluções em escala global. Criado há cinquenta anos, parte de sua força como personagem vem da capacidade de compreender o mundo que o cerca, sincronizando e refletindo o contexto global em cada uma de suas histórias. Sendo atemporal.
Foi preciso que seus produtores retornassem à história primordial de Bond para alinhá-lo ao arquétipo do herói atual: sem vestígios de inocência, com capacidade física apurada e um escopo psicológico que aprofunda a conduta de suas ações. Neste vigésimo terceiro filme da franquia de 007, a mítica deste regresso é destruída para um retorno ainda mais profundo.
Dirigido por Sam Mendes, a narrativa tem ingredientes bem diferentes daqueles vistos em Cassino Royale. A ação frenética cede espaço para uma história linear de espionagem. O vilão perde o tradicional bizarro físico para se tornar um cidadão normal, camuflado na multidão. A antítese plana entre bem e mal se rompe e, com isso, a história se concentra no próprio James Bond e na sua relação com o MI6 e com a mentora M.
A queda da personagem, que é tida como morta, é o ponto de início para evidenciar a figura do defensor e da importância de se manter a ordem em um mundo caótico, não mais polarizado pela eficiência de bem ou mal. A trama se desenvolve de maneira dupla em muitas camadas: explora o avanço tecnológico tanto como progresso quanto como uma arma, equipara o novo e o velho, elevando a premissa de que, sem um elemento negativo, não existira o positivo em contraste.
É uma produção que vai além da personagem autorizada para matar. Deixando as grandiosas cenas de ação de lado, Mendes demonstra competência em criar tensão e silêncio pelos diálogos, no embate entre a figura que deseja destruir aquilo em que o agente secreto acredita. Esqueçam qualquer plano de destruição mundial ou um monólogo que explica o que acontecerá para a reviravolta. Admirando seu passado, a história se molda com nossa atualidade, que almeja por deter significados para compreender o mundo. Justifica a importância da ordem, a origem do caos, a necessidade de saber quem se é, meneado pelo embate do famoso agente e do vilão.
O vilão de Javier Bardem é um caso à parte. O ator pediu para que todo o roteiro fosse traduzido para o espanhol para que compreendesse suas motivações e psicologia. Mergulhado em uma personalidade afetada, que esconde um interior destruído, ele se transforma em um dos vilões mais carismáticos da franquia, sendo bizarro e assustador pela estranheza de alguém que não tem nada a perder.
A direção de Mendes mantém a trama sem perder as rédeas. O escopo reflexivo se projeta no público, não no argumento que fundamenta este embate. Suas tomadas são precisas e mostram apenas o necessário, sem deixar de lado o elemento artístico, valendo-se de sombras, luzes e reflexos para gerar atmosfera. A cena de luta entre Bond e um atirador no interior de um prédio em Xangai com um letreiro luminoso de fundo é um destes exemplos de eficiência e beleza, além do desenlace da trama, que ecoa nos duelos de tradição western.
007 – Operação Skyfall consegue, na queda e no retorno às origens, alinhar a personagem por inteiro, fazendo-a clássica sem se tornar anacrônica. A personagem que, mesmo seduzindo mulheres e preferindo o Martini batido, nunca foge de tempo, seja ele qual for.
Minha experiência cinematográfica vai desde filmes paspalhões como Loucademia de Polícia até filmes primorosos como Casablanca. Já assisti muito filme ruim, e não acho perda de tempo… me divirto muito até. O problema para mim é quando um filme ruim vira uma franquia de 4 filmes ou mais. É o caso da franquia Atividade Paranormal.
Inspirando-se no sucesso de baixo orçamento A Bruxa de Blair, o primeiro Atividade Paranormal foi até bacana. Um susto aqui, um ali, e o uso da câmera até que compensava. Compensou muito para Oren Peli, roteirista e diretor que gastou 11 mil e ganhou milhões. Veio o Atividade Paranormal 2 e o negócio começou a degringolar… Enredo fraco, soluções que assumem o expectador como um semi-idiota, sustos nem tão bons assim…
O Atividade Paranormal 3 deu uma pequena revigorada na franquia, com Henry Joost e Ariel Schulman (diretores de Catfish). Com a boa recepção do filme 3, os diretores se repetem no quarto filme.
Atividade Paranormal 4 pega o gancho do filme número 2 da franquia. Não só o gancho aparentemente. Os pontos fracos também.
O novo filme da franquia mostra a teenager Alex (Kathryn Newton), que é como todos os adolescentes atuais: meio rebelde, viciada em internet, facebook, chat roulette e afins. Mora em uma casa confortável com os pais e um irmão mais novo Wyatt (Aiden Lovekamp). Também tem um peguete/namorado chamado Ben (Matt Shivley) igualmente adolescente, viciado em internet… enfim, neste filme os personagens não precisam ser detalhados, já que o único propósito dele é dar sustinhos.
Uma vizinha desta adolescente adoece e deixa o filho pequeno, Robbie (Brady Allen), com a família de Alex. Acontece que o garoto introvertido tem uma ligação com os personagens remanescentes do filme 2 (Katie, interpretada por Katie Featherston e Hunter interpretado por William Juan Prieto, respectivamente a tia maluca/endemoniada da maldição e o sobrinho raptado no segundo filme). Coisas estranhas começam a acontecer por conta da presença do garotinho, o que leva Alex a gravar tudo através de celular, webcam e etc. As ações de merchandising neste filme são gritantes e acharam uso até para um Kinect, com função de assustar os espectadores.
Daí é o mesmo de sempre… movimentos bruscos, sombras, barulhos, levitação. Alguns sustos inesperados e numerosos esperados. Atuações sofríveis, mas agora com o recurso do “falso documentário” desgastado pelos 3 filmes anteriores e outros filmes fora da franquia.
O final é aberto, o que possibilita um filme 5, 6, 7… até onde o orçamento (geralmente baixo) empatar ou perder para a bilheteria.
Tem gente que vai curtir. Existe mercado para tudo nesse mundão, mas acho que não compensa pegar carro, pagar estacionamento, pegar fila na bilheteria, pagar ingresso e perder tempo assistindo a uma produção de roteiro horroroso e pretensão de fazer pessoas pularem na cadeira de medo. Quase ninguém pula. Pra mim a pipoca foi mais interessante.
Nada contra a diversão de um filme ruim, um filme B… o que pega é querer ser uma franquia de inúmeros filmes ruins. Isso já é masoquismo, não dos envolvidos no filme (que estão ganhando a graninha esperta), mas dos espectadores que não se cansam de gastar um dinheiro pra levar uns sustinhos.
Acho que terror tem de ser mais que o pulo do gato que está escondido que assusta ou ficar procurando sombra nos cantos da tela. O mal nos filmes de terror são maléficos é com os espectadores, que são cozinhados em banho-maria durante 2 horas e dorme tranquilo quando chega em casa. Aonde estão aqueles filmes que as namoradas ficam com medo de dormir sozinhas? Pois é…
Liam Neeson não é um ator novato. Há mais de 30 anos ele dá vida a personagens em Hollywood e o faz com bastante propriedade, diga-se de passagem. Desde 2000, entretanto, podemos dizer que os holofotes tem se virado muito mais brilhantes para ele. No curriculum, o inglês tem o orgulho de ostentar nomes muito poderosos. Nas telonas, nesses últimos 12 anos, o cara já viveu Qui-Gon Jinn, Ra’s Al Ghul e até o soberano do Olimpo, Zeus.
O papel mais importante de sua carreira recente, entretanto, foi o não tão renomado Bryan Mills, protagonista do filme Busca Implacável (“Taken”, no título original). O fodalhão agente da CIA aposentado foi o personagem central de um filme que chegou bem quietinho aos cinemas mas causou um frisson em sua desesperada busca pela filha, sequestrada por uma rede internacional de prostituição e tráfico humano. Até 2008, ano em que o filme foi lançado, Neeson nunca havia demonstrado tamanha aptidão para representar um astro de um thriller de ação como fez naquele filme. Foi uma grata surpresa.
Protagonista de uma das frases mais empolgantes do cinema deste século, o ator chegou a ilustrar, também, um meme relativamente espalhado através da comunidade 9gagger do planeta (você talvez não saiba o que é o 9gag, mas certamente já viu alguma pérola de lá traduzida na sua timeline do facebook). A célebre citação figura entre uma das minhas preferidas do cinema dos últimos anos (dos últimos anos!):
“I don’t know who you are. I don’t know what you want. If you are looking for ransom, I can tell you I don’t have money. But what I do have are a very particular set of skills; skills I have acquired over a very long career. Skills that make me a nightmare for people like you. If you let my daughter go now, that’ll be the end of it. I will not look for you, I will not pursue you. But if you don’t, I will look for you, I will find you, and I will kill you.”
O filme foi um sucesso tão grande e inesperado ao redor do mundo, que obviamente não passaria sem uma continuação. Em 2012, chegou as salas de cinemas Busca Implacável 2.
Na sequência do thriller de ação de 2008, Bryan Mills precisa enfrentar o pai de um dos homens que ele executou no primeiro filme e que trama uma vingança contra ele. Em busca de retaliação pela trilha de cadáveres que o ex-agente havia deixado no primeiro filme, o pai de Marko sequestra ele e a esposa. Enfrentando uma grande quantidade dos homens do albanês Murad, Mills precisa evitar que a filha seja também sequestrada e salvar a ex-esposa das garras do inescrupuloso pai colérico.
O personagem de Neeson continua brilhante, sereno e estrategista, três das características que garantiram o sucesso do primeiro filme. Todo o restante do elenco, entretanto, começa mal e decai fortemente no decorrer da trama. A bela Maggie Grace (Emili Warnock no “horrível/terrível/não veja” Sequestro no Espaço) vive novamente a filha de Mills, que foi sequestrada no primeiro filme e que parece ter superado bem o trauma gerado pelos efeitos de seu violento sequestro. Famke Janssen (a Jean Grey da trilogia X-men) interpreta a ex-exposa do agente Mills mas não convence, como não havia convencido na primeira vez que interpretou a personagem.
O ritmo do filme segue mais ou menos a pegada do primeiro, mas desta vez ele demora um pouquinho mais para acelerar. Dividindo um pouco genericamente, eu diria que enquanto Taken demora uns 20% do tempo para acelerar, Taken 2 leva 50% do tempo na tela para ganhar ritmo e tornar-se propriamente um filme de ação. Mesmo quando entramos na parte mais porradeira do filme, ainda, ele perde em adrenalina para a primeira obra, o que prejudica um pouco a avaliação geral do filme.
O roteiro das duas produções é, também, bastante distinto. Enquanto a primeira filmagem ocupa-se unicamente em mostrar o personagem principal em sua “Busca Implacável” (sacou, sacou?!) pela filha, o segundo mostra um Bryan Mills não tão infalível e que envolve, vejam só, a própria filha em sua escapada do cativeiro. Há, sim, alguns momentos muito interessantes que mostram o quanto o agente é um gênio e como consegue reagir inacreditavelmente diante situações de crise, mas a trama se sairia muito melhor com o personagem salvando o dia sozinho novamente.
Existem situações pontuais da trama que mostram uma certa incoerência com a construção do personagem principal feita no primeiro filme, e estas questões fazem deste um filme muito abaixo do primeiro. Isso sem falar das falhas grosseiras como, por exemplo, o agente disparar sua pistola uma quantidade impossível de vezes com o mesmo cartucho de projéteis. Há uma ceninha de luta desarmada no final que também é totalmente desnecessária e fora do comportamento padrão deste que foi um dos personagens originais mais impressionantes que vi nos últimos anos.
A sequência de Busca Implacável só está nas salas hoje graças ao sucesso inesperado do primeiro filme e por isso não acho descabida a óbvia comparação com o primeiro título. Maggie Grace trabalha melhor no primeiro filme, quando é apenas uma vítima dos acontecimentos que precisa ser salva pelo personagem principal. Em alguns momentos da trama, ela chega a trabalhar como uma parceira do pai em sequências que, apesar de serem até bem filmadas pelo diretor Olivier Megaton, desviam-se bastante do que emplacou o sucesso do primeiro filme.
Não é a primeira vez que Megaton (que tem o pseudônimo mais sem sentido que eu já vi na vida, seu nome de batismo é Olivier Fontana) recebe uma continuação forçada pela indústria para dirigir. Ele é o diretor do fraco Carga Explosiva 3, e já deveria ter aprendido a lição. Hollywood precisa aprender a deixar seus sucessos em paz. Infelizmente, ao que tudo indica, a continuação de Busca Implacável virá até as telonas, mas já não posso mais afirmar com tanta certeza que irei conferi-la no cinema.
Ted é um ursinho de pelúcia que encantaria qualquer criança, exceto pelo fato de xingar, ser arrogante e meio louco. Resultante de um daqueles desejos infantis que se tornam realidade nos filmes, Ted definitivamente é um brinquedo de adultos.
Filme de estreia de Seth MacFarlane (criador dos aclamados desenhos adultos Family Guy, Uma família da pesada e American Dad!), Ted trata de John, um menino solitário que ganha um urso e faz um pedido para que ele fale. Seu desejo é atendido e os dois acabam passando para a fase adulta.
O interessante é que o urso falante se torna comparável a uma pessoa. As pessoas de verdade se relacionam com Ted quase como se ele fosse um humano – inclusive, ele é uma ex-celebridade, já que fez muito sucesso na mídia quando “ganhou vida”.
MacFarlane coloca neste filme a linguagem e as características de seus desenhos. Ted é machista, rude, preguiçoso, que vive xingando, bebendo e fumando maconha (Ted tem uma alma meio Charlie Sheen) e é o melhor amigo de John, que compartilha quase todas as características de Ted. O interessante é que o próprio MacFarlane faz a voz de Ted, e com muito brilhantismo.
John (Mark Wahlberg) tem um trabalho entediante em uma empresa de aluguel de carros e namora Lori (Mila Kunis), que, ao contrário de John, é uma mulher bem sucedida que vive sendo assediada pelo próprio chefe e que se incomoda pelo fato de que John está estacionado mentalmente na adolescência. Ela deseja que seu namorado seja mais independente de Ted e que a acompanhe em seus objetivos.
O filme se presta a piadas dos tipos mais variados, ligadas ao relacionamento cômico entre John e Ted. Mark Wahlberg está muito bem no papel de um homem que tem uma adolescência prorrogada por sua relação com Ted, o que é o ponto alto do filme.
Durante o filme há a introdução de uma sub-trama que trata de um fã maníaco de Ted (Giovanni Ribisi), com um filho adolescente obeso (Aedin Mincks), que Ted comicamente trata como Susan Boyle. Pai e filho tentam sequestrar Ted. Esta sub-trama é a parte mais sem graça do filme. Sua existência serve unicamente para criar ação, o que reforça a suspeita de que o roteiro ficou sem ideias, já que o filme tem algumas outras partes pedantes, em que o roteiro perde o ritmo (principalmente nas partes em que mostra a tradicional crise de casal de comédias românticas).
Um grande destaque é o fato de o personagem Ted ser inteiramente desenvolvido em computação gráfica – de forma primorosa, diga-se de passagem. Em entrevistas, MacFarlane falou sobre o processo caro e trabalhoso com que o urso foi digitalmente inserido no filme: “O meu conselho seria usar um fantoche, que teria sido mais barato, mais fácil e mais engraçado”. De certa forma, MacFarlane faz alusão ao filme Um Novo Despertar, não só nesta declaração mas também em algumas passagens do filme, em que John se vê em meio a uma crise de idade e dá vazão às suas angústias através de Ted.
Ted pode ser considerado um filme de piadas, mas as piadas são engraçadas, e os efeitos especiais são tão críveis que até nos esquecemos de que não existem ursos de pelúcia tagarelas e debochados.
Polissia (Polisse), filme francês de 2011, dirigido por Maïwenn Le Besco, roteiro também de Maïwenn em parceria com Emmanuelle Bercot, traz uma série de histórias baseadas na observação da própria diretora, ao departamento de crimes contra a criança, da polícia francesa.
O filme tem um tom documental. Com a câmera sempre na mão e sem uma linha narrativa principal, Polissia alterna entre casos policiais, infelizmente tão comuns – basta ligar qualquer noticiário pinga sangue, para constatar isso. E cenas cotidianas da vida daqueles agentes de polícia, tanto com suas famílias, quanto entre eles próprios.
Um dos grandes méritos do longa é o seu distanciamento daqueles casos escabrosos a que somos apresentados. Uma investigação de abuso sexual infantil, abordada de forma relativamente fria, sem tomar posição, apenas colocando os fatos, deixando com que o espectador forme sua opinião sobre aquilo que vê, apenas pelo fato em si. Sem forçar o tom. Sem um pré julgamento moral sobre quem está certo ou quem está errado. Isso é reforçado, por uma das vitimas de abuso, ao ser informada que o criminoso será preso. Faz uma pergunta simples: mas se ele é doente, porque vai para a cadeia e não para um hospital? Com isso, além de reforçar sua proposta de levantar questões ao público, o filme traz também um novo questionamento: quem realmente precisa ser salvo?
As ações policiais são intercaladas quase sempre com cenas descontraídas das pessoas por trás da farda, seja dançando, contando piadas, ou em algum momento com a família. O objetivo com isso talvez seja mostrar como a exposição àquele tipo de violência, que gera revolta em qualquer pessoa, pode também nos tornar indiferente a ela. Indiferente, não no sentido de estar imune a ela, e não aflorar sentimentos com aquilo que acontece. Pois os policiais sentem, se envolvem. Mas sim, no sentido, de que para conseguir levar as suas próprias vidas adiante. Eles não podem se deixar envolver. Eles precisam esquecer daquilo que faz parte de suas rotinas, caso contrário não conseguirão ter uma vida realmente digna.
Outro ponto a se ressaltar do longa, é quanto ao sentimento de injustiça, dentro da própria força policial. Algo tão importante como é a proteção à criança, muitas vezes é negligenciado, tratado como um departamento de menor importância. Um exemplo é quando precisam de um carro para salvar uma criança, mas este foi cedido para a divisão antidrogas. Ou até mesmo quando um abusador confesso, que tem conexões, contatos, faz pouco caso do seu crime, pois sabe que será absolvido. Isso nos traz um novo questionamento: tal negligência a esse departamento, seria apenas um reflexo da nossa sociedade? Ou também, seria esse pouco caso com os menores, um dos motivos de tanta violência futura? Afinal, sem uma proteção adequada a eles, quais os traumas que eles sofrerão e os impactos disso na sociedade como um todo? Mas novamente, o filme não toma uma posição, cabe a você refletir sobre o assunto. E sobre essa crítica aos valores da nossa sociedade.
Além de seus temas, os personagens são outro ponto muito positivo de Polissia. Todos com uma personalidade desenvolvida, apesar do pouco tempo dedicado a cada um deles individualmente. Méritos para os atores, tanto os infantes quanto os adultos, com ótimas atuações. E méritos também para o roteiro, quase todo baseado em diálogos rápidos, que com pouco dito, conferem grande profundidade sobre os personagens.
Outro ponto a se destacar, é a presença da própria diretora, atuando em Polissia. Ela interpreta uma fotógrafa, que está acompanhando aquele departamento de polícia. A personagem inicialmente tem distanciamento da equipe de policiais e de tudo aquilo que acompanha. Mas com o decorrer do filme, ela não consegue sair ilesa de tudo aquilo, e também acaba por se envolver. Isso claramente serve a dois propósitos, um deles é uma autorreferência de sua observação dos casos na polícia de verdade. E também de levantar como essa violência afeta àquelas pessoas que lidam com isso diariamente, e dizer que não há como não tomar posição sobre isso. Isso no contexto do filme, porém, não me pareceu uma escolha acertada. É uma das personagens menos desenvolvidas na trama, e com um pano de fundo que pouco acrescenta a tudo que é discutido e aos temas do próprio filme. Nada que torne o resultado final ruim, mas é um ponto a ser ressaltado.
Polissia é um ótimo filme, humano, crítico. Tocante por seus temas, e não pela sua forma, que deixa que aquele que assiste desenvolva suas próprias emoções pelo que pensa da situação, e não por apenas exagerar no tom e levar o público para a direção que quer. E tratando ainda de temas tão delicados e de certa forma, revoltantes, como ele trata, é um mérito maior ainda, não cair pelo caminho fácil e barato de conquistar o espectador através do drama exagerado que não se faz necessário.
O diretor espanhol Rodrigo Cortés, do competente Enterrado Vivo, retorna com um elenco forte em seu novo filme, Poder Paranormal, e conduz de maneira débil e pretensiosa o olhar do espectador ao longo da trama.
No roteiro, também de Cortés, temos Tom Buckley (Cillian Murphy) e Margaret Matherson (Sigourney Weaver) como dois cientistas que investigam eventos paranormais. O objetivo de ambos é descobrir fenômenos metafísicos, mas só o que encontram são charlatões. Margaret deposita toda a razão de sua vida em desmascarar supostos psíquicos, porque seu filho vive em um coma irreversível há anos, e o único apoio para que ela não desligue seus aparelhos é encontrar alguma evidência do sobrenatural.
Sob outro ponto de vista, somos apresentados a Simon Silver (Robert de Niro), um vidente cego mundialmente conhecido que reaparece depois de mais de 30 anos fora dos holofotes, após um episódio polêmico envolvendo sua última apresentação. Com esse retorno, Tom fica obcecado em desmascará-lo, mas Margaret é contrária à ideia de investigar Simon.
A estrutura de Poder Paranormal procura reproduzir o momento do “prestige” dos ilusionistas, conduzindo o olhar do público para fora do alcance de onde ocorre o truque, algo já abordado por Christopher Nolan em O Grande Truque, mas parece se render a uma reviravolta típica dos filmes do cineasta indiano M. Night Shyamalan – porém, sem o mesmo talento dele. O que tem início com uma trama promissora e cheia de potencial pouco a pouco se perde em algo extremamente raso e com muito pouco a dizer.
O principal problema do longa são os ares extremamente pretensiosos do diretor em nos levar a crer que estamos diante de algo diferente, mas que no final das contas deixa claro ser apenas mais um produto bobo e risível. Não que a trama não dê sinais do que está por vir: muito pelo contrário, isso fica claro em vários diálogos do personagem de Cillian Murphy. O problema está na forma como algumas reviravoltas são expostas ao longo da trama, que chega ao ponto de se tornar insustentável.
As atuações são extremamente competentes, porém a construção dos personagens é falha. Tom cai nas convenções de protagonista do gênero e não parece saber a que veio; Margaret e Simon ensaiam um embate que, infelizmente, nunca acontece. Mas nem tudo são erros, Cortés soube utilizar a iluminação como parte fundamental da narrativa, bem como a edição do filme, com cortes precisos que colaboram para a apresentação do truque que está sendo criado.
Cortés propõe um diálogo entre ciência e fé, mas não oferece argumentos sólidos para nenhum dos dois lados, impossibilitando qualquer possibilidade de debate. Apesar de tudo, Poder Paranormal traz uma atmosfera interessante e um enredo promissor. Uma pena se perder na metade final do filme em um crescendo de frustrações para um final inverossímil.
“Nós precisamos de um corte de cabelo”, diz Eric Packer (interpretado por Robert Pattinson), um multimilionário de 28 anos, antes de entrar em sua limusine particular e altamente tecnológica. Um presidente está na cidade, um rapper morreu e anarquistas estão realizando manifestações nas ruas. Packer insiste em querer cortar o cabelo. Esse é o cenário que temos ao longo de toda a extensão de Cosmopolis.
Packer é a clara personificação do poder do dinheiro. Investe todo o seu dinheiro contra o crescimento da moeda chinesa – com o objetivo de inverter a sua valorização -, insiste em querer comprar uma capela e os quadros que estão dentro (mesmo quando não está à venda) e não se importa com o fato de um presidente estar na cidade. Está acima da política, da religião e de todo o resto. O interior altamente tecnológico de sua limusine serve como uma casca para o mundo exterior.
A contraposição à figura de poder de Packer vem com sua mulher Elise (Sarah Gadon) – com a qual acabou de casar e que é dona de uma enorme riqueza -, que não quer ter relações sexuais com ele. Em um ponto do filme, Elise diz não querer transar com seu marido porque sentiria dor. Não conseguiria fazer o sexo ser impessoal para ela. O dinheiro compra sexo – e Packer de fato tem relações sexuais com várias mulheres durante o filme -, mas não poderia comprar o sexo de sua esposa, que não o ama.
Aqui vemos uma clara crítica ao capitalismo, que reage contra o movimento natural e linear da história e contra sua queda, ignorando completamente as reações e reagindo contra a teoria marxista de ascensão/queda dos sistemas de produção. Visualmente esta crítica fica muito bem apresentada nas cenas em que Packer permanece calmo e indiferente dentro de sua limusine, enquanto o caos e a anarquia se encontram do lado de fora. Por outro lado, narrativamente, a crítica é fraca e se perde em diálogos que falam muito e dizem pouco.
A genialidade da direção de David Cronenberg é muito evidente no filme. Por mais de 70% do filme estamos junto de Packer dentro de sua limusine, mas em nenhum momento temos a impressão de que as cenas estão se repetindo. A escolha do elenco foi também um acerto. Considerando a fama dúbia que Robert Pattinson possui devido à sua carreira, ninguém melhor do que ele para representar o tão amado, mas ao mesmo tempo tão odiado, dinheiro. Pattinson foge de seu estereótipo vampiresco sentimental e dá lugar a um milionário excêntrico e de reações frias. Atinge seu ápice contracenando com Paul Giamatti, que rouba a cena com sua excelente atuação, nos últimos 15 minutos de filme, no melhor e mais profundo diálogo de todo o longa.
Cosmopolis se mostra uma obra complexa e extremamente verborrágica. A falta de linearidade de sua narrativa exige demais de um espectador que procura entender todos os diálogos que se sucedem, porém com pouco sucesso. A genialidade da direção é evidente, como também o é a fraqueza de seu roteiro.
Ghost in the Shell (Fantasma do Futuro em sua tradução) é a primeira adaptação para os cinemas do mangá homônimo criado por Masamune Shirow. Dirigida por Mamoru Oshii, a adaptação acabou se tornando um dos maiores ícones da ficção científica no cinema, sendo influência direta nas obras de diversos cineastas posteriormente, além de ser uma das principais obras responsáveis pela popularização das animações japonesas no Ocidente.
Em 2029 temos um mundo em que a tecnologia atingiu níveis neurais. A capacidade de processamento de dados a nível cerebral se tornou algo banal e a tecnologia já se tornou algo inerente na vida de todas as pessoas. A Seção 9 é um departamento especial de polícia, liderado pela Major Kusanagi Motoko, cuja especialidade é combater cyber-terrorismo e crimes relacionados. A trama se desenvolve quando Kusanagi e sua equipe investigam um criminoso conhecido como “Puppet Master”, que começa a roubar informações secretas do governo hackeando o “ghost” de suas vítimas.
A narrativa do filme se desenvolve através da busca existencialista em que a protagonista se aprofunda. Em uma sociedade em que a tecnologia faz parte inerente da vida das pessoas, a única coisa que diferenciaria um humano de um robô seria a presença de um “ghost” (uma alma). Temos um distanciamento e intangibilidade da alma humana. O corpo é apenas uma casca para essa subjetiva alma e esse único fator seria definidor da humanidade e individualidade de alguém.
Logo no início somos apresentados à Major Kusanagi, uma mulher com corpo inteiramente mecânico, porém com cérebro orgânico. Em sua primeira cena, Kusanagi entra em combate totalmente despida de suas roupas, apenas trajando uma capa de invisibilidade militar. Já aí podemos observar que o corpo cibernético transcenderia o que é humano e a sexualidade. O Paradoxo de Teseus, que foi discutido por filósofos como Heráclito, Sócrates, Platão, Thomas Hobbes e John Locke, diz: “Será que um objeto que teve todos os seus componentes trocados permaneceria sendo o mesmo objeto?”. Essa é a pergunta que a Major se faz ao longo do filme.
A discussão continua com a presença do Puppet Master, que era apenas uma inteligência artificial criada pelo governo para fazer “trabalhos sujos”, mas que atingiu o auto esclarecimento. Não aceitando o fato de que seria desligado, ele se rebela e foge. Seria o androide com tal racionalidade isento de humanidade? Quando se encontra com Kusanagi, diz: “A vida se perpetua através da diversidade e isso inclui a habilidade de se sacrificar quando necessário”. A junção das duas personalidades – robótica do Puppet Master e humana de Kusanagi – poderia formar um ser completamente novo, mais grandioso e evoluído. Algo maior de fato é criado, mas Oshii nos deixa em dúvida do que seria essa entidade.
A arte de Ghost in the Shell é muitíssimo bem trabalhada, passando ao espectador a atmosfera opressora e sombria de um futuro dominado pela tecnologia através dos tons azulados e cinzentos acentuados. A animação é suave e natural, mas ao mesmo tempo detalhada, e se mescla sutilmente com a trilha sonora.
Ghost in the Shell é uma obra grandiosa e complexa, que levanta questões e deixa o ar de dúvida como uma verdadeira obra de ficção científica o faz.
Rian Johnson conseguiu alguma notoriedade como diretor em 2005 quando seu filme de estreia, Brick, ganhou atenção em festivais como Sundance e Toronto. Brick era um filme estranho, sobre um adolescente (Joseph Gordon-Levitt) que buscava a namorada desaparecida. Looper mantém de certa forma o estilo de Johnson, mas essas características, quando colocadas em um filme com propostas muito comerciais, acabaram perdendo parte do sentido.
Looper se passa em um futuro próximo, 30 anos antes da invenção da viagem no tempo, banida pouco depois de seu surgimento. Loopers são assassinos encarregados de se desfazer de vítimas vindas do futuro e que, em algum momento, terão que eliminar a seus próprios “eu” futuros. Tudo isso é explicado didaticamente por uma narração em off de Joseph Gordon-Levitt, e começa aí um dos problemas do filme.
Looper é excessivamente verbal. A narração em off explica detalhes desse mundo futuro que seriam muito mais interessantes se fossem explorados dentro do filme. Ao mesmo tempo, o roteiro tem buracos enormes, e mesmo o nó central do filme parece não fazer sentido.
Outro problema é a manipulação do rosto de Joseph Gordon-Levitt para deixá-lo mais parecido com Bruce Willis. Não funciona, deixa o ator beirando o ridículo, rouba boa parte de suas possibilidades de atuação e, principalmente, seu carisma. Seus melhores momentos estão quando ele consegue aparecer por baixo da computação gráfica e finalmente parecer humano para o espectador.
Por outro lado, Johnson traz aquilo que tornou Brick um filme notável: um cinema que expõe de forma muito clara seus próprios mecanismos e referências. Looper é uma ficção científica com ares de noir; sendo assim, a cidade, a trilha e diversos planos ecoam Blade Runner e, óbvio, O Exterminador do Futuro. Muitos clichês de gênero são tratados com certa ironia, e a intenção inicial do filme parecia ser não se levar tanto a sério.
No entanto, essa intenção se perde e Looper acaba um filme que não funciona como uma ironia ou uma brincadeira de linguagem e nem como um filme de ficção científica. No fim, resta um filme que usa as ferramentas do cinema de forma muito interessante, e parece esboçar uma discussão sobre o peso das escolhas e o que nos faz o que somos. Além disso, a direção de arte e edição de som são muito bem feitas e a montagem é usada com uma criatividade rara, mas no fim o filme se afoga em um roteiro ruim e no excesso de maquiagem em um bom ator.
Os Infiéis (Les infidèles) é uma comédia francesa que foi um sucesso de bilheteria em seu país de origem, além disso, traz em seu elenco Jean Dujardin, ganhador do Oscar de melhor ator em O Artista, por fim, o filme ainda foi rodeado de polêmicas, tendo inclusive seus cartazes retirados de circulação devido as imagens de conotação sexual envolvida. Talvez por esses fatores, fique mais fácil entender o motivo da chegada do longa-metragem não só em salas de cinema de Arte, mas algumas poucas do grande circuito nacional.
Seguindo um formato narrativo fora do tradicional, Os Infiéis traz uma antologia de contos, alguns deles funcionam apenas como esquetes rápidas, mas todos com o objetivo de discutir os dilemas da figura do homem moderno, mais precisamente sobre a fidelidade e o papel do “homem” na sociedade atual, tudo isso com o cinismo habitual das comédias francesas. O longa é uma grande sátira aos conceitos tidos como verdades absolutas, o que poucas pessoas parecem ter percebido, e no meio disso tudo, ainda consegue espaço para surpreender o espectador em bons momentos.
Jean Dujardin além de atuar, foi o grande idealizador do projeto, sua assinatura está na produção, roteiro e direção, além de contar com o auxílio de Gilles Lellouche em todas as áreas, exceto produção. Dujardin tem a companhia de um grande grupo para fazer o filme acontecer, entre os cineastas que participam da obra estão o vencedor do Oscar Michel Hazanavicius (O Artista), Emmanuelle Bercot, Fred Cavayé, Alexandre Courtès, Jan Kounen e Eric Lartigau, além dos já mencionados, Dujardin Lellouche, que também dirigem alguns dos episódios do longa.
Como todo longa-metragem que possui vários segmentos, Os Infiéis acaba se tornando uma obra desigual, com bons e maus momentos, mas ainda assim é sincero no que se propõe, e evita o uso de moralismo barato, a hipocrisia do cotidiano que muitos parecem se apoiar, e o puritanismo sexual que parece ter dominado o mundo. A todo momento somos bombardeados com situações satíricas, algumas engraçadas, outras nem tanto, mas sempre com muita sexualidade, erotismo, e uma ferocidade latente na abordagem dos temas discutidos em cada episódio.
Dujardin e Lellouche atuam em vários episódios do longa, sempre com muito carisma ao interpretar uma série de personagens propositadamente estereotipados. E neste emaranhado de histórias e personagens, algumas se destacam mais que as outras. Impossível não destacar algumas delas como o episódio “Lolita”, onde o personagem de Lellouche percebe todo o erro que cometeu ao retornar para casa e também em “A Questão”, episódio que dá voz feminina ao longa, com um excelente trabalho de atuação de Dujardin e Alexandra Lamy.
Aos puritanos de plantão, revejam seus conceitos, o filme pode ser uma experiência recompensadora. Aos demais, assistam sem medo, Os Infiéis é um filme irregular, mas que ainda assim não tem medo de errar.
Sem fazer muito alarde em um ano no qual adaptações de quadrinhos dominaram a cena cinematográfica, chega essa nova versão do Juiz Dredd, policial casca-grossa dos quadrinhos ingleses. Conhecido pelo grande público graças ao filme de 1995 estrelado por Sylvester Stallone, desta vez o personagem ganhou um filme quase independente e de baixo orçamento. O que para os fãs foi uma boa notícia, pois possibilitou uma interpretação mais fiel às origens, que não fez concessões quanto à ultra-violência (a censura é 18 anos) e a marca registrada de NUNCA tirar o capacete.
Na trama, vemos um futuro pós-apocalíptico (existe outro tipo de futuro, aliás?) onde as metrópoles cresceram tanto que a criminalidade e o caos social chegaram a níveis alarmantes. A solução foi ampliar os poderes da força policial, os oficiais (chamados de Juízes) agora tem autoridade para julgar os crimes e aplicar as respectivas sentenças no momento da prisão dos suspeitos. Nesse cenário, Dredd é o mais temido juiz de Mega City One (cidade com 800 milhões de habitantes), e num belo dia tem a missão de avaliar a novata Anderson, que não passou nos testes para o cargo de juíza mas ganha uma chance graças a seus poderes telepáticos. Em sua primeira missão juntos, eles acabam presos em um gigantesco condomínio governado pela traficante Ma-Ma, que obviamente ordena a morte dos juízes.
Filmes do gênero, que apresentam uma realidade diferente da nossa, tendem a ser grandiosos, no sentido de contar uma história que vai alterar aquele status quo. Por isso mesmo, um dos elementos mais interessantes de Dredd é seu caráter episódico. Não vemos uma história de origem, nem um grande evento destinado a mudar a vida do protagonista. É simplesmente um dia de trabalho em que as coisas deram mais errado do que o habitual. Essa simplicidade de proposta, que alguns podem erroneamente enxergar como ponto negativo, se revela um alento de originalidade.
Também digna de nota é a inteligência do filme em usar suas limitações. Grande parte da ação acontece em cenários simples, e a pobreza do local justifica a fotografia escura. A exceção são os momentos em que algum personagem usa a droga slo mo, que reduz a percepção da passagem do tempo. Desculpa perfeita pra empregar câmera lenta e cores vivas, com um 3D muito bem utilizado, simbolizando a fuga daquele mundo sujo e cru. Pelo menos até o momento em que as balas implacáveis de Dredd arregaçam os corpos dos vilões, com uma riqueza de detalhes que chega a ser gore.
Apesar de prejudicado pela falta de queixo, Karl Urban faz um trabalho interessantíssimo como o protagonista. Focado inteiramente na base da expressão “bucal” (pois nem dá pra chamar de facial) e da voz sempre no mesmo tom baixo e rouco, ele constrói o personagem mergulhando na caricatura que ele é nos quadrinhos. E mesmo com o personagem não tendo desenvolvimento nenhum, chama a atenção sua praticidade e profissionalismo diante de todas as situações, por mais desesperadoras que pareçam. Ele não perde o controle e responde emocionalmente, mas se limita a aplicar a lei. Ou melhor, ELE É A LEI. Olivia Thirlby surpreende no papel da rookie juíza Anderson, pois apesar de ser uma gracinha ela convence enquanto durona. Já Lena Headey, conhecida por suas limitações, até ensaia algo interessante com sua canastrice aplicada a uma vilã também caricata, mas não fica só na sugestão mesmo, sua Ma-Ma não consegue assustar de fato.
Pra não dizer que o filme é perfeito, fez falta uma maior ênfase à fodacidade de Dredd. Fica apenas subentendido que ele é o pica das galáxias daquela cidade. Algo sem dúvida perdoável diante de todos os méritos que a produção teve. Por isso mesmo, não deixa de ser lamentável, ainda que previsível, o péssimo desempenho na bilheteria, tanto nos EUA quanto no Brasil (o único lugar onde o filme se deu razoavelmente bem foi no Reino Unido, terra natal do personagem). Com uma continuação praticamente inviabilizada, o que resta é que essa ótima experiência tenha seu valor reconhecido ao menos dentro de seu nicho.
O ano é 1844. O Japão passa por um período de relativa estabilidade e a maioria dos samurais aposentaram suas espadas. Essa estabilidade começa a ser ameaçada por Lord Naritsugu, irmão do atual Shogun, um nobre sádico que abusa, estupra e mata os mais pobres ao seu bel prazer. Um oficial do shogunato, por revoltar-se com relação às atitudes do tirano, temendo pelo Japão caso ele se tornasse o próximo Shogun, reúne um grupo de samurais para o matarem.
13 Assassinos é um remake do filme homônimo de 1963 de Eiichi Kudo, trazido à luz em 2010 pelo aclamado Takashi Miike. Seus filmes são conhecidos por sua violência extrema, mas aqui Miike dá atenção para um modelo clássico de filmes de samurai. Ao mesmo tempo em que não abandona a violência gráfica (porém aqui não tão visceral como de costume), dá atenção para planos contemplativos, diálogos ricos e atuações expressivas.
A narrativa do filme começa com os samurais angariando companheiros para enfrentar o lorde maligno. Samurais de mais experiência e que viveram na época das guerras se juntam com alguns de seus aprendizes para lutar pelo Japão e não pelos seus nobres, por isso acabam se tornando assassinos. A influência de Sete Samurais de Akira Kurosawa é evidente, até mesmo quando um ronin se junta à causa do grupo de samurais, representando o ar descontraído da seriedade e disciplina dos demais companheiros.
Aqui temos uma divisão bem definida entre o bem e o mal, característica marcante em filmes de samurai. No primeiro ato do filme vemos tortura, assassinato, estupro e mutilação. O espectador está preparado psicologicamente por quem torcer no segundo ato, quando os samurais estão recrutando aliados, e finalmente no terceiro, em que a grande batalha acontece.
O que vemos é uma cidade inteiramente construída pela produção simplesmente para ser totalmente destruída durante 45 minutos de batalha sem interrupções e coreografadas, se afastando positivamente de efeitos especiais por computação, tão utilizados atualmente. A atuação conjunta de uma dezena de pessoas ao mesmo tempo é simétrica em diversas cenas do filme.
O pensamento de que 13 assassinos lutando contra 200 homens da guarda real poderia parecer forçado cai por terra nesta produção grandiosa. Takashi Miike consegue fazer com que seu remake seja um dos filmes de samurai mais significativos dos últimos anos e reafirmar sua competência como diretor. Esta é talvez sua obra mais madura.
Ao começar O Ditador com a dedicatória “À memória do querido de Kim Jong-il”, Sacha Baron Cohen mostra novamente a que veio. Dessa vez ele deixa de lado as situações pseudo-reais dos anteriores, Brüno e Borat, mas novamente coloca um estrangeiro nos EUA fazendo piadas machistas, escatológicas e politicamente incorretas com o objetivo de fazer graça da nossa sociedade, modo de vida, governo e hipocrisia com alguma crítica social entre uma piada e outra.
Sacha Baron Cohen interpreta o líder supremo, Aladeen, da república de Wadiya – nome que em português ficou ainda melhor. Somos introduzidos às excentricidades de seu general, como reduzir o dicionário de Wadiya e introduzir vários significados para a palavra Aladeen (uma referência clara a 1984 e à novilíngua), trazendo uma piada instantânea, com um médico dizendo que a um paciente que ele é HIV-Aladeen, e este em dúvida se chora ou se ri. Além disso, carros folheados a ouro, jardins esculpidos com a face do líder e um próprio discurso em que o general não consegue conter a risada ao dizer que seu programa nuclear será usado apenas para fins pacíficos e medicinais.
Dirigido por Larry Charles, o filme tem roteiro do próprio Sacha Baron Cohen, além de Alec Berg, David Mandel e Jeff Schaffer. A maior parte do filme se passa nos EUA, onde Aladeen pretende discusar para a ONU, “colocando-os em seu lugar”, mas acaba caindo em uma conspiração para tirá-lo do poder, organizada por seu tio e conselheiro, Tamir (Ben Kingsley). Este o entrega para um agente americano interpretado por John C. Reilly (que não é creditado no filme), e ambos protagonizam uma cena hilária na qual, além de cortar a “barba sagrada” do opressor supremo, passam por uma discussão sobre os equipamentos de tortura ultrapassados do agente.
A partir daí, Aladeen é obrigado a se passar por um qualquer, já que não é reconhecido sem sua barba, e é quando conhece Zoey (Anna Farris): uma ativista vegetariana, feminista e completo oposto do ditador, mas que o completará e, mesmo sem saber, o ajudará a retomar o poder. Além disso, ela e sua loja de produtos orgânicos são o estopim de uma quantidade imensa de piadas machistas e politicamente incorretas, que atingem em cheio defensores de ecologia, feministas, entre outros grupos. E tudo isso funciona, muito por todos esses estereótipos e o sarro tirado serem em função do próprio humor e uma crítica aos seus exageros, e não apenas por agressão banal a um grupo determinado.
Além de Zoey, outro personagem importante é Omar (Sayed Badreya), um físico nuclear exilado de Wadyia que, nos EUA, trabalha como Apple Genius. Juntos eles farão planos mirabolantes para que o ditador volte ao poder, e assim ele terminará seu projeto nuclear “pacífico”.
O roteiro tem seus problemas, seus furos, não é original – afinal, a mesma estrutura do estrangeiro deslocado já foi usada tanto em Borat quanto Brüno -, mas é aceitável, tanto pelo nonsense do que vemos na tela como por ele cumprir exatamente o que se propõe: fazer o espectador rir, por mais escabrosa que seja a situação representada.
Outro ponto positivo para O Ditador é a trilha sonora com várias músicas de sucesso regravadas em arábe, como Everybody Hurts, do R.E.M., ou The Next Episode. As versões muito bem inseridas no filme já são motivo de riso imediato.
O Ditador finaliza, então, com aquela figura infantil, mimada pelo poder e completamente deslocada da nossa própria realidade, que é Aladeen, fazendo um discurso contra a democracia e a favor de sua ditadura, usando argumentos que são justamente a realidade que vivemos em nossas democracias modernas: 1% do povo com toda a riqueza, a mídia manipuladora e controlada por apenas uma pessoa e suas famílias, entre outras. A cena me parece uma homenagem ao estilo Sacha ou até mesmo uma antítese do clássico de Charles Chaplin, O Grande Ditador, de 1940, que nos levanta o questionamento: mesmo tantos anos depois, talvez os nossos problemas continuem sendo os mesmos, apenas com outras figuras e uma nova roupagem.
Não espere, é claro, o filme mais engajado e político dos últimos tempos. Ele é apenas uma comédia com um bônus bem-vindo que é sua crítica social, e que muitas vezes espera que o próprio espectador se sinta culpado por achar aquilo tão engraçado. Vale lembrar que Sacha é judeu e algumas das melhores piadas do filme são justamente anti-semitas.
A França tem uma tradição forte em cinema: filmes franceses frequentemente levam prêmios nos festivais importantes, Oscar de melhor filme estrangeiro e boa parte dos grandes diretores da história do cinema trabalhou no país. Mas de vez em quando um filme francês acaba se destacando por conquistar uma inesperada bilheteria mundial. Foi o caso de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (provavelmente o filme francês mais visto fora do país), Albergue Espanhol e agora Intocáveis.
Baseado em uma história real, Intocáveis apresenta Philipe, um milionário que ficou tetraplégico em um acidente de parapente e precisa de um assistente em tempo integral, para ajudá-lo com coisas como tomar banho, comer, ir ao banheiro e se vestir. Inusitadamente, Philipe contrata Driss, um jovem da periferia, pobre e sem qualquer experiência para o cargo.
Em um diálogo com o irmão, Philipe afirma que contratou Driss porque pela primeira vez alguém não o olhou com pena, e é exatamente esse aspecto da relação entre os dois que torna o filme notável. Driss não tem pena de Philipe, ele reclama de boa parte de suas obrigações, responde ao chefe e faz piadas como “onde você encontra um tetraplégico? onde você o deixou pela última vez”. E é justamente essa falta de crença nas limitações de Philipe que o leva a ultrapassá-las.
O filme lança um olhar divertido sobre a amizade entre Philipe e Driss e, assim como o jovem, evita o melodrama e uma delicadeza extrema, que poderia transformá-lo em algo piegas ou previsível. O maior mérito de Intocáveis é justamente olhar para seus protagonistas, ambos “condenados” de uma certa forma, com leveza e buscar o potencial cômico de uma história que parecia um drama. A própria narrativa do filme brinca com essa expectativa: a primeira cena deixa o espectador tenso, preparado para uma tragédia e ao final se mostra só uma piada.
Há momentos delicados e mesmo emocionantes, mas eles se mantêm leves e o tom geral é de comédia. Intocáveis poderia ser um filme óbvio, mas essas escolhas, aliadas aos bons diálogos e o carisma dos atores, o tornam inesperado, divertido e um dos melhores exemplos do cinema francês recente.