Categoria: Críticas

  • Crítica | Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato

    Crítica | Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato

    Jornada nas Estrelas O Primeiro Contato é conduzido por Jonathan Frakes, o  interprete de William Riker e diretor  de alguns bons episódios de Jornada nas Estrelas A Nova Geração. Esse que é o oitavo filme da franquia (segundo da tripulação de TNG) resgata o melhor vilão disparado desta versão, os seres robóticos e parasitários conhecido como os Borgs. Esse é considerado por boa parte dos trekkers como o melhor episodio desta parte da cine serie.

    Dentre os outros filmes da equipe de Picard (Patrick Stewart) e companhia, esse é de fato o que tem uma abordagem mais bem resolvida, desde o inicio a historia varia entre os flashbacks de Picard como Locutus, que era a liderança borg que ele foi em meio as temporadas de TNG (The Next Generation, nome original de A Nova Geração), aproveitando algumas das pontas soltas relacionadas a raça alienígena que foi derrotada tempos atrás. Esse, ao contrario de Jornada nas Estrelas – Gerações não tem qualquer receio de parecer um grande episódio duplo  da série derivada, e ele até é em alguns momentos, mas este foge das formulas das adaptações oriundas de outros seriados, com uma linguagem narrativa de fato cinematográfica e visualmente arrojada, tal qual havia sido com Jornada nas Estrelas 3 – À Procura de Spock e Jornada nas Estrelas 4 – A Volta Para Casa, também conduzidas por um ator clássico, no caso, Leonard Nimoy.

    A música de Jerry Goldsmith  embalam os longos créditos iniciais, fato que aliás, já situa o espectador na real atmosfera de blockbuster que virá a seguir. Mesmo a utilização de clichês de Sci Fi, como a viagem no tempo é muito bem explorada, graças e muito a participação de James Cromwell como Zefram Cochran, o pioneiro em viagens espaciais da Terra, o sujeito que constrói o primeiro motor de dobra terráqueo, introduzido em Jornada nas Estrelas: A Série Clássica.

    O modo como o doutor  é apresentado é ótimo, pois ele é um sujeito inseguro,beberrão, que não acredita em seu potencial, fato que humaniza o ícone e dá chance a um dos momentos mais engraçados do longa, com a conselheira Deanna Troi (Marina Sirtis) ficando ébria com o visionário cientista. Além desse ser um bom contraste com o outro núcleo, que enfrenta uma guerra, também se dá alguma importância aos personagens da tripulação principal, sem forçar tanto a necessidade de dar espaço para cada personagem.

    O que realmente não faz sentido é a lenta adaptação dos borgs aos humanos, como se houvesse uma reformulação completa nessas criaturas, fato que permitiu que fossem mais falhas. As soluções para elas na serie fazem.mais sentido do que aqui, especialmente na questão da liderança. O conceito da Rainha feita por Alice Krige também é um conceito estranho, um retcon bastante mal pensado.

    De positivo – e ate um pouco original – e bem desenvolvido, foi o apreço da coletividade por Data (Brent Spinner). Faz todo sentido que a raça parasitária que tanto mal fez a sociedade galática e consequentemente a Federação Estelar se interesse pela figura sintética e robótica mais bem desenvolvida entre todas as tentativas das civilizações conhecidas. A criação do Doutor Soong tem muito em comum com os seres que quase deram fim a humanidade e a todo o resto das raças conhecidas.

    O ritmo e edição salvam demais o filme do marasmo e da problemática proveniente das coincidências do roteiro, e mesmo as participações de Robert Picardo e Ethan Phillips de Voyager são pequenas, discretas e bem cabíveis, mesmo Reginald Reggie Barclay (Dwight Schultz) tem boas aparições. O mesmo pode-se dizer de quase todo o resto dos personagens recorrentes.

    Mesmo com alguns equívocos, o filme transmite uma boa mensagem, entretém e utiliza bem alguns aspectos do cânone de Star Trek, como a utilização dos vulcanos como alvos do tal primeiro contato, a atenção com os seriados vigentes na época  –  Deep Space 9, que empresta o uniforme aos personagens do longa e Voyager, nas participações já citadas – fazem esse ser talvez o mais coeso dos produtos extra-série de Jornada nas Estrelas.

    O Primeiro Contato consegue resultar em uma aventura divertida, que tem pitadas de escapismo com conceitos de alto sci-fi e um pouco do Complexo de Frankenstein que Isaac Asimov sempre reclamava ser popular, e mesmo com todos os senões, diverte bastante, e é atento com todos os mandamentos que Gene Ronddenberry, Rick Berman e Brannon Braga utilizavam em seus programas de TV, evocando o mesmo espírito aventureiro, se preocupando também com o cerne de cada um de seus personagens.

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  • Crítica | Jornada nas Estrelas: Gerações

    Crítica | Jornada nas Estrelas: Gerações

    David Carson, diretor tradicionalmente colaborador de bons episódios em Jornada nas Estrelas – A Nova Geração foi o responsável por conduzir o roteiro de Ronald D. Moore    e Brannon Braga, neste Jornada nas Estrelas Gerações,  e sua responsabilidade era grande, pois alem desse ser o primeiro longa metragem focado na tripulação das novas séries, também confrontaria esses personagens com os heróis de Jornada nas Estrelas – A Série Clássica.  O inicio é quase um epilogo, mostrando a inauguração de uma nova Enterprise recebe a bordo Kirk, Scotty e Tchekov, vividos por sua vez pelos mesmos William Shattner, James Doohan e Walter Koenig, e neste início, há um tom até poético, dado o saudosismo e carinho como é conduzido este período.

    Esta introdução contém momentos realmente dignos de admiração, como a inquietude de Kirk, que não se permite ficar parado, sentado durante uma crise já no espaço, e é até natural que o seu fim – ao menos para fins oficiais – tenha ocorrido dessa maneira heroica. Poucas vezes se viu uma captura de essência tão bem encaixada em um personagem clássico de Gene Rodenberry.

    É de conhecimento de boa parte dos fãs que o filme teve inúmeros problemas de produção, para além da também problemática a respeito do texto ser pobre. O maior  desses infortúnios é que esses mesmos acompanhariam cada um dos outros três filmes de TNG (The Next Generation, nome original do programa). Tanto Gerações  quanto O Primeiro Contato, Insurreição e Nemesis tem momentos de forçação tão grande que beiram o oportunismo, além de uma clara dificuldade dos scripts em lidar com tantos personagens em tela ou de justificar a reunião deles mesmo que cada um deles tenha um destino mais ou menos diferente um do outro.

    Da parte do “novo” elenco, há uma encenação bastante bizarra e grotesca, onde a promoção de Worf (Micharl Dorn) é feita no holodech, imitando uma embarcação marinha com o sujeito que é interpretado por um negro, acorrentado, tal qual  um escravo. Esse numero na verdade brinca com o fato dele ser um prisioneiro mas a relação fálica é um bocado estranha.

    Outro momento tosco é o fato de Data de Brent Spinner piorar (e muito) na questão de não entender piadas físicas, e essa seria uma temática muito explorada nos próximos capítulos da saga no cinema, em alguns pontos garantindo bons momentos e na maioria, passando apenas vergonha, mas nenhuma tão extrema quanto o visto nessa. O chip de emoção de Data e o livre uso dele piora todo o quadro, resultando então no primeiro dos pecados graves do filme, não pelo fato dele sentir, mas por conter as situações mais vergonhosas e primárias até aqui, como a descoberta de que bebidas alcoólicas são amargas, ou o estranho gosto por piadas infantis.

    O filme também carece de um bom vilão.O Soran de Malcolm McDowell é visualmente arrojado, mas não passa do superficial. Sua primeira aparição e demais momentos não se encaixam bem, se vale de conceitos e clichês a muito superados, apelando ao Império Klingon e a alguns dissidentes a pecha de inimigos da Federação, a forma como se lida com isso é antiga demais, bastante defasada e faz pouco sentido, dado que se passa muitas décadas após Jornada nas Estrelas – A Terra Desconhecida.

    As sub-tramas emocionais não tem aprofundamento, o que há é uma tola tentativa de dar importância a todos os personagens num período de pouco menos de duas horas, com quase nenhuma densidade em comparação ao que se fazia nos episódios duplos de TNG, além de se distanciar demais de uma estética cinematográfica de fato. Até reutilização de cenas de explosões de naves ocorrem neste longa.

    O retorno de Kirk 40 minutos antes do fim também soa bizarro. O confronto com o Jean Luc Picard de Patrick Stewart tem alguns bons momentos, mas não salvam a historia da enorme mediocridade e da pobreza que reside nesse núcleo. A maioria dos momentos são apenas de desperdício, não há realmente um choque de gerações, ou discussões maiores a respeito do modo tão diverso que ambos tinham de comandar as suas equipes e embarcações.

    Quase todos os personagens da tripulação – Deanna Troi, Beverly Crusher, Geordi LaForge e até William Riker – são sub aproveitados, e isso demonstra o quão mal pensado foi todo esse roteiro e argumento. O desfecho não tem força e é anti climático ao extremo, não traduz a urgência nem de um filme comum de Star Trek e nem o que deveria ser um bom crossover. Jornada nas Estrelas Gerações parece um tele filme de orçamento gigante, que tem dificuldade em descobrir sua real identidade, não cabendo nem na pecha de filme de ficção cientifica, nem extrapolação da série que lhe deu origem, tampouco é uma boa despedida de Kirk e seus amigos ou uma justificativa boa para o lema do filme, de que seria esse o encontro de dois capitãs e um destino, a não ser que infortúnio fosse esse destino.

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  • Crítica | As Primeiras Férias Não Se Esquece Jamais

    Crítica | As Primeiras Férias Não Se Esquece Jamais

    Filme francês de temática e abordagem leve, As Primeiras Férias Não se Esquece Jamais é um longa de Patrick Cassir e começa variando entre uma conversa entre vizinhos, pelas janelas altas de dois prédios e outro com pessoas se divertindo dentro de um carro. Neste momento se percebe o tom divertido e leve que a trama seguirá, onde esses dois cenários diferentes se colidirão.

    O Benjamin de Jonathan Cohen é o ponto de interseção entre os dois núcleos, ele vai receber os amigos que estavam no carro, agora em uma pequena embarcação. Logo o real caráter do filme se mostra, apenas como as desventuras de um casal , Ben e Marion (feita por Camille Chamoux), e ele tem receio de expor a relação a uma super intimidade e os infortúnios provenientes desse tipo de convívio. Nesse ínterim se percebe uma condição bem normal, do sujeito macho inseguro em expor a si e ao seu par as condições normais da vida.

    Boa parte do  filme é  resumido em eventos e furadas que ocorrem com um recém casal, mostrando situações engraçadas em que os dois se metem, entre amenidades e decepções. Os momentos mais disruptores se destacam como os melhores, de longe, especialmente os que envolvem Ben e Marion se assustando com as manifestações sexuais ao seu redor, com um (suposto) casal de gays israelenses que se metem em um bacanal, com convites a sexo grupal e improvisos na hora de encontrar locais onde o coito pode ocorrer.

    Esses momentos inesperados desencadeiam um espírito aventureiro, de mochilar sem destino e de desafiar a própria agenda e programação, onde os dois protagonistas não agem só pelo que sua zona de conforto manda. Há toda uma celeuma sentimental barata, acompanhada de um final bastante adocicado. Cassir produz  um filme leve, repleto de altos e baixos, mas que consegue acalentar um pouco seu público, com situações cotidianas que variam bem entre o comum e o inacreditável.

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  • Crítica | Cats

    Crítica | Cats

    A versão de Tom Hooper para o clássico música conhecido mundialmente graças a Broadway já se demonstra complicado em seu início, em uma cena digna de um show televisivo infantil do canal Discovery Kids. Cats começa com o abandono de um animal, em um movimento mais que natural nas cidades grandes, mas não há qualquer universalidade na Nova York montada pela obra, pois não é apenas os efeitos especiais em cima dos atores que prima por uma bizarra configuração, mas também os cenários e a arquitetura urbana.

    Há até um fôlego de qualidade presente na potência vocal dos atores como Robbie Fairchild, Francesca Hayward , Laurie Davidson, mas mesmo Jellicles Cats é apresentada de uma forma estranha aos olhos e as demais sensações corporais. A captura de movimento fica em um limbo incomodo entre os movimentos humanos e felinos, sem conseguir imitar bem nenhuma delas.

    É difícil avaliar a atuação do estrelado elenco, dado que quase nada que aparece em tela é propriamente deles, e isso se agrava quando entram as danças mais complexas. Nem mesmo Munkustrap (Fairchild) e Victoria (Hayward) que tem muito tempo de tela desde o início conseguem traduzir qualquer química, até porque parecem animais deformados. O momento em que os Gatos Gumbie são introduzidos faz tudo piorar, pois as escalas se confundem demais, e fica mais evidente que os felinos variam de tamanho conforme o humor dos produtores assim quer. Os momentos que Rebel Wilson é introduzida assustam, sua personagem Jennyanydots deveria ser engraçada, mas só causa espanto e agonia pela artificialidade de sua introdução.

    Há uma clara intenção de tentar revitalizar e reciclar o clássico, misturando escolas coreográficas diferenças, apelando para balé, dança moderna e até hip hop, mas o fato de serem bonecos digitais, que meramente imitam o balanço típico do corpo humano e que tentam ser um híbrido, se perde toda a força da mistura. As tentativas de soar algo inédito esbarra na presunção e arrogância das péssimas escolhas de diretor e produção, e nem mesmo as participações de Jennifer Hudson, Ian McKellen e Judi Dench salvam o longa de uma apresentação patética.

    O filme também possui um ritmo que faz o espectador cansar rápido. Os números musicais tem poucos respiros entre eles, fato que faz zerar o impacto em quem assiste eles pela primeira vez, piorando muito quando o espectador já viu outras versões da obra. Os momentos finais tentam resgatar um pouco do sentimentalismo e dignidade do que Cats deveria ser, mas Hudson não consegue repetir o sucesso que Anne Hatheway em Os Miseráveis, até porque por mais que Hooper force, as suas duas obras sejam completamente diferentes em abordagem, forma e conteúdo.

    Praticamente nada se salva em Cats, e possivelmente a versão ainda sem retoques digitais – a segunda versão só chegou aos cinemas pós estréia, e foi apelidada carinhosamente de versão DLC, em atenção a um termo de mudanças comuns aos vídeo games – ainda seria mais difícil de consumir com essa. A opção por tentar reproduzir tudo em computação gráfica está longe de ser o único defeito cabal do filme, há outros tantos equívocos, ausência de carisma dos personagens, pressa em apresentar todos os dramas e números, o próprio fato de ter pouco mais de 100 minutos é um indício de que algo deu errado, e em ultima analise, talvez fosse melhor que este fosse mais curto mesmo, até para diminuir o martírio dos poucos que apreciaram este.

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  • Crítica | Campo

    Crítica | Campo

    Campo, filme do português Tiago Hespanha começa contemplativo, após um letreiro que situa o espectador do que foi e do que é um campo militar em Lisboa, o maior da Europa, por sinal. Suas primeiras cenas são sem cor, mostrando uma região natural tomada pela neblina da tarde/noite, acompanhada de uma música instrumental que emula o gênero clássico.

    O filme é intimista, embalado por uma narração tão calma que deixa o público confortável ao ponto de se embalar como num sono leve, não que este seja um documentário enfadonho em seu início, mas seu método de adentrar sua própria historia é sereno ao ponto de fazer relaxar em boa parte  dos momentos.

    A edição cuida de intercalar a calmaria com algumas das atividades mais barulhentas do local, como o trabalho dos apicultores, que lidam diariamente com o zumbido das abelhas. A maior parte desses momentos são assim, lembrando a rotina de quem vive neste campo, refletindo também sobre o passado daquele mesmo lugar, em uma clara viagem no tempo através de uma abordagem um pouco lisérgica.

    O estilo hibrido entre documentário e ficção ajuda a transitar entre esses mundos, mas não salva o filme do marasmo, nem mesmo a narração do diretor, que até tenta dar alguma dinâmica ao filme. A duração que ultrapassa 100 minutos é grande demais para um filme intimista, e surpreende que esse tenha sido lançado comercialmente no Brasil, uma vez que todo o seu caráter cabe muito nos festivais mais herméticos e não em salas comuns do circuito.

    Em alguns pontos, Hespanha referencia a guerra, desde o começo ele utiliza imagens com militares, com paraquedistas e gravações antigas de objetos sendo despejados por aviões, e as mistura  com quedas de árvores, e outras explosões, misturando as devastações naturais entre. O tal Campo que dá nome ao filme foi alvo de testes do exército, e a escolha de Hespanha é de mostrar esse pretérito como um fantasma, e o diretor português consegue nessa metáfora é um dos melhores pontos da obra cinematográfica, que carece de dinâmica e de maior apelo carismático.

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  • Crítica | The Velocipastor

    Crítica | The Velocipastor

    The Velocipastor é uma obra do cinema trash que se tornou bastante popular no apogeu da Asylum e dos Mockbusters (filmes de orçamento precário que imitam outras obras mais caras e famosas) e seu começo é engraçado, com Doug Jones pregando em um púlpito, mas sem mostrar  os fiéis  da igreja. Ele é um reverendo, um homem religioso vivido por Greg Cohan e toda a estética do filme é minimalista, onde cenas que seriam mais caras são apenas encenadas e contam com a imaginação do espectador.

    A direção e roteiro estão a cargo de Brendan Steere e este é o segundo filme longa-metragem que o mesmo conduz e mesmo antes de mostrar seus monstros, já é bem exposto o quão paupérrima é a execução, pois o carro onde estão os pais do protagonistas, ao explodir, não aparece fogo, álcool ou algo que o valha, e sim um letreiro, escrito VFX Car on Fire. Isso faz lembrar do movimento Dogma 99, obviamente com um tom de comedia.

    Cohen é canastrão, suas primeiras cenas de ação são em um carro bem ao estilo do que Quentin Tarantino fez com a noiva de Kill Bill, emulando também os filmes de carro de Steve McQueen. Todas as suas atitudes e os eventos que ocorre consigo são de um surrealismo que varia entre o lúdico, o abstrato e o podre. Uma cena resume bem isso, onde uma flechada acerta uma moça nipônica, e ela simplesmente some, e nesse contexto, ele descobre que uma nova missão recairia sobre si, por conta de  um contato que teve com uma figura monstruosa.

    Há referencias claras ao bizarro Ninja: A Máquina Assassina, com um ninja de roupas escuras, se “camuflando” na mata pela manhã. Há também um cafetão calvo com os poucos cabelos compridos que tem lançado ao vento (embaixo sempre de um chapéu terrível), personagens genéricos repletos de mazelas, cenas a noite mal iluminadas cuja fonte de luz é o nada, bonecos de borracha que fingem ser animais pré históricos e claro, o personagem principal acordando sem saber de seu destino em lugares desconhecidos, acontecendo isso mais de uma vez inclusive.

    O texto é tão torto que brinca em se levar a sério às vezes. Os poucos diálogos imitam um estilo intimista que não combina em nada com a total falta de sutileza que a premissa e feitoria do filme pressupõe. The Velocipastor varia entre o risível exercício de fazer troça com os estilos populares de fazer e realizar cinema, em alguns pontos é genuinamente divertido, embora seja claramente um produto para não se consumir a sério, mesmo porque nada em seu entorno faz pensar o contrário, nem elenco, produção ou divulgadores.

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  • Crítica | Sonic: O Filme

    Crítica | Sonic: O Filme

    Primeiro episodio de uma possível saga de filmes baseado em vídeo games da companhia Sega nos cinemas, Sonic – O Filme, dirigido por Jeff Fowler (que foi indicado ao Oscar de melhor curta animado por Gopher Brooke em 2004 e foi o responsável pelos efeitos especiais de Onde Vivem os Monstros) começa brincando com o logo da Paramount Pictures, com os anéis de energia iguais aos dos jogos do ouriço azul no Mega Drive Genesis e nos portes para Master System.

    A introdução é bem bonita, ocorrendo após uma perseguição do Ivo Robotnik de Jim Carrey para logo depois ir até a ilha de origem do velocista azul, em South Island, onde o mesmo é mostrado que o personagem tinha que manter seus poderes em segredo. Há todo um componente sombrio e simples, que ajuda a situar o quão complicada foi a vida do ouriço até ali, além de conter referências a raça ancestral do personagem Knuckles o Echdina.

    A historia se passa em Green Hill, um lugar na Terra, onde o animalzinho se esconde e observa a vida dos humanos. O herói animalesco brinca com os homens a distância, apelidando-os e mostrando os receios do personagem, em ser perseguido pelos homens e por isso ele se refugia. A utilização dos anéis de poder como portais lembra as fases especiais de Sonic 1, mas também tem um bom componente dramático, mostrando ele com medo de sair de sua zona de conforto. Toda essa construção narrativa apesar de ser cunhada em clichês infantis é bem construída e funciona entre outros fatores pelo apuro visual que Fowler estabelece aqui, pois todas as revisões visuais do CGI de Sonic.

    Apesar de restar em alguns possíveis espectadores uma curiosidade mórbida por assistir a versão presente nos primeiros materiais de divulgação, a nova composição desta obra é satisfatória, faz uma boa interseção entre as versões do mascote da Sega, e  até  se tem boas piadas com o quão grotesca seria o formato da figura e do quão apelaria para o Vale da Estranheza.

    O roteiro de Patrick Casey e Josh Miller é formulaico, tem uma série de referências a esportes clássicos praticados nos Estados Unidos, como Baseball, Tênis de Mesa, além de atletismo, mas todo o drama de solidão do porco-espinho é levado de uma maneira até madura se considerar que o foco aqui é bem encaixado. O problema realmente ocorre com os núcleos humanos, pois fora a figura do policial de James Marsden como o policial Tom, que é o perfeito homem legal e faceiro, e claro, Ivo que é uma versão super careteira de Carrey, não há personagens humanos legais, sorte que a versão de Ben Schwartz do ouriço azul consegue segurar bem a trama como um todo, mesmo que seja bem diferente da face descolada e descompromissada com eventos importantes como é a versão melancólica apresentada aqui.

    Os momentos cômicos emulam  as participações de Mercúrio em X-Men Dias de Um Futuro Esquecido mas possuem identidade própria, até porque seria reducionista e tolo achar que o  recurso de usar câmera lenta para representar a super velocidade é algo exclusivo da obra  de Bryan Singer. A personalidade do personagem-título é carismática, a de doce garoto carente, sem amigos e com uma lista de desejos emotivos bem extensa.

    Mesmo as pontas soltas, como a origem, as relações com o governo e o destino de Ivo funcionam bem, e podem ser encaradas como eventos positivos dado que o filme não tem exatamente compromisso em ser uma obra de consumo para um público mais maduro ou seleto, além do que, por ser divertido nessas pequenas manifestações, faz quem assistiu querer mais aventuras como essas, acompanhadas claro do desejo que Jim Carrey tope retornar a franquia, pois tanto a animação dos créditos finais, a cena pós crédito e o modo super otimista que termina a trama faz ter vontade de que as aventuras sigam sendo bem adaptados, pervertendo qualquer receio de fãs ou do estúdio que produziu de que esse seria um fracasso de crítica e público, pois embora esteja longe da perfeição, Sonic- O Filme ainda resulta numa obra bem divertida e cheia de  momentos que deixam o espectador feliz por acompanhar a jornada do ouriço azul.

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  • Crítica | Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa

    Crítica | Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa

    Não é a toa que o nome do longa Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa foi mudado para Arlequina em Aves de Rapina, para muito além do insucesso de bilheteria que ele sofreu, pois o filme de Cathy Yan é todo montado para que Margot Robbie brilhe. O início da trama se dá em um monologo franco, que se confunde com uma narração que fala direta ao público, onde a palhacinha  fala a respeito de sua jornada trôpega e violenta rumo a independência.

    Yan acerta na direção ao abordar a historia de uma forma lisérgica , lidando de um jeito divertido com as situações graves vividas pela personagem nessa encarnação, fazendo tudo soar leve, acompanhado claro de uma edição frenética e videoclíptica. É bem curioso como mesmo tendo adjetivos bem parecidos com os vistos no péssimo Esquadrão Suicida de David Ayer, não há uma desordem ou falta de identidade como no filme anterior, ao contrário, cada personagem secundário e a própria protagonista são muito bem justificados, fugindo da pecha clichê de família forçada ou vilões  e contraventores que praticam sacrifícios que nada tem a ver com o caráter de cada um.

    A dedicação a jornada de emancipação das integrantes das Aves de Rapina tem uma configuração bem diferente da dos quadrinhos, isso não necessariamente é ruim, mas fato é que essas encarnações estão muito distante do que é conhecido por essência e caráter das personagens. Entre os mais fiéis, certamente a Caçadora de Mary Elizabeth Winstead (soberba em sua jornada de vingança) é a que mais lembra a personagem original. A Renee Montoya que Rosie Perez faz tem boa parte das características, mas é um personagem de alívio cômico um pouco exagerado, já as versões da Canário Negro de Jurnee Smollett-Bell é bem diferente, mas nessa versão há  camadas que deixam a personagem bem complexa. Por parte do grupo de protagonistas, apenas a Cassandra Cain de Ella Jay Basco decepciona um pouco, pois só pega emprestado o nome da ex-Batgirl, mas sua personagem move a historia tão bem que não compromete toda a trama.

    O filme é visualmente deslumbrante, a edição brinca com entradas e saídas dos lugares onde as mulheres aparecem, quase como se elas adentrassem portais em uma metáfora digna de desenhos animados dos irmãos Fleischer e os vistos nos clássicos dos Looney Tunes. Há todo um aspecto cartunizado que faz referencia a origem de Harleen Quinzel no desenho animado do Batman de Bruce W. Timm, ainda que aqui isso não seja levado tão a serio.

    A quebra da quarta parede só ocorre bem porque Robbie está muito afinada, e porque ha uma bela química entre ela, Winstead, Smollet-Bell e Basco. Mesmo Ewan McGregor está muito bem, embora seja um pouco apagado durante a trajetória das mulheres que buscam sua independência. Seu Roman Sionis tem poucas características do Máscara Negra original, mas a releitura é bem digna do vilão que chegou a ser um dos maiores antagonistas do Morcego durante os nos 2000. Fica a curiosidade para ver o Batman dentro dessa versão de Gotham, mesmo que por ser essa uma historia contida, se entenda porque ele não aparece.

     O desfecho de Aves de Rapina é um pouco truncado, a tentativa de justificar a metalinguagem é desnecessária e expositiva em excesso, o espectador não é bobo e não é preciso que se reforce a ideia de que a Arlequina é uma versão feminina do mercenário tagarela Deadpool (em alguns pontos,essa pecha é até justificada, como nos quadrinhos recentes pós novos 52), mas ainda assim o final possui o humor negro e o gore que ajudaram tantos filmes baseados em quadrinhos a se tornarem populares, é realmente lastimável o resultado ruim de bilheteria, pois esse nem pode ser chamado de um filme de nicho, tampouco é uma obra preocupada em lacrar ou qualquer panfletarismo barato que tanto acusam essa versão de Birds of Prey.

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  • Crítica | O Poderoso Chefão III

    Crítica | O Poderoso Chefão III

    Parando para analisar, a história das coisas é engraçada. No cinema, há certos filmes que se beneficiam em larga escala do efeito lapidoso do tempo, também conhecido como o maior crítico de todos, tal qual o recente O Irlandês, uma obra que se vale inteiramente do legado da filmografia de seu diretor, Martin Scorsese, a fim de ser um genuíno clássico do cinema contemporâneo acerca do impacto que anos e décadas exercem sobre tudo – até mesmo famílias, amizades e a nossa visão de mundo. O tempo, senhor implacável das coisas, torna o produto refinado quando bem conservado, ou ainda embolorado se passar do ponto e ir pelo caminho oposto no tangível hall das qualidades. E é justamente nessa categoria um tanto injusta, diga-se de passagem, que se encontra O Poderoso Chefão – Parte III, ou o exausto e super tardio final da saga dos mafiosos italianos Corleone numa América que ajudaram a modelar.

    Antes de mais nada, é bom deixar claro que esse mesmo tempo fez bem a conclusão da história da famiglia, e hoje, a Parte III parece bem menos ofensiva do que certamente foi no seu lançamento, há trinta anos atrás. Com dois filmes impecáveis vindos antes e que fizeram história em todos os sentidos, a expectativas para o grande finale era incomensurável. Como iriam terminar os passos de Michael Corleone, agora o patriarca velho e inseguro repleto de sangue nas mãos, era o que todo mundo queria ver, com o retorno de Al Pacino, prometendo uma atuação extraordinária, e na cadeira da direção, o mesmo Coppola que nos presentou com tantas joias, no passado. Não seria exagero dizer que a recepção da crítica, e público, para este filme foi uma das mais decepcionantes que Hollywood e a imprensa especializada já testemunharam, intitulando-o de desvirtuoso, e desrespeitoso ao material insuperável de outrora. Se Da Vinci não conseguiu superar sua Monalisa, Coppola também não fez milagres.

    Assim, Chefão III continua o menos interessante, de fato, da trilogia, mas não por isso um dos piores filmes já feitos, como se deu a impressão no começo da década de 90. Seu grande problema, agora focando no peso insustentável que o poder tem sobre os ombros de Michael e da família Corleone inteira, numa atmosfera de constante ataque e perturbação, como se a realidade das famílias da velha máfia americana estivesse prestes a literalmente explodir (como acontece na cena do jantar), o grande equívoco da história parece não ser sua condução, e sim o momento que ela foi apresentada. Coppola faz bonito na direção, mesmo que seja um trabalho morno e sem as virtudes espetaculares de O Poderoso Chefão  e O Poderoso Chefão Parte II, mas o chá de banco de quase 16 anos atrapalhou demais o andamento e a vitalidade desse terceiro filme, tão prejudicado pela espera na qual foi concebido. É como se fosse um spin-off das duas primeiras obras, ou um especial de fim de ano para homenagear os júbilos que vieram antes, e não tem elenco nem trilha-sonora de luxo no mundo que consegue esconder isso.

    Essa sensação de “raspa do tacho”, ironicamente, dialoga com o principal tema do filme: arrependimento, por uma vida de criminalidade e precificação dos valores morais de uma família – ou mais precisamente, de um homem, o pobre Michael que, de várias maneiras, ainda parece viver sob a sombra das mortes de suas vidas, as que lhe ocorreram e as que fez. Em determinadas cenas, as mais trágicas possíveis beirando o exagero, O Poderoso Chefão – Parte III exerce um poder na tela apelativo, como se nos quisesse emocionar pelos motivos mais gratuitos, e fáceis possíveis. Deixaram a maestria de lado e optaram por um final digno, mas embolorado, por mais que o esforço criativo de Coppola e seus atores transpareça seja no regular ritmo do filme, seja nas atuações do longa (Andy Garcia foi o maior acerto, e Sofia Coppola, o maior equívoco). No mesmo ano do cansado Chefão III, Scorsese veio com o grande Os Bons Companheiros, e o recado para Coppola foi claro: os tempos são outros.

    https://www.youtube.com/watch?v=Tyl6dotq8QY

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  • Crítica | As Pontes de Madison (2)

    Crítica | As Pontes de Madison (2)

    Baseado em obra homônima de Robert James Waller, As Pontes de Madison é um dos grandes romances da história do cinema. Produzido (com a Amblin, produtora de Steven Spielberg e Kathleen Kennedy), dirigido e estrelado por Clint Eastwood, é um filme que destoa de toda a imagem que ele havia construído no cinema até ali: do brutamontes, durão e implacável. Clint encontra em Meryl Streep (vivendo um momento marcante em sua carreira, reconhecido pela academia) um par amoroso perfeito para discorrer sobre o quanto é complicado lidar com os sentimentos humanos, com as dores e incertezas trazidas pelo amor e o peso de cada escolha e suas renúncias.

    O filme se passa em decorrência de uma carta deixada por Francesca Johnson, uma italiana que vivia em função de sua família no interior do estado de Ohio, a seus dois filhos, Michael e Carolyn, como nota de seu falecimento. Francesca, que foi morar nos Estados Unidos ao conhecer Richard, seu marido, na segunda grande guerra e abdicou de sua vida para começar um casamento e construir uma vida conjugal. Nesta carta, ela registra seu último desejo e para ser atendida, descreve um caso amoroso que viveu com Robert Kincaid – um fotógrafo da revista National Geographic que passou por aquela região em Ohio enquanto seu marido e filhos visitavam uma feira em outro estado.

    Francesca e Robert, cada um dos dois, atravessam em suas vidas um momento em que se encontram em ruptura com seus sonhos e esperanças. Ela, numa cidade pequena, onde todas as pessoas se vigiam e precisa tomar conta das responsabilidades da casa, não se encontra mais consigo mesma. Está perdida dentro de si mesma e da vida pacata que leva ali. Já Robert, divorciado e muito bem resolvido com o trabalho, ficou tão fragilizado com esse encontro – e com a presença forte daquela mulher – que insiste, a todo custo em levar Francesca consigo para Washington, de onde ele veio. O tempo passou para o casal e eles abdicaram de todas as possibilidades que a vida lhes ofereceu em função – do casamento para ela – e do trabalho para ele. Resolver esse impasse, agora, que outras pessoas serão afetadas é uma situação impossível. E o sofrimento misturando com o afeto, profundo e singelo é transmitido brilhantemente por Eastwood trabalhando como diretor. Como conduz a trama, e como arma pequenas sutilezas que vão desde olhares até o movimento em quadro dos personagens que expõem como aqueles dois personagens se sentem e como eles vagam entre o carinho e o conflito impostos pela situação.

    Se em seus filmes mais antigos, Clint era mais conhecido por “falar” com a arma, neste, o diretor passa uma delicadeza poucas vezes vistas na história do cinema.Para tratar de um casal tão delicado,como maestro e na pele de Robert, ele precisa das palavras para conduzir cada impasse que está vivendo com Francesca.

    É difícil tratar de uma obra grandiosa assim de maneira sucinta, mas As Pontes de Madison, é, em suma, um filme sobre dois temas e tudo o que deriva de suas preposições: o tempo, em especial, o passado e a complexidade do que chamamos de“amor”. Os sonhos deixados para trás em função de um relacionamento, a dificuldade de fazer escolhas e lidar com suas consequências, como o passar do tempo enrijece as relações e as próprias pessoas. É um dito popular que o verdadeiro amor só acontece uma vez na vida, pena que não seja possível determinar o momento, afinal, a vida ainda é uma força maior que insiste em nos pressionar contra nossas vontades.

    Texto de autoria de Gabriel Caetano.

    https://www.youtube.com/watch?v=bn79t3d3UiQ

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  • Crítica | Superman: Entre a Foice e o Martelo

    Crítica | Superman: Entre a Foice e o Martelo

    Depois de dezessete anos após o lançamento da revista, finalmente a versão animada da DC adapta Superman: Entre a Foice e o Martelo, revista consagrada de Mark Millar com desenhos de Dave Johnson cuja premissa é bastante simples: e se o bebê kriptoniano que se tornaria o Superman caísse em território soviético e não americano. Coube a Sam  Liu a responsabilidade de conduzir essa versão, e infelizmente essa é mais um longa-metragem com o pouco apuro visual e com um traço feio e genérico, semelhante em muitos pontos aos filmes que adaptam os novos 52.

    A trama começa em 1946, na URSS, e já começa legal por mostrar uma versão bem encaixada das contra partes de Clark  Kent e Lana Lang em terras russas/ucranianas, seguidas dos créditos iniciais que mostram capas e imagens clássicas do gibi. Este início quase ludibria o espectador, uma vez que mora nessa introdução os momentos mais brilhantes do roteiro, ao mostrar as propagandas soviéticas como uma arma eficaz na guerra ideológica, mas até as intenções dessa questão servem a um propósito complicado e maniqueísta de maneira desnecessária.

    As passagens de tempo soam confusos, assim como as relações entre os personagens. A cumplicidade entre a figura de autoritária Joseph Stalin e o homem intransponível inexiste, assim como não existe qualquer tensão pessoal entre o personagem principal e qualquer outro aliado. O filme carece de personagens que sejam dúbios, e em se tratando de um filme sobre a Guerra Fria isso é um pecado terrível. A relação que deveria ser parental entre político e super humano é suavizada de modo que não há qualquer dualidade, nem em Super, nem em Stalin e em mais ninguém e por mais que a HQ seja digna de críticas negativas, esse tipo de problemática não vinha do texto de Millar.

    Ao menos, há tentativa de abordagem mais delicada do camponês que ascendeu ao supra sumo da humanidade. A superação das barreiras do ordinário situa o personagem no exato oposto do que Jerry Siegel e Joe Shuster pensaram para o kriptoniano original, ao menos em geografia, pois os ideais do Superman clássico (o que nem voava e era visto em Superman Crônicas) tinha ideais marxistas. Uma pena que esse aspecto seja breve, passa rápido demais para causar espécie.

    Os gulags são mostrados de modo bem caricato e todo o orgulho presente na identidade socialista soviética não tem qualquer menção ou exaltação. A maior preocupação do roteiro de J.M. DeMatteis (que comete quase tantos equívocos quanto seu colega quadrinista Brian Azzarello em Batman: A Piada Mortal) é fazer paralelos entre os campos de concentração nazista e esses lugares, incluindo aí uma mise-en-scene terrível, de um garoto flagelado e hiper moralista que tem até morcegos atrás de si (e que um tempo depois, se tornaria um personagem famoso). O primeiro ponto de ruptura é cedo demais, com um terço de filme o Superman já é um assassino tirano que não tem nenhum questionamento mesmo quando ele toma o poder sobre o antigo soberano.

    As tentativas de paralelos com o universo comum da DC variam de qualidade. Por mais que a Diana/Mulher Maravilha seja uma personagem bem explorada aqui, a aliança entre Themyscira e URSS faz pouco sentido. A luta contra o Bizarro também, e a versão de Lex Luthor aqui é mais virtuosa até que a contra parte que era herói que combatia a Sindicato do Crime em uma das versões do universo DC.

    Alguns pontos são positivos, como a participação de Lois e Lane e da Mulher Maravilha, mas nada que salve o filme do texto de propaganda do American Way of Life ou da total distância entre ele e quase todas as obras do Superman, sejam as que se baseia a revistas ou as mais clássicas. A mudança do final em é necessariamente um problema, mas toda a construção moral do personagem, sua modificação para ser um vilão não faz qualquer sentido visto os últimos atos dele, que se joga como um sacrifício meio nulo

    Em alguns pontos a historia é panfletária de uma maneira até mesquinha. A questão do Muro de Berlim e o modo como se fala da influencia socialista ser encarada como cancerígena é podre, e no filme não se mostra o colapso que o capitalismo teve na época do poderio do Superman como líder dos soviéticos. Ate por essa construção malévola dele, não faz sentido insistir em demonstrar que o herói é belo, benevolente e preocupado com o bem estar mundial, pois mesmo Lex é mais honesto e bom do que o personagem-título.

    Do ponto de vista narrativo o filme peca muito não só na figura do Super mas também na do Batman, que é um poço de clichês. Há também uma dificuldade em traduzir a essência do Superman nessa e por mais que Millar tenha mudado muita coisa nos rumos da vida do herói, mas o cerne e o básico, o essencial estava lá ao menos na premissa e aqui não, e nem é somente pela questão do personagem matar opositores sem dó, mas basicamente por não se enxergar nele nem um resquício do do herói clássico. Nenhum distanciamento entre como o povo vê seu governante e como ele realmente é justifica isso.

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  • Crítica | O Poderoso Chefão II (2)

    Crítica | O Poderoso Chefão II (2)

    Me recuso a tecer qualquer comentário sobre o primeiro O Poderoso Chefão, pois seria verborrágico e inútil. Todo mundo já viu, todo mundo concorda que é uma obra-prima intocável e não filmável, fim. Sobre a sequência, considerada por muitos como a melhor sequência do cinema (as pessoas geralmente se dividem entre essa Parte II da jornada dos Corleone na América, a primeira continuação do cinema a usar números romanos, e o fabuloso O Império Contra-Ataca), Francis Ford Coppola fez o impossível e se superou numa direção mais inteligente do que no primeiro, o que foi realmente necessário já que as tramas familiares são bem mais fragmentadas, desta vez, com ótimos flashbacks comparáveis aos de Rashomon e Cidadão Kane, e que continuam influenciando recentes clássicos como A Rede Social, de David Fincher.

    Em resumo, após o sucesso do filme de 1972, o diretor voltou dois anos depois para ganhar um Oscar pela melhor e mais interessante trilogia sobre a máfia, seus códigos e comportamentos. Porém o mais divertido é observar a briga eterna sobre qual filme é O melhor: o primeiro com Marlon Brando, ou o segundo exemplar. Uma briga eterna e inútil, mas que nutre a curiosidade dos cinéfilos mais jovens para darem um veredicto atual, afinal filmes assim não podem se perder no tempo, e com certeza não irão sofrer tal destino. O Poderoso Chefão II é o mais puro e refinado deleite de se acompanhar, demanda devoção do espectador para conseguir acompanhar a longa e complicada saga dos Corleone, e como se não bastasse, como tudo começou para essa família se tornar uma poderosa colmeia criminosa, obrigada a abandonar Nova York devido a seus processos judiciais e, igualmente, os diversos inimigos feitos e “deixados” por lá.

    Após tanto tempo, e revisões, arrisco dizer que a evolução física e moral do mestre Al Pacino, aqui, é superior que a do primeiro Chefão, pois agora Michael Corleone é o patriarca da “famiglia” e paga o preço de todos os jeitos, a todo o tempo, a ponto de fazer grandes sacrifícios éticos e se tornar mais frio à medida que os faz, seguindo sempre as regras do falecido pai, Don Vito. Enquanto isso, ao mesmo tempo, Robert De Niro interpreta os primeiros anos de Vito no início conturbado de sua vida criminosa com uma semelhança assustadora, até mesmo no modo de falar meio rouco, meio sarcástico que só Marlon Brando conseguia atingir com perfeição. De Niro fez outros mafiosos como em Os Intocáveis e Era Uma Vez na América, mais foi mais reconhecido pelo papel icônico que lhe fez ganhar um merecido Oscar, arquitetando o início, as tragédias e ascensão do personagem de Brando com semelhante talento, e intensidade. Bravo.

    A reconstituição temporal nos flashbacks também é de se admirar, tudo potencializado pela trilha sonora magnífica de Nino Rota e Carmine Coppola, criando novos temas italianos baseados nas notas musicais do primeiro filme – o resultado é épico. No visual, tons pastéis diferentes dos que são apresentados na trama principal dão o tom, mas isso porque Coppola claramente teve uma leve predileção nas cenas de prólogo, mas conseguiu equilibrar com grande serenidade e energia sua direção nos dois lados da história, sem apresentar qualquer tipo de digressão explícita.

    Há cenas filmadas com perfeição, quando, por exemplo, logo no início, acontece uma passeata religiosa entre as montanhas áridas da Sicília, e todos são surpreendidos por um atentado contra o pai de Vito Corleone por ter insultado um poderoso mafioso Siciliano. A partir daquela cena, o contexto da história inteira se fecha, e em breve mais para frente estaremos aptos para julgar o universo que Mario Puzzo escreveu, novamente adaptado tão bem para a tela com uma potência que, para quem já leu os best-sellers, conflita com o impacto do que está impresso nas páginas. Porém, o que o roteiro e a direção não conseguiram extrair de modo eficiente foi à dualidade dos fatos, presente em boa parte dos livros e que servia para enriquecer tudo. Mas isso não importa, nada mais interessa até o close final e arrebatador no rosto de Pacino. Um dos closes definitivos do cinema sobre como o poder pode acabar com qualquer um, e tornar um filme um dos melhores já produzidos.

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  • Crítica | June 17th, 1994

    Crítica | June 17th, 1994

    De Brett Morgen, lançado em  2010  June 17th, 1994 é um documentário sobre o meio do ano de 1994, começando seu “drama” através de um discurso de OJ Simpson, em meio a época do assassinato a que foi acusado, logo depois as atenções se voltam para os New York Ranges, time da NHL que  seria campeão  por aquela época, variando entre datas daquele junho para retomar a história do ex- jogador de futebol e também para se dedicar um pouco a mostrar as glórias do belo time do New York Knicks de Patrick Ewing.

    O caráter ‘andrógeno” do filme  o faz atirar para mais de uma direção, e por mais confuso que isso possa parecer em premissa, há uma organização própria, acompanhada de um certo charme e riqueza na intenção de explorar uma época muito peculiar e rica em polêmicas e em louvores esportivos, ainda que se explore todo um mundo além dos campos de jogo, quadras e certames de gelo.

    A edição de Andie  Grive se vale do artifício de jogar muita informação em tela. Há um número onde  os jornais televisivos locais e nacionais são intercalados, repercutindo o caso judicial de Simpson, obviamente não tão rico quanto em OJ : Made in America, afinal é esse um episodio de apenas 50 e poucos minutos,  mas mostrar a variação entre a cobertura jornalística do caso e dos outros tentos esportivos, incluindo a Copa de 94 vencida pelo Brasil de Romário ajuda a perceber qual era a sensação geral dos cidadãos dos Estados Unidos na época.

    Realmente parecia ser um tempo festa, havia uma alegria estampada no rosto de Bill Clinton em celebrar a abertura da Copa, e é engraçado e curioso ver todo o otimismo da época, diante de tragédias morais e éticas que pautariam os Estados Unidos dali para frente. Talvez o filme mais conhecido dos recentes na filmografia de Morgen seja Cobain: Montage of Heck, e entre esse e June 17th há a coincidência do tom sentimental, levado pelo ritmo dos noticiários mostrados e organizados pela edição.

    Morgen usa um argumento metalinguístico para justificar a variação entre os assuntos, através da tentativa de fura de OJ, que ao ser acompanhada pelas câmeras, embaralhava o sinal e as micro ondas de transmissão,  deixando a transmissão instável, tornando a zapeada dos canais mais plausível. A sequência é acompanhada de uma música instrumental sentimental, e esse momento ápice e de clímax “contamina” todo o filme, que tal qual como foi a realidade daquela época,  desviava o olhar daquela tragédia ao acompanhar Houston Rockets e Knicks pelas fases finais da NBA, inclusive e poetizando sobre os melhores jogadores de basquete disputando  em quadra um titulo, em comparação com o antigo vencedor do futebol, tentando fugir e (quase) assumindo sua culpa neste ato

    Os assuntos como a greve na liga de baseball (MLB), a carreira de golfista de Arnold Palmer, os Knicks perdendo a chance de quebrar um jejum que vinha desde 1973 (e perdura até hoje, em 2019), o Rangers vencendo a Stanly Cup quebrando o jejum desde os anos 40 são todos elementos coadjuvantes na memória de quem viveu aquele junho de 1994, mas ajudam a compor o retrato de uma época em que mesmo o pão e circo do cenário esportivo de Nova York não foi suficiente para anestesiar uma nação que via um ídolo seu cometer uma atrocidade, assim como também não influíram na não condenação do mesmo. A sensação de impotência em alguns pontos se apodera do espectador, ainda que não haja tempo ou fôlego para grandes reflexões, Morgen manipula bem as sensações de quem assiste seu filme, brincando com a anestesia típica de quem usa o esporte como válvula de escape, mas condenando também que utiliza isso como ópio.

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  • Crítica | Norm

    Crítica | Norm

    Norm é um documentário da serie Sec Storied que aborda histórias dos esportes universitários dos Estados Unidos. O foco no filme de Flitz Mitchell é no técnico de basquete do Missouri, Norm Stewart e seus feitos como treinador de basquete universitário, em especial, na faculdade do Missouri, onde trabalhou por volta de 32 anos.

    É engraçado o confronto de formatos dentro do film , pois ao mesmo tempo que esse episódio tem uma forma clássica de contar historia, a personalidade de Norm é forte demais para se adequar a um episódio  quadrado como normalmente são as matérias jornalísticas. A identidade de Stewart se confunde com as memórias da cidade de Columbia.

    A duração de 50 e poucos minutos varia entre as épocas, desde o presente, em 2016, até a época em que ele ainda jogava basquete. Segundo Virginia, sua esposa, ele escrevia cartas muito longas e bonitas, tendo uma escrita promissora. Essa parte pessoal é um pouco enfadonha para quem não é próximo da universidade. Ha muita informação jogada, mas a maioria ajudam a compor o perfil deste homem.

    A parte técnica do trabalho dele impressiona. Seus métodos eram pesados, ele jogava uma bola no chão e mandava os jogadores correrem atrás da bola, e não era incomum que ao menos um deles saísse sangrando, nesse movimento que mais parece algo voltado a Rugbi que basquete. Também se dá vazão aos números ao longo dos 38 anos de carreira e os mais de 20 títulos que conquistou. O que mais chama a atenção aqui são as bolas comemorativas e os troféus que compõem a bela decoração de seu escritório.

    As partes que falam sobre as polêmicas da carreira passam muito rápido, e é que se percebe o quão chapa branca o filme é, pois não há muito aprofundamento nas questões relacionadas aos problemas de arbitragem. Até faz sentido que Norm louve o legado de seu biografado, mas é  triste como o resultado final das homenagens ao técnico se resumam a uma lembrança ao estilo montagens bregas, feito por alunos de pré escola, com direito a um final piegas, resultando em um filme que tem dificuldade em gerar interesse no publico geral na figura que o mesmo estuda.

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  • Crítica | When The Garden Was Eden

    Crítica | When The Garden Was Eden

    Documentário do programa 30 for 30 dos canais internacionais da ESPN, When the Garden Was Eden é um filme de 2014, dirigido por Michael Rapaport que se dedica a relembrar o período de glórias do New York Knicks da década de 70 do século passado, tempo de glorias bem diferente das terríveis e recentes época do Knicks, que é incapaz há alguns anos de produzir um basquete competitivo e de contender na NBA.

    O começo do filme registra uma tomada aérea, acompanhado de uma gravação de rádio, que fala a respeito de como se forma um time de basquete vencedor, onde se fala a respeito de garra, raça e talento, e o time de NY era tão ovacionado quanto bandas de rock populares, dado o frisson que eles causavam em público e crítica. O time de Bill Bradley, Jerry Lucas, Willis Red, Dick Barnett, Dave DeBusschere, Earl Monroe era histórico, possuía seis All Star e brilhavam muito no cenário cultural de Nova York. O filme de Rapaport faz questão de mostrar a efervescência da Big Apple, situando que aquele time era só um aspecto daquela cultura.

    Décadas antes, os Knicks não era vencedores. Nos anos 60 a NBA não era o produto que era atualmente, e o Madison Square Garden, cenário principal da franquia era mais lotado pelos jogos de basquete universitário do que pelos jogos dos profissionais. Isto na época era um fenômeno absurdo, pois o basquete universitário era mais popular até do que o futebol americano da categoria aquela época, já que hoje, está longe de ser, até porque há quem diga que os campeonatos da NCAA de Football tem mais fãs e adeptos até do que a NBA.

    Um dos maiores méritos do documentário é situar o espectador de como o esporte funcionava na época, como ele se encaixava na economia da época, e não tem receio sequer de mostrar como uma nação tão conhecida por seu conservadorismo lidava com a questão da popularização das drogas. Ainda que ele não associe tanto a figura dos esportistas a utilização de drogas, há um sem número de sugestões dessa pecha, e isso realmente pesava para que essas competições não fossem tão abraçadas por imprensa, possíveis anunciantes etc.

    O filme detalha bem a entrada de algumas estrelas, como Walt Frazier, que foi a primeira escolha no draft de seu ano, Phil Jackson que veio de North Dakota e era um monstro defensiva mesmo em uma época que não se valorizava tanto assim a defesa, e Bill Bradley que rivalizava com os astros Bill Russell e Wilt Chamberlain,  É curioso como se exploram detalhes íntimos e pessoais dos jogadores, como o fato de Bradley ainda ter cursado dois anos de faculdade antes de aceitar jogar na NBA, pontuando ele como a esperança branca do basquete dos Estados Unidos, e que chegaria até a se candidatar a presidência da república nos anos 2000. Também é mostrado Jerry Lucas, e se explana bastante o método de Red Holzman, o treinador, que não distinguia negros de brancos em seu time, mas que também agiu de maneira autoritária com alguns de seus subordinados, desviando esses de discussões progressistas e igualitárias.

    Em se tratando de um documentário que fala sobre um time dos anos setenta, é natural que os entrevistados já estejam bem idosos (quando não membros dessa equipe já estão mortos), o que é impressionante é que as historias são tão marcantes que a memoria de cada um deles é bem viva, em cada caso. Os méritos deles contra o trio do Los Angeles Lakers Wilt, Jerry West e Elgin Baylor são sempre lembrados, com os Knicks soberanos sobre o Big Three, só é uma pena que a maioria das imagens de arquivo tenham uma nitidez pífia. Até os momentos de transmissão não coloridos, anteriores aos tempos de gloria do time da Big Apple são melhores que os do auge em si.

    As intervenções de Rapaport são cirúrgicas, ele aparece na frente das câmeras entrevistando os que fizeram parte daquele time mágico, todos já bem velhinhos, e é curioso como ele traz parte de seu background para dentro do filme. Nos EUA ele é conhecido por seu trabalho como comediante stand up sobretudo em Los Angeles, mas suas raízes nova iorquinas jamais foram deixadas de lado, e se nota isso neste 30 for 30, que prima por um ritmo ágil e por um roteiro bem leve e engraçado, que mesmo deusificando seus objetos biográficos, o faz com bastante leveza. Ele está no ar com a série da Netflix Atypical, e infelizmente tem feito poucas aparições como realizador, executando alguns curtas ou poucos episódios de séries pouco conhecidas dos Estados Unidos.

    Os momentos finais não são tão empolgantes quanto o início, até porque se dedicam a mostrar a rivalidade da época contra o Boston Celtics, que era o time da conferência a ser batido, daí se perde um pouco o foco na franquia que realmente importa, mas ao menos, valoriz a longevidade do grupo, e os títulos que vinham, e dá o destino dos que formaram aquela equipe, em que carreiras eles incorreram e como seguiram suas vidas após pararem de jogar, os artistas que ganharam tantos títulos, traçando também um bom panorama político da época, sem receio de fugir do caráter chapa branca, já que explora bem as questões envolvendo Cazie Russell e a proibição dele de repercutir dentro do grupo as terríveis acusações racistas que sofreu. When The Garden Was Eden é prodigioso ao louvar os feitos dos Knicks, que durante essa época, foram soberanos, mais vencedores que os times da cidade no Baseball e Futebol, distantes demais da atualidade sem força nas ultimas temporadas do campeonato americano de basquete.

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  • Crítica | Menino Maluquinho

    Crítica | Menino Maluquinho

    Menino Maluquinho: O Filme começa narrado pelo protagonista interpretado pelo carismático Samuel Costa. O inicio mostra o cotidiano de uma cidade mineira interiorana, inspirada no mesmo lugar onde o autor Ziraldo nasceu. O diretor Helvécio Ratton acertou demais em dois motivos principais, primeiro na construção do personagem-título, uma vez que Costa consegue traduzir bem o garotinho amalucado das tirinhas, imprimindo claro boa parte de seu próprio estilo, e o segundo é o investimento em cenário e atmosfera, já que o que e quem se vê em tela parecem de fato fazerem parte da historia contada ali.

    Ratton faz da Minas Gerais de Ziraldo um bom cenário para as desventuras do protagonista. Os carros clássicos, bonitos e figurinos remontam a uma época que não remete os anos 90, é atemporal, e esse tempero faz o filme soar divertido e fora do escopo de sua época. Assistir hoje tem um pequeno problema, afinal não houve um trabalho muito grande de preservação do filme, mas excluindo essa questão técnica todo o resto é bastante divertido.

    Um dos fatores que fazem impressionar é que as crianças aqui não são asseadas ou puristas. Elas são de verdade, vêem revistas de mulher peladas escondidas, brincam de concurso de peido, ficam tristes ao perceber o divorcio dos pais, uma vez que nos anos noventa a questão da separação legalizada estava se tornando algo mais normalizado. Essa aura de naturalidade não faz o filme ser imune a alguns problemas típicos do cinema brasileiro, como os diálogos mega expositivos, parecidos com os das novelas e folhetins da época.

    Poucas vezes se percebeu uma adaptação tão fiel em espírito e tão reverencial a um ícone de quadrinhos como foi com o Menino Maluquinho/Ziraldo, isso em 1994, muito antes do boom dos heróis Marvel com X-Men, ou do início do MCAU com Homem de Ferro, e em uma época que muitas adaptações davam errado – Fantasma, Spawn, Dick Tracy – e impressiona que essa tradução tenha acontecido com Ziraldo, após toda a rotina e intimidade conturbada que o quadrinista passou após o período da Ditadura Militar. Até se vê um pouco da influencia política no roteiro,  mas é evidentemente muito sutil quando apresentada, e é um caco no meio de um quadro maior.

    A ida para o interior, para a casa dos avós de Maluquinho é outra viagem no tempo, não só da geração infantil, mas também do Vô Passarinho de Luiz Carlos Arutim, que adora utilizar balões, ou aviões bi motores. O elenco aliás é repleto de rostos conhecidos, Patricia Pillar faz a mãe do rapazinho, seu pai é feito por Roberto Bomtempo, Othon Bastos, Tonico Pereira e Vera Holtz fazem participações, mas nenhuma ofusca o elenco formado pelas crianças.

    Mesmo os momentos mais irreais, como quando o vô Passarinho resgata os meninos de balão de uma mangueira, são charmosos, pois emulam o estilo engraçadinho de Ziraldo na revista. O filme tal qual o material base não tem compromisso de ser realista, e ainda se dedica a ser um objeto que além de trazer a luz um pouco do alter ego do desenhista, também mostra um choque entre garotos da zona urbana e os do interior, com toda uma inteiração divertidíssima e repleta de rivalidade.

    Há muitos atalhos narrativos no roteiro de Alcione Araújo e Ratton, e uma certa pressa em colocar algumas perdas típicas da infância antes da partida decisiva do campeonato de futebol das crianças, mas nada que denigra a obra como um todo. Maluquinho é tão incrivelmente popular e carismático que tem torcida organizada mesmo sendo goleiro, e ele claramente põe a mão na bola fora da área. Até o “narrador” dedica suas melhores tiradas a ele e as suas quedas, levado pela música tema que Milton Nascimento fez para o filme.

    Ratton faz uma obra simples, direta mas muito divertida e esmerada, que representa bem como a infância dos brasileiros seria, especialmente no caráter lúdico, Maluquinho é um jovem saudável, que tem um dia a dia conturbado, ainda que não lhe falte nada, e Samuel Costa traduz isso muito bem, causando certamente nas crianças que viram o filme na época um desejo de ter seus dias como o dele.

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  • Crítica | Fé e Fúria

    Crítica | Fé e Fúria

    Filmado entre 2016 e 18, em favelas de Belo Horizonte e Rio de Janeiro, Fé e Fúria é um esforço em forma de documentário organizado pelo diretor Marcos Pimentel que visa mostrar como funciona a estranha relação entre favelas e comunidades pobres das grandes cidades com os credos religiosos, focando especialmente em questões relacionadas ao avanço neo pentecostal nas favelas.

    O início do filme mostra uma rádio favela, reverberando as músicas e informes comuns a quem faz parte daquele micro universo, onde para quem mora, todo o conteúdo difundido ali faz sentido e para quem não está acostumado, o que se fala assim pode assustar. Logo depois o filme passa a mostrar pessoas de religião de matriz africana que foram agredidas, por conta de sua fé, e se percebe que este evento pode ter muito a ver com o que se fala nessas rádios locais.

    O longa explora eventos reais, mas recai sobre a obviedade da infelizmente normal perseguição que cristãos (evangélicos, sobretudo) costumam fazer em relação a outros  credos, seja pela tradição recente muito atribuído a práticas de algumas igrejas comandadas por “celebridades” ou pela tradição (de fato) da segregação católica romana as mesmas religiões perseguidas, via sincretismo religioso, onde as entidades aduladas pelos descendentes de africanos eram negadas pelos santos católicos.

    A maior riqueza do filme mora no fato de os entrevistados serem fiéis de fato, parecendo  ter mesmo alguma devoção e paixão ardorosa pelas crenças que defendem. Elas transparecem boas intenções, mesmo que seu discurso possa soar contraditório, em especial quando se fala sobre discriminação e demonização dos outros. Pimentel tem um câmera que varia entre o estático e o nervosismo, tendo um bom exemplo do segundo aspecto quando se mostra uma mulher ajoelhada diante de um sacerdote, num simbolismo fálico que denuncia o machismo e  a submissão. Também há um caráter de denúncia na questão de apropriação de música marginal – em especial ao funk – por parte de algumas seitas cristãs, que tentam tornar sua palavra mais atraente, apelando para algo que os mesmos sempre condenaram, apesar disso não ser inédito.

    Pimentel tem cuidado em mostrar depoimentos de praticamente todos os lados, mesmo de traficantes (que obviamente, escondem suas identidades) e isso dá uma aura de veracidade a todos os muito assuntos tratados aqui, tornando toda essa abordagem ainda mais rica por se falar em linguagem facilmente palatável para todos os tipos de públicos, se desviando de qualquer viés oportunista.

    Não é uma discussão nova a que põe em contraponto questões de incentivo que alguns sacerdotes praticam, no intuito de perseguir quem é diferente. O caso famoso, de um pastor da Igreja Batista da Lagoinha  no dia da inauguração de uma praça do Preto Velho, no entanto, a questão de perseguição dentro das favelas aos terreiros é algo que de fato precisa ser mais discutido e difundido, e nisso, Fé e Fúria acerta demais, mesmo que dê vazão a algumas “teorias da conspiração”, onde os entrevistados falam que talvez haja um conchavo entre igrejas e bandidos, para estabelecer um credo como o correto na favela, mas até por serem esses argumentos ditos por pessoas físicas, tudo fica cabível nesta obra.

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  • Crítica | Querido Embaixador

    Crítica | Querido Embaixador

    A primeira tomada de Querido Embaixador, ficção conduzida por Luiz Fernando Goulart mostra um monumento artístico belo, sobre vítimas e flagelados judeus. De certa forma, o drama que remonta a história de Luiz Martins de Souza Dantas, interpretado pelo sorridente Norival Rizzo, que passa da posição confortável de diplomata brasileiro na Itália, para depois ir até a capital francesa Paris. Seu estilo bonachão e extremamente feliz difere bastante do cenário político que aos poucos se instaura na Europa próxima do começo da Segunda Grande Guerra.

    No longa, Souza Dantas é mostrado como um sujeito avessa até as caçadas esportivas, claramente ele não é um sujeito talhado para o confronto. Quase todas as suas cenas revelam um sujeito de dentes a mostra, com um gracejo nos lábios e uma gratidão estampada em seu semblante, mesmo nos momentos mais corriqueiros. Sua vida e rotina são esplêndidas.

    A produção lança mão de alguns momentos de documentários, com entrevistas de pessoas ligada ao famoso embaixador. A reconstrução de época é muito bem feita, mas no aspecto das participações dos atores, falta naturalidade na fala, que se agrava evidentemente pelo fato de ser um filme de época. Na maior parte do tempo, todo o classicismo estabelecido no longa faz incomodar o publico, melhorando um pouco depois de 30 minutos do início, por mostrar um lado mais melancólico da rotina do protagonista.

    As partes que explanam a deflagração do conflito protagonizado pelos nazistas alemães é muito forte, em especial a descrição dada sobre o cenário de Dunquerque, onde ocorreu a batalha analisada no último filme de Christopher Nolan, Dunkirk. As imagens reais e narrações das pessoas que acompanharam Souza Dantas fazem lembrar entre outras coisas, os momentos mais inspirados da filmografia de Goulart, em especial Mestre Bimba, a Capoeira Iluminada.

    A abordagem melhora consideravelmente quando o protagonista se vê contrariado por seu antigo funcionário, Martins Leta, vivido por Felipe Rocha. A disputa ideológica entre ambos, com o sujeito mais velho tentando passar por cima das ordens governamentais de não permitir a emigração de judeus para território brasileiro enquanto o mais novo tenta cumprir as ordens faz com que Rizzo consiga enfim sair da sua zona de conforto, mostrando um personagem que não é apenas sorriso, mas também energia motivada pela ira de estar vendo injustiças atravessando seu caminho e trabalho.

    O legado de Souza Dantas é imenso, em especial pela quantidade enorme de pessoas que ele salvou ao permitir que viessem ao Brasil, mesmo quando o governo federal brasileiro insistia em não permitir. As comparações ideológicas e temática desse Querido Embaixador com A Lista de Schindler são inevitáveis, ainda que o caráter e modo de filmes seja inteiramente diferente. Caso tivesse optado por mais sequências de embate, certamente o filme de Goulart seria melhor apresentado, uma vez que esses são seus pontos fortes, mas apesar de conter elementos mais comuns as telenovelas em comparação com cinema onde a pieguice e artificialidade imperam, o filme quando acerta acerta muito.

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  • Crítica | Upgrade

    Crítica | Upgrade

    Até a apresentação dos créditos de produção de Upgrade, filme de Leigh Wannell são diferenciados. Ao invés de meramente aparecerem em tela, eles são ditos por uma narração feminina, cuja voz robótica remete a ultra tecnologia que será explorada mais a frente na trama do longa que aborda a vida de Gray Trace, personagem de Logan Marshall-Green.

    A historia de fato começa na garagem/oficina do protagonista, onde o sujeito mexe no carro que é seu xodó, um antigo modelo hidráulico, diferente da realidade futurista que todo o mundo usufrui. Trace tem fobia com tecnologia, sua vida é a mais analógica que consegue e esse cenário onde a humanidade usufrui de artefatos mais modernos é tão próximo de um pesadelo que, ao menos para ele, a gênese desse universo é distópica. Fora isso, ele tem uma vida normal, é apaixonado por sua esposa e por sua máquina automobilistica, consome bebidas alcoolificas e gasta seu tempo com hobbys, como a mecânica, e claro, se mantem longe dos carros mais potentes e dos veículos voadores, cortando a estrada em alta velocidade e a moda antiga.

    A especialidade de Whannell são fitas de horror, e obviamente que há muitos elementos de filmes de terror na formula de seu longa, e o que se assiste logo no início é uma tragédia bastante violenta, envolvendo a amada do protagonista e a tecnologia que ele tanto teme. A partir daí, elementos de  filmes de monstro, de slasher e atomic horror são apresentados, de uma maneira bem criativa aliás, trazendo tudo isso para o cenário de avanço da inteligência humana,  isso sem ter o lado ético acompanhando essa evolução.

    Após todo o causo, passam três meses, o personagem fica deficiente e o caráter do filme muda um bocado, misturando elementos de ficção científica, com pitadas de Complexo dr Frankenstein e com sequências de ação bem conduzidas, emulando elementos de De Volta ao Jogo e os  filmes de Paul Greengrass. A amargura pela qual passa Trace muda as ideias do sujeito, que se lança em qualquer possibilidade de vingança e só há como acreditar no show de absurdos que passa a acontecer graças a entrega de Marshall-Green, que está incrível e surpreendentemente bem no papel, sua atuação é contida ate do ponto de vista emocional, e quando lhe é exigido ele resulta num sujeito tridimensional.

    O conceito de inteligência artificial de Stem – que é implantada em Gray – é revelado bem aos poucos, e o assumir o controle das situações gerais vão evoluindo com o cunho emocional do personagem principal, mas o nome do longa é injusto, o que se vê não é um upgrade e sim uma troca de consciência, gradativa e bem trabalhada.  A parte mais brilhante do filme é quando essa tecnologia parece pela primeira vez ter consciência e sugere assumir as ações e comando motores do “deficiente”, fazendo do corpo do sujeito algo muito mais aprimorado do que imaginava, dando vazão a cenas bastante violentos, com gore explicito, mostradas de uma forma que faz lembrar Matrix, não só na camada superficial da ação como na essência de discutir a evolução das máquinas.

    O conceito de ciborgue, com as pessoas tendo partes mecânicas é mostrado de certa forma como uma versão profana do processo que Trace é submetido. Ainda assim, resta alguma humanidade nele, ele desvia o olhar ao ver a violência que suas mãos guiadas pela Stem cometem, e ele até  vomita, com nojo de suas próprias ações, mas isso não o impede de convenientemente cair no mal que antes condenava.

    O final é disruptor, quebra expectativas e varia entre clichês de filmes de ação e algumas incongruências como a possibilidade do homem sentir dor quando é ativado pela Stem, mas em se tratando de um filme pequeno, Upgrade surpreende, e faz as expectativas em volta do seu diretor se intensificarem para suas próximas produções, além de ser uma boa extrapolação de conceitos dentro não só dos filmes de ação mas também do filão sci-fi.

    https://www.youtube.com/watch?v=uQf64EgOI30

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  • Crítica | O Bandido Giuliano

    Crítica | O Bandido Giuliano

    Mais de dez anos após Luis Buñuel tecer a marginalidade, os escândalos e a podridão social nas ruas do México, no meio do século, no clássico visceral Os Esquecidos, foi a vez de Francesco Rosi, cineasta muito querido pelo mestre moderno Martin Scorsese, de apresentar do mesmo modo cru e objetivo as motivações, os exageros e as consequências dos vários tipos de brutalidade humana, e a degradação do seu habitat relativo no estupendo O Bandido Giuliano, exemplar italiano “esquecido” ao longo da história da arte. Inserido em um forte cenário histórico, é possível desde o início da projeção atestar sua influência em um sem-número de produções mais famosas por também reproduzirem o júbilo de Giuliano, tais quais os ultra realistas O Poderoso Chefão II, Tragam-me a Cabeça de Alfonso Garcia, e Caminhos Perigosos – grandes obras que ainda estavam por vir, nos anos 70.

    O maestro Rosi, aqui em seu melhor e mais poderoso filme, se portou como um verdadeiro arqueólogo, vasculhando constantes que não sobreviveriam fora do conturbado contexto político implícito; personagens destemidas quanto a suas condições, derivativas dos ambientes que alimentam com seus atos desumanos de sobrevivência, e barbárie. Sem pudores é apresentado esse mundo europeu nada glamoroso, e nem um pouco paralelo para quem anda pelas calçadas do século XXI sem fones de ouvido: Um universo onde interesses se chocam em ciclos de vida e morte, condenações e danação. Um faroeste urbano, onde saem os cavalos e comparece a roda do capitalismo selvagem e arrebatador que John Wayne sonhava, ainda inocente, em combater com revólver e chicote. O mundo estava mudando, e aqui, já havia mudado com grande força, e impiedade.

    O Bandido Giuliano é cinema clássico apoiado na bengala da mais pura representação histórica, sem recriar a Sicília que centenas de outros filmes já haviam mostrado, remodelando a realidade. O alvo da “arqueologia” aqui era o elemento excluído ao invés do previsível, o que combinou perfeitamente com a história, na época da libertação política e conturbada da Sicília, na Itália, quando a trama se desenrola mediante o óbito do criminoso homônimo Giuliano. Seus feitos são revelados em ampla escala expansiva (Cidadão Kane, Rashomon), e seu bando aos poucos vem à luz, o que acaba por afetar a vida de dezenas de famílias e cidadãos impotentes, e humildes, que não aceitam ou entendem as consequências da violência por não beberam dessa mesma fonte. Isso dá margem a uma fantástica cena, na ocasião, onde um grupo de mulheres – mães, irmãs, esposas e afins, revoltadas pela polícia ter levado seus parentes masculinos por serem todos suspeitos de ligação a Giuliano – parte pra cima da organização armada, reivindicando a posição de sexo frágil por um bem maior.

    Essa é a única demonstração revolucionária de um grupo inferiorizado, sendo nítido ao longo do filme que a revolução política que o bando criminoso na região tanto queria promover foi estendida também em outras várias cenas de grande impacto jurídico – tudo filmado com uma intensidade que Scorsese e outros mestres iriam empregar nos anos seguintes, nos outros clássicos a serem produzidos. Nas fantásticas sequências de tribunal, palco de crimes inafiançáveis, os acusados são mantidos em jaulas em um verdadeiro zoológico marcial – Rosi, seletivo e complexo, não era adepto da singeleza argumentativa ou da redenção fácil, expondo a imoralidade e invocando, assim, a nossa própria moral diante de cada caso. O cineasta sabia que “filmava” o apocalipse do homem a partir do seu próprio ambiente, e com isso, realizou um dos melhores tratados dos efeitos do socioeconômico sobre a mentalidade de um cidadão comum.

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  • Crítica | Nausicaä do Vale do Vento

    Crítica | Nausicaä do Vale do Vento

    As pessoas sentem fome em saber sobre os limites do cinema de animação. Uma curiosidade válida e saudável que fez o cinema, nos últimos anos, produzir experimentos do tipo de Com Amor, Van Gogh e Uma Aventura Lego – filmes que foram longe na experimentação de novas técnicas de animação. Mais é um gênero ainda pobre de ousadia, carente de ambição mesmo em 2019. É claro que Valsa com Bashir, o brasileiro O Menino e o Mundo e o ótimo curta-metragem El Empleo quase desmentem o fato, e não podemos esquecer da injeção de credibilidade de Robert Zemeckis em Uma Cilada Para Roger Rabbit e de outros no jogo do antes e depois, ampliando as veredas artísticas dessa forma ainda infantilizada por ser mais consumida pelas crianças. Contudo, há léguas a se percorrer nessa estrada para futuros projetos virem a provar, a todos os públicos (e idades) o potencial inexplorado desse gênero, já que a Pixar, aqui no ocidente, parece ter finalmente abandonado a era de ouro que começou em Toy Story, e parece ter terminado na terceira parte da saga dos brinquedos aventureiros.

    Enquanto isso, no oriente, a tal ‘era de ouro’ da animação não veio de uma empresa de mil cabeças, e sim, de um homem só: Hayao Miyazaki, e seu pequeno estúdio Ghibli. Em Nausicaä do Vale do Vento, o mestre elaborou uma ficção ilustrada e superior a grande maioria das ficções científicas já listadas no cinema moderno, feito nobre para uma premissa tão simples, marca registrada do cineasta. Aqui, num cenário pós a destruição humana do seu meio ambiente, a trama (crítica sobre as consequências do apocalipse) foca na princesa Nausicaä, uma metáfora para a esperança juvenil mesmo em um mundo de trevas, e nas tentativas da corajosa adolescente em trazer equilíbrio entre a humanidade e a natureza por onde quer que ela passe. A história corre solta, um deleite para com a habilidade do diretor que em plenos anos 80 uniu história com técnica, sendo que ambas poderiam ser projetadas separadamente e seu valor, manter-se intacto. Assim, Do Vale do Vento vai equilibrando filosofia, poesia e ecologia com uma única regra: fazer o espectador absorver a importância da obra em um sentido além do Cinema. E em tempos de aquecimento global e debates ao tema, o efeito é puramente transitório da tela para a nossa percepção pessoal.

    Quiçá a arte de Miyazaki tivesse sido lançada mesmo que de modo tímido na época de prata de Walt Disney, na metade do séc. XX para o público ocidental, mimados por contos “inofensivos” de bruxas e príncipes encantados até hoje (vide Frozen), daria para imaginar o impacto nada subliminar que teria a recepção da filmografia do cineasta num público atraído apelas pelo padrão das produções de Hollywood. Digo por experiência própria: quando criança, fui cinéfilo iniciante e habituado com Os Aristogatas, obra pertencente a última leva dos clássicos produzidos em 2D pela Disney, e ao assistir na década de 90 a Nausicaä, a fiel adaptação do mangá homônimo, tal foi minha surpresa ao descobrir que não só havia uma clara limitação ao enorme potencial dos desenhos animados do ocidente que eu tanto assistia no meu videocassete, mas principalmente, descobri que havia um mundo cheio de possibilidades, fortes e maravilhosas, para a construção de outros mundos coloridos e criativos a minha frente. Algo que Hollywood não permite na maioria de seus filmes, na sua jornada por infantilizar pais e filhos através de gerações.

    Se para eles o céu tem limite (e nuvens de algodão doce), para Miyazaki e seus seguidores, não. O diretor de A Viagem de Chihiro, ainda a melhor animação do século, sempre ilustra em suas aventuras irresistíveis o que beira o proibido no cinema infantil. Uma coragem digna de samurai que falta aos cowboys de Hollywood mesmo nos tempos mais liberais da Pixar (essa chegou perto do diferencial mundial de Miyazaki com Wall-E, em 2008, e nos temas adultos do ótimo Up: Altas Aventuras). Contudo, devido ao sucesso internacional do mangá e do filme em questão, o sensacional estúdio Ghibli permanece desde 1985 como o mais influente do mundo das animações, tendo uma influência direta e/ou subjetiva na realização da maioria esmagadora de produções orientais e ocidentais a partir daí (mesmo naquelas de técnicas específicas, como o stop-motion de A Fuga das Galinhas ou na pintura animada de O Velho e o Mar). Se muitos fãs preferem as obras posteriores ao início desse “monopólio de qualidade” já estabelecido, Nausicaä foi o estopim para o célebre mosaico de maravilhas que o filme pertence. Afinal de contas, a filmografia de Miyazaki é um tesouro nacional para o Japão, e quiçá, ao vasto legado artístico da humanidade.