Crítica | Menino Maluquinho

Menino Maluquinho: O Filme começa narrado pelo protagonista interpretado pelo carismático Samuel Costa. O inicio mostra o cotidiano de uma cidade mineira interiorana, inspirada no mesmo lugar onde o autor Ziraldo nasceu. O diretor Helvécio Ratton acertou demais em dois motivos principais, primeiro na construção do personagem-título, uma vez que Costa consegue traduzir bem o garotinho amalucado das tirinhas, imprimindo claro boa parte de seu próprio estilo, e o segundo é o investimento em cenário e atmosfera, já que o que e quem se vê em tela parecem de fato fazerem parte da historia contada ali.

Ratton faz da Minas Gerais de Ziraldo um bom cenário para as desventuras do protagonista. Os carros clássicos, bonitos e figurinos remontam a uma época que não remete os anos 90, é atemporal, e esse tempero faz o filme soar divertido e fora do escopo de sua época. Assistir hoje tem um pequeno problema, afinal não houve um trabalho muito grande de preservação do filme, mas excluindo essa questão técnica todo o resto é bastante divertido.

Um dos fatores que fazem impressionar é que as crianças aqui não são asseadas ou puristas. Elas são de verdade, vêem revistas de mulher peladas escondidas, brincam de concurso de peido, ficam tristes ao perceber o divorcio dos pais, uma vez que nos anos noventa a questão da separação legalizada estava se tornando algo mais normalizado. Essa aura de naturalidade não faz o filme ser imune a alguns problemas típicos do cinema brasileiro, como os diálogos mega expositivos, parecidos com os das novelas e folhetins da época.

Poucas vezes se percebeu uma adaptação tão fiel em espírito e tão reverencial a um ícone de quadrinhos como foi com o Menino Maluquinho/Ziraldo, isso em 1994, muito antes do boom dos heróis Marvel com X-Men, ou do início do MCAU com Homem de Ferro, e em uma época que muitas adaptações davam errado – Fantasma, Spawn, Dick Tracy – e impressiona que essa tradução tenha acontecido com Ziraldo, após toda a rotina e intimidade conturbada que o quadrinista passou após o período da Ditadura Militar. Até se vê um pouco da influencia política no roteiro,  mas é evidentemente muito sutil quando apresentada, e é um caco no meio de um quadro maior.

A ida para o interior, para a casa dos avós de Maluquinho é outra viagem no tempo, não só da geração infantil, mas também do Vô Passarinho de Luiz Carlos Arutim, que adora utilizar balões, ou aviões bi motores. O elenco aliás é repleto de rostos conhecidos, Patricia Pillar faz a mãe do rapazinho, seu pai é feito por Roberto Bomtempo, Othon Bastos, Tonico Pereira e Vera Holtz fazem participações, mas nenhuma ofusca o elenco formado pelas crianças.

Mesmo os momentos mais irreais, como quando o vô Passarinho resgata os meninos de balão de uma mangueira, são charmosos, pois emulam o estilo engraçadinho de Ziraldo na revista. O filme tal qual o material base não tem compromisso de ser realista, e ainda se dedica a ser um objeto que além de trazer a luz um pouco do alter ego do desenhista, também mostra um choque entre garotos da zona urbana e os do interior, com toda uma inteiração divertidíssima e repleta de rivalidade.

Há muitos atalhos narrativos no roteiro de Alcione Araújo e Ratton, e uma certa pressa em colocar algumas perdas típicas da infância antes da partida decisiva do campeonato de futebol das crianças, mas nada que denigra a obra como um todo. Maluquinho é tão incrivelmente popular e carismático que tem torcida organizada mesmo sendo goleiro, e ele claramente põe a mão na bola fora da área. Até o “narrador” dedica suas melhores tiradas a ele e as suas quedas, levado pela música tema que Milton Nascimento fez para o filme.

Ratton faz uma obra simples, direta mas muito divertida e esmerada, que representa bem como a infância dos brasileiros seria, especialmente no caráter lúdico, Maluquinho é um jovem saudável, que tem um dia a dia conturbado, ainda que não lhe falte nada, e Samuel Costa traduz isso muito bem, causando certamente nas crianças que viram o filme na época um desejo de ter seus dias como o dele.

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