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  • Resenha | Os Zeróis

    Resenha | Os Zeróis

    O livro Os Zeróis de Ziraldo é a cereja do bolo na prova factível da genialidade do mais celebrado cartunista brasileiro de todos os tempos. A publicação da editora Globo resgata, em um grande trabalho de curadoria e restauração estética nas suas amplas páginas, toda a criatividade e ousadia do autor de O Menino Maluquinho em épocas ditatoriais, avessas para com a liberdade de expressão. Aqui, temos a face mais saudosista e debochada de Ziraldo, daquele menino que cresceu lendo gibis de super-heróis, e ainda nas décadas de 60 a 80, enfrentou o regime militar e os absurdos desse tempo com a ajuda do Fantasma, Homem de Ferro, Capitão América e outras figuras que, ridicularizadas, reforçam e emblemam suas críticas atemporais ao “todo poderoso” sistema ditatorial. As armas? Lápis e papel contra os tanques e a repressão do estado.

    Quando a censura comia solta no Brasil, e o AI5 tornou-se uma realidade, a ficção confiou em Ziraldo para ajudar a opinião pública a enxergar o ridículo da situação. Em Os Zeróis, aprendemos que o caminho trilhado pelo autor nos jornais cariocas da época foi repleto de desafios, impostos a ele e outros cartunistas que, se não foram perseguidos pelo governo, é porque não trabalharam corretamente. Lembrando que nada cutuca mais o autoritarismo do que uma boa charge, Ziraldo também apostou nos cartuns do Jornal do Brasil e do lendário O Pasquim (jornal que a partir de 1969 se opôs a censura, como veículo independente) para se destacar, indiscutivelmente, como um gênio sem lâmpada mágica – ora devido a suas sutis e espetaculares ideias gráficas, ora por seu impressionante poder de síntese quanto as temáticas polêmicas, nos idos terríveis de Castelo Branco e companhia.

    Porque a arte não se cala, ela grita. Muito além da ditadura na república brasileira, Ziraldo expôs a tensão não somente da Guerra do Vietnã, mas da Guerra Frita entre EUA e Rússia sem precisar de muitas palavras para isso, e da forma mais célebre possível. Usando e abusando dos ícones da cultura pop americana, o cartunista desenhou Superman descansando na lua ao lado da bandeira norte-americana, enquanto russos chegavam na lua “atrasados para a festa”. Em outro momento, Ziraldo fez o Capitão América correndo com o símbolo da ‘foice e do martelo’ no seu escudo, evidenciando assim a influência ideológica de uma política, nos símbolos de outros países. A genialidade de Ziraldo nunca conheceu fronteiras, e reconhecida mundialmente, fez arte e política se casarem num matrimônio perfeito.

    Mas foi com as ideias baseadas no Tarzan e Shazam! que nosso orgulho nacional ganhou as capas de revistas estrangeiras, e logo em seguida, os louros por sua contribuição as belas-artes, ainda nos anos 1960, no auge de sua produção catártica. Já na época, Ziraldo também se contestava sobre o que lhe restava fazer, e ciente de que terminaria seus dias como pintor (caso sobrevivesse a ditadura, até 1985), vinha sonhando com os seus Zeróis, seres adoravelmente defeituosos, pintados em cavaletes e além das charges de jornal. Uma validação de seus cartuns longe das suas onomatopeias coloridas e imortalizados agora na dimensão das telas pictóricas em acrílico num tempo mais livre, sem a preocupação anterior de ser calado pela grande mão invisível do sistema. O clima, agora, era outro, e por que não reler grandes obras do passado com a participação de suas próprias criações?

    Assim, desde 2008, o autor passou a incorporar suas versões achincalhadas do Batman, Zorro e Mulher-Maravilha dentro de clássicas pinturas mundiais, inserindo (no mais genial de seus quadros) o Superman no “Gótico Americano”, em pé entre os dois ruralistas pintados por Grant Wood. Para quem não sabe, o quadro é um monumento da história do povo estadunidense, e Ziraldo, assim como em “Las Meninas na África”, numa releitura com o Fantasma dentro do quadro da fase cubista de Picasso, vê na realidade a principal ferramenta para exercitar sua maestria expansionista – sempre com uma irreverência ácida e pertinente, e um traço igualmente inconfundível. Os Zeróis cobre todo o seu esplendor artístico ao retificar o lugar especial que o artista merece ter na história da cultura do Brasil, sendo ademais um artista veterano digno de adoração por toda a esfera humana, aquela que preza pela mais fina flor do bom gosto e do bom humor.

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  • Crítica | Menino Maluquinho

    Crítica | Menino Maluquinho

    Menino Maluquinho: O Filme começa narrado pelo protagonista interpretado pelo carismático Samuel Costa. O inicio mostra o cotidiano de uma cidade mineira interiorana, inspirada no mesmo lugar onde o autor Ziraldo nasceu. O diretor Helvécio Ratton acertou demais em dois motivos principais, primeiro na construção do personagem-título, uma vez que Costa consegue traduzir bem o garotinho amalucado das tirinhas, imprimindo claro boa parte de seu próprio estilo, e o segundo é o investimento em cenário e atmosfera, já que o que e quem se vê em tela parecem de fato fazerem parte da historia contada ali.

    Ratton faz da Minas Gerais de Ziraldo um bom cenário para as desventuras do protagonista. Os carros clássicos, bonitos e figurinos remontam a uma época que não remete os anos 90, é atemporal, e esse tempero faz o filme soar divertido e fora do escopo de sua época. Assistir hoje tem um pequeno problema, afinal não houve um trabalho muito grande de preservação do filme, mas excluindo essa questão técnica todo o resto é bastante divertido.

    Um dos fatores que fazem impressionar é que as crianças aqui não são asseadas ou puristas. Elas são de verdade, vêem revistas de mulher peladas escondidas, brincam de concurso de peido, ficam tristes ao perceber o divorcio dos pais, uma vez que nos anos noventa a questão da separação legalizada estava se tornando algo mais normalizado. Essa aura de naturalidade não faz o filme ser imune a alguns problemas típicos do cinema brasileiro, como os diálogos mega expositivos, parecidos com os das novelas e folhetins da época.

    Poucas vezes se percebeu uma adaptação tão fiel em espírito e tão reverencial a um ícone de quadrinhos como foi com o Menino Maluquinho/Ziraldo, isso em 1994, muito antes do boom dos heróis Marvel com X-Men, ou do início do MCAU com Homem de Ferro, e em uma época que muitas adaptações davam errado – Fantasma, Spawn, Dick Tracy – e impressiona que essa tradução tenha acontecido com Ziraldo, após toda a rotina e intimidade conturbada que o quadrinista passou após o período da Ditadura Militar. Até se vê um pouco da influencia política no roteiro,  mas é evidentemente muito sutil quando apresentada, e é um caco no meio de um quadro maior.

    A ida para o interior, para a casa dos avós de Maluquinho é outra viagem no tempo, não só da geração infantil, mas também do Vô Passarinho de Luiz Carlos Arutim, que adora utilizar balões, ou aviões bi motores. O elenco aliás é repleto de rostos conhecidos, Patricia Pillar faz a mãe do rapazinho, seu pai é feito por Roberto Bomtempo, Othon Bastos, Tonico Pereira e Vera Holtz fazem participações, mas nenhuma ofusca o elenco formado pelas crianças.

    Mesmo os momentos mais irreais, como quando o vô Passarinho resgata os meninos de balão de uma mangueira, são charmosos, pois emulam o estilo engraçadinho de Ziraldo na revista. O filme tal qual o material base não tem compromisso de ser realista, e ainda se dedica a ser um objeto que além de trazer a luz um pouco do alter ego do desenhista, também mostra um choque entre garotos da zona urbana e os do interior, com toda uma inteiração divertidíssima e repleta de rivalidade.

    Há muitos atalhos narrativos no roteiro de Alcione Araújo e Ratton, e uma certa pressa em colocar algumas perdas típicas da infância antes da partida decisiva do campeonato de futebol das crianças, mas nada que denigra a obra como um todo. Maluquinho é tão incrivelmente popular e carismático que tem torcida organizada mesmo sendo goleiro, e ele claramente põe a mão na bola fora da área. Até o “narrador” dedica suas melhores tiradas a ele e as suas quedas, levado pela música tema que Milton Nascimento fez para o filme.

    Ratton faz uma obra simples, direta mas muito divertida e esmerada, que representa bem como a infância dos brasileiros seria, especialmente no caráter lúdico, Maluquinho é um jovem saudável, que tem um dia a dia conturbado, ainda que não lhe falte nada, e Samuel Costa traduz isso muito bem, causando certamente nas crianças que viram o filme na época um desejo de ter seus dias como o dele.

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  • Crítica | Henfil

    Crítica | Henfil

    O documentário de Angela Zoé (Meu Nome é Jacque) começa com um grupo de animadores procurando material para trabalhar em cima. Eles são “apresentados” a graúna, personagem do cartunista que dá nome ao filme, Henfil. Aroeira, Jaguar, Ziraldo e outros cartunistas parceiros de Henrique de Souza Filho falam dos momentos de intimidade que tiveram com ele na época d’O Pasquim, jornal alternativo e de contracultura existente durante boa parte do regime militar brasileiro.

    Para os amigos, Henfil era a alma d’O Pasquim, a pessoa que sacudia o restante do grupo, o que tinha o humor mais ácido e rasgante, e isso claramente se expressa nas suas tiras, algumas sendo reproduzidas em tela, com uma animação. Cabôco Mamadô serviu para expurgar os seus demônios, inclusive no que diz respeito ao sepultamento alegórico de Elis Regina, quando ela cantou nas olimpíadas do Exercito, cena essa muito mal orquestrada na cinebiografia de Elis. O que curiosamente se destaca é que após o ocorrido, os dois foram apresentados e se tornaram muito próximos. Outros famosos foram enterrados como Fernanda Montenegro, Clarice Lispector, entre outros, mostrando que não havia muita complacência da parte do desenhista.

    Toda a revolta do artista tinha a ver com a situação do país, mergulhado na Ditadura Militar. Foi daí que ele tirou inspiração para criar Ubaldo, o Paranoico, que segundo suas palavras,  denunciava  o medo e o horror que era viver desse jeito em pleno alvorecer sexual e artístico no restante do mundo. O seu método também é bem flagrado pelas câmeras, desde as sombras que fazia, que dificilmente usava lápis, além de só começar a criar após ler todos os jornais e se inteirar sobre os assuntos cotidianos.

    É impressionante como praticamente todas as historias de personagens e inspirações de Henfil tem um tom anedótico. Quando se toca no assunto espinhoso de sua doença, não há pesar, pelo contrário, já que os admiradores animadores que visitam o set chegam a conclusão de que talvez fosse a pressa por terminar sua obra que o inspirou a criar tanto material combativo.

    Há episódios inteiros dentro do filme sobre a hemofilia que vitimou o cartunista, e que diminuiu drasticamente sua qualidade de vida, assim como a denúncia ao que ele chamava de complexo de cucaracha, que era uma versão pessoal a respeito do já conhecido complexo de vira-lata falado por Nelson Rodrigues. Zoé também passa por Tanga – Deu No New York Times, filme dirigido pelo biografado, mas que foi um fracasso de bilheteria.

    Não há concessões ou sequer momentos “chapa-branca”, apesar de esse Henfil ser um objeto absolutamente reverencial e respeitoso com a sua figura da análise, ao final, a animação dirigida por Gabriel Kalegario, envolvendo os jovens que apareceram no início embalam os créditos do longa, em mais uma mostra do quão forte e influenciadora era a carreira do artista.

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  • Resenha | MSP 50 Artistas

    Resenha | MSP 50 Artistas

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    A importância de 50 anos de carreira é sempre um marco louvável que marca homenagens e edições especiais, não importando qual a vertente artística do autor. Celebrando o cinquentenário em 2009, a obra de Maurício de Sousa recebeu homenagens diversas e foi prestigiada de maneira inédita em uma edição especial reunindo 50 artistas de quadrinhos, que recriam os populares personagens com traços diferentes daqueles fundamentados pelo quadrinista.

    No prefácio que abre MSP 50 – Maurício de Sousa por 50 Artistas, o editor Sidney Gusman ressalta a especialidade desta comemoração e a fonte de inspiração da homenagem vinda de uma edição comemorativa dos 80 anos de Albert Uderzo, um dos criadores do Asterix. O sucesso da edição foi tamanho que dois outros volumes surgiram em seguida, além de uma edição dando maior liberdade aos desenhistas e roteiristas da Maurício de Sousa Produções.

    Esta edição comemorativa, lançada em capa dura pela Panini Comics, apresenta 50 autores com suas interpretações pessoais de personagens clássicas de Maurício, promovendo uma gama de leituras e estruturas quadrinescas diferenciadas, como charges, tiras e narrativas curtas. A pluralidade é o grande argumento destas visões, algo trabalhado para que cada autor desse sua visão pessoal e artística sobre tais personagens. Ainda que todas as histórias tenham diferenças entre si, a homenagem explícita se mantém em diversas histórias. Parte dos autores preferiu transformar sua trama em um parabéns agradecido ao autor, bem como poucos que possuíam personagens populares próprios realizaram um crossover entre universos.

    Em maior ou menor grau, a interpretação pessoal se destaca. Outra boa parte das narrativas causa impacto pela diferença do estilo e do equilíbrio entre homenagem e conceito próprio, caso do conhecido Ivan Reis, oriundo dos quadrinhos de heróis, que cria um vilanesco Cebolinha, ou de Fabio Yabu, que promove uma ficção científica reflexiva sobre a infância. Outros nomes desconhecidos, até então, por minhas leituras, se destacam, como Otoniel Oliveira, que realiza uma bela história com Franjinha e Marina; Samuel Casal, cuja atmosfera e ausência de cores se adequaram perfeitamente ao Penadinho; e Erica Awano e seu traço em mangá no ambiente rural de Chico Bento. Três exemplos que se sobressaem visualmente pela diferença dos traços tradicionais da turminha, com perspectivas particulares deste universo.

    Graças à popularidade de seus personagens, as histórias dessa edição são especiais pela leitura pessoal no ideário de cada um. Destaca-se a importância deste ou daquele personagem, a maneira sensível pelo qual cada artista compõe sua trama a partir do cânone, sem perder a identificação emotiva, afinal a leitura primordial da Turma da Mônica é feita na tenra idade, um batismo universal para a maioria dos leitores brasileiros de quadrinhos.

    A comemoração dos 50 anos de carreira de Maurício de Sousa é coerente com a força de seu trabalho, reconhecido mundialmente e um dos grandes destaques brasileiros nos quadrinhos. Porém, a interpretação de cada homenagem produz momentos delicados. Afinal, neste 50 anos, o criador da Mônica trabalhou ao lado de uma equipe cujos créditos nunca foram devidamente apontados. Infelizmente, muito material produzido em décadas passadas foi assinado coletivamente por uma equipe cujo líder é Maurício de Sousa, o autor e empresário simultaneamente. Dessa forma, algumas destas homenagens, ao afirmarem sobre o seu cinquentenário, dão a impressão de que sua carreira foi fundamentada de maneira solo, sem o apoio desta equipe que, somente em lançamentos atuais, ganhou o devido crédito pelo trabalho. Uma afirmativa que não retira o talento fundamentado em anos de criação, mas que deve ser pontuado para evitar qualquer centralização indevida.

    Mesmo com este problema, que ainda deve ser sanado pelos estúdios, Maurício de Sousa é um dos grandes quadrinistas brasileiros, e sua força é demonstrada nessa homenagem que espelha suas personagens e a tradição fundamentada por elas, sendo mais um marco na trajetória deste autor ímpar.