Tag: Laerte Coutinho

  • Crítica | Laerte-se

    Crítica | Laerte-se

    A quadrinista e cartunista Laerte Coutinho tem uma série de documentais em áudio visual que tratam de sua trajetória, em especial quando assumiu sua identidade feminina. Foi assim em Vestido de Laerte, De Gravata e Unha Vermelha e outras obras. Em Laerte-se, o começo de sua fala é a de explicitar o incômodo que ele tem em ser objeto de análise e estudo, em especial por esses eventos recentes, e o intuito do filme de Eliane Brum e Lygia Barbosa da Silva é quebrar um pouco a formalidade relativa a isso, apelando para a ternura e pessoalidade, usando inclusive a tipografia de Laerte para anunciar boa parte dos créditos iniciais.

    Em um episódio de 2012 do programa Roda Viva, Laerte variava na conjugação de gênero que empregava a si. Apesar de ainda lançar mão de masculino e feminino quando se refere a si, a maior parte das vezes a desenhista se refere a si mesmo como mulher. É curioso também notar que ela tem dificuldades em chamar a si mesmo de transgênero, já que não considera isso correto.

    O filme não se preocupa em necessariamente formar um manifesto pró-direitos de transexuais, mas sim mostrar o que Laerte é por dentro, discorrer sobre seus sentimentos, perdas e reflexões sobre sua existência, tomando como um dos pontos de partida a morte de seu filho.

    As intenções por trás do longa são muito boas, levando em consideração um progressismo atroz, mas há poucas conclusões tiradas e também pouco se acrescenta em qualquer discussão, tanto no tema tabu de inserção de crossdresser e trans no mercado de trabalho, quanto a realização de trabalhos por estas pessoas. Tecnicamente há algumas decisões de Brum e Barbosa da Silva discutíveis, como as charges inseridas, que são apresentadas normalmente em silêncio, quebrando a concentração do espectador. No final das contas, Laerte-se deixa a desejar em seu resultado final, visto as possibilidades de discussão que poderia ter desenvolvido.

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  • Resenha | MSP 50 Artistas

    Resenha | MSP 50 Artistas

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    A importância de 50 anos de carreira é sempre um marco louvável que marca homenagens e edições especiais, não importando qual a vertente artística do autor. Celebrando o cinquentenário em 2009, a obra de Maurício de Sousa recebeu homenagens diversas e foi prestigiada de maneira inédita em uma edição especial reunindo 50 artistas de quadrinhos, que recriam os populares personagens com traços diferentes daqueles fundamentados pelo quadrinista.

    No prefácio que abre MSP 50 – Maurício de Sousa por 50 Artistas, o editor Sidney Gusman ressalta a especialidade desta comemoração e a fonte de inspiração da homenagem vinda de uma edição comemorativa dos 80 anos de Albert Uderzo, um dos criadores do Asterix. O sucesso da edição foi tamanho que dois outros volumes surgiram em seguida, além de uma edição dando maior liberdade aos desenhistas e roteiristas da Maurício de Sousa Produções.

    Esta edição comemorativa, lançada em capa dura pela Panini Comics, apresenta 50 autores com suas interpretações pessoais de personagens clássicas de Maurício, promovendo uma gama de leituras e estruturas quadrinescas diferenciadas, como charges, tiras e narrativas curtas. A pluralidade é o grande argumento destas visões, algo trabalhado para que cada autor desse sua visão pessoal e artística sobre tais personagens. Ainda que todas as histórias tenham diferenças entre si, a homenagem explícita se mantém em diversas histórias. Parte dos autores preferiu transformar sua trama em um parabéns agradecido ao autor, bem como poucos que possuíam personagens populares próprios realizaram um crossover entre universos.

    Em maior ou menor grau, a interpretação pessoal se destaca. Outra boa parte das narrativas causa impacto pela diferença do estilo e do equilíbrio entre homenagem e conceito próprio, caso do conhecido Ivan Reis, oriundo dos quadrinhos de heróis, que cria um vilanesco Cebolinha, ou de Fabio Yabu, que promove uma ficção científica reflexiva sobre a infância. Outros nomes desconhecidos, até então, por minhas leituras, se destacam, como Otoniel Oliveira, que realiza uma bela história com Franjinha e Marina; Samuel Casal, cuja atmosfera e ausência de cores se adequaram perfeitamente ao Penadinho; e Erica Awano e seu traço em mangá no ambiente rural de Chico Bento. Três exemplos que se sobressaem visualmente pela diferença dos traços tradicionais da turminha, com perspectivas particulares deste universo.

    Graças à popularidade de seus personagens, as histórias dessa edição são especiais pela leitura pessoal no ideário de cada um. Destaca-se a importância deste ou daquele personagem, a maneira sensível pelo qual cada artista compõe sua trama a partir do cânone, sem perder a identificação emotiva, afinal a leitura primordial da Turma da Mônica é feita na tenra idade, um batismo universal para a maioria dos leitores brasileiros de quadrinhos.

    A comemoração dos 50 anos de carreira de Maurício de Sousa é coerente com a força de seu trabalho, reconhecido mundialmente e um dos grandes destaques brasileiros nos quadrinhos. Porém, a interpretação de cada homenagem produz momentos delicados. Afinal, neste 50 anos, o criador da Mônica trabalhou ao lado de uma equipe cujos créditos nunca foram devidamente apontados. Infelizmente, muito material produzido em décadas passadas foi assinado coletivamente por uma equipe cujo líder é Maurício de Sousa, o autor e empresário simultaneamente. Dessa forma, algumas destas homenagens, ao afirmarem sobre o seu cinquentenário, dão a impressão de que sua carreira foi fundamentada de maneira solo, sem o apoio desta equipe que, somente em lançamentos atuais, ganhou o devido crédito pelo trabalho. Uma afirmativa que não retira o talento fundamentado em anos de criação, mas que deve ser pontuado para evitar qualquer centralização indevida.

    Mesmo com este problema, que ainda deve ser sanado pelos estúdios, Maurício de Sousa é um dos grandes quadrinistas brasileiros, e sua força é demonstrada nessa homenagem que espelha suas personagens e a tradição fundamentada por elas, sendo mais um marco na trajetória deste autor ímpar.