Categoria: Cinema

  • Crítica | A Noiva de Chucky

    Crítica | A Noiva de Chucky

    A Noiva de Chucky é a primeira tentativa de repaginar os filmes do boneco psicopata, reunindo mais elementos de comédia que de terror. Lançado dez anos depois do clássico Brinquedo Assassino, o longa de Ronny Yu mostra Tiffany, personagem de Jennifer Tilly, que começa a história cometendo o assassinato de um policial só para resgatar os restos mortais do boneco. Logo, ela faz um ritual de vodu  graças a um manual de magia negra para amadores e faz o personagem dublado por Brad Dourif retornar a vida.

    A franquia vinha em baixa, Brinquedo Assassino 3 deixou o criador Don Mancini em espera e por mais que hajam críticas pertinentes aos novos rumos da franquia, a dinâmica deu certo. O uso do clichê de par romântico do monstro, ao estilo A Noiva de Frankenstein e A Noiva do Re-Animator casa bem com o tom satírico. Outro ponto é a quebra de quarta-parede, embora o tom aqui seja nada sutil.

    Yu tinha pouca experiência no cinema americano, vinha da produção do filme de fantasia Guerreiros da Virtude, mas ele fez bem seu papel, pois na proposta de tornar tudo mais cômico, há mais acertos que erros. Anos mais tardes, coube-lhe comandar o crossover Freddy vs Jason, que tem elementos presentes nesta obra de 1998. A atmosfera de autoparódia funciona, e a violência explícita idem, transformando ele em um bom exemplo no cinismo que tomou o cinema noventista.

    A abordagem ao estilo videoclipe é acertada e a trilha sonora é um dos pontos fortes, em especial a sequência com Living Dead Girl, de Rob Zombie — curiosamente se tornaria um diretor promissor em 2003 com A Casa dos Mil Corpos e Halloween: O Início — que estabelece quem seria o protagonista dessa história e demonstrando que as regras de transferência de alma seriam mais corrompidas ainda.

    O brilho do filme reside nas personagens femininas. Tilly estava no auge de sua beleza, o carisma da atriz a faz variar naturalmente entre a mulher hilária e tola, que ao esbarrar em clichês de romantismo barato acaba fracassando no intento de ser a mulher fatal perfeita. Tiff é incapaz de perceber  que sua relação com Charles é abusiva, exceção feita ao final, quando decide poupar Jade (Katherine Heigl). A outra moça, aliás também faz um bom papel, e acaba sendo uma scream queen tão boa que chega a destoar do que é comum em obras de slasher. O problema reside nos personagens masculinos rasos. Chucky ainda consegue ter seu brilho, especialmente quando entra em competição com seu par. É sacana, vingativo, amargurado, mas ainda assim, um coadjuvante de luxo do drama da noiva.

    O filme quando não se leva a sério acerta, embora hajam referências bobas até demais, como os souvenirs de personagens de A Hora do Pesadelo, sexta-feira 13 e Halloween, em uma clara cópia a Batman & Robin de Joel Schumacher, que um ano antes, fez uma cena semelhante mostrando quinquilharias dos vilões antigos do Morcego quando no Asilo Arkham.

    A tentativa de repetir os clichês de Assassinos por Natureza e Bonnie e Clyde: Rajada de Balas, colaboram para deixar o terço final cansativo. Os atalhos que Mancini escolhe não tem muito sentido, e o filme carece de um ritmo bom. No trecho final, ainda há um momento bom, ao menos pela bizarrice, sendo a briga entre bonecos um conceito tão sem noção que soa cômico. A Noiva de Chucky é das continuações a mais acertada, pois busca algo diferente mesmo que tenha um final apelativo e  tenha gerado tantos herdeiros bastardos.

  • Crítica | Amor Sublime Amor (1961)

    Crítica | Amor Sublime Amor (1961)

    Crítica amor sublime amor 1961

    A história do cinema se confunde facilmente com suas obras, especialmente as clássicas e entre elas, certamente Amor, Sublime Amor é uma das mais notáveis. O musical vencedor de dez estatuetas do Oscar é uma adaptação de Robert Wise e Jerome Robbins sobre o musical da Broadway e narra a história de duas gangues rivais de Nova York: os Jets, garotos caucasianos que se consideram os nativos do país, contra os Sharks, formados por imigrantes e filhos de imigrantes latinos, a maioria sendo de Porto Rico.

    O filme se inicia com uma tomada aérea de Nova York, mostrando-a como o palco das lutas, um coliseu urbano onde a “guerra” entre meninos ocorreria, mostrando um panorama pessimista sobre a juventude, que deveria ser ingênua e sonhadora, mas é agressiva e afeita a brigas.

    Os Jets não demoram a aparecer, liderados por Riff (Russ Tamblyn), um garoto de boa aparência, mas de índole delinquente. Sua gangue é tão problemática e imoral quanto ele, e toda sua jornada envolve tentar convencer seu amigo Tony, feito por Richard Beymer, a regressar as práticas de violência e traquinagem.

    Os cenários remetem a pobreza, os primeiros ataques se dão em áreas comuns, em quadras de basquete, esporte conhecido na época por abrigar marginais e drogados. A ação se desenrola progressiva e gradativamente, com belos passos de balé, jazz e dança contemporânea, e até demora um pouco para ter diálogos entre os personagens. A intenção era impactar pela dança.

    Já os Sharks são mostrados como gente mais sofrida, que tem de lutar para viver e sobreviver. Liderados por Bernardo (George Shakiris), logo ocorre um baile onde moços e moças, ligados ou não aos dois grupos se reúnem, e é nele, que a jovem e inspiradora Maria (Natalie Wood) encontra os olhos de Tony, e os dois passam a se enamorar. Essa é uma releitura de Romeu e Julieta, clássico teatral de William Shakespeare, adaptado para a segunda metade do século XX, e o intento de tornar a história mais palatável é bastante acertada, já que o drama é mais próximo do comum ao público.

    Tecnicamente o filme é impecável, seus cenários, mesmo quando são pequenos remetem a um cinemão, parecem amplos, em jogos de espelhos tirados direto do teatro. As coreografias de Robbins são boas, até Fred Astaire, mestre do sapateado elogiou o desempenho de Tamblyn, fato que fez o ator se preocupar menos com o seu modo de atuar e dançar. As atuações, apesar de histriônicos, combinam bem com a trama, ajudam a tornar esse melodrama em algo crível, um conto urbano verossímil, mesmo cheio de fantasias.

    Se o primeiro ato, antes do intervalo soa cansativo, o ritmo da segunda parte compensa, especialmente por focar mais na personagem mais rica do roteiro, Maria. O círculo de mulheres porto-riquenhas tem mais questões problemáticas. Com situações realmente graves e mais fáceis de associar com a atualidade, mesmo que as canções girem em torno da mulher só ter sucesso quando consegue alguém para banca-la. Chega a ser engraçado como Maria trabalha e provém seu sustento sozinha no meio da cena onde sonha com seu Tony/Romeu, isso serve de comentário do quão tacanho era o pensamento da época.

    Toda a sequência da música da versão de confronto em Tonight é sublime, as gangues indo em direção ao tão aguardado confronto, Tony e Maria sonhando juntos em pensamento, mas fisicamente distantes, só esse trecho é como uma opereta particular, que reúne desejos e anseios de fontes completamente diferentes, e resultam em tragédias particulares e comuns a todos.

    A luta entre Riff e Bernardo é icônica, e serviu de inspiração para diversas obras artísticas, entre elas o hit Beat It, de Michael Jackson, além é claro dos clássicos “underground” de Walter Hill, tanto Warriors: Os Selvagens da Noite quanto Ruas de Fogo.

    O final é dramático, triste e melancólico, e por mais que pareça conveniente demais o desfecho, não há como negar sua carga dramática. Amor, Sublime Amor é um clássico atemporal, e é fácil de se apreciar mesmo atualmente, exceto talvez por ter um ritmo um pouco arrastado, sobretudo para o espectador mais apressado, ainda assim, é uma história de pulso, sentimento, poesia e verve, como os clássicos shakesperianos eram.

  • Crítica | A Jaula

    Crítica | A Jaula

    A Jaula é situado em algum lugar no tempo próximo da realidade brasileira atual, a trama dá conta de um rapaz que tenta roubar o rádio de um carro, arrombando o veículo para só depois se perceber preso dentro dele, já que o dono preparou uma armadilha inescapável.

    O filme não possui um vasto elenco, baseia-se quase na totalidade em duas figuras, o assaltante Djalma, vivido por Chay Suede em uma interpretação diferenciada de todos os seus papéis habituais, e o dono do veículo, o doutor Henrique, ginecologista vivido por Alexandre Nero, um homem cansado da violência urbana e decide fazer justiça com as próprias mãos.

    O filme apela para os clichês relacionados ao pensamento violento e agressivo dos tempos atuais. Sua atmosfera soa como uma corruptela de um Brasil em crise, e ainda que as ações cruéis do autoproclamado homem de bem só ocorram pela sua falta de perspectiva, acabar por refletir a vontade e a satisfação de boa parte do pensamento conversador e retrógrado atual.

    Colocar em perspectiva esse dilema moral poderia facilmente recair sobre uma abordagem piegas, mas felizmente  não é isso que acontece. O diretor João Wainer (Junho: O Mês que Abalou o Brasil e Quem Matou? Quem Mandou Matar?) ao lado do roteirista João Cândido Zacharias conseguem estabelecer a condenação moral ao sujeito que quer o sangue do fora da lei, e o faz de maneira singular, mesmo sendo este uma refilmagem de 4×4, filme argentino de Mariano Cohn.

    O filme julga o sujeito como quem ele realmente é, um sujeito violento que não busca a justiça que seu discurso propõe, e sim o sangue e a dignidade de alguém que tentou prejudicá-lo. Fica patente que Henrique se considera humanamente superior, e só tem condição  de realizar tão elaborada vingança por estar social e economicamente acima de Djalma. Polícia, mídia e até parte da população mostram que não é só Henrique que pensa de maneira doentia, mas boa parte da população reflete esse revanchismo. A sociedade segue refém desse argumento de justiçamento acrítico.

    O pensamento político de envolver setores da comunicação e as expectativas de uma fração da população são melhor exploradas nessa versão. Wainer ainda cuida em não espetacularizar demais a violência. Há gore, tiros, mas a escolha de mostrar um personagem branco roubando é sábia, pois não apela ao clichê comum de colocar negros como o alvo principal da tortura psicológica. Ainda assim o roteiro tem um tom de denúncia, pois encaixa outro infrator, esse sim, de pele preta, que tenta roubar o mesmo carro sendo linchado pela multidão, levado pela polícia quase irreconhecível, deformado pelos socos e pontapés que sofreu. Nesse universo, tão parecido com o nosso é fácil perceber como até para criminosos existe mais rigidez com gente de pele negra.

    A Jaula é curto, mas consegue estabelecer uma atmosfera de suspense e tortura poucas vezes visto no cinema nacional recente. Seu cineasta não tem receio em fazer um filme de gênero, e essa versão não deixa nada a desejar ao original argentino, adaptando muitíssimo bem certas situações para a realidade do Brasil atual.

  • Crítica | Velozes e Furiosos 9

    Crítica | Velozes e Furiosos 9

    Velozes e Furiosos 9 tem seu início em 1989, com o patriarca dos Toretto, Jack, correndo em um circuito da Nascar e sofrendo um trágico acidente sob o olhar atônito dos dois filhos. Esse preâmbulo serve para estabelecer que o Dominic Don Toretto de Vin Diesel tem uma ligação emocional com os carros, e ainda introduz Jakob, seu irmão, vivido quando adulto por John Cena, como o novo antagonista.

    Justin Lin retorna a direção e como é visto na introdução esse seria um filme mais dramático que os anteriores. Um dos fatores curiosos da série de filmes era sua capacidade de rir de si mesmo, além de introduzir piadas e memes do público em sua própria história. Fato é que a franquia tinha em seu elenco atores medíocres que repetiam clichês de família para tudo, boas cenas de ação e de carros em velocidade, e invariavelmente se vendia como um filme de assalto ou de conspirações com governos envolvendo carros. Não havia muita preocupação dramática. Muita ação, frases de efeito e diversão, contudo quando a jornada se leva a sério demais, mesmo os defensores mais ardorosos penam na tentativa de justificar toda essa movimentação.

    A fórmula claramente se desgastou, o que sobra é a sensação de que a corda esticou demais. Nem os absurdos e momentos impossíveis funcionam, some-se a isso os adiamentos causados por uma pandemia que matou milhões, e o impacto desse filme beira a zero, nem mesmo o choque de uma revelação familiar dos Toretto quebra essa sensação.

    O filme chegou a ser exibido em grandes festivais, como em Cannes, e teve lançamento de dois cortes, inclusive com uma versão do diretor (com míseros quatro minutos a mais e pouco muda o espírito da obra), fora isso, há conveniências difíceis de engolir, como o retorno de um terceiro irmão Toretto, nunca mencionado. O longa não se contenta em ser um projeto de prequel, como também faz retcons.

    Outra questão foram as brigas das estrelas e a bifurcação do elenco da saga Velozes e Furiosos, com Vin Diesel e Dwayne Johnson não trabalhando juntos dentro desta franquia. Se Hobbs & Shaw é legal, mesmo sem uma bilheteria vultuosa, esse não conseguiu quase nada, foi prejudicado em arrecadação por conta do novo coronavírus e não acerta no quesito escapismo. Parece de fato que algo foi perdido e o apelo a personagens antigos já não é mais o mesmo.

    O longa tem sacadas, ainda que esparsas e meio perdidas no roteiro, como a indagação de um dos personagens ao fato deles terem tantos feitos impossíveis sem nenhuma cicatriz ou perda significativa seja para atrapalhar suas vidas ou como lembranças, mas quando essa sentença é dita pelo ator mais canastrão do elenco, Tyrese Gibson, perde força. A realidade é que mais do que antes, não há nenhum temor pelo destino dos aventureiros.

    Ao terminar de ver Velozes e Furiosos 9 a impressão que fica é que a saga já se esgotou, e que uma trama tão pretensamente adulta que envolve rivalidade entre irmão e até insinuações de parricídio, não deveria se levar tão a sério ou deveria ser introduzido de outra forma. Não após quase duas décadas de duração e dez filmes contando spin offs. É pouco, e nem os retornos forçados do filme compensam suas fragilidades.

  • Crítica | 007: Marcado Para a Morte

    Crítica | 007: Marcado Para a Morte

    Crítica 007 Marcado Para a Morte

    007: Marcado Para a Morte poderia ter sido o início de uma era pródiga na adaptação dos livros de James Bond de Ian Fleming se não tivesse sido encerrada tão precocemente. O início do filme de John Glen abre com uma ação de treinamento envolvendo três agentes 00 comandados por M (Robert Brown), e o personagem de Timothhy Dalton não demora a aparecer frustrando em parte o plano dos vilões que queriam matar todos os agentes, mas não sem deixar perdas, como a dos espiões 002 e 004. O longa já demonstra a gravidade que será sua tônica já nesse início.

    O clima da obra lembra os futuros longas de Martin Campbell007 Contra Goldeneye e 007: Cassino Royale — no sentido de perverter a fórmula e estabelecer um estilo diferente e renovado, ainda que use bastante os chavões do personagem cinematográfico, há um apego maior ao 007 de Fleming, até por preocupação do próprio Dalton.

    A trama é bem simples, quase simplória, e envolve a proteção do agente 007 a um desertor da KGB. O drama possui as mesmas questões banais e maniqueístas do que era comum na cultura pop da época ao lidar com a Guerra Fria. Ainda se acrescenta vários momentos com elementos árabes, como os Mujahidin, descrito por Bond como a resistência afegã — um grupo de guerrilheiros afegãos contrários à intervenção russa.

    Essa versão de Bond soa mais violenta que os filmes anteriores, imitando os heróis de ação que faziam sucesso na década de 1980, além de referenciar ao personagem literário original, que era mais frio do que a versão de Roger Moore. Essa talvez seja a encarnação mais parecida com a recente de Daniel Craig. Outro ponto importante diz respeito aos vilões, que deixaram de ser meros cientistas loucos e irreais.

    As lutas aqui são bem mais agressivas que nas produções anteriores da franquia. Bond causa queimaduras nos inimigos, os fere com água fervendo em uma cena de ação dentro de uma cozinha, espanca sem dó capangas, causa explosões. A ação mais direta e franca e é o diferencial principal entre essa fase e a anterior.

    O agente americano Felix Leiter retorna. O personagem estava fora desde 007: Viva e Deixe Morrer e é basicamente introduzido para que o público lembre dele antes da próxima aventura onde ele seria importante. No elenco outro destaque é que Moneypenny finalmente trocada, saindo Lois Maxwell e entrando Caroline Bliss. Curioso como não há nenhuma necessidade de explicar essa mudança, aparentemente o espectador era mais acostumado com isso.

    007: Marcado Para a Morte tem alguns elementos bem diferentes do restante da saga, como pouco flerte entre as mulheres e o espião, fruto obviamente da recém-descoberta do vírus HIV. Possui um final cínico, e dentro do escopo de filmes da franquia acaba sendo um dos mais subestimados e injustiçados mesmo entre os fãs.

  • Crítica | 007 Contra GoldenEye

    Crítica | 007 Contra GoldenEye

    007 Contra GoldenEye007 Contra GoldenEye é o primeiro filme de uma nova era do personagem — agora interpretado por Pierce Brosnan —, rompendo com o estilo anteriormente estabelecido por Timothy Dalton e inaugurando uma versão mais leve, mas também repleta de ação. A obra de Martin Cambpbell é marcante não só pela troca de ator  no papel do agente secreto, mas também pela abordagem pós Guerra Fria que ainda tem de lidar com essas questões novas.

    Na trama, o agente tem que impedir que o controle do poderoso satélite GoldenEye caia nas mãos dos inimigos britânicos, pois consegue causar pane em qualquer equipamento eletrônico do mundo. Os primeiros momentos do filme remontam ao conflito ocidental contra os soviéticos em uma base russa. A ação entre o protagonista e seu amigo Alec Trevelyan, o 006 vivido por Sean Bean, estabelece que a obra terá muitos momentos de ação com sequências viscerais que afastam a abordagem debochada da fase de Roger Moore, ainda que a personalidade do Bond de Brosnan tenha algumas similaridades com Moore.

    Essa versão rompe com quase tudo que foi estabelecido anteriormente. Desde a posição do chefe do MI-6, M agora é interpretada por Judi Dench, a Moneypenny vivida por Samantha Bond, restando apenas Desmond Llewelyn como Q, já bem veterano e em vias de se aposentar. Brosnan foi cogitado para substituir Moore após ter feito a série Remington Steele, mas teve que aguardar uma fase com Dalton à frente do personagem. Isso de certa forma foi uma boa escolha, pois ele adquiriu experiência com filmes de ação e amadureceu sua versão de herói de ação.

    Visualmente há uma grande diferença para os outros filmes, aqui o uso de efeitos especiais mais caros começa a ser utilizado, e marcas antigas como o caráter galanteador do personagem retornam, além de um claro cinismo por parte dos personagens periféricos. Se a Guerra Fria era repleta de maniqueísmos, aqui temos um roteiro que transita por lugares não tão comuns ao personagem, principalmente por conta do personagem de Bean que retorna nove anos após sua “morte”, como um anti-herói vingativo que usa a máscara do vilão e pretende discutir a ética do sistema.

    Os outros vilões são bastante peculiares e complicados. Por mais que haja semelhanças de Trevelyan com outros bons personagens como o Raoul Silva, de Javier Bardem, em 007: Operação Skyfall, a motivação é pouco desenvolvida. Outra personagem “estranha” é  Xenia Onatopp, de Famke Janssen, que apresenta um estereótipo complicado ao agir como uma ninfomaníaca e sociopata. Se a intenção era se distanciar do espectro do fantasma da Guerra Fria, não houve sucesso, pois se iguala a mulher russa a uma louca, naturalmente perversa e pervertida, um arquétipo xenófobo e tolo.

    Do pano de fundo, há momentos curiosos como 007 agindo sozinho boa parte do tempo, evitando instalações do MI-6, simulando uma espécie de início de carreira que seria retomada futuramente em 007: Cassino Royale. Os cenários também diferiam das fases Dalton e Moore, até mesmo o carro muda, saindo o famoso Aston Martin pela BMW Z3, obviamente com diversas melhorias, ainda que sub-utilizados.

    O filme perde fôlego ao se aproximar do final e a morte do vilão é baseada no clichê de queda, semelhante ao que aconteceu em Duro de Matar e Batman, fato que reforça a ideia de que James Bond geralmente retrata as manias e tendências culturais de sua época.

    007 Contra GoldenEye é um filme conhecido também por elementos externos ao cinema, especialmente por conta do jogo de tiro em primeira pessoa do console Nintendo 64, que ajudou a revitalizar a marca. Um bom início para Brosnan, que apresentou para o mundo uma versão sedutora do herói e trouxe de volta a Bondmania para uma nova era, ainda que tenha problemas de concepção severos e uma dificuldade de abandonar a exploração dos soviéticos como vilões, mesmo pós queda do Muro de Berlim e dissolução da União Soviética, e esse apego se arrastaria por quase toda a fase do novo intérprete.

  • Crítica | Anônimo (2021)

    Crítica | Anônimo (2021)

    No ano de 2015, John Wick: De Volta ao Jogo estabeleceu um novo parâmetro para os filmes de ação. Ao invés das cenas de ação ultra picotadas de Busca Implacável ou com a câmera inquieta da franquia Jason Bourne, chegavam cenas intensas com câmera mais fixa no intuito de mostrar em ricos detalhes toda a violência das sequências e dar destaque ao trabalho dos atores e dublês. Sendo assim, soava no mínimo estranha a presença de Bob Odenkirk, o consagrado intérprete de Saul Goodman das séries Breaking Bad e Better Call Saul, como protagonista de Anônimo. Entretanto, esse talvez seja o maior acerto do filme.

    Na trama, Odenkirk vive Hutch Mansell, um excessivamente pacato pai e marido que age de forma passiva com as intempéries da vida. Quando dois ladrões invadem sua casa, Hutch se recusa a defender a si mesmo e sua família, desapontando a todos com sua omissão. As consequências posteriores do incidente acabam despertando uma raiva adormecida nele, trazendo à tona instintos adormecidos e colocando-o em um caminho onde a violência é a tônica.

    Dirigido por Ilya Naishuller e roteirizado por Derek Kolstad, co-roteirista da saga John Wick, Anônimo pode parecer um tanto simplório quando lemos a sua sinopse devido a sua semelhança com Desejo de Matar. Entretanto, dizer mais do que isso sobre o filme pode entregar grandes surpresas, pois o roteiro se desdobra gradualmente, revelando uma trama mais complexa do que inicialmente aparenta. O diretor Naishuller, cuja maior credencial antes de Anônimo é o filme de ação em primeira pessoa Hardcore: Missão Extrema, conduz muito bem o andamento da película, partindo de uma intrigante cena inicial com a primeira aparição de Odenikirk, passando por momentos bucólicos onde vemos o cotidiano de Hutch e sua família, para depois empilhar sequências de ação empolgantes uma atrás da outra, sempre entrecortadas com cenas que mostram a evolução de comportamento do protagonista, flashbacks e suas relações com novos personagens que vão surgindo.

    A escolha de Odenkirk para o papel pode provocar estranheza em um primeiro momento. O ator é um comediante já bem estabelecido em Hollywood e sempre demonstrou grande talento transitando entre o drama e a comédia, vide seu trabalho nas séries mencionadas anteriormente. Porém, o ator treinou por dois anos para poder fazer todas as cenas de ação sem precisar recorrer a dublês e o resultado é excelente. Além disso, sua composição para Hutch Mansell é um grande acerto. O elenco de apoio que conta com nomes como os veteranos Michael Ironside e Christopher Lloyd também contribui para a boa dinâmica do filme.

    Assim como a saga John Wick, Anônimo também propõe a existência de um universo maior. Existiu até um boato de que os dois filmes poderiam fazer parte de um mesmo universo compartilhado. De qualquer forma, seria interessante ver mais histórias de Hutch Mansell para entendermos ainda mais sobre seu passado.

  • Crítica | Free Guy: Assumindo o Controle

    Crítica | Free Guy: Assumindo o Controle

    Free Guy: Assumindo o Controle estava programado para lançamento em julho de 2020. Adiado por duas vezes desde o início da pandemia, a película finalmente chegou aos cinemas em agosto de 2021. Os trailers já geravam uma grande expectativa, mas o timing do lançamento foi quase perfeito.

    Do início de 2020 para cá, tivemos vários escândalos envolvendo a indústria dos games: o lançamento de Cyberpunk 2077 entupido de bugs e defeitos pela CD Projekt Red, seu descaso com os consumidores, as denúncias de empregados da produtora de assédio moral, horas extras em demasia sem a mínima remuneração, o escândalo de assédio moral e sexual envolvendo a Activision Blizzard e Ubisoft que foi totalmente ignorado pelos chefões das empresas, além do racismo e sexismo por parte de grandes expoentes da comunidade gamer, para ficar somente nos mais notórios. Tudo bem que Free Guy é uma comédia feita para a família, mas o longa dirigido por Shawn Levy aborda de maneira interessante e leve esses problemas que há bastante tempo vêm assolando o mundo dos videogames.

    No filme, Ryan Reynolds vive Guy, um NPC (personagem não jogável) de um jogo de mundo aberto no estilo de GTA. Guy repete diariamente a sua rotina até que ganha consciência própria e resolve quebrar a sua programação, passando a agir por conta própria. Em um desses momentos, ele encontra uma personagem que age de maneira peculiar dentro daquele mundo. Ao conseguir estabelecer contato, a jogadora mostra para Guy que ele vive em um mundo virtual de um jogo de ação, mas que em breve esse mundo irá ser desligado. É quando o protagonista toma a decisão de ajudar a jogadora a manter esse mundo vivo, plano esse que trará serias repercussões no mundo virtual e no mundo real.

    Roteirizado por Matt Lieberman e Zak Penn se equilibra muito bem com sua narrativa dividida entre os eventos do mundo virtual e real. Enquanto no mundo virtual vemos uma inspirada paródia de jogos como Grand Theft Auto, Fortnite e outros jogos no estilo sandbox, no mundo real a narrativa traz críticas à práticas tóxicas da comunidade gamer, ao consumismo desvairado e à atuação predatória das grandes empresas de videogame. Tudo isso é feito de maneira muito bem acertada, com um deslize mínimo aqui e ali, o que não compromete em nada a narrativa. As piadas visuais são muito bem sacadas e existem diálogos espertíssimos durante todo o filme. Talvez o único ponto capaz de gerar controvérsia é a interpretação extremamente caricata de Taika Waititi. Ainda que a intenção seja mostrar alguém inescrupuloso que não aceita ser contrariado, em muitos momentos o ator/diretor infantiliza demais o personagem.

    A narrativa central em torno de Guy denota uma inspiração em O Show de Truman. Seu despertar e sua jornada de autoconhecimento vai ganhando contornos de reality show à medida que a comunidade começa a observar com atenção suas ações e seu desenvolvimento no mundo virtual. Em paralelo, a subtrama envolvendo Jodie Comer, a programadora que invadia o jogo como Molotov Girl, seu avatar em Free World que desperta o amor de Guy, é feita com bastante sensibilidade, mas sem cair no sentimentalismo barato, já que ela batalha para que sua propriedade intelectual que pode revolucionar todo o mundo dos games não se torne somente uma ferramenta para arrancar dinheiro dos usuários. Dentro disso tudo, são amarradas as críticas mencionadas no parágrafo anterior, que apesar de não serem escancaradas, são evidentes o suficiente para gerar questionamentos internos nos espectadores.

    É muito interessante observar como Ryan Reynolds rende quando tem um diretor que sabe conduzi-lo da forma correta. Nos últimos tempos, o ator vinha sempre interpretando variações de Deadpool e de seu próprio comportamento em redes sociais, o que vem o tornando extremamente repetitivo. Porém, o diretor consegue arrancar uma boa atuação de seu protagonista, com ótimas nuances de comédia e drama quando o momento se faz necessário. Jodie Comer mostra porque vem se destacando em Hollywood, a protagonista de Killing Eve entrega uma atuação comprometida e cativante tanto quando está no mundo real, como quando está no virtual. Já Waititi, como já dito, entrega uma atuação vacilante em certos momentos, mas nada que seja comprometedor. Entretanto, o grande destaque é Lil Rel Howery, o ator que já foi muitíssimo bem como o amigo de Daniel Kaluuya em Corra!, faz uma atuação sensível e divertida, roubando todas as cenas em que aparece, além de ser responsável pelos grandes momentos emocionais do filme. Os demais atores não comprometem e o longa ainda consegue espaço para diversas participações especiais.

    Em resumo, Free Guy é um divertidíssimo filme que vale demais a pena ser assistido. Não posso esquecer de dizer que o filme é um roteiro original, ou seja, não é baseado em nenhum livro, história em quadrinhos ou outra produção. Tomara que no meio da enxurrada de adaptações, remakes e reboots continuem a aparecer ideias originais boas assim.

  • Crítica | 007 Contra Octopussy

    Crítica | 007 Contra Octopussy

    Crítica 007 Contra Octopussy

    007 Contra Octopussy, filme de John Glen e o penúltimo de Roger Moore como James Bond. A trama se inicia com um agente do MI-6, de patente 00, morto diante das câmeras, segurando um Ovo Fabergé falso, e recai sobre o agente secreto a investigação desse estranho caso.

    Claramente, Moore está cansado, já não está tão disposto quanto nos filmes anteriores. Se em 007: Somente Para os Seus Olhos ele já estava bem envelhecido, a situação, como era de se esperar, piora bastante no filme seguinte. Se percebe facilmente rugas e marcas de expressão em sua expressão. A Octopussy, do título, é filha do Major Dexter Smythe um rival de Bond assassinado por ele. Mesmo com a intenção de vingança, a personagem de Maud Adams tem que se unir com o agente para enfrentar os planos megalomaníacos de Kamal Khan, personagem do icônico (e aqui bastante caricato) ator francês Louis Jordan, e de mais um conjunto de estereótipos árabes bem complicados, mas ainda assim, icônicos, como era comum na exploração dos temas de Ian Fleming, criador do agente secreto.

    O longa, apesar de possuir o nome de um livro de Fleming, quase não tem elementos do texto, sendo o personagem Smythe um dos poucos momentos citados na obra original. Além disso, esta é a primeira aventura com Robert Brown oficialmente como M, além disso, a Moneypenny de Lois Maxwell apresenta uma nova secretária do MI-6, Penelope Smallbone (Michaela Clavell), que curiosamente, não retornaria em 007 Na Mira dos Assassinatos. Desde Somente Para Seus Olhos os produtores se preparavam para se despedir do intérprete, e para isso, ensaiavam inserir um novo elenco de coadjuvantes para o futuro.

    Esse, aliás foi o filme que competiu nos cinemas contra 007: Nunca Mais Outra Vez, o famigerado filme de Irvin Kershner que recontava a história de 007 Contra a Chantagem Atômica. Obviamente, a recepção de público e crítica foi mais amistosa com o filme Glen, embora fosse difícil de comparar as produções, visto que o tom e a trama não possuem nenhuma similaridade.

    O filme acerta por não se levar a sério. O ápice é uma cena onde se chega ao cúmulo de colocar um flautista entoando a música tema do agente para encantar uma serpente. Outro ponto digno de nota é a sala dos generais soviéticos, que lembra uma variação mais escurecida da sala de guerra de Dr. Fantástico de Stanley Kubrick. No entanto, o pastiche de Cuba, presente no início do filme quando 007 entra em cena é demasiado ridículo, o que salva essa sequência é a cena de Moore pilotando um avião em um pequeno hangar, em mais um momento puramente cômico do longa-metragem.

    007 Contra Octopussy é sem dúvida um dos filmes que mais apela para a fórmula humorística da fase Moore, e na maior parte do tempo, esse aspecto funciona, mesmo com o desfecho conveniente e forçado. O que realmente depõe contra o filme é a clara indisposição do protagonista, ainda que essa não seria a última incursão do ator no papel.

  • Crítica | Sem Remorso

    Crítica | Sem Remorso

    Criado por Tom Clancy, o Ryanverse já foi adaptado para diversas mídias. Tudo começou com A Caçada ao Outubro Vermelho, filme que adaptou o livro homônimo que tinha o analista da CIA, Jack Ryan, como protagonista. Desde então, várias outras adaptações de livros para o audiovisual tem o personagem como central em suas histórias — recentemente um seriado do personagem chegou ao Amazon Prime Video.

    Ocorre que, nos livros, o escritor criou um universo muito rico com vários personagens interessantes que ganharam suas histórias próprias, tais como o esquadrão Rainbow Six (adaptado para uma longeva e bem sucedida série de games) e agora John Kelly, personagem de apoio de vários livros com Jack Ryan.

    Não é exagero dizer que Kelly é uma espécie de super soldado, pois nos livros ele é sempre mostrado como alguém extremamente competente e habilidoso. Isso o torna um dos personagens mais importantes que habitam o Ryanverse, presença recorrente nas obras literárias, tendo desenvolvido uma grande amizade com Jack Ryan à medida que vão trabalhando juntos. Devido a isso, Clancy detalhou sua origem no livro homônimo a esta adaptação, além de colocá-lo como personagem central em vários outros da linha principal do seu universo compartilhado, além de spinoffs, tais como Rainbow Six e os livros protagonizados por Jack Ryan Jr. Nos cinemas, antes de Michael B. Jordan encarnar o personagem, Kelly foi interpretado por Willem Dafoe em Perigo Real e Imediato, último filme da trilogia iniciada em A Caçada ao Outubro Vermelho e por Liev Schreiber no fracassado reboot do ano de 2001, A Soma de Todos os Medos.

    Na trama, após voltar de uma missão de resgate que quase terminou em desastre, Kelly tem sua casa invadida por um grupo de assassinos que mata a sua esposa e o deixa seriamente ferido. Acusado pela morte dela e envolvido em uma conspiração que vai aos altos escalões governamentais, Kelly parte em uma jornada violenta para descobrir quem matou sua esposa e expor toda a trama conspiratória.

    Roteirizado por Taylor Sheridan (A Qualquer Custo e Terra Selvagem) e Will Staples, e dirigido por Stefano Sollima (Sicario: Dia do Soldado), Sem Remorso difere dos filmes protagonizados por Jack Ryan na abordagem. Aqui o tom é muito mais pessoal, com todos os eventos gravitando em torno do protagonista. Mesmo em Jogos Patrióticos, filme estrelado por Harrison Ford em que Ryan se torna alvo da vingança de um terrorista irlandês, os eventos que se desenrolam dependem de outros aspectos da trama, desde a burocracia da CIA ao comportamento dos seus chefes. Aqui, a dinâmica é inversa: Kelly é a força motriz do filme e o seu entorno reage ao seu comportamento, tomando as ações a partir do que ele faz, fazendo a narrativa ser bem mais direta.

    Jordan demonstra mais uma vez ser um dos grandes atores da atualidade. Sua atuação confere profundidade emocional ao protagonista, evitando que ele seja somente uma máquina perfeita de matar. O ator é plenamente capaz de segurar um filme sozinho, pois une competência e carisma. Some-se isso à boa direção de Sollima, que consegue criar bons momentos de ação e tensão, tais como a fuga do prédio cercado, a sequência inicial de infiltração e o interrogatório onde Kelly incendeia um carro para conseguir informações. Além disso, nas sequências mais “burocráticas” que mostram os núcleos políticos e corporativos do filme, o diretor encadeia bem os eventos, deixando claro para o espectador o que está ocorrendo.

    Ainda que não seja um filme memorável, Sem Remorso é um eficiente thriller de ação com um bom roteiro de  Sheridan, direção segura de Sollima e uma ótima atuação de Jordan. Boa diversão e um bom ponto de partida para uma nova franquia.

  • Crítica | São Bernardo

    Crítica | São Bernardo

    São Bernardo

    Parte integrante do movimento Cinema Novo, São Bernardo trata da história de Paulo Honório, um mascate que habita o sertão de Alagoas e negocia gado e toda sorte de coisas. A obra de Leon Hirszman mostra o personagem de Othon Bastos tentando de todos os meios, inclusive antiéticos, para adquirir a fazenda que dá nome ao filme, local este onde havia trabalhado quando criança.

    O filme começa com um coro de sons indistinguíveis, que simbolizam a confusão mental de Honório, um homem violento, machista e autoritário, com dificuldades claras de convivência. Sua postura autossuficiente esconde um modo de pensar e viver bastante miserável, aquém dos próprios delírios de grandeza que ele nutre.

    O roteiro é uma adaptação de um dos grandes clássicos da literatura nacional, São Bernardo, de Graciliano Ramos, e tanto Hirszman quanto Bastos conseguiram capturar bem a essência do romance, não só em mostrar a jornada do protagonista e todo o contexto político-social da obra, mas também nos demais personagens, em especial, Madalena de Isabel Ribeiro, uma professora de pensamento e atitudes progressistas entrando em conflito direto com o conservadorismo de Honório. Os dois se casam, apesar de não combinarem em praticamente nada.

    O gerenciamento da fazenda torna seu proprietário próspero, mas sempre causando temor em qualquer pessoa que se relacione com ele. Suas sensações e obsessões de controle se chocam com o ideal que Madalena tem para si, e o texto se desenvolve muito bem nos conflitos. Hirzman não aborda de maneira óbvia as contradições de uma relação, e a estética empregada pelo cineasta faz o filme parecer uma declamação, tanto pela narração do ator, que revela o pensamento torto, sexista e moralista, quanto suas expressões corporais, que deixa claro ser um sujeito que parece estar sempre prestes a explodir.

    A postura turrona de Paulo esconde mal sua real face. Além da índole estranha se percebe a fragilidade de seu caráter e até de sua auto imagem. O comportamento possessivo de fato tem a ver com o receio de ficar sozinho, e acaba resultando em uma vaidade que faz até quem está perto se afastar.

    Sua incompreensão também ajuda que ele seja um pária em casa, mesmo sendo bem-sucedido financeiramente, e ajudam a formar nele a postura de um sujeito paranoico. Isso resulta em fracasso até no mais banal de seus desejos, visto que até a paternidade, que lhe parecia natural lhe é negada. Sua esposa, que deveria ser sua protegida, adoece da dor da rejeição e da falta cuidados sentimentais básicos, pois não é tratada como um ser humano, e sim como mais uma propriedade.

    São Bernardo trata de questões candentes até os dias atuais, demonstrando a atualidade do texto de Ramos e da adaptação de Hirszman. O personagem de Othon é diferenciado, um explorador consciente de seu poder e ainda assim impotente no campo sentimental.

  • Crítica | Dupla Explosiva 2: E a Primeira-Dama do Crime

    Crítica | Dupla Explosiva 2: E a Primeira-Dama do Crime

    Era apenas uma questão de tempo para que Dupla Explosiva, a comédia de ação estrelada por Ryan Reynolds e Samuel L. Jackson que foi sucesso de bilheteria no ano de 2017, ganhasse uma continuação. Porém, enquanto o primeiro filme divertia bastante ainda que possuísse certos problemas, esse aqui erra em praticamente tudo o que tenta.

    Seguindo a cartilha de Hollywood que dita que as sequências devem ser maiores e mais barulhentas que o original, Dupla Explosiva 2 amplifica tudo o que havia no primeiro. Entretanto, a balança se inverte e aqui os defeitos superam as qualidades. Na trama, o guarda-costas Michael Bryce (Reynolds) abandona sua licença sabática para proteger Darius (Jackson) e Sonia (Salma Hayek) depois que ela revela estar sendo perseguida por Aristotle Papadopolous (Antonio Banderas), um louco bilionário que está em poder de uma arma que pode destruir o mundo.

    Chega a ser impressionante um filme com um orçamento de 70 milhões de dólares possuir uma produção tão pobre. O excesso de CGI mal feito chega a ser irritante e compromete demais. Existem cenas que nem são de ação, mas que deixam claro o péssimo uso da tela verde. Ainda no tópico da ação, o diretor Patrick Hughes já havia demonstrado competência na condução de cenas do tipo no primeiro Dupla Explosiva e no terceiro Os Mercenários. Entretanto, aqui não faz nada digno de nota, somente um amontoado de clichês prejudicados por uma edição fraca. O humor do filme é tão pobre quanto, e aposta na repetição de piadas de constrangimento e cunho sexual que parecem ter saído de um derivado ruim de American Pie.

    O trio de protagonistas é enervante. Parece que Jackson e Hayek estão competindo para saber quem grita mais alto. Reynolds, desde que fez sucesso em Deadpool, parece interpretar qualquer personagem de uma só maneira. Ele repete o que fez antes em Esquadrão 6 e o que faria em Alerta Vermelho, com o agravante de emular o personagem mutante e ficar o tempo todo fazendo piadas autorreferentes, além de narrar o que está sentindo e o que está acontecendo na tela para o espectador, numa tentativa velada de quebrar a quarta parede que aqui não funciona, deixando transparecer que o filme não confia na inteligência de quem está o assistindo. Banderas até se salva interpretando seu vilão como se ele fosse um antagonista de Roger Moore nos filmes mais caricatos do agente 007. Porém, a participação de Morgan Freeman é desperdiçada por uma condução ruim que estraga boas piadas em potencial.

    Enfim, Dupla Explosiva 2 é uma experiência cansativa e enervante para o espectador, o que é uma pena. Infelizmente, por melhores que sejam os atores, não dá para apoiar um filme inteiro em carisma. É preciso mais do que isso.

    https://www.youtube.com/watch?v=8I-7eEIWKEQ&ab_channel=Ingresso.com

  • Crítica | Homem-Aranha 3

    Crítica | Homem-Aranha 3

    Homem-Aranha 3 fecha a trilogia de Sam Raimi sobre o herói tangível e cheio de defeitos criado por Steve Ditko e Stan Lee, mas não sem trazer consigo uma infinidade de reclamações sobre os rumos que a franquia tomou. Na trama, Peter Parker (Tobey Maguire) tem de enfrentar uma crise na relação com Mary Jane (Kirsten Dunst), além de três vilões diferentes.

    No início do filme há uma clara diferença desse para Homem-Aranha 2, o recapitular das aventuras anteriores se dá com arte de Alex Ross e aqui estão apenas as cenas conduzidas por Raimi, sem qualquer tratamento de imagem, como um resumo de capítulos anteriores de uma série barata, o cuidado com a cinessérie mudou e, além disso, se nota uma diferença no tema orquestrado, com tons e acordes diferentes, já que Danny Elfman dá lugar a  Christopher Young na trilha sonora. Esse tom obscuro deveria passar para a abordagem da personalidade de Peter, mas isso não ocorre, necessariamente.

     

    Homem-Aranha 3 é muitas vezes injustamente  criticado, no entanto, uma reclamação justa é o comportamento que o personagem de Maguire tem no início do filme, antes mesmo de ter contato com o “alienígena” que daria origem a Venom. Ele é impulsivo, se deslumbra com a aceitação que o povo lhe confere finalmente, após dois filmes com histórias conturbadas, e age de maneira brutalmente insensível, em especial com MJ. A vida pessoal de Peter finalmente se ajeita, ele está feliz, tanto como Aranha quanto Peter Parker, mas como se trata de um personagem trágico (aos menos aos olhos do diretor), não há como seguir assim por tanto tempo.

    Raimi é um cineasta muito fiel às suas raízes, mesmo quando faz obras mais voltadas para o público mainstream. Desse modo, é natural que existam cenas que remetam ao cinema de horror. E aqui a manifestação se dá no entorno do Homem Areia, tanto na transformação que Flint Marko (Thomas Haden Church) sofre, quanto nos momentos finais. Além de ter um visual arrebatador em ambos momentos, há significados que remetem aos monstros clássicos, em especial na sua gênese. Marko tem características da criatura de Frankenstein de Boris Karloff, e certamente essa referência seria melhor encaixada caso o roteiro fosse mais sólido, pois o evento que transforma o personagem é completamente avulso à trama, sem repercussão antes ou depois do ocorrido.

    As tramas secundárias também variam de qualidade. James Franco está bastante canastrão, não consegue dar camadas ao seu personagem, sua motivação não faz sentido por não ter tempo de tela, sem falar que expõe um dos defeitos do filme, os efeitos visuais primários. Dunst está muito bem, consegue trabalhar bem com o que é lhe dado, mesmo sendo pouco. Já a introdução dos personagens novos, como Gwen (Bryce Dallas Howard), Eddie Brock (Topher Grace) e o Capitão Stacy (James Cromwell) é gratuita ao extremo. Não há desenvolvimento mínimo de nenhum deles, e até os coadjuvantes do Clarim Diário parecem mais sólidos e profundos que o trio, fato que gera até incongruências, já que o J.J. Jameson de J.K. Simmons não sabe quem é Brock, mesmo com uma citação a ele em Homem-Aranha. O personagem é tão irrelevante para Raimi que a direção deliberadamente não o leva a sério.

    Entre as reclamações mais comuns ao filme está a personalidade de Peter modificada pelo simbionte, que muitos atribuíam ao comportamento dos fãs de emocore. Ora, na época, os meninos comuns que usavam esse visual diferia de Peter. Eram introspectivos, gostavam de parecer sombrios, já Parker é o oposto disso, espalhafatoso, inconsequente e age até como um bully em alguns momentos, com uma personalidade tão baixa quanto a do seu nêmese escolar Flash Thompson. Ele claramente não era Emo, só pegou emprestado desse estilo o cabelo e a maquiagem um pouco mais forte, comparar o Andrew Garfield em O Espetacular Homem-Aranha com o estereótipo do hipster até faz algum sentido, mas o Peter de Tobey de emo tinha apenas o visual.

    Parker parece governado unicamente pelo id (parte da mente que quer gratificação imediata de todos os seus desejos e necessidades, segundo o conceito freudiano), e dito assim, esses momentos não parecem tão erráticos, especialmente a cena “musical”, já que é o símbolo maior da breguice que Raimi sempre impôs a sua versão do Cabeça de Teia.

    A reunião dos antagonistas não tem nenhuma força, é um pretexto pobre que está lá para justificar uma ação entre amigos com Harry e Peter juntando as forças, que só não é mais vergonhosa do que o momento de retorno do uniforme clássico, ao lado de uma bandeira dos EUA tremulando, que faz automaticamente o povo esquecer dos maus atos do Aranha. Além dessas questões, boa parte da imaturidade de Peter também não cabe, já que ele aprendeu ou deveria ter aprendido com seus erros do passado, e justificar esses atos pelo simbionte também não faz sentido, visto que sua personalidade já havia se transformado antes mesmo dele utiliza-lo.

    Raimi saiu reclamando de interferência dos estúdios, seu desejo seria explorar personagens como o Abutre e a Gata Negra, mas por influência de Avi Arad, teve que fazer o filme com Venom. Desse modo,  Homem-Aranha 4 previsto para 2011 foi abortado, assim como uma segunda trilogia. Ainda assim Homem-Aranha 3 parece mais com o ideal de Ditko e Lee, por ser senhor de sua própria história e seguir dando camadas trágicas, mas humanas ao personagem. Peter segue falho, tolo, mas capaz de se sacrificar e tentar evoluir, mesmo que a mão invisível do roteiro o faça agir como alguém que não digeriu bem seus problemas.

  • Crítica | O Chefão de Nova York

    Crítica | O Chefão de Nova York

     

    O Chefão de Nova York é um filme de 1973 do movimento Blaxploitation que reúne elementos do “gênero” mafioso, bem ao lastro de O Poderoso Chefão de Francis Ford Coppola feito um ano antes. Na trama, se acompanha a vida de Tommy Gibbs, um garoto que ainda nos anos 1950 trabalha como engraxate e presta serviços a máfia ítalo-americana de Nova York. O filme não demora a dar um salto temporal (dez anos depois), e rapidamente, o protagonista vira um predador de gângsteres, inclusive acertando as contas com os poderosos da Cosa Nostra e congêneres.

    O filme é protagonizado por Fred Williamson, ator de filmes de ação conhecido entre outras produções como a imitação de 007, Bolt: O Homem Relâmpago, além de ter participado da série M.A.S.H. e nos anos noventa  ser um dos “heróis” de Um Drink no Inferno. Um dos erros do filme no Brasil foi não usar o nome original, Black Caesar, já que além de forte, faz referência a história trágica que seguindo a direção de Larry Cohen, tem contornos tão emblemáticos quanto os da peça de William Shakespeare.

    Lentamente, Gibbs evolui enquanto chefão da máfia, com métodos ainda mais violentos que seus colegas. Os motivos que o tornam assim são puramente financeiros. O protagonista se dá conta, ao falar com um possível empregador branco, que para o negro entrar nesse tipo de negócio é preciso aceitar menos pagamentos que seu equivalente caucasiano. Ao discutir com esse chefão da antiga geração, ele leva para si a máxima preconceituosa proferida ao seu povo, de que “os negros não têm ambição”, mas ele tinha.

    Um fator diferencial é a música Down and Out in New York City, de Bodie Chandler e Barry DeVorzon, executada pelo lendário James Brown no auge de sua fama. As músicas narram as emoções dos eventos emocionantes que ocorrem com Tommy, desde as traições criminosas que sofre, até os reencontros com seus familiares.

    É curioso como há muitas semelhanças entre os métodos de Gibbs e os de Zé Pequeno de Cidade de Deus. Mesmo não dito, o vilão do filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund tem clara inspiração nas desventuras de Black Caesar, inclui-se aí a falta de tato com as mulheres, o confronto com seu melhor amigo de infância e até a inspiração visual para o fim do anti-herói/vilão.

    Há ainda comentários irônicos pontuais, como a chacina toscamente engendrada contra os mafiosos, com um estranho ataque em uma fazenda que mistura um instrumental de cordas em uma música tipicamente italiana, se funde ao som do jazz enquanto os capangas de Tommy promovem uma matança. Claramente, o status quo do submundo do crime sofreu alterações.

    O Chefão de Nova York acaba se tornando um filme-símbolo, pois se o blaxploitation é um movimento de cinema que atende às demandas do povo preto, colocando-os como superior ou igual aos brancos (inclusive na área de entretenimento). Tommy busca ser um criminoso explorador como qualquer Chefão da Cosa Nostra, a fim de inverter a ordem de vilania e escravidão estabelecida ao longo dos últimos séculos.

  • Crítica | 007: O Espião Que Me Amava

    Crítica | 007: O Espião Que Me Amava

    Roger Moore marcou a memória da cultura pop como o James Bond com mais aparições em filmes, sete no total, e certamente, 007: O Espião Que me Amava é o mais elogiado de sua era. Décimo filme da franquia, se localiza no cenário político da Guerra Fria, começando com o sumiço do submarino russo chamado Potemkin, fato que faz Bond ter contato com a agente XXX, Anya Amasova (Bárbara Bach). Dos roteiros protagonizados por Moore, esse é que tem o cunho político mais evidenciado.

    Moore está bem à vontade no papel. O intérprete não é conhecido por ter um grande talento dramático, mas aqui transborda carisma e charme. Trejeitos e olhares que expõe se tornaram características básicas da personagem, influenciando até no modo de agir de outras versões. É curioso como mesmo sendo bem diferente de Sean Connery,  sua atuação ainda remete diretamente ao comportamento comum do agente. O olhar direto para a câmera (e consequentemente para o público) eram tão marcantes e equivalentes à postura altiva de Connery, enquanto acendia um isqueiro com um cigarro pendurado na boca, facetas de um homem educado, fino e que sabe seu lugar nesse mundo.

    O roteiro de Christopher Wood guarda muitas semelhanças com o visto em Moscou Contra 007, não só pelas  semelhanças entre Amasova e Tatiana Romanova, a bondgirl que co-protagoniza o filme dos anos sessenta, mas também pela cooperação entre agentes britânicos e soviéticos, rimas visuais e até por uma longa sequência em um trem que percorre a Europa. A distinção mais visível entre as obras é o uso mais livre dos gadgets de Q (Desmond Llewelyn), como relógios que recebem mensagens em plena década de 1970, mas o restante da atmosfera é bem semelhante, claro, sem perder a identidade própria desta aventura.

    Esse é o filme que ficou famoso pelo Lotus Sprit, carro anfíbio charmosíssimo que ajudaram a fazer a fama de Moore como o Bond mais fantasioso e fantástico. O diretor Lewis Gilbert brinca com vários clichês da marca, como lutas na neve, vilões deformados, a exemplo de Jaws/Dentes de Aço feito por Richard Kiel. Esses aspectos ajudam a tirar um pouco a seriedade do filme, mas o equilíbrio entre momentos mais grotescos com os sóbrios são bem encaixados, resultando no mais exitoso da franquia nesse quesito.

    Mesmo o cenário completamente louco de laboratório submarino do vilão é legal. O Karl Stromberg de Curd Jürgens não parece tão ameaçador, mas cabe bem ao estilo de aventura escapista que a adaptação de Ian Fleming apresenta. 007: O Espião que me Amava possui alguns problemas que certamente não seriam tão facilmente ignorados, sobretudo com sexismo, mas considerando sua época e o fato dos filmes de 007 replicarem sempre a cultura vigente há de se relevar boa parte dos seus pecados, já que está certamente está no hall das melhores aventuras do personagem, atendendo as expectativas de bons combates, romance e, claro, ações de investigação, em uma época onde o auge do escapismo residia exatamente nesse tipo de produção.

  • Crítica | Infiltrado

    Crítica | Infiltrado

    O brucutu gente fina Jason Statham e o diretor Guy Ritchie são parceiros de longa data. Os dois se apresentaram juntos para o mundo com o já clássico Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, continuaram a jornada rumo ao estrelato com o sensacional Snatch: Porcos e Diamantes e estiveram juntos no fracasso com o enfadonho Revólver. Após longo hiato, a dupla volta a se reunir em Infiltrado, filme que apesar de eficiente, é irregular tal como as carreiras de Statham e Ricthie.

    Na trama de Infiltrado, Harry (Statham) começa a trabalhar em uma empresa de carros-fortes que movimenta grandes quantidades de dinheiro. Ao neutralizar uma tentativa de assalto de maneira quase sobre-humana, Harry desperta a atenção de seus colegas de trabalho, que passam a suspeitar das suas reais intenções no emprego.

    O longa difere totalmente do restante da filmografia de Ritchie. Sempre afeito a uma assinatura visual estilizada, aqui o diretor filma de uma maneira tradicional, com planos mais estáticos e longos até mesmo em certas sequências de ação. A sobriedade também se faz presente no primeiro terço da película, onde as apresentações dos personagens são feitas. Tudo vai sendo muito bem estabelecido e a narrativa, apesar de um pouco mais lenta que o normal por ser dividida em episódios, flui bem. Entretanto, o filme começa a apresentar problemas ao transitar entre núcleos de personagens e promover idas e vindas no tempo, tornando o filme arrastado e provocando cansaço no espectador. Ainda assim, quando entra na sua parte final consegue recuperar o fôlego, faz uma grande costura de eventos que ocorrem simultaneamente sem deixar a bola cair e apresenta um desfecho eletrizante.

    Se durante toda a filmografia de Ritchie o humor foi uma presença constante, aqui temos um filme sombrio, onde os diálogos são bastante secos, mas longe de serem monótonos. Há apenas um problema de excesso de exposição no momento onde a narrativa fica bastante truncada. Statham compõe um personagem bastante contido em relação aos seus papéis tradicionais, deixando transparecer desde o início que estamos lidando com alguém que calcula todos os seus movimentos, tal e qual um clássico herói de faroeste, gênero de filme que é uma clara influência durante todo o tempo de projeção de Infiltrado, seja na fotografia de Alan Stewart, trilha de Christopher Benstead ou até mesmo nos figurinos e direção de arte.

    A reedição da parceria Statham/Ritchie rende um thriller eficiente, ainda que irregular. Caso o diretor tivesse mantido o nível de qualidade durante toda a película, com certeza Infiltrado estaria entre os melhores de sua filmografia.

  • Crítica | 007: Os Diamantes São Eternos

    Crítica | 007: Os Diamantes São Eternos

    007 - Os Diamantes São Eternos

    Em 007: Os Diamantes São Eternos a demanda pelo retorno de Sean Connery foi finalmente atendida, mas sem desconsiderar os momentos urgentes da última aventura de James Bond, em 007: A Serviço Secreto de Sua Majestade. O início da trama mostra o personagem em uma jornada de vingança violenta, indo atrás dos homens da Spectre em busca da vingança pela morte de sua amada esposa.

    O curioso aqui é o tom desse início, bastante diferente do restante da aventura, funcionando como um prólogo.  Resolve as questões pendentes para enfim apresentar uma nova trama, a última envolvendo a super organização Spectre. Connery, volta bem envelhecido, por mais que entre esse e Com 007 Só Se Vive Duas Vezes tenha se passado apenas quatro anos, o tempo parece pesar. A maquiagem não disfarça as marcas de expressões e sinais da idade, e até a peruca com tons grisalhos denuncia que Bond está velho demais para esse tipo de ação.

    Essa obra também marca um tom mais humorístico nas ações de 007. A dupla de vilões secundários também colabora para essa sensação, Mr. Wint (Bruce Glover) e Mr. Kidd (Putter Smith) são caricatos e, claramente, um casal gay. Para além da condição homofóbica com que são tratados, possuem visual bastante esquisito, acompanhado de um comportamento obsessivo e compulsivo. Colocar no papel de vilania pessoas que fogem da normalidade do herói branco heteronormativo era uma das marcas mais tortas da franquia, e com a saída de Connery isso pioraria, já que era ainda mais comum apelar para isso na fase mais cômica protagonizada por Roger Moore.

    Até existe alguma coragem no filme ao colocar a Moneypenny de Lois Maxwell como agente de campo, algo inédito e que seria referenciado por Sam Mendes em 007: Operação Skyfall, mas geralmente, a trama gira em torno dos chavões de 007. A versão de Blofeld feita por Charles Gray por sua vez é menos empolgante que a de Donaldo Pleasence ou Ted Savalas, a máxima de colocar sempre um novo intérprete para fazer o vilão atingiu aqui seu desgaste.

    Além do começo truncado, o desenrolar dos fatos soa estranho. Guy Hamilton já havia feito 007 Contra Goldfinger, filme menos pretensioso, mas bastante divertido dessa fase, entre outros aspectos por ser repleto de coadjuvantes carismáticos. Isso passa longe de acontecer em 007: Os Diamantes São Eternos, pois é arrastado e pouco dinâmico, com reviravoltas tolas e um protagonista indisposto e preguiçoso, fato que fazia jus a procura dos diretores por uma nova encarnação do agente de Ian Fleming.

  • Crítica | Venom: Tempo de Carnificina

    Crítica | Venom: Tempo de Carnificina

    Crítica Venom Tempo de Carnificina

    Venom: Tempo de Carnificina retorna às aventuras do jornalista com problemas de dupla personalidade Eddie Brock, dessa vez o personagem oriundo das histórias do Homem-Aranha tem o desafio de seguir sua vida, após terminar o namoro estabelecido antes, sofrendo instabilidades na sua nova relação “amorosa”, com a sua contraparte extraterrestre

    A história do filme, dessa vez dirigida pelo ator Andy Serkis, começa em 1996, mostrando o passado de Cletus Kasady, com sua amada Frances, separados enquanto estão em um hospital psiquiátrico. Logo o tempo retorna ao presente e mostra o futuro Carnificina (Woody Harrelson) enquanto sonha um dia reencontrar Frances (Naomi Harris). Nos quadrinhos, a personagem tem o codinome Shriek, é inimiga do Aranha e tem o poder de dar gritos sônicos, que são, aliás um dos pontos fracos dos simbiontes. Obviamente, a origem dessas habilidades não é discutida, dado que a prioridade do filme passa longe de ser congruente ou lógico.

    Esse início não avança em nada na história do protagonista, funcionando como um prólogo. Isso não é um problema, só demonstra que o filme terá também como foco narrativo o seu antagonista. O destino faz Brock e Kasady colidirem, e depois de uma matéria sensacionalista, o maníaco olharia para Eddie com maus olhos, e não sem razão, pois Brock segue sendo ganancioso, um anti-herói que não liga para a ética mesmo com todas as lições do filme anterior, Venom.

    Há uma clara mudança de postura do protagonista nesse segundo filme. Se no filme de Ruben Fleischer o desempenho de Tom Hardy era uma das poucas coisas que funcionavam, visto que só ele parecia atuar propositalmente sério. Nesta parte dois a abordagem é muito mais focada na esquizofrenia e nos conflitos entre as Brock e o simbionte. Ao se dar conta disso e ler a sentença anterior, o leitor pode pensar ser um elogio, mas não, já que aqui se abraça a galhofa em demasia, inclusive no papel de Brock, ao passo que o filme nem sequer tenta soar como uma comédia.

    A equipe de roteiristas mudou, dos três escritores anteriores do filme de Fleischer ficou somente Kelly Marcel, que também escreveu Cinquenta Tons de Cinza, além de Hardy que escreveu com ela o argumento. Dado o tom de relação abusiva (que busca parecer romântica), não é surpreendente perceber semelhanças entre o que Christian Grey faz com o que é estabelecido aqui. Curiosamente Kasady parece ter inspiração em vilões dos filmes do Batman de Tim Burton, uma mescla entre o Coringa de Jack Nicholson e o Pinguim de Danny DeVito em Batman: O Retorno. Seu passado é mostrado de modo criativo, como uma singela pintura num quadro em branco. O espírito deste trecho faz lembrar produções como James e O Pêssego Gigante e Frankenweenie.

    Harrelson rouba a cena em boa parte de suas participações, aparentemente está à vontade em interpretar alguém com transtornos mentais e de personalidade. Harris não tem um desempenho positivo e as tentativas de repetir os clichês de Assassinos Por Natureza são pífias. Michelle Williams e Stephen Graham também não tem muito espaço para trabalhar, estão lá como meros enfeites.

    Depois das complicações com Mogli: Entre Dois Mundos, Serkis demorou a se reabilitar, certamente pensou que seria bom abraçar um projeto caro como este, mas para o seu azar a pandemia do novo coronavírus atravessou o tempo da estreia do longa. Venom foi um sucesso de bilheteria e mal falado pela crítica, este não foi tão massacrado pelos analistas, mas também não arrecadou tanto, portanto o diretor acabou saindo derrotado, o que é uma pena, pois seu desempenho não é ruim. As cenas de ação são boas, as batalhas de aliens certamente são a melhor coisa do longa, mas não são positivas ao ponto de salva-lo da mediocridade. Venom: Tempo de Carnificina tem um roteiro cheio de furos, tenta adaptar uma história do Homem-Aranha, mas sem o Homem-Aranha (?!), e o próprio percebe isso quando utiliza em sua cena pós-crédito uma tentativa de atrela-lo aos filmes do Tom Holland.

  • Crítica | 007: Nunca Mais Outra Vez

    Crítica | 007: Nunca Mais Outra Vez

    Durante o decorrer da década de 1980 várias obras infames ganharam projeção e publicidade em meio ao público médio, e sem dúvida, 007: Nunca Mais Outra Vez se destacou por fazer parte desse cenário. O filme que traria Sean Connery para seu papel mais famoso tem trama muito semelhante a 007 Contra a Chantagem Atômica e é fruto de uma briga judicial entre os escritores desse roteiro. Na trama, Bond recebe uma convocação para recuperar bombas nucleares roubadas pela organização Spectre, tradicionalmente presente nos livros de Ian Fleming.

    Para além da exibição, a obra é mais conhecido pela polêmica envolvendo os direitos autorais. Kevin McClory produtor e co-autor do roteiro do filme de 1965 ganhou ação na justiça dos Estados Unidos e pôde fazer seu próprio filme com o personagem desde que este fosse produzido após 1975. Nas discussões a respeito disso Connery sugeriu que o personagem estivesse de fato mais velho e maduro, mas a ideia foi descartada e fingiriam que ele era o mesmo personagem de sempre, mesmo com o intérprete já vivendo personagens mais veteranos, a exemplo de Robin e Marian, O Homem Que Queria Ser Rei e tantos outros.

    O filme não possui boa parte das marcas do personagem, como os créditos iniciais, a trilha musical, etc. Sobraram os personagens M, Moneypenny, Q e, claro, a organização Spectre. Irvin Kershner, diretor de O Império Contra-Ataca foi responsável por conduzir Nunca Mais Outra Vez. O filme tem como bondgirl principal a belíssima Kim Basinger, que tem seu corpo explorado de modo mais agressivo do que era comum aos filmes do espião britânico. Max Von Sidow como Blofeld, tem em sua ação uma abordagem semelhante aos filmes de brucutus, com violência mais franca e estética semelhante aos filmes de soldado. Em alguns pontos, as brigas lembram o visto em Rambo: Programado Para Matar.

    O filme é repleto de momentos bobos, como quando o herói derrota um brutamontes após jogar um líquido estranho, que parecia ser ácido, para depois descobrirmos se tratar da urina do espião. O filme ainda chega ao cúmulo de ter Rowan Atkinson, intérprete do clássico personagem Mister Bean, que anos mais tarde faria Johnny English, uma paródia aos clichês de 007.

    Reza a lenda que McClory desejava que esse fosse apenas um de uma nova série de filmes do agente britânico, mas essa intenção não se materializou. Durante os anos 90, sua intenção era refilmar essa mesma história com o título Warhead 2000, e chamaria Timothy Dalton para fazer Bond, porém a justiça americana freou esse projeto. A julgar pela qualidade deste, foi melhor assim. Para Connery o filme ainda causou sensações mistas. Ao passo que ele recebeu o maior cachê pago a um ator britânico até a 1983, ele também conseguiu quebrar seu pulso, enquanto ensaiava uma coreografia de luta com o instrutor Steven Seagal.

    Nunca Mais Outra Vez desperdiça o talento de Klaus Maria Brandauer, ator austríaco acostumado a papéis mais dramáticos e que aqui parece um bobo alegre. Além disso, o roteiro é fraco, as atuações são genéricas, a música tema é pouco marcante, e nem ao menos os cenários remetem às histórias de Fleming.

    https://www.youtube.com/watch?v=0RIICiAaEwI

  • Crítica | Matrix Revolutions

    Crítica | Matrix Revolutions

    Crítica Matrix Revolutions

    Matrix Revolutions é o terceiro filme da saga idealizada pelas irmãs Wachowski, e carrega muitas expectativas, em especial, ter que fechar as pontas soltas de Matrix Reloaded, dar sequência aos conceitos filosóficos primordiais de Matrix e pincelar questões ligadas a aceitação de gênero. Todas essas resoluções teriam de ocorrer em pouco mais de duas horas. Se perder em meio a essas demandas é fácil.

    Filmado em conjunto com Reloaded, o longa se inicia em um cenário de limbo, com o Neo (Keanu Reeves) aguardando seu destino enquanto seus amigos tentam resgatá-lo, num conceito bem mais filosófico que as brigas envolvendo Trinity nos dois primeiros. Este trecho é obviamente um paralelo com o purgatório, lugar onde as almas se preparam para o julgamento de danação ou paraíso segundo a fé cristã católica. Este momento serve para lidar com a obsolescência dos programas, e para ratificar o sentimentalismo e “humanidade” desses seres.

    Se a Matrix é programada para domar os homens e precisa se alimentar das emoções deles em um esquema de vida falso, mas que necessita ser congruente para quem nela vive, pode-se dizer que é preciso sensibilidade para equilibrar tudo. Se as máquinas têm anseios e sentimentos, seria natural que os programas do simulacro também fossem igualmente sentimentais, que tivessem desejos e inseguranças. O conceito de um casal de programas, querer que sua filha (Sati) viva apesar da programação de destino fatal relegado a eles faz sentido, e conversa bem com o segmento O Segundo Renascer, do compilado de animações Animatrix, lançado em 2003. Se conceitos relacionados ao potencial de Merovingio e Persephone são abandonadas nesta parte, essa questão é um ponto positivo, e conversa bem com a condição do Agente Smith (Hugo Weaving), já que após sua derrota ele se reinventa, e age como um vírus predatório. Esses programas buscam viver a todo custo, assim como Roy Batty em Blade Runner, buscam se adaptar e seguir vivos, mesmo que essa condição comprometa o funcionamento básico da matrix.

    O subtexto mais rico certamente tem a ver com a transição de gênero. A jornada de Neo não é só um paralelo com Cristo, há a percepção que sua identidade no mundo real também não é “verdadeira” quanto deveria ser. Para muitos, o fato dele ter poderes fora da Matrix é incongruente ou é a demonstração cabal de que Zion era outra camada de simulação, hoje faz  mais sentido comparar isso com a descoberta da identidade, no caso de Neo sua relação com os poderes, enquanto para as diretoras têm toda a conotação de gênero. A Matrix não permite que Neo tenha poderes não por ele estar acima do código-fonte, mas por conta das habilidades que ele sequer tem consciência. Para acessar essa condição, Neo precisou se entender, descobrir quem ele era, assim como ocorreu com as cineastas anos depois.

    Da parte da ação houve um salto de qualidade. Os confrontos melhoraram muito entre Reloaded e Revolutions, inclusive no que toca o agente Smith. Foram utilizados mais dublês e efeitos práticos, além de mais cenas noturnas que disfarçam melhor as fragilidades dos efeitos em computação gráfica. Outro bom ponto são as batalhas em Zion, que lembram animes de mechas e robôs gigantes, tais como Gundam. Aqui também se dribla a máxima de batalha em várias frentes carente de emoção, diferente de outros filmes, é fácil ter empatia pelos humanos nessas lutas.

    Essa terceira parte também faz justiça a Niobe (Jada Pinkett Smith). Sua jornada é bem pontuada e mesmo com pouco tempo de tela se percebe a difícil decisão que ela teve que tomar. Trinity também é valorizada, sua relação com Neo é mostrada como um grande pilar na franquia, e Carrie-Anne Moss está de novo muito bem.

    Matrix Revolutions não é um fechamento ideal, mas a decisão de Neo em estabelecer a paz entre os dois povos guerreiros é sábia, mostra que seus poderes enquanto paralelo de Cristo não são só de onipotência, mas também de conhecimento e sabedoria, finalizando bem seu papel de sacrifício. Ao menos nesse ponto o roteiro seguiu tão inspirado quanto o filme original, e certamente essas continuações seriam melhor construídas caso houvesse um espaço de intervalo maior entre elas.

  • Crítica | Matrix Reloaded

    Crítica | Matrix Reloaded

    Crítica Matrix Reloaded

    Matrix foi um sucesso estrondoso e mudou os paradigmas do cinema de ação. Natural que continuações surgissem, e em 2003 Matrix Reloaded foi anunciado em conjunto com sua continuação, Matrix Revolutions, ambos gravados simultaneamente. Segundo as irmãs Wachowski, a história sempre foi pensada para ser uma trilogia, embora o primeiro filme tenha um fechamento satisfatório.

    O início desse remete ao primeiro, com uma cena de ação com Trinity (Carrie-Anne Moss) em um momento de perigo iminente, com uma possibilidade de fracasso ligeiramente provável. Essa sequência é breve, e serve para mostrar que as lutas com arame seguem bem feitas e, em contrapartida, também prevê o uso de computação gráfica mais extensivo nessa parte da saga, quase sempre com problemas.

    No primeiro filme, a cidade dos humanos, Zion, é apenas citada. Já aqui é um cenário grande, belo à sua maneira, mesmo que seja paupérrimo, com famílias amontoadas em pequenas baías que se assemelham ao cenário favelizado dos morros cariocas e em diversos outros lugares suburbanos nas metrópoles do mundo. A liberdade de escolha tem um preço.

    Muito se reclama a respeito dos roteiros das sequências, mas a realidade é que os paralelos com as mitologias e religiões segue sendo um ponto bem explorado. Entre eles está na adulação que boa parte dos habitantes de Zion fazem a Neo, tratado realmente como uma figura divina, inclusive com sacrifícios e oferendas. A reação que Keanu Reeves tem a esses momentos de agradecimento surpreende pelo desempenho do intérprete, conhecido por não ter dotes dramáticos tão valorosos, a exemplo de Drácula de Bram Stoker, mas o destaque maior está obviamente na referência ao culto a personalidade, denunciado por Cristo, mas tão presentes nas religiões.

    Outro fator é a figura de Morpheus como o profeta que prepara a vinda do Messias. Laurence Fishburne ratifica e evolui sua variação de João Batista. Tal qual era o primo carnal de Cristo que anunciava a vinda do Escolhido à Terra, ele segue auxiliando o Salvador. Batista vivia no deserto se alimentando de gafanhotos e mel, enquanto Morpheus no primeiro Matrix se alimenta sem luxos, de forma precária e ainda arrasta os seus seguidores da Nabucodonosor a fazer o mesmo. Aqui outro sacrifício também é mostrado, já que ele abriu mão da relação com Niobe (Jada Pinkett Smith), cortando os vínculos carnais.

    Há muitos bons conceitos, como a expansão dos programas, representados de forma complexa, com anseios humanos, como também os novos personagens introduzidos que ajudam a expandir a mitologia da série de filmes, ainda que muitos deles não tenha nenhum aprofundamento. Outro destaque fica para as cenas de ação, em especial a de perseguição na auto-estrada, certamente o ápice emocional do filme. O segmento põe à prova toda a extensa preparação do elenco que durou oito meses, e isso é visto nos momentos de luta, como nos choques de carros e perseguições que resgatam os clássicos Bullit e Operação França, em um circuito de cinco quilômetros, feito exclusivamente para a produção.

    Há muitas fragilidades no filme, em especial o primeiro embate de Neo com a nova versão do Senhor Smith. Um produto que foi tão bem cuidado não merecia uma computação gráfica tão artificial quanto esta, e isto resume os problemas de Matrix Reloaded, um produto mal-acabado tecnicamente, imaturo enquanto história solo e pouca dramaticidade. Tudo parece mecânico e presunçoso, e essa é uma história de homens, não de máquinas.