Tag: James Cromwell

  • Crítica | Homem-Aranha 3

    Crítica | Homem-Aranha 3

    Homem-Aranha 3 fecha a trilogia de Sam Raimi sobre o herói tangível e cheio de defeitos criado por Steve Ditko e Stan Lee, mas não sem trazer consigo uma infinidade de reclamações sobre os rumos que a franquia tomou. Na trama, Peter Parker (Tobey Maguire) tem de enfrentar uma crise na relação com Mary Jane (Kirsten Dunst), além de três vilões diferentes.

    No início do filme há uma clara diferença desse para Homem-Aranha 2, o recapitular das aventuras anteriores se dá com arte de Alex Ross e aqui estão apenas as cenas conduzidas por Raimi, sem qualquer tratamento de imagem, como um resumo de capítulos anteriores de uma série barata, o cuidado com a cinessérie mudou e, além disso, se nota uma diferença no tema orquestrado, com tons e acordes diferentes, já que Danny Elfman dá lugar a  Christopher Young na trilha sonora. Esse tom obscuro deveria passar para a abordagem da personalidade de Peter, mas isso não ocorre, necessariamente.

     

    Homem-Aranha 3 é muitas vezes injustamente  criticado, no entanto, uma reclamação justa é o comportamento que o personagem de Maguire tem no início do filme, antes mesmo de ter contato com o “alienígena” que daria origem a Venom. Ele é impulsivo, se deslumbra com a aceitação que o povo lhe confere finalmente, após dois filmes com histórias conturbadas, e age de maneira brutalmente insensível, em especial com MJ. A vida pessoal de Peter finalmente se ajeita, ele está feliz, tanto como Aranha quanto Peter Parker, mas como se trata de um personagem trágico (aos menos aos olhos do diretor), não há como seguir assim por tanto tempo.

    Raimi é um cineasta muito fiel às suas raízes, mesmo quando faz obras mais voltadas para o público mainstream. Desse modo, é natural que existam cenas que remetam ao cinema de horror. E aqui a manifestação se dá no entorno do Homem Areia, tanto na transformação que Flint Marko (Thomas Haden Church) sofre, quanto nos momentos finais. Além de ter um visual arrebatador em ambos momentos, há significados que remetem aos monstros clássicos, em especial na sua gênese. Marko tem características da criatura de Frankenstein de Boris Karloff, e certamente essa referência seria melhor encaixada caso o roteiro fosse mais sólido, pois o evento que transforma o personagem é completamente avulso à trama, sem repercussão antes ou depois do ocorrido.

    As tramas secundárias também variam de qualidade. James Franco está bastante canastrão, não consegue dar camadas ao seu personagem, sua motivação não faz sentido por não ter tempo de tela, sem falar que expõe um dos defeitos do filme, os efeitos visuais primários. Dunst está muito bem, consegue trabalhar bem com o que é lhe dado, mesmo sendo pouco. Já a introdução dos personagens novos, como Gwen (Bryce Dallas Howard), Eddie Brock (Topher Grace) e o Capitão Stacy (James Cromwell) é gratuita ao extremo. Não há desenvolvimento mínimo de nenhum deles, e até os coadjuvantes do Clarim Diário parecem mais sólidos e profundos que o trio, fato que gera até incongruências, já que o J.J. Jameson de J.K. Simmons não sabe quem é Brock, mesmo com uma citação a ele em Homem-Aranha. O personagem é tão irrelevante para Raimi que a direção deliberadamente não o leva a sério.

    Entre as reclamações mais comuns ao filme está a personalidade de Peter modificada pelo simbionte, que muitos atribuíam ao comportamento dos fãs de emocore. Ora, na época, os meninos comuns que usavam esse visual diferia de Peter. Eram introspectivos, gostavam de parecer sombrios, já Parker é o oposto disso, espalhafatoso, inconsequente e age até como um bully em alguns momentos, com uma personalidade tão baixa quanto a do seu nêmese escolar Flash Thompson. Ele claramente não era Emo, só pegou emprestado desse estilo o cabelo e a maquiagem um pouco mais forte, comparar o Andrew Garfield em O Espetacular Homem-Aranha com o estereótipo do hipster até faz algum sentido, mas o Peter de Tobey de emo tinha apenas o visual.

    Parker parece governado unicamente pelo id (parte da mente que quer gratificação imediata de todos os seus desejos e necessidades, segundo o conceito freudiano), e dito assim, esses momentos não parecem tão erráticos, especialmente a cena “musical”, já que é o símbolo maior da breguice que Raimi sempre impôs a sua versão do Cabeça de Teia.

    A reunião dos antagonistas não tem nenhuma força, é um pretexto pobre que está lá para justificar uma ação entre amigos com Harry e Peter juntando as forças, que só não é mais vergonhosa do que o momento de retorno do uniforme clássico, ao lado de uma bandeira dos EUA tremulando, que faz automaticamente o povo esquecer dos maus atos do Aranha. Além dessas questões, boa parte da imaturidade de Peter também não cabe, já que ele aprendeu ou deveria ter aprendido com seus erros do passado, e justificar esses atos pelo simbionte também não faz sentido, visto que sua personalidade já havia se transformado antes mesmo dele utiliza-lo.

    Raimi saiu reclamando de interferência dos estúdios, seu desejo seria explorar personagens como o Abutre e a Gata Negra, mas por influência de Avi Arad, teve que fazer o filme com Venom. Desse modo,  Homem-Aranha 4 previsto para 2011 foi abortado, assim como uma segunda trilogia. Ainda assim Homem-Aranha 3 parece mais com o ideal de Ditko e Lee, por ser senhor de sua própria história e seguir dando camadas trágicas, mas humanas ao personagem. Peter segue falho, tolo, mas capaz de se sacrificar e tentar evoluir, mesmo que a mão invisível do roteiro o faça agir como alguém que não digeriu bem seus problemas.

  • Crítica | Eu, Robô

    Crítica | Eu, Robô

    As obras baseadas nos livros e contos de Isaac Asimov sofrem normalmente com uma problemática freqüente: são produções em que o a figura do astro que as protagoniza, é mais comercial e conhecida que a autor. Foi assim em O Homem Bicentenário com Robin Williams, que foi transformado num bobo conto infantil, elogiado pelo publico por afeição ao ator, e foi assim também com Eu, Robô de Alex Proyas, que tem em Will Smith o seu maior chamariz.

    O livro de contos não é adaptado de maneira convencional, o que se vê são elementos do conto Sonhos de um Robô*, jogados em meio a historia de Del Spooner (Smith), um detetive forte, robusto, que toma banho com a mesma pose artificial de Angelina Jolie em Tomb Raider e que está aqui para ser a epítome de algo que Asimov vivia criticando: A Síndrome de Frankenstein.

    Proyas parece mais preocupado em exibir seu astro sem camisa, se exercitando de maneira muscular e em mostrar um cenário repleto de CGIs artificiais do que contar uma historia coesa e com elementos de ação.  A parte filosófica do filme é rasa, se perde em meio as propagandas dos tênis Converse All Star e não são discutidas ou aprofundadas. Em 2004 Smith já estava acostumado a lidar com grandes marcas, em MIB – Homens de Preto ele desenvolveu bem seu papel, foi discreto e não precisava ser o centro das atenções todo o tempo, mesmo em As Loucas Aventuras de James West, que foi muito criticado, ele estava tão canastrão quanto aqui.

    A paranoia de Spooner também é algo clichê e gratuito, a velha historia de um passado com problemas envolvendo o caso central de um filme ou série é tão batido que já causa enfado no espectador antes mesmo de se consumir a tal historia. Os cenários também não envelheceram bem, assim como boa parte dos efeitos nos androides e ciborgues, nada parece natural e isso ajuda a distanciar o filme do ideal asimoviano.

    Excluindo o fato da onde se baseiam os preceitos de Eu, Robô, o roteiro de filme policial também são pobres, os elementos misteriosos não geram uma grande dificuldade em se notar quem são suspeitos, culpados e os auxiliares na historia que Spooner corre. Algumas coisas simplesmente não batem, como a volúpia do personagem humano central por açúcar, se ele é tão preocupado com seu corpo e se a tecnologia não o impede de exercitar para ser tão forte, não faz sentido ele adoçar tanto o café. A necessidade de diferenciar máquina de humano passa por esse tipo de ausência de sutileza.

    Outra caracterização pobre é da doutora Susan Calvin (Bridget Moynahan), uma psicologa robótica  que tenta a todo custo trazer o filme para a lógica não bélica dos livros, mas esbarra na necessidade da historia se mover na direção de um filme de brucutu genérico dos anos 90. Absolutamente tudo está montado para dar chance a Smith de soltar alguma frase de efeito, ou simplesmente se alimenta sua paranoia de fobia contra mecânicos, fato que agrava evidentemente a investigação sobre a morte do Doutor Lanning (James Cromwell), e o envolvimento de Sonny (Alan Tudyk) nisso.

    Os momentos finais buscar ser emocionantes, com a revolta das máquinas ocorrendo motivadas por uma inteligência artificial suprema, cujas motivações não fazem qualquer sentido. Os combates soam genéricos, não tem muito peso, uma vez que o nível tecnológico empregado nos efeitos não era tão acurado sequer para a época, que dirá mais de quinze anos depois. É uma pena que Proyas tenha realizado um filme tão equivocado e com um script tão pobre quanto esse escrito por Akiva Goldsman e Jeff Vintar.

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  • Crítica | Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato

    Crítica | Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato

    Jornada nas Estrelas O Primeiro Contato é conduzido por Jonathan Frakes, o  interprete de William Riker e diretor  de alguns bons episódios de Jornada nas Estrelas A Nova Geração. Esse que é o oitavo filme da franquia (segundo da tripulação de TNG) resgata o melhor vilão disparado desta versão, os seres robóticos e parasitários conhecido como os Borgs. Esse é considerado por boa parte dos trekkers como o melhor episodio desta parte da cine serie.

    Dentre os outros filmes da equipe de Picard (Patrick Stewart) e companhia, esse é de fato o que tem uma abordagem mais bem resolvida, desde o inicio a historia varia entre os flashbacks de Picard como Locutus, que era a liderança borg que ele foi em meio as temporadas de TNG (The Next Generation, nome original de A Nova Geração), aproveitando algumas das pontas soltas relacionadas a raça alienígena que foi derrotada tempos atrás. Esse, ao contrario de Jornada nas Estrelas – Gerações não tem qualquer receio de parecer um grande episódio duplo  da série derivada, e ele até é em alguns momentos, mas este foge das formulas das adaptações oriundas de outros seriados, com uma linguagem narrativa de fato cinematográfica e visualmente arrojada, tal qual havia sido com Jornada nas Estrelas 3 – À Procura de Spock e Jornada nas Estrelas 4 – A Volta Para Casa, também conduzidas por um ator clássico, no caso, Leonard Nimoy.

    A música de Jerry Goldsmith  embalam os longos créditos iniciais, fato que aliás, já situa o espectador na real atmosfera de blockbuster que virá a seguir. Mesmo a utilização de clichês de Sci Fi, como a viagem no tempo é muito bem explorada, graças e muito a participação de James Cromwell como Zefram Cochran, o pioneiro em viagens espaciais da Terra, o sujeito que constrói o primeiro motor de dobra terráqueo, introduzido em Jornada nas Estrelas: A Série Clássica.

    O modo como o doutor  é apresentado é ótimo, pois ele é um sujeito inseguro,beberrão, que não acredita em seu potencial, fato que humaniza o ícone e dá chance a um dos momentos mais engraçados do longa, com a conselheira Deanna Troi (Marina Sirtis) ficando ébria com o visionário cientista. Além desse ser um bom contraste com o outro núcleo, que enfrenta uma guerra, também se dá alguma importância aos personagens da tripulação principal, sem forçar tanto a necessidade de dar espaço para cada personagem.

    O que realmente não faz sentido é a lenta adaptação dos borgs aos humanos, como se houvesse uma reformulação completa nessas criaturas, fato que permitiu que fossem mais falhas. As soluções para elas na serie fazem.mais sentido do que aqui, especialmente na questão da liderança. O conceito da Rainha feita por Alice Krige também é um conceito estranho, um retcon bastante mal pensado.

    De positivo – e ate um pouco original – e bem desenvolvido, foi o apreço da coletividade por Data (Brent Spinner). Faz todo sentido que a raça parasitária que tanto mal fez a sociedade galática e consequentemente a Federação Estelar se interesse pela figura sintética e robótica mais bem desenvolvida entre todas as tentativas das civilizações conhecidas. A criação do Doutor Soong tem muito em comum com os seres que quase deram fim a humanidade e a todo o resto das raças conhecidas.

    O ritmo e edição salvam demais o filme do marasmo e da problemática proveniente das coincidências do roteiro, e mesmo as participações de Robert Picardo e Ethan Phillips de Voyager são pequenas, discretas e bem cabíveis, mesmo Reginald Reggie Barclay (Dwight Schultz) tem boas aparições. O mesmo pode-se dizer de quase todo o resto dos personagens recorrentes.

    Mesmo com alguns equívocos, o filme transmite uma boa mensagem, entretém e utiliza bem alguns aspectos do cânone de Star Trek, como a utilização dos vulcanos como alvos do tal primeiro contato, a atenção com os seriados vigentes na época  –  Deep Space 9, que empresta o uniforme aos personagens do longa e Voyager, nas participações já citadas – fazem esse ser talvez o mais coeso dos produtos extra-série de Jornada nas Estrelas.

    O Primeiro Contato consegue resultar em uma aventura divertida, que tem pitadas de escapismo com conceitos de alto sci-fi e um pouco do Complexo de Frankenstein que Isaac Asimov sempre reclamava ser popular, e mesmo com todos os senões, diverte bastante, e é atento com todos os mandamentos que Gene Ronddenberry, Rick Berman e Brannon Braga utilizavam em seus programas de TV, evocando o mesmo espírito aventureiro, se preocupando também com o cerne de cada um de seus personagens.

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  • Crítica | A Lavanderia

    Crítica | A Lavanderia

    Steven Soderbergh tem executado uma boa parceria com a Netflix. Seu longa anterior, High Flying Bird foi bem pouco falado, e é uma obra subestimada, pois trata bem sobre os sonhos e frustrações ligados ao basquete e aos esportes em alto rendimento como um todo. A Lavanderia, começa metalinguístico, com dois narradores estranhos, os personagens de Gary Oldman e Antonio Banderas, Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, quebrando a quarta parede, elucubrando sobre dinheiro, bem ao estilo de A Grande Aposta, ainda que ao estilo de Soderbergh.

    A trama logo vai para Lake George, em Nova York, mostrando o casal Ellen e Joe Mart, de Meryl Streep e James Cromwell. Os dois sofrem um infortúnio e é nessa parte que se notam as fragilidades orçamentárias do filme. Quando a água toma a embarcação onde eles estão, vem um efeito digital da água que é bem artificial, graças obviamente ao baixo custo da produção. O diretor consegue convencer grandes astros a participar, mas todo o resto dos custos tem que ser bancado, mas aqui ao menos, funciona, dado o caráter satírico do roteiro e abordagem.

    O script mostra pessoas comuns, sendo ludibriadas por outras pessoas, essas bastante instruídas, gente malandreada que não tem qualquer receio em empregar seus golpes e maracutaias nos que pouco tem, e incrivelmente não há um julgamento ultra moralista, ao contrário, há leveza na condução das historias paralelas e assessórias na quantidade de esquemas e propinas mostrados, em especial nos casos de aliciamento, de uso de laranjas e de assassinatos.

    Como a trama não se leva a sério, Oldman, Banderas e Streep tem espaço para exercerem suas facetas mais caricatas e canastronas possíveis. Em boa parte do filme, o overaction funciona, mas em outros, mais parece um filme ruim de Eddie Murphy. O longa carece de equilíbrio em muitos pontos, e se perde um pouco em meio as muitas tramas paralelas, mas incrivelmente não deixa de ser divertido quase nunca, principalmente por não ter apenas uma historia de guia, e sim várias, indo e voltando ao arco de Ellen.

    A Lavanderia é baseada no livro de Jake Bernstein, Secrecy World: Inside the Panama Papers Investigation of Illicit Money Networks and the Global Elite, que obviamente não é uma obra ficcional, e a forma como o longa aborda as partes reais é um pouco atrapalhada e nada sutil. Toda a questão dos Panama Papers e da Odebrecht soa um pouco rasa, não há muito aprofundamento e o desfecho não é tão potente quanto todo o resto – nos momentos finais, chega a soar um bocado moralista –  mas dado que praticamente nada na obra é encarado com seriedade, faz pouco sentido dar vazão ao azedume ao analisar esta obra, que mesmo soando exagerada, é repleta de bom humor e jocosidade, onde o alvo principal, são os ricos e gananciosos da classe A estadunidense.

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  • Review | Jornada nas Estrelas: Enterprise

    Review | Jornada nas Estrelas: Enterprise

    Enterprise 3

    Em 2001, a primeira prequência da saga pensada por Gene Roddenberry começava, nas noites de quinta-feira na rede UPN (United Paramount Network Inc.) o seriado Enterprise. O programa era pensado em sua essência pela dupla de produtores que basicamente  mandavam na franquia à época, Rick Berman e Brannon Braga. O foco seria nas origens da Federação dos Planetas Unidos, ainda não fundada e é claro, na primeira nave capaz de viajar em velocidade de dobra de 4.5. Os tempos eram bastante diferentes, viajar pelo espaço era algo ainda embrionário e bastante perigoso, e a responsabilidade de comandar a tal nave Enterprise recairia sob os ombros de um homem arredio, chamado Jonathan Archer (Scott Bakula), um sujeito cujo perfil lembrava demais um James Tiberius Kirk ligeiramente menos canastrão.

    O mergulho ao passado era enorme, tendo sequer o  tradicional dizer da jornada forasteira, indo onde nenhum homem jamais esteve. A trama começa a partir da chegada de um estranho alienígena, um klingon que invade a Terra e é capturado. A missão teria um viés diplomático, de investigação da origem deste klingon, e contaria com a cooperação mútua entre vulcanos e terráqueos, em um acordo pseudo pacífico bastante frágil, dado aqueles tempos de total desconfiança.

    A mostra da tal cooperação mútua ocorre a partir do ingresso de T’Pol (Jolene Blalock), a oficial de ciências, que é encarada como espiã dos vulcanos, como a presença dos aliados em meio aos irascíveis homens comuns. No entanto, o clima aventureso típico de Star Trek segue vivo, em especial pela fala do doutor Zefram Cochrane (James Cromwell), de que a velocidade de dobra permitiria ao homem pesquisar o que jamais foi visto, na fronteira final que era o espaço. As promessas eram quase infinitas, mas o desenvolvimento das desventuras é gradual.

    O uso de efeitos práticos, cenários reais  e maquiagens comuns causa nostalgia ao espectador atual, mesmo que o programa não seja assim tão antigo. Tais fatores incluem substância, conteúdo e textura ao drama mostrado. Apesar de algumas cenas vergonhosas e de conteúdo sexual discutível, o piloto é até interessante, em especial se comparado com o decorrer do primeiro ano, que mais contém erros que acertos.

    O decorrer dos capítulos revelam uma mesmice incômoda, em momentos que quase não formam arcos, de tão episódicos e autônomos que são seus plots. As missões são genéricas, em quase nada acrescentam a mitologia da franquia, demonstrando que a fórmula procedural se desgastava com o a modernização da linguagem televisiva. Até mesmo o foco em um triunvirato de protagonismo ocorre, com Archer, T’Pol e Trip (Connor Trinner), exatamente como foi com Kirk, Spock e McCoy.

    Alguns conceitos embrionários são desenvolvidos ainda na temporada um, como a rivalidade entre andorianos e vulcanos e a ideia por trás do holodech, que seria utilizada na Nova Geração e até as dificuldades da tripulação em entender línguas de outros povos, já que o tradutor simultâneo ainda está em fase de teste, tendo até a alferes Hoshi Sato (Linda Parkresponsável por manter a diplomacia em voga e por travar o contato idiomático com as raças diferentes a que tem 

    As dificuldades desta tripulação incluem fatos curiosos, além da recorrente problemática de comunicação. Os tripulantes são proibidos de se relacionarem entre si, o que causa um celibato forçado entre os alistados, assim como um aumento na tensão geral. Outra situação limite é a ausência de descanso, provando que os direitos trabalhistas foram acordados com o decorrer do tempo, afastando a teoria muito utilizada pelos críticos da franquia de que a utopia política vista na Enterprise de Kirk surgiu instantaneamente.

    No fim do primeiro ano e início do segundo ano, se explora as questões da Guerra Fria Temporal, envolvendo uma parcela da raça dos sulibans, geneticamente modificados, denominados cabal. O ataque a Enterprise são incisivos, com os alienígenas cercando a nave e exigindo a total cooperação de Archer. A hostilidade dos sulibans já foi aludida antes, dentro do seriado, mas não de forma tão direta e cruel quanto nesses momentos decisivos. As manobras utilizadas por Archer fazem lembrar demais a audácia de James T. Kirk nos episódios originais, com o roteiro finalmente dando um pouco de fibra ao seu capitão, juntando esta boa característica ao seu carisma e extrema dedicação ao papel.

    Após todo o imbróglio, o status quo de retratar a história de modo episódico é reprisado, com um belo início ao situar a presença de T’pol no primeiro contato estabelecido entre os vulcanos e os terráqueos. O decorrer do segundo ano segue morno, ainda mais do que no primeiro, evocando quase sempre referências as partes da franquia que só seriam desveladas muito no futuro, como a relação com os Ferengi e os Borgs, raças somente introduzidas pós Nova Geração, com centenas de anos após este programa.

    Enterprise-7

    Na transição entre o segundo e terceiro ano, há um agravamento da questão da tal guerra fria, soando no mais desinteressante desfecho de arco até então. As críticas negativas a Enterprise normalmente são exageradas, fruto de uma expectativa de fãs que não é alcançada graças ao formato spin off. No entanto, o defeito apontado com relação ao formato são completamente justos, pois a transição entre uma série procedural e as mais ligadas na continuidade exacerbada se dá muito tardiamente. O formato da franquia Star Trek tem muito pouco a ver com o decorrer dos programas que se tornariam campeões da audiência, com apelos muito invertidos em comparação com Lost, 24 Horas, Heroes e com as futuras séries da HBO, o que fez a produção de Braga e Berman soar muito destoante de sua época.

    A escolha dos roteiristas foi a de fomentar mini arcos, dentro do período anual, com episódios contínuos que duravam de dois a quatro capítulos, envolvendo as raças que estavam em conflito, e que em suma, pouco acrescentavam tanto a mitologia da época, quanto ao interesse geral o programa. A importância de tais conflitos rivaliza com o aumento da exploração sexual de T’Pol, artigo que já incomodava antes e que piora bastante nesse ano, onde se institui de fato um triângulo amoroso fajuto entre ela, Archer e Trip, ocorrendo a chegada às vias de fato com este segundo, além de alguns (muitos) momentos de sonhos fantasiosos, onde estes se entregam a luxúria.

    A tentativa de resultar em qualquer popularidade, visto que os índices de audiência diminuíam cada vez mais, fez os produtores inserirem mais raças alienígenas antagonistas características de outras sagas de sci fi, como os repitilianos, que passam a comer ratos, como em V: A Batalha Final. O quarto ano só ocorreu graças a muita insistência do fandom, que lotaram a caixa de e-mail da Paramount para que a série não fosse cancelada. A mudança na postura trouxe a trama para uma viagem temporal que faz paralelos desta encarnação com a da série original, em especial com o episódio Uma Cidade A Beira da Eternidade.

    Já no terceiro episódio, Archer e seus tripulantes voltam a Terra, com a pecha de heróis galácticos, para logo ter essa adjetivação discutida em tela. De fato os textos melhoram muito, ainda que seja mais pelo apelo a mitologia dos episódios clássicos do que por méritos próprios dos roteirista. Se destacam as participações dos romulanos e a quantidade absurda de choques ideológicos dos andorianos com outras raças, incluindo aí os tellaritas.

    O maior fascínio do seriado certamente recai sobre T’Pol e suas posturas. Após explorarem um vulcano mais condizente com a ideia original de ser sem emoções, com Tuvok em Jornadas nas Estrelas: Voyager, retornava-se a ideia de um alienígena mais emocional, passível de erros e capaz até de se viciar em drogas sintetizadas. A postura da moça inclusive faz muito mais sentido por exemplo do que a postura de Zachary Quinto no reboot de J. J. Abrams, exatamente por ter boas justificativas no  texto, ainda que nem sempre as viradas tenham sido tão bem construídas. A faceta extremamente sensual foi pensada pela própria Jolene Blalock, que usava trajes cada vez mais coladas e que pedia aos produtores mais cenas em que seu corpo fosse o maior mote visual, o que de certa forma a fez ser motivo de controvérsia, ainda mais aos olhos modernos e a representação da mulher no audiovisual. Mas o encanto não provinha só da beleza da atriz e do papel em si, e sim do extenso carisma que a personagem foi adquirindo com o passar das temporadas.

    Os últimos dez capítulos tem um tom especial, a começar pelo episódio duplo, com a explicação da praga klingon, que fez supostamente as figuras bélicas da galáxia perderem seu aspecto de hostilidade, ficando mais parecidos com os indianos que se vêem na série clássica, passando pelas idas e vindas de Trip ao posto de tripulante da Enterprise, fugindo do compromisso amoroso que poderia ter com T’Pol. O seriado guarda em seus últimos momentos uma maior preocupação com o futuro/passado da franquia, bem como grifa a intimidade entre personagens, dando maior significado ao drama visto em tela.

    O episódio do universo espelho, In a Mirror, Darkly demonstra o início do Império Galáctico, onde os humanos da Terra são hostis, e começam por atacar os vulcanos no primeiro contato com eles. Nesta versão, é curioso como as personagens femininas, especialmente a linguista Hoshi são ainda mais sexualizadas, tendo até seus uniformes cortados na altura da barriga, a fim de mostrar mais pele feminina, expandindo a sensualidade desta e até de T’Pol, que contém um cabelo maior que sua versão natural, se assemelhando ainda mais ao padrão de beleza do começo dos anos 2000. Os cavanhaques são abandonados nesta versão malvada, mas as barbas por fazer prosseguem como parâmetro de malignidade, assim como deformações, mostrando que Enterprise explorava os estereótipos um passo atrás de seu próprio tempo ao contrário da primeira série, que punha-se a frente de sua cronologia de lançamento.

    O quadro melhora ligeiramente ao se explorar o contato com a geração do século XXIII, em referência ao capítulo Arena da série clássica, onde se justifica a rivalidade dos reptilianos Gorns com os humanos, finalmente mostrando como seria a concepção desta raça em CGI. Os penúltimo e antepenúltimo episódios finais de dedicam aos embriões da aliança que resultaria na Federação de Planetas e consequentemente na Frota Estelar, explorando a paranoia humana presente nesta união. A disputa de ideias entre Archer e John Frederick Paxton (Peter Weller) é tão  antiga quanto a explorada no universo espelho, envolvendo a expansão espacial pondo em lados distintos a predação e a convivência pacífica. A lição tirada, em especial pondo em cheque a palavra do Doutor Phlox (John Billingsley) é a de perdas e ganhos, mostrando que mesmo uma exploração pacífica pode sofrer terríveis ataques, vindo de quem não sabe tratar sua própria intolerância, salvando então um argumento já combalido, finalmente levando Star Trek para a ideia inicial de Ronddenberry, que era mostras as mazelas e diferenças culturais sendo derrubadas em prol do progresso.

    O derradeiro episódio mostra uma viagem aos sets de A Nova Geração, com o comandante William Riker (Jonathan Frakes) assistindo a um documentário holográfico, que teria fortes ligações com os eventos de Enterprise, discutindo-se até tais efeitos junto a Deanna Troi (Marina Sirtis), que acredita que o homem do alto comando está obcecado com a situação de seus antecessores. O capítulo seria bastante genérico, não fosse a exploração do último dia da expedição. Por mais que haja uma tentativa imensa de gerar emoção, falta ao derradeiro episódio, o que de certa forma explica a regularidade do seriado. Exceto é claro pelo emocionante discurso final, mesclando cenas das três versões da nave, acoplando o discurso de Patrick Stewart, Will Shatner e Scott Bakula, que remonta ao desbravar que Ronddenberry começou e que Rick Berman e Brennon Braga tentaram prosseguir, quase sempre respeitando a obra original, apesar dos muitos escorregões, tanto dos spin offs quanto desta encarnação.

  • Crítica | Cowboys do Espaço

    Crítica | Cowboys do Espaço

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    Um filme dirigido por Clint Eastwood e com o nome de Cowboys do Espaço poderia ser facilmente confundido com um bang bang espacial. Afinal, o ator/diretor é um dos maiores ícones do gênero de faroeste. Porém, temos aqui uma aventura espacial bem pé no chão, com fortes bases nas relações interpessoais do excepcional elenco principal.

    Na trama, Clint interpreta Frank Corvin, um veterano piloto de testes que estaria na primeira missão tripulada ao espaço, mas foi descartado junto com a sua equipe faltando pouco para a missão acontecer. Devido a um problema com um satélite, Corvin é chamado de volta pela NASA para resolver a situação, uma vez que é o único com o conhecimento necessário para a tarefa. Aproveitando-se da situação, Corvin exige que a equipe Dédalus – composta por seus três antigos companheiros interpretados por Tommy Lee Jones, James Garner e Donald Sutherland – seja reunida para que possam finalmente cumprir a missão de ir ao espaço, tal e qual deveriam ter ido no ano de 1958.

    Clint demonstra a habitual competência na direção, conduzindo bem o roteiro idealizado por Ken Kaufman e Howard Klausner. Inicialmente simples, a trama vai se desdobrando aos poucos de forma bastante natural à medida que o filme vai acontecendo, com algumas boas surpresas sendo apresentadas. O filme não se arrisca muito, segue uma estrutura bem tradicional, mas isso não pode ser considerado um defeito. Talvez essa estrutura tradicional, sem grandes inventividades, faça com que o filme seja tão divertido como é. Os diálogos são um caso à parte, uma vez que são bastante naturais, o que passa bastante credibilidade sobre a longa relação entre os personagens na tela. Porém, quando um personagem apresenta um grave problema durante o filme, a trama acaba recorrendo a uma solução final que, embora seja bem adequada e dotada de uma certa poesia – gerando uma maravilhosa imagem final para a película -, é notadamente um clichê, tornando tudo isso bastante previsível.

    O elenco é espetacular. O quarteto de protagonistas composto por Clint Eastwood, Tommy Lee Jones, James Garner e Donald Sutherland entrega atuações inspiradíssimas e realmente denotando que os personagens são conhecidos de longa data. Os diálogos são bem orgânicos e as interações muito naturais. Sutherland rouba algumas cenas com o seu personagem mulherengo que ainda se sente o galã de outrora. O elenco de apoio também é excelente, com William Devane (o diretor de vôo) e James Cromwell (o diretor de projetos escroque responsável pela ruína da missão Dédalus original se destacando como sempre, e Marcia Gay Harden, a médica que se torna interesse amoroso de Tommy Lee Jones, que, como sempre, está muito bem em cena.

    Com boas doses de humor, ótimos diálogos, um roteiro interessante e um elenco excepcional, Cowboys do Espaço se mostra como um dos bons exemplares da carreira de Clint Eastwood como diretor.