Tag: J.K. Simmons

  • VortCast 106 | Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa

    VortCast 106 | Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira | @flaviopvieira), Jackson Good (@jacksgood), Bruno Gaspar (@hecatesgaspar | @hecatesgaspar) e Filipe Pereira (@filipepereiral | @filipepereirareal) recebem Marcelo Miranda (@marcelomiranda1) para comentar sobre os erros e acertos do mais novo filme do Amigão da Vizinhança, Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa.

    Duração: 88 min.
    Edição:
     Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Crítica | Homem-Aranha 3

    Crítica | Homem-Aranha 3

    Homem-Aranha 3 fecha a trilogia de Sam Raimi sobre o herói tangível e cheio de defeitos criado por Steve Ditko e Stan Lee, mas não sem trazer consigo uma infinidade de reclamações sobre os rumos que a franquia tomou. Na trama, Peter Parker (Tobey Maguire) tem de enfrentar uma crise na relação com Mary Jane (Kirsten Dunst), além de três vilões diferentes.

    No início do filme há uma clara diferença desse para Homem-Aranha 2, o recapitular das aventuras anteriores se dá com arte de Alex Ross e aqui estão apenas as cenas conduzidas por Raimi, sem qualquer tratamento de imagem, como um resumo de capítulos anteriores de uma série barata, o cuidado com a cinessérie mudou e, além disso, se nota uma diferença no tema orquestrado, com tons e acordes diferentes, já que Danny Elfman dá lugar a  Christopher Young na trilha sonora. Esse tom obscuro deveria passar para a abordagem da personalidade de Peter, mas isso não ocorre, necessariamente.

     

    Homem-Aranha 3 é muitas vezes injustamente  criticado, no entanto, uma reclamação justa é o comportamento que o personagem de Maguire tem no início do filme, antes mesmo de ter contato com o “alienígena” que daria origem a Venom. Ele é impulsivo, se deslumbra com a aceitação que o povo lhe confere finalmente, após dois filmes com histórias conturbadas, e age de maneira brutalmente insensível, em especial com MJ. A vida pessoal de Peter finalmente se ajeita, ele está feliz, tanto como Aranha quanto Peter Parker, mas como se trata de um personagem trágico (aos menos aos olhos do diretor), não há como seguir assim por tanto tempo.

    Raimi é um cineasta muito fiel às suas raízes, mesmo quando faz obras mais voltadas para o público mainstream. Desse modo, é natural que existam cenas que remetam ao cinema de horror. E aqui a manifestação se dá no entorno do Homem Areia, tanto na transformação que Flint Marko (Thomas Haden Church) sofre, quanto nos momentos finais. Além de ter um visual arrebatador em ambos momentos, há significados que remetem aos monstros clássicos, em especial na sua gênese. Marko tem características da criatura de Frankenstein de Boris Karloff, e certamente essa referência seria melhor encaixada caso o roteiro fosse mais sólido, pois o evento que transforma o personagem é completamente avulso à trama, sem repercussão antes ou depois do ocorrido.

    As tramas secundárias também variam de qualidade. James Franco está bastante canastrão, não consegue dar camadas ao seu personagem, sua motivação não faz sentido por não ter tempo de tela, sem falar que expõe um dos defeitos do filme, os efeitos visuais primários. Dunst está muito bem, consegue trabalhar bem com o que é lhe dado, mesmo sendo pouco. Já a introdução dos personagens novos, como Gwen (Bryce Dallas Howard), Eddie Brock (Topher Grace) e o Capitão Stacy (James Cromwell) é gratuita ao extremo. Não há desenvolvimento mínimo de nenhum deles, e até os coadjuvantes do Clarim Diário parecem mais sólidos e profundos que o trio, fato que gera até incongruências, já que o J.J. Jameson de J.K. Simmons não sabe quem é Brock, mesmo com uma citação a ele em Homem-Aranha. O personagem é tão irrelevante para Raimi que a direção deliberadamente não o leva a sério.

    Entre as reclamações mais comuns ao filme está a personalidade de Peter modificada pelo simbionte, que muitos atribuíam ao comportamento dos fãs de emocore. Ora, na época, os meninos comuns que usavam esse visual diferia de Peter. Eram introspectivos, gostavam de parecer sombrios, já Parker é o oposto disso, espalhafatoso, inconsequente e age até como um bully em alguns momentos, com uma personalidade tão baixa quanto a do seu nêmese escolar Flash Thompson. Ele claramente não era Emo, só pegou emprestado desse estilo o cabelo e a maquiagem um pouco mais forte, comparar o Andrew Garfield em O Espetacular Homem-Aranha com o estereótipo do hipster até faz algum sentido, mas o Peter de Tobey de emo tinha apenas o visual.

    Parker parece governado unicamente pelo id (parte da mente que quer gratificação imediata de todos os seus desejos e necessidades, segundo o conceito freudiano), e dito assim, esses momentos não parecem tão erráticos, especialmente a cena “musical”, já que é o símbolo maior da breguice que Raimi sempre impôs a sua versão do Cabeça de Teia.

    A reunião dos antagonistas não tem nenhuma força, é um pretexto pobre que está lá para justificar uma ação entre amigos com Harry e Peter juntando as forças, que só não é mais vergonhosa do que o momento de retorno do uniforme clássico, ao lado de uma bandeira dos EUA tremulando, que faz automaticamente o povo esquecer dos maus atos do Aranha. Além dessas questões, boa parte da imaturidade de Peter também não cabe, já que ele aprendeu ou deveria ter aprendido com seus erros do passado, e justificar esses atos pelo simbionte também não faz sentido, visto que sua personalidade já havia se transformado antes mesmo dele utiliza-lo.

    Raimi saiu reclamando de interferência dos estúdios, seu desejo seria explorar personagens como o Abutre e a Gata Negra, mas por influência de Avi Arad, teve que fazer o filme com Venom. Desse modo,  Homem-Aranha 4 previsto para 2011 foi abortado, assim como uma segunda trilogia. Ainda assim Homem-Aranha 3 parece mais com o ideal de Ditko e Lee, por ser senhor de sua própria história e seguir dando camadas trágicas, mas humanas ao personagem. Peter segue falho, tolo, mas capaz de se sacrificar e tentar evoluir, mesmo que a mão invisível do roteiro o faça agir como alguém que não digeriu bem seus problemas.

  • Crítica | Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa

    Crítica | Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa

    Review Homem Aranha Sem Volta Para Casa

    Havia uma grande expectativa em torno da estreia de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, por conta da possibilidade de apresentar finalmente uma versão do multiverso no cinema da Marvel e, claro, pela possibilidade da aparição de Tobey Maguire e Andrew Garfield. Esta terceira parte conduzida por Jon Watts começa no momento final de Homem-Aranha: Longe de Casa, onde o vilão Mysterio revela a identidade do herói.

    O ponto de partida do filme é o caos total, causado pela revelação do vilão, e a opinião pública se divide em relação à culpa do Aranha nesse caso. Pela primeira vez o personagem do UCM parece ter dificuldades tangíveis. Em Homem-Aranha: De Volta ao Lar ele passa a maior parte da história sob a tutela de Tony Stark, como se fosse um trainee de herói, e não o mais popular personagem de histórias em quadrinhos da Marvel Comics.

    Os  roteiros dos filmes da Marvel normalmente não são primorosos, não é raro perceber uma reciclagem de conceitos, com um ou outro vilão clássico representado no cinema em uma aventura genérica e presa a fórmula, tendo como diferencial as cenas pós créditos, que por sua vez, geram a expectativa de que a próxima produção será épica. Sem Volta Para Casa acaba tropeçando em alguns desses problemas, mas se diferencia pelo modo emocional com que é levado. Dessa vez, há vilões realmente perigosos, assassinos sádicos, não versões “água-com-açúcar”.

    O Peter de Tom Holland não tem um código moral bem estabelecido até essa historia, o caráter dele é posto à prova de maneira bem mais explícita, e sem a diluição de ter a responsabilidade dividida com outros heróis, como foi nos filmes anteriores e Guerra Infinita. Pela primeira vez nessa encarnação há peso em suas atitudes. Suas reflexões se dão sem interferência de personagens externos ao seu universo, ele sozinho se dá conta disso. Essas questões emancipatórias e de amadurecimento são bem observadas, mas não se descuida dos momentos de ação típicas de aventuras de super-heróis de quadrinhos.

    A ação do filme é frenética, e Watts resgata boa parte dos melhores momentos do herói na grande tela, inclusive emulando cenas clássicas dos filmes de Marc Webb e Sam Raimi. As lutas são ótimas, sobretudo o embate contra o Dr. Octopus de Alfred Molina. Os efeitos em computação gráfica também tiveram um upgrade, tanto nas lutas quanto no rejuvenescimento do elenco veterano de vilões que, aliás, são tão presentes aqui que faz perguntar se a intenção não era a de referenciar o malfadado filme do Sexteto Sinistro que jamais saiu do papel.

    A produção trabalhou bastante para guardar seus segredos, tanto que na exibição para imprensa havia um pedido do elenco para que não houvesse spoilers de modo algum. Ainda assim, mesmo sem falar dos rumos que o roteiro toma, é possível afirmar que a versão amaldiçoada do herói está bastante presente, assim como o fardo de carregar o mundo de responsabilidades em suas costas. Em vários pontos o desempenho dramático de Holland é exigido, e ele simplesmente não decepciona. Outras figuras como Zendaya e Marisa Tomei também tem grandes aparições e ajudam o protagonista a brilhar, certamente seu papel não seria tão elogiado se ambas não estivessem tão afiadas quanto ele.

    Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é de fato um filme que busca romper com o céu de brigadeiro que ocorria nas aventuras dessa versão do Aranha. Logicamente, ainda existem algumas conveniências e pieguices, algo bastante recorrente em suas histórias em quadrinhos. De qualquer modo, finalmente a essência de quem é Peter Parker é contemplada, e honra o ideal que Steve Ditko e Stan Lee pensaram para o seu personagem mais famoso.

  • Crítica | Liga da Justiça de Zack Snyder

    Crítica | Liga da Justiça de Zack Snyder

    Parece que uma eternidade se passou entre o Liga da Justiça lançado nos cinemas e a Liga da Justiça de Zack Snyder veiculado pela HBO Max. Bem mais que o tempo cronológico entre 2017 e 2021. Houve clamor dos fãs, de gente da indústria e, finalmente, algo próximo do que seria a visão real de Zack Snyder chegou ao público: o tão falado Snydercut, que já começa bem diferente da outra versão, com uso largo de CGI e slow motion já nas primeiras cenas e em momentos estendidos nas sequências de ação.

    Esta versão se assemelha ao monstro de Frankenstein. É um ajuntamento de vários elementos que estariam no filme da Liga, outros que poderiam estar na parte 2 de uma saga, e ainda momentos que claramente foram pensados e amadurecidos depois, como partes mortas formando um ser vivo. É curioso como boa parte dos que defendem esta versão falam a mesma coisa: que esse não é um filme de cinema, basicamente para tentar blindar a obra e a própria carreira do diretor, sempre criticado por ter dificuldades em conectar as partes diferentes de suas histórias. Isso não exime o produto de parecer gorduroso, nem justifica o início arrastado, mesmo quando remonta o final de Batman vs Superman e boa parte do universo compartilhado. Se a ideia ao lançar esse corte em formato de minissérie fosse para frente, certamente seria uma opção mais inteligente.

    Snyder mira na versão estendida da trilogia Senhor dos Anéis, mas esses são produtos bem diferentes entre si. Os filmes de Peter Jackson são obviamente voltados para os fãs, mas o espectador comum certamente apreciaria tais versões de forma mais palatável que este novo Liga da Justiça. Um filme de orçamento tão grandioso não poderia ser tão voltado para nicho.

    Em questões musicais, a trilha sonora é mal encaixada principalmente nos momentos em que não há tanta ação. O uso é piegas, e casa muito mal com os momentos explicativos. O filme parece uma tentativa de transformar um produto heroico em uma ópera. As batalhas são artificiais, as frases de efeito não convencem, os conflitos empolgam menos que as lutas pseudo-realistas da trilogia Batman de Christopher Nolan, e tem a qualidade dramática do pior dos seriados CW da DC, fora a fotografia e o uso excessivo de câmera lenta. Mal parece que as gravações seriam destinadas a tela grande.

    O visual do Lobo da Estepe é arrojado, mas funciona de jeitos distintos quando o personagem está em ação ou apenas parado em cena. Ao menos a razão de entrar na Terra atrás das caixas maternas faz mais sentido, como um filho rebelde que busca a aprovação do pai, Darkseid. Já a participação dos vilões do Quarto Mundo é fraca. A batalha antiga entre a humanidade e os asseclas de Apokolips é cheia de bonecos digitais que fazem de 300 um filme ultra realista. Os atores rejuvenescidos parecem retirados de cutscenes de jogos de 64 bits e não casam bem com o clima proposto.

    A partir daqui, a análise conterá spoilers

    Toda a segunda parte do filme é bem melhor desenvolvida. A historia é mais fluida, há mais inserção de material inédito e não meras variantes do antigo. Se há algo positivo nesta nova visão do diretor é o tom heroico, após muitos tropeços, ele entendeu que não há motivo para deixar todos os personagens como versões sisudas e obscuras deles mesmos. Mesmo o Superman tem uma abordagem diferente, que claramente não combina com Homem de Aço, e sim com um resgate às origens do herói. Henry Cavill parece mais uma versão do desenho antigo do DCAU ou do seriado de cinema dos irmãos Fleischer, não é exatamente o Superman de Christopher Reeve, mas possui boa parte do espírito, e sua experiência de pós morte pode ser uma boa explicação para encontrar essa persona. Não há motivo para reclamar de um retorno ao correto estilo da personagem, mesmo que seja tardio.

    Outra conclusão difícil de analisar é saber se foi essa versão que a Warner recusou anos atrás. Até porque o valor para a gravação de novas cenas foi aumentando ao longo da produção, claramente não influenciou só cenas de CGI (até porque esses efeitos são ruins, na maioria do filme). Mas como faltavam cenas, foram feitas refilmagens mesmo que Snyder e a produção negasse a princípio. Além disso, a culpa sobre o corte cinematográfico de Joss Wheddon é incalculável também, uma vez que não se sabe em detalhes qual foi o pedido do estúdio para ele. Seu crédito oficial foi de roteirista, mas sabe-se que ele dirigiu cenas extras, incluiu momentos diferentes do conceito de Snyder, adicionou humor e cenas como a do Flash em seu primeiro salvamento e Aquaman confessando a realidade de seus pensamentos por conta do laço da verdade que, obviamente, não estão aqui. Para além de cenas machistas conduzidas por Wheddon em Liga ou Vingadores: Era de Ultron, há de se lembrar que essa visão já foi abordada por Snyder, autor do filme autoral Sucker Punch em que moças andam de espartilho em cenários nerds fetichistas. Além, é claro, de cenas da Mulher Maravilha em poses exageradas ao laçar o Apocalipse em BvS.

    Além do arco do Cyborg, o de Superman é bem diferenciado, para além da mudança da cor de sua roupa. Mesmo que brevemente, Snyder remete ao melhor que seu filme de 2013 teve: as origens alienígenas do herói onipotente. Surpreendentemente, o diretor opta por um uso de cores mais variado fugindo da velha piada de filtros do Instagram que fazia com seu cinema. As sequencias de batalha no final tem bons momentos, com uso de veículos, gadgets e tudo que um filme de ação super heroica precisa para agradar crianças e vender brinquedos. Ao contrário do que supunha, as lutas não são super violentas, nesse ponto, entram no patamar dos filmes da Marvel de Kevin Feige.

    O diretor pôde amadurecer seu tom, que realmente só é estragado pela música que foi uma constante negativa do filme, assim como o cenário de Apokolips que aparece timidamente, mesmo que esse tenha um aspecto visual estranho. Assim como o epílogo que parece um amontoado de cenas excluídas e desconexas que lembram os sonhos do Batman. A maioria delas é despropositada, servem com teasers de arcos futuros que dificilmente serão filmadas. O Snydercut é uma realidade.

  • Crítica | Crime Sem Saída

    Crítica | Crime Sem Saída

    Chadwick Boseman foi um grande ator. Ainda que a sua carreira tenha sido breve, o eterno Pantera Negra sempre foi uma presença magnética nas telas. Um dos grandes exemplos disso é esse Crime Sem Saída. Dirigido por Bryan Kirk em sua estreia como diretor de cinema, o filme é um eficiente thriller policial que tira muito proveito do seu elenco, principalmente do seu protagonista.

    Na trama, Boseman interpreta Andre Davis, policial chamado para investigar o assassinato de oito policiais por uma dupla de ladrões em um restaurante que servia como fachada para o tráfico de cocaína. Filho de um oficial morto em serviço, Davis é visto como a pessoa perfeita para solucionar rápido o crime. Para isso, o detetive ordena que as 21 pontes que dão acesso à Manhattan sejam suspensas e inicia uma implacável perseguição aos criminosos.

    O longa tem influência dos filmes policiais da década de 80 e 90, em que os oficiais protagonistas eram reservas morais em meio a uma corporação afundada em burocracia e corrupção. Remete também aos faroestes e aos cowboys obstinados com seus códigos de conduta estritos. Desde o início, o roteiro de Matthew Michael Carnahan e Adam Mervis deixa o conceito moral bem estabelecido, porém, isso não faz com que o personagem seja unidimensional. O passado do detetive Davis é apresentado, mas não de forma melodramática. O artifício faz com que o espectador estabeleça uma relação de simpatia com o personagem, ao mesmo tempo em que apresenta suas motivações e a sua bagagem emocional. Em conjunto com o carisma e a boa atuação de Boseman, o personagem foge do arquétipo de policial que povoa a maioria dos filmes do gênero. Outro ponto forte é a relação que o detetive forma com um dos criminosos. São poucas as cenas entre os dois, mas a dinâmica é bem interessante.

    Ainda sobre o roteiro, há uma crítica sutil à corrupção policial. Não há como determinarmos se a intenção do script era abordar dessa maneira o assunto, mas isso se dá de forma orgânica dentro do filme. Entretanto, quando trata do racismo estrutural no departamento de polícia de Nova York, principalmente nos trejeitos do personagem de Boseman e na forma como ele é visto por seus pares, essa naturalidade escapa um pouco. Em certos momentos, parece que a crítica ocorre somente por acontecer. Não é exatamente de forma gratuita, porém não possui essa organicidade dentro do roteiro. Já um grave problema que ocorre está nos vilões do filme, cuja burrice e vacilos chegam a ser inacreditáveis.

    A direção de Kirk é segura, sem maiores invenções. Diretor de episódios de séries como Luther e Game of Thrones, o diretor imprime um ritmo ágil e vai escalando a tensão à medida que a trama se desenrola. Ainda que não existam grandes reviravoltas no roteiro, tudo é conduzido de forma à prender a atenção do espectador até chegar a uma conclusão que se não é épica, é ao menos condizente com o que aconteceu ali. Estabelecendo a mencionada boa relação entre o público e o herói, além de arrancar uma performance memorável de Stephan James, intérprete de um dos criminosos.

    Crime Sem Saída tinha tudo pra ser um daqueles filmes que são assistidos casualmente em uma madrugada insone, entretanto, amparado por um roteiro sem invenções absurdas, uma direção segura, além de uma ótima trilha sonora composta por Henry Jackman e Alex Belcher, o filme se mostra como uma boa diversão e mais uma prova do grande ator que Boseman foi.

  • Crítica | O Favorito

    Crítica | O Favorito

    Novo longa de Jason Reitman, agora focando em uma história biográfica e política, O Favorito fala a respeito do político Gary Hart (Hugh Jackman), um democrata que chegou a disputar a corrida presidencial, e sofreu um revés estranho, perdendo mesmo estando à frente de quase todas as pesquisas e isso se deu por uma razão peculiar e inesperada em face da vida pública dos Estados Unidos.

    A trama começa durante as primárias do Partido Democrata, em 1980. Ele, casado com  Lee (Vera Farmiga), perde e isso o marca profundamente. Algum tempo depois ele acaba conseguindo ser o escolhido do partido e as administrações anteriores favorecem sua campanha, largando bastante na frente. O filme é dividido de forma capitular, em uma contagem regressiva semanal até o dia do pleito majoritário.

    O clima de vitória certa fortalece a parte cômica do roteiro de Reitman, Matt Bai e Jay Carson, o fato de haver poucas ou nenhuma preocupação torna todo o astral que poderia ser estressante em um verdadeiro mar de rosas e a trama faz questão de tornar Hart uma figura simpática e preocupado com os menos favorecidos, bem ao estilo JFK, tanto em suas virtudes quanto em seus defeitos.

    As caracterizações do filme buscam ser fidedignas, como foi com The Post: Guerra Secreta de Steven Spielberg e Spotlight: Segredos Revelados de Adam McKay. O roteiro segue dando indícios de que aquele paraíso é construído sob uma base frágil, com pequenos elementos que desconstroem a perfeição de Paladino que Hart ostenta. A proximidade com a imprensa faz com que assuntos tabus sejam timidamente levantados, como por exemplo, porque ele não se divorcia mesmo, claramente, não tendo uma vida íntima com sua esposa. Além disso, ocorrem ligações anônimas para a imprensa, inicialmente ignoradas pelo Washington Post, mas que ganham força ao chegar no Miami Herald, um tabloide conhecido pela sua fama sensacionalista.

    A partir daí começa uma trama diferenciada em formato thriller, com perseguição do jornal menor ao político, interrogatórios com a pessoa que teria se relacionado com o político, e outros tantos eventos sensacionalistas. A câmera de Reitman basicamente está lá para registrar os acontecimentos, mas sem julgamentos. O que mais se aproxima disso, é uma discussão na redação, onde os jornalistas falam que os desvios sexuais de Lyndon B. Johnson e John F. Kennedy eram tolerados e acobertados pela maioria das pessoas em nome de uma boa convivência. Quem determina se isso é algo relevante ou não, segundo um dos editores é o leitor e isso é um sinal dos tempos, ao menos é o que se alega, mesmo que não haja nesse momento como o povo saber de qualquer fato que não seja via imprensa.

    A grande questão do filme de Reitman é que ele não se arrisca. A abordagem de um evento tão complexo é feito de um modo demasiado careta e sem sal. A trajetória de Gary Hart desperta curiosidade, assim como o desempenho de Jackman é bastante interessante, mas a falta de um posicionamento mais contundente e a isenção política do texto final pesam contra os dois aspectos positivos citados, tornando desimportante a jornada e todo o desenrolar dos fatos, o que é lastimável pois a condução inicial do cineasta parecia no começo levar para outra direção.

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  • Crítica | Boneco de Neve

    Crítica | Boneco de Neve

    Adaptação do livro homônimo de Jo Nesbø, o novo produto de Tomas Alfredson é um thriller sobre um assassino serial, que começa de uma maneira onírica para depois dar vazão a uma narrativa pouco parecida com o que o diretor vinha fazendo. Boneco de Neve tem problemas sérios quanto ao caráter de sua história e a abordagem de suas pretensões ambiciosas.

    O elenco do filme é majoritariamente americano e inglês, contando com Michael Fassbender, Val Kilmer, J.K. Simmons, Toby Jones e Charlotte Gainsbourg. Após um epílogo mostrando um trauma na vida de um rapaz que assiste atônito sua mãe morrendo entendemos que toda a sequência inicial tinha por objetivo o choque, no entanto, o que se assiste é um momento extremamente constrangedor e sensacionalista.

    Não demora até chegar no presente da história, mostrando o policial e detetive Harry Hole (Fassbender) lidando com suas inseguranças e com a sua família em ruínas. Harry se afasta de seu filho adotivo, Oleg (Michael Yates) e de sua ex-companheira Rakel (Gainsbourg), restando a ele basicamente seus dias na delegacia, junto com sua parceira Katrine Bratt (Rebecca Ferguson) além de suas noites depressivas e solitárias. O personagem é tão anestesiado que até a visita de um simples dedetizador se torna um evento, tendo nessa interação um dos muitos problemas do filme, uma vez que o sujeito chega a atirar na direção do exterminador de pragas e o mesmo leva numa boa o ocorrido, sem nem reclamar por possivelmente ter corrido risco de morte.

    Os métodos utilizados pelo assassino em série são revelados de maneira bem rápida, tornando até o mistério em volta de identidade do mesmo em algo banal e óbvio. Não demora-se muito a intuir quem seria o sujeito por trás dos crimes misóginos, e a pergunta que fica é porque esse não foi um filme que se muniu das mesmas sutilezas de O Espião Que Sabia Demais e Deixa Ela Entrar. Para muito além de toda a boataria a respeito das falas de Alfredson após as críticas negativas que o filme recebeu, esse é claramente um produto de estúdio, se afastando demais do estigma de cinema autoral e isso se reflete até mesmo no uso bobo da computação gráfica, utilizado em cenas de assassinato dos homens que o assassino executou, normalmente com quadro absolutamente artificiais.

    Apesar dos recorrentes tropeços dramáticos, o filme possui alguns bons momentos. As paisagens brancas da Noruega como um todo são ótimas, as participações de Fassbender e Ferguson são bastante satisfatórias. Apesar dos problemas de roteiro, a direção de atores de Alfredson é excelente, mesmo que a maior parte do elenco estrelado esteja lá mais para engrossar o cachê do que dar vida aos personagens de Nesbø. O problema é que o filme parece mal pensado, os trechos de thriller soam bobos e argumento faz lembrar de episódios absolutamente nefastos do subgênero filme de serial killer, se assemelhando muito ao longa A Cela e Rios Sangrentos. Tentando fugir de qualquer trocadilho, Boneco de Neve parece uma colcha de retalhos, tentando unificar elementos que claramente não se misturam, para formar um monstro de Frankenstein equivocado na maioria de suas propostas.

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  • Crítica | Liga da Justiça

    Crítica | Liga da Justiça

    Um agradável retorno a esperança e ao conceito do herói clássico, dessa vez de verdade, e pela primeira vez em muito tempo, levando em conta obviamente a exceção de Mulher-Maravilha. Esse é o resumo das sensações pós apreciação de Liga da Justiça, filme de Zack Snyder que sofreu algumas alterações de Joss Whedon, que aqui, é creditado como corroteirista junto à Chris Terrio. É um esforço fútil tentar descobrir de qual dos dois diretores é o mérito pelos pontos positivos do longa, mas certamente esse é um dos produtos mais redondos dentro da filmografia de Snyder.

    A história começa quase que imediatamente após os eventos de Batman vs Superman: A Origem da Justiça, com a queda de Superman (Henry Cavill). A primeira cena do longa é uma gravação amadora, de crianças registrando uma ação do herói antes de sua morte, numa clara alusão a necessidade que o mundo tem de encontrar nos heróis os avatares da esperança. A mensagem é clara, direta e até um pouco pueril e óbvia, ainda mais por se tratar de um filme de herói de quadrinhos, mas que era absolutamente necessária, em se tratando desse universo cinematográfico construído por Snyder e David S. Goyer.

    Aliás, a saída de Goyer parece ter ajudado a simplificar muita coisa, uma vez que toda a problemático dos heróis inconsequentes é deixada de lado. Em alguns pontos, a busca por algo mais simples e maniqueísta pelo lado bondoso é tão absolutamente repetitivo que parece ser este um filme de Christopher Nolan – que aliás, ainda assina como produtor executivo. Não há a inteligência ou discussões adultas como em Batman – O Cavaleiro das Trevas ou Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, mas há um ideal por trás dessas questões, ainda que haja claramente uma influência de dois filmes da concorrente editorial da DC, em especial Vingadores e Vingadores: A Era de Ultron, não só pelo conjunto de piadas, envolvendo Barry Allen (Ezra Miller) e Aquaman (Jason Momoa), mas também por toda coordenação que o Batman de Ben Affleck faz, funcionando como um misto de Nick Fury com Amanda Waller, ainda que guarde todas as suas próprias características.

    Mais uma vez Gal Gadot apresenta a personagem mais altiva e forte do filme, sendo a dona da cena na maior parte dos momentos, subvertendo qualquer possibilidade de ter o papel diminuído por ser uma mulher. Sua experiência como amazona de quem ouvia bastante sobre as lutas com os para-demônios do Lobo da Estepe (Ciarán Hinds) foi fundamental não só para a simples trama, como também para explicar aos personagens masculinos como aconteceram as batalhas mais antigas. A sequência da explicação é bastante curiosa, pela quantidade enorme de referencias ao universo DC, com bastante fan service.

    Falando em agradar fãs e nostalgia, a música que Danny Elfman compôs para o filme beira a perfeição. O resgate do tema ouvido em Batman de 1989 e a utilização da versão que John Williams compôs para Superman – O Filme ajudam mais uma vez a resgatar o ideal heroico. Se ficasse apenas nessas músicas, haveria um problema, mas não, os embates físicos também funcionam, e tirando um outro problema de efeitos visuais, quase toda a interação física entre os personagens funciona, seja na tradicional luta entre eles, bem como nas investidas que dão em direção ao antagonista e a captura das caixas maternas, que é o artigo que o Lobo quer para reaver todo seu potencial.

    Os personagens coadjuvantes são pouco utilizados, o que é comum, já que esse é o um filme para apresentar o quinteto em ação. A Lois Lane de Amy Adams talvez seja a mais acionada, mas do lado do Morcego tanto Alfred (Jeremy Irons) quanto Gordon (J.K. Simmons) estão bastante a vontade, em seus papeis. Da parte dos outro heróis, a Mera de Amber Head pouco aparece, e só serve para aguçar a curiosidade em torno dos atlantes, já o Dr. Silas Stone (Joe Morton) tem uma participação maior, fato que ajuda o espectador a se afeiçoar mais pelo drama de Vic Stone/Cyborg de Ray Fisher. Ele aliás é o maior expoente positivo em matéria de efeitos especiais do filme.

    É incrível como o filme consegue dizer tanto em pouco mais de duas horas de filme. Há desenvolvimento dos fatos anteriores, conflito entre personagens, reaparecimento de heróis antigos, reunião dos vigilantes tudo em um ritmo que praticamente só peca no começo. Não há enormes ousadias, nem narrativamente nem dramaticamente, e como é um produto de Zack Snyder já se espera o velho uso do slow-motion, dessa vez não tão exaustivo quanto em 300 ou Watchmen.

    Ao final de Liga da Justiça a sensação que se tem é que esse é muito mais sóbrio e equilibrado que os episódios anteriores, e que a experiência com Mulher Maravilha finalmente colhe bons frutos, já que esse foi de fato o primeiro filme a estabelecer essa ideia do herói clássico como parâmetro básico, só assusta o quando que os produtores, em especial Geoff Johns, que veio da editoria de quadrinhos a fim de tentar consertar todos os defeitos do início da empreitada do visionário diretor e sua trupe. Agora, o esperado é que venha uma nova leva de filmes da DC, de tom mais leve, menos ambicioso e até medíocres, o que obviamente não justifica todos os graves defeitos de Homem de Aço e sua continuação. Há de se atentar para as cenas pós créditos, fato que ajuda a aproximar demais esse produto dos vistos a partir da Marvel Studios, em especial a que ocorre após o termino de todos os créditos, restando então a esperança de que esse seja um pontapé para uma nova fase de filme, como um Vingadores às avessas, já que aqui há de ser a gênese de uma fase e não fim dela.

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  • Crítica | Homem-Aranha 2

    Crítica | Homem-Aranha 2

    Dois anos depois do divertido Homem-Aranha, Sam Raimi retorna com uma das continuações mais eletrizantes entre o sub-gênero de filmes de super-heróis. Homem-Aranha 2 amadurece os conceitos já estabelecidos no primeiro, mostrando Peter Parker (Tobey Maguire) tendo problemas com seu tempo, dividindo-se entre a vida de universitário com pouco (ou nenhum) recurso e a vida de vigilante, além de ter de lidar com mil outros problemas, entre eles a distância que adquiriu junto à Mary Jane (Kirsten Dunst), o desprezo e desconfiança de seu melhor amigo Harry Osborn (James Franco) e as necessidades financeiras de sua tia May (Rosemarie Harris).

    O começo leve, mostra de maneira bem-humorada a dificuldade de Peter em conciliar todos os seus afazeres. Seu aluguel é cobrado constantemente, ele é despedido do bico que fazia como entregador de pizzas, sua paixão platônica e seu professor Curt Connors (Dylan Baker) se decepcionam por sua ausência constante. As diferenças básicas nesta versão e na inicial é que todos do núcleo de amigos conseguiram evoluir, com Mary Jane estrelando peças, e Harry comandando a empresa de seu pai completamente repaginada, trabalhando lado a lado com Otto Octavius (Alfred Molina), que seria a principal adição dramática a trama.

    A partir desse ponto, o filme dá uma guinada, largando a ideia de uma comédia adolescente com tons adultos, para assumir um caráter mais soturno, e em alguns momentos com influências dos filmes de terror trash. Nascia ali, o Dr. Octopus, uma fusão entre o cientista brilhante e a máquina que ele criou, agora, sem o inibidor neural que impedia que sua mente fosse dominada pelo artefato.

    Se em Homem-Aranha  havia um comentário sagaz e inteligente sobre a puberdade e as descobertas comuns a ela, já em sua continuação o destaque está na perda gradual dos poderes do protagonista, expondo então a impotência que normalmente ocorre com os sentimentos daqueles que têm de lidar com as agruras da vida adulta, se vendo muitas vezes de mãos atadas enquanto seus entes queridos correm perigo ou passam necessidades.

    Há um caminho inverso, de descoberta de perda dos poderes, e consequentemente uma reavaliação do herói no que concerne as responsabilidades com os seus e com a sua cidade. Aos poucos, Peter se deixa levar até pelas manchetes sensacionalistas de J. J. Jonah Jameson (J.K. Simmons, mais uma vez brilhante) no Clarim Diário, e aceita de bom grado sua limitação mental e quase psicossomática, de que o acontecido com a aranha radioativa simplesmente foi suprimido graças as tarefas que se avolumam sobre seus dias.

    O paradigma do amadurecimento tem seu ápice em uma cena de sonho, onde encontra seu mentor primordial, o tio Ben (Cliff Robertson), onde conversa sobre sua aposentadoria, relembrando até uma das capas clássicas de John Romita, onde o aracnídeo joga sua fantasia fora deixando de lado a ideia juvenil de acabar com o mal através de seu próprio esforço.

    Não demora para que os fantasmas voltem a assombrar o vigilante, com injustiças acontecendo ao seu redor o tempo inteiro e com a percepção de que já era tarde para abdicar de certos hábitos. A vida de todos seguia em frente e a tomada de decisão de Parker finalmente acontecia, ao mesmo tempo que o afastamento dos seu também ocorria, seja sua tia por conta das dificuldades financeiras, Harry pelo incidente envolvendo a Oscorp e Octopus ou mesmo MJ MJ se entregando a um pedido de casamento de outro homem.

    Apesar de pueril, a cena onde Peter revela a sua tia o que aconteceu após a luta de wrestiling, se nota um arrependimento genuíno e o tão desejado arrependimento buscado pelo herói da jornada, que finalmente entende que o assumir das suas responsabilidades não tem a ver necessariamente com as habilidades provindas da aranha radioativa, e sim a sua postura. Mesmo sem a plenitude de seus poderes, ele reprisa um momento do filme anterior, em um incêndio, onde salva uma criança em apuros, dessa vez sem a peça que seria pregada pelo Duende Verde, assim como o diretor já havia feito na franquia Evil Dead.

    O retorno do herói acontece gradativamente, mas é cena do metrô uma das mais icônicas, o herói que salva e é salvo por pessoas comuns. Apesar de um pouco piegas, todas as sequências posteriores a essa cena são carregadas de um sentimentalismo condizentes, com toda a atmosfera otimista da saga que Raimi propõe no cinema. Se tal proposta é atual ou não é uma outra discussão, o fato é que a concepção fantástica do universo do Aranha que o diretor pensou teve aqui o seu ápice, e ajudou a pavimentar o universo planejado por Kevin Feige e seus produtores anos depois, ainda que esse não seja um produto pasteurizado como os subsequentes.

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  • Review | OZ

    Review | OZ

    Atenção: este review contem spoiler de toda a série. Siga por sua conta e risco.

    OZ tem importância histórica para o momento atual da Era de Ouro da televisão norte-americana. Criada por Tom Fontana em 1997, foi uma das primeiras séries originais da HBO ao lado de Sex And The City, de 1998, a serem concebidas de forma autoral, onde o criador e roteirista tinham mais liberdade criativa. As duas ganharam prêmios relevantes e tiveram o reconhecimento da crítica suficiente para encorajar o canal a cabo a continuar o investimento que permitiu produzir The Sopranos em 1999.

    A série acompanha a rotina na Penitenciária Estadual nova-iorquina Oswald de Segurança máxima Level 4, mais conhecida como OZ, mostrando a convivência entre os presos de diversas facções e diferentes entre si.

    Claustrofobia, essa é a sensação de assistir a série. O tema central é um só: o aprisionamento do ser humano e todas as discussões levantadas ao longo dos 56 episódios giram em torno do encarceramento do homem na sociedade. O tema é desenvolvido sob diversos ângulos, como também outros temas como a fé e a falta dela; os estupros constantes e a sexualidade; o tráfico de drogas, o poder e vício gerados; e o maior deles, a reabilitação social do preso.

    A narrativa da série é tão densa que sentiu a necessidade de recorrer a um narrador, Augustus Hill, que se dirige à câmera e aparece no início, final de cada episódio, além de flashes no meio. No início ele aborda o tema do episódio, no final faz uma conclusão, e sempre que um preso novo chega à OZ ele lê a sua ficha criminal, como também ocasionalmente lê a ficha de outros que estão lá há tempos.

    Augustus Hill, um dos personagens mais icônicos de OZ

    As digressões da série feitas pelo narrador

    A primeira temporada da série se inicia com a inauguração do projeto experimental Emerald City, cujo objetivo é forçar uma convivência entre os grupos dos mais variados possíveis para que sua reabilitação futura na sociedade seja menos traumática. A rotina da série mostra os presos criando ou mantendo seus grupos de influência e competindo pelo poder.

    Os personagens e núcleos principais também se consolidam aqui. A irmandade ariana liderada por Vern Shillinger que odeia os negros encabeçados por Jefferson Keane e Simon Adebisi, que tem diferenças com os muçulmanos ministrados por Kareem Said e se chocam com os mafiosos italianos de Nino Schibetta. Neste meio, os latinos de Miguel Alvarez e o irlandês Ryan O’Reily, além dos quatro personagens mais icônicos da série que não pertencem a grupo nenhum, os veteranos Busmalis e Rebadow, o cadeirante Augustus Hill e Tobias Beecher. O outro lado da prisão é o corpo administrativo, o diretor Leo Glynn permite que Tim McManus crie Emerald City, ele conta com a ajuda da guarda Diane Whittlesey, a freira e psiquiatra Irmã Pete Marie, o padre Ray Mukada, além da médica Gloria Nathan e as aparições esporádicas do governador James Devlin.

    Jefferson Keane é executado pelo estado no meio da temporada e Nino Schibetta morre após comer vidro esmagado que O’Reily e Adebisi colocaram na sua comida, provando que em OZ não deve-se apegar a nenhum personagem, e termina com uma rebelião após os grupos antagônicos se reunirem contra a administração de OZ.

    Kareem Said, interpretado por Eamonn Walker, o melhor personagem de OZ

    Na segunda temporada vemos os desdobramento da rebelião que fechou Emerald City e causou a morte de dois guardas e seis presos. Ela se inicia uma investigação da corregedoria que não chega a nenhuma conclusão com provas. 10 meses depois Emerald City é reaberta e inicia na série os projetos sociais que marcam cada temporada. Nesta segunda, McManus cria um projeto de aula para os detentos. Poeta, um viciado em heroína, se inscreve no programa e com a ajuda de Kareem Said publica as suas poesias, conseguindo a condicional. Porém, ele volta à OZ após matar um dos traficantes. Ryan O’Reily é diagnosticado com câncer de mama pela Dra Glória e se apaixona por ela, ele pede para seu irmão Cyril matar o marido de Glória e Cyril acaba indo para OZ.

    Novos personagens aparecem nesta temporada além de Cyril O’Reily; Chris Keller, aliado de Vern, seduz Beecher e quebra suas costelas; Shirley Bellinger como a nova presa do corredor da morte; El Cid como o líder dos latinos; o guarda Eugene Rivera que é atacado por Miguel Alvarez e acaba cego; Peter Schibetta, filho de Nino, assume a máfia, porém após se envolver em uma briga com Adebisi, Peter é estuprado e perde a liderança dos italianos para outro recém chegado Antonio Nappa. Uma característica desta temporada é a inserção do aspecto espiritual na série com a chegada de Jara. Ele se torna um xamã para Adebisi, fazendo com que ele se reconecte com a sua origem africana, até que Jara é morto e Simon se sente à deriva.

    Na terceira temporada, um novo programa social é implementado pela irmã Peter Marie, encontros entre vítimas e agressores. Novos personagens entram na série, como o guarda Clayton Hughes, filho de um antigo amigo de Glynn que morreu no seu lado. Clayton investiga a morte do pai e aos poucos vai ficando louco até tentar matar o governador em um evento e acabar preso, provocando o fechamento de Emerald City. Outro personagem importante é o novo guarda Sean Murphy, antigo amigo de McManus, que organiza um campeonato de boxe como forma de aliviar a tensão dos detentos. Cyril decide participar e Ryan vai dopando seus adversários até que na última luta Cyril acidentalmente mata o favorito Hamid Khan.

    Enquanto isso, Adebisi ainda à deriva rouba uma agulha infectada de HIV e fere Antonio Nappa, provocando a sua transferência de Emerald City para a ala dos aidéticos, fazendo com que Chuck Pancamo vire o novo líder dos italianos. Mais um personagem marcante da terceira temporada é Claire Howell, a guarda de OZ que usa o seu poder para explorar sexualmente primeiro McMannus e depois os presos, especial Ryan O’Riley.

    J.K. Simmons como Vern Schillinger

    A quarta temporada é marcada por ser a mais longa da série com o dobro de episódios e foi dividida em duas partes. Na primeira, Emerald City é reaberta e Diane se muda para Londres, já que Edie Falco havia se comprometido com The Sopranos. O principal evento da primeira parte é a vinda de um novo diretor para Emerald City, Martin Querns, para o lugar de Tim McMannus, o que é bem visto aos olhos dos presos pois ele é negro. Querns quer baixar o nível de violência do local e para isso libera o tráfico de drogas.

    As novas políticas de Querns causam mudanças radicais nas relações com os guardas, pois o novo diretor transfere todos os não negros de Emerald City, transformando o local no reino de Adebisi. O final da primeira parte da temporada é coroada pela morte de Adebisi por Said, que tentava ajudar a controlar a situação e evitar uma nova rebelião.

    Na segunda parte, Querns é demitido e McMannus retorna. Um caso curioso é a droga experimental que faz com que alguns presos aceitem tomar em troca da pena reduzida e que causa a morte de alguns deles. A dinâmica entre Beacher e Vern fica ainda mais tensa quando eles tentam acertar as contas e um mata o filho do outro. Outra morte da temporada é a de Clayton Hughes, que perde a sanidade por completo e é esfaqueado por um colega de solitária quando tentava matar Glynn e morre em seus braços, assim como o pai.

    Um novo personagem é introduzido, Burr Reading, veterano da Guerra do Vietnã. Ele assume o tráfico de drogas ao liderar os negros e acaba alterando a relação com os italianos e os latinos para mais conflituosa. O Reverendo Jeremiah Cloutier também chega a OZ e altera o realismo da série, iniciado por Jara, ao influenciar os protestantes na sua jornada contra o catolicismo. Outro personagem curioso é o viciado Omar White, que é o elemento caótico que causa sérias alterações. Por último, o membro do IRA, o irlandês Padriac Connelly que coloca uma bomba em Emerald City no último episódio provocando a sua evacuação.

    Chris Keller e Tobias Beecher e a sua relação de amor e ódio

    A quinta temporada marca retornos e ironias à OZ. A mãe de Ryan começa a fazer trabalho voluntário na prisão, a ex-esposa de McMannus se transforma na nova assessora do governador em Oswald e Chris Keller, que havia sido transferido na temporada passada, volta para o corredor da morte. Um novo programa social se inicia, o treinamento de cão-guia para cegos, o que transforma a relação de Miguel Alvarez com Eugene Rivera.

    As ironias continuam. McMannus pede ajuda de Said para reabilitar Omar White, mas falha todas as vezes até que ele vai no show de variedades e passa a não usar mais drogas. O bilhete premiado da loteria de Rebadow, que havia pedido ao guarda Dave Brass comprar e ele some, fez com que o seu neto morresse devido a um tratamento caro. E a maior ironia de todas é a morte de Augustus, o narrador da série, após se livrar do vício das drogas ele vai defender Burr Reading do ataque dos italianos e é esfaqueado.

    A abertura da série que muda a cada temporada com as novas cenas

    A sexta temporada tem novos narradores, todos que morreram na própria prisão, como Jeferson Keane, Shirley Bellinger, os filhos de Schillinger, Antonio Nappa e até Dino Ortolani. Para salientar, McMannus coloca um labirinto da meditação na quadra de basquete, o que permite a diversos detentos refletir sobre os seus problemas. Para salientar, um novo personagem é introduzido, o pantera negra Jahfree Neema, que traz mais questionamentos do que soluções na nova dinâmica da prisão.

    Outro programa social permite a interação entre os presos, a encenação de MacBeth. Beecher consegue a condicional, mas volta à OZ traído por Keller, Ryan deixa de entrar com recursos no tribunal para Cyril morrer, pois não vê mais solução. Robson, um dos arianos mais fortes do grupo, tem a sua gengiva trocada pela de um negro, promovendo a sua expulsão da irmandade ariana e fazendo com que ele virasse a puta de outro detento.

    O alívio cômico de OZ através da dupla Busmalis e Rebadow

    E a sexta temporada promove uma série de mortes que visa a dar um final para cada personagem, algumas não tão satisfatórias. Pancamo mata Peter Schibetta, Said morre por conta de um repórter louco, este depois mata Omar também, o pai de Beecher é esfaqueado por uma puta de Schillinger que queria subir de hierarquia, Morales é morto pela enfermeira serial killer Carol, que deixa um rastro de outras mortes na enfermaria, Cyril é executado pelo estado, e na encenação de MacBeth, Beecher mata Vern após Keller trocar as facas, o próprio Keller mata diversos arianos com um pó químico entregue numa carta, depois Keller se suicida na frente de Beecher, e o próprio diretor Leo Glynn, que investigava a morte suspeita de um prefeito amigo do governador, é morto a mando do governador como queima de arquivo.

    E como não poderia ser diferente, OZ termina por causa de uma evacuação geral da prisão. Após a morte de Glynn, Querns volta como o novo diretor, e, alertado pela Dra Glória do pó químico usado para matar os arianos, todos vão embora e assim o ciclo se fecha pois a rotina daqueles presos terminou.

    Os irmãos Ryan e Cyril O’Reily

    Por se tratar de uma série de rotina, similar a The Sopranos e Mad Men, é difícil encontrar uma linearidade de tema em OZ. A partir da terceira temporada passa a existir temas marcantes, mas ainda não arcos centrais, os episódios iniciam e terminam em si, promovendo uma narrativa híbrida tanto episódica quanto contínua.

    A rotina da prisão opta por não mostrar a vida dos personagens principais fora da penitenciária, nem os poucos presos que conseguiram sair e depois voltaram. As cenas externas são sempre com algum filtro de cores aleatórias, geralmente usado em cinema para as cenas de sonhos, para mostrar os crimes cometidos por cada preso que os levaram para lá, elas servem também em sua maioria das vezes para introduzir novos personagens. O que importa na série é a visão daqueles presos, e, para eles, a sociedade é um sonho distante.

    Outra característica que reforça o aprisionamento ao espectador é a noção do tempo. Não existe o desenvolvimento narrativo linear de cenas encadeadas entre si ou até mesmo uma unidade temporal. Ao longo das seis temporadas quando há alguma conspiração sendo tramada na cena seguinte já acontece o fato que levaria alguns dias ou semanas, como por ex a morte do marido da Glória por Cyril O’Reily, planejada na cena anterior por seu irmão Ryan.

    Simon Adebisi

    Mais uma particularidade da reclusão é o número limitado de locações. Todos os 56 episódios se passam em poucos locais, como Emerald City, Unidade B, Corredor da Morte, Solitária, Academia, Hospital e nas salas do diretor Leo Glynn, de Tim McMannus e da Irmã Pete Marie.

    Ao lado do roteiro denso e a direção que traz uma boa mise-en-scène, a atuação é o grande forte de OZ. Eamonn Walker interpreta Kareem Said, o líder dos muçulmanos e o melhor personagem da série; Lee Targersen dá vida ao ótimo Tobias Beecher; o excelente J.K. Simmons como o líder dos arianos Vern Schillinger; Christopher Meloni é o bom Chris Keller; Harold Perrineau é o cadeirante e narrador Augustus Hill; Adwale Akinnuoye-Agjabe é o imponente Simon Adebisi; o canastrão David Zayas como o novo líder dos latinos Enrique Morales; Michael Wright é o caótico viciado Omar White; Luna Lauren Velez como a Dra Gloria Nathan; Ernie Hudson como o diretor Leo Glynn; a sempre ótima Edie Falco na pele da guarda Diane Whittlesey; Rita Moreno interpreta a boa personagem Irmã Pete Marie; Terry Kinney é Tim McMannus; o limitado Chuck Zito é Chuck Pancamo; Scott William Winters como Cyril O’Riley; Kirk Acevedo é Miguel Alvarez; BD Wong é o Padre Mukada; Luke Perry como o pastor Jemeriah Cloutier; Anthony Chrisolm como o veterano Burr Reading; Peter Francis James é o pantera negra Jahfree Neema; R.E Rogers como o caótico ariano Robson; Craig MuMs Grant é o Poeta; Tony Musante o mafioso italiano Nino Schibetta; Luís Guzman como o líder latino El Cid; e George Morfogen e Tom Mardirosian dão vida à dupla hilária Bob Rebadow e Agamemnon Busmalis. A pior menção é Dean Winters, o ator mais limitado do elenco que interpreta um dos melhores personagens, Ryan O’Reiley.

    OZ merece ser vista pelo valor histórico, além de ser densa, trata de diversos temas sociais que pode vir a interessar diversos públicos adultos.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

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  • Crítica | O Dia do Atentado

    Crítica | O Dia do Atentado

    Em 2013, durante a tradicional maratona de Boston, que ocorre no feriado conhecido como Dia do Patriota, terroristas explodiram duas bombas em meio a multidão. O atentado, que foi sucedido por uma série de crimes menores, chocou a cidade e a opinião pública mundial, instaurando nos arredores uma constante sensação de insegurança é pânico. É disso que O Dia do Atentado trata.

    Terceira produção da parceria entre o diretor Peter Berg e o ator Mark Wahlberg (os dois já estiveram juntos nos medianos O Grande Herói e Horizonte Profundo), o longa debruça-se quase que integralmente sobre personagens reais que viveram os horrores deste acontecimento. Pessoas que morreram, pessoas que tiveram as vidas alteradas pelo ataque e policiais e agentes que promoveram uma verdadeira caça aos terroristas. Todas essas nuances estão representadas em cena.

    Apesar do personagem de Wahlberg ser apresentado como um protagonista, o princípio do filme aponta vários personagens que possuem participação importante na trama. Todos personagens reais, o que querendo ou não já acrescenta um mínimo de profundidade em todos eles. Curiosamente, o oficial vivido por Wahlberg é um dos poucos personagens fictícios da trama. Mais curioso ainda é o fato do ator ser, de longe, o pior em cena. As poucas cenas que exigem um esforço técnico dele, naufragam por sua incapacidade em imprimir a emoção necessária para gerar empatia com o público. Talvez o protagonismo forçado se deva ao fato do ator ser também produtor executivo do longa.

    Com um abuso quase que excessivo de planos aéreos da cidade, sobretudo durante o crepúsculo e o amanhecer, intencionalmente ou não, o diretor transformou Boston na grande protagonista do filme. A cidade é explorada enquanto organismo vivo. As ações dos personagens têm uma só intenção: restaurar a paz entre os cidadãos.

    Os antagonistas talvez sejam o principal calcanhar de aquiles desta produção. O roteiro opta por construir de maneira bastante orgânica a relação entre dois irmãos muçulmanos, que assistem vídeos caseiros sobre construção de bombas, e que decidem punir a América. O problema aqui está na maneira maniqueísta como os vilões são tratados. Não existe ao menos um personagem muçulmano que ofereça um contraponto ideológico. A ideia que transborda, mais uma vez, é a de que muçulmanos são uma ameaça. É isso beira o desserviço, principalmente em um momento em que o mundo debate a questão dos refugiados.

    Kevin Bacon e J. K. Simmons emprestam maior credibilidade ao grupo de atores. Quando Simmons entra em cena, e são poucas vezes, é impossível desgrudar os olhos dele. Mais uma prova de que o protagonismo forçado de Wahlberg foi um grande equívoco.

    Um ponto bastante positivo é a ousadia do diretor que não economizou em planos-detalhe que evidenciam os estragos causados após os ataques. É possível ver partes humanas sobre o asfalto quente, amputações e muito sangue, com uma realidade poucas vezes vista e sem que soe gratuito.

    A edição imprime um ritmo claustrofóbico, agoniante e muito envolvente. Quando as cenas fortes chegam, o espectador não se choca, pois tudo o que foi feito preparou o terreno para aquele instante. Destaque também para o minidoc acrescido à fita em seu encerramento, contando o momento presente dos personagens reais apresentados no filme.

    Em termos de trama, cinematografia e ritmo, O Dia do Atentado é um dos melhores filmes de seu gênero. Um bom trabalho de direção, coadjuvantes que transbordam talento é uma história com a qual é quase impossível não se importar. É uma pena que o longa não atualize a maneira binária como a religião muçulmana é retratada pela mídia e pela indústria do entretenimento, sobretudo estadunidense.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

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  • Crítica | O Contador

    Crítica | O Contador

    Em 2013, Gavin O’Connor chegou ao ponto mais alto de sua carreira ao dirigir o drama de ação Guerreiro, que contava um pouco da história da família Conlon (Nick Nolte, Joel Edgerton e Tom Hardy) ambientada durante uma competição mixed martials arts, o que acabou rendendo a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante a Nolte. Três anos depois, O’Connor retornou com o discreto e inofensivo western Em Busca de Justiça, com Natalie Portman, e mais recentemente, O Contador, com Ben Affleck.

    O longa acompanha a história de Christian Wolff (Affleck), um misterioso contador, portador da Síndrome de Asperger, fato este que dificulta a capacidade de sociabilização do protagonista, contudo o torna mais familiarizada a resolver qualquer problema matemático posto à sua frente, que costuma trabalhar lavando dinheiro para organizações criminosas ao redor do mundo, e por conta disso se torna alvo frequente desses mesmos criminosos numa tentativa de queima de arquivo mal-sucedida, já que não imaginam que o silencioso contador é também um assassino profissional. As coisas parecem mudar na vida de Wolff quando ele tem seus serviços requisitados para a auditoria de uma empresa de tecnologia, e decide aceitar um trabalho legal e que possivelmente não lhe trará grandes riscos, contudo rapidamente ele percebe que o trabalho tem mais podres do que ele imagina.

    Em contrapartida, acompanhamos a subtrama encabeçado pelo diretor do Tesouro Nacional Ray King (J.K. Simmons) e a agente Marybeth Medina (Cynthia Addai-Robinson), designada por King para investigar e encontrar o misterioso contador responsável por uma trilha de assassinatos de terroristas e chefes do crime organizado pelo mundo.

    Partindo de uma trama simples e sabendo utilizar os clichês ao seu favor, a começar pelo típico estereótipo do gênio antissocial, cheio de segredos e capaz de realizar coisas incríveis por conta de seu autismo, o roteiro de Bill Dubuque apesar de didático funciona muito bem na proposta de O’Connor, deixando de lado monólogos e diálogos desnecessários, e apostando ainda num sub-texto em alta dentro de Hollywood, o mercado financeiro. A construção das personagens e o universo que os rodeia é adequado a atmosfera existente em O Contador, além de ainda conseguir achar espaço para uma crítica à Wall Street e uma mensagem importante, apesar do psicologismo barato, a respeito do tratamento de doenças que envolvem distúrbios neurológicos e comprometem a interação social de seus portadores.

    O trabalho de direção de O’Connor se mostra eficiente durante as cenas de ação, no entanto, perde o ritmo quando retrata o passado de Wolff por meio de flashbacks desnecessários e que interrompem o dinamismo do longa e servem de muleta narrativa para um desenvolvimento mais fluido do anti-herói vivido por Affleck. Um trabalho de montagem mais apurado daria conta desses problemas.

    Contudo, o filme se mostra um thriller de ação bastante eficiente no que se propõe. Affleck se mostra bastante à vontade em seu papel, apesar de sua limitação técnica de atuação, o ator tem escolhido bem seus papéis já há alguns anos, optando por personagens mais soturnos, como ocorre em Hollywoodland, ArgoGarota Exemplar,  já em O Contador, Affleck parece uma junção de John Wick, personagem de Keanu Reeves em De Volta ao Jogo, com Raymond Babbitt, personagem vivido por Dustin Hoffman em Rain Man. Simmons novamente rouba cena, interpretando um agente cheio de ambiguidades, enquanto Anna Kendrick funciona muito bem ao lado de Affleck em cenas pontuais de humor dentro da ação desenfreada do cineasta.

    O Contador cumpre o que se propõe, um thriller de ação preciso, eficiente e escapista que não se apresenta como algo além disso.

  • Crítica | Virando a Página

    Crítica | Virando a Página

    Virando a Página - poster

    A carreira do diretor e roteirista Marc Lawrence é dedicada a comédias românticas e à parceria com Hugh Grant, personagem central das obras do diretor. Letra e Música, de 2007, é o ponto alto desta parceria, uma trama equilibrada entre riso e emoção sobre um decadente astro da música pop.

    Presença constante no estilo, Grant se mantém como galã. Aos 55 anos de idade, ainda tem o charme britânico que lhe destacou, o timming cômico e o carisma necessário para protagonizar tramas leves e familiares, mesmo repetindo o mesmo tipo de personagem durante toda a sua carreira. Em nova parceria com o realizador, Virando a Página mantém vestígios da narrativa musical anterior, mas em uma versão mais adulta e amargurada sobre outra indústria cultural, o cinema. Famoso roteirista de Hollywood, Keith Michael vive dos louros do passado que lhe garantiram um Oscar de Melhor Roteiro Original. Sem emplacar nenhum sucesso após a premiação, uma carreira em decadência beirando a falência, o roteirista aceita o convite de lecionar um curso sobre redação criativa em uma universidade.

    Representando novamente um homem deslocado do presente com um sucesso anterior, a história simboliza a resistência do autor como galã e o desencanto de Lawrence perante a indústria cinematográfica. O espaço para o romance é sutil, bem como a crítica se estabelece somente nas entrelinhas, no encantamento superficial da personagem central e em seu caráter infantil, como se a fama evitasse a maturidade.

    A relação desenvolvida com Holly Carpenter (Marisa Tomei), única adulta na turma de adolescentes, é conduzida lentamente. A princípio, através de uma relação entre professor e aluno que, por serem da mesma faixa etária, adquirem um leve laço de amizade, mas evitando uma aproximação amorosa devido ao comprometimento dela com outro homem, e ao fato do professor ter um caso com uma de suas alunas.

    O impacto sentimental é menor devido ao viés mais adulto e amargurado, permitindo naturalidade no desenvolvimento do romance sem a ênfase bela da ficção. Ainda que mantenha a leveza narrativa e o diálogo sobre caminhos e mudanças da vida, como em geral são desenvolvidos nestas tramas, o drama é eficiente, e Hugh Grant consegue, como sempre, passar credibilidade em seu personagem característico. A proposta da história parece destoar da comédia romântica vendida tradicionalmente, justificando o alcance baixo desta história. Ainda que, dentro da carreira de Lawrence, seja mais um acerto e uma leve maturidade em conduzir tramas amorosas.

  • Crítica | O Exterminador do Futuro: Gênesis

    Crítica | O Exterminador do Futuro: Gênesis

    o exterminador do futuro - genesis

    Reiniciando a saga, pensada após o abandono de James Cameron a sua obra mais notória, O Exterminador do Futuro: Gênesis se baseia no que deu certo antes, resgatando nostalgicamente o futuro negro onde habitavam John Connor e Kyle Reese, claro, repaginando absolutamente tudo. Os novos intérpretes da dupla são Jason Clarke, como o pretenso salvador do lado humano da guerra, contracenando Jai Courtney, que faz Michael Bien, ainda que não seja tão deslocado quanto o primeiro Reese.

    A narração feita por Courtney serve de alerta para qualquer desavisado: o universo da franquia foi de novo modificado. Um longo tempo é gasto mostrando o modo de operar da resistência, nos anos de escravidão dos humanos. A tomada de poder por parte dos homens é apresentada em detalhes, incrivelmente bem realizados, em termos de cenas de ação, por Alan Taylor, que consegue não reprisar de modo tão tosco os erros de seu Thor: O Mundo Sombrio.

    A problemática do roteiro de Laeta Kalogridis e Patrick Lussier se nota essencialmente quando a trama passa a ocorrer pelos idos de 1984, época do primeiro O Exterminador do Futuro. A ação frenética invade a tela, inclusive fazendo referência ao vilão de O Exterminador do Futuro: O Julgamento Final, mostrando que as linhas temporais estão todas misturadas, fazendo mais uma bagunça com os personagens pensados por Cameron e Gale Anne Hurd.

    A miscelânea de citações inclui desde o terceiro episódio da franquia até os ditos do malfadado seriado The Sarah Connor Chronicles, inclusive com uma cena idêntica a do piloto do seriado, envolvendo uma das muitas viagens temporais do filme, artigo este que se torna banal, de tão comum.

    A apresentação de Arnold Schwarzenegger é interessante, mesmo com a quantidade de clichês que ele profere, repetindo inúmeras vezes a frase de que é apenas “velho, não obsoleto”. Pelo fato de ser um filme de ação, as frases de efeito não são um incômodo, se tornando irrelevantes graças à premissa empolgante, com outras tantas cenas de ação bem orquestradas.

    Há certo subtexto inteligente, além da discussão sobre a necessidade do homem em estar conectado o tempo inteiro – especialmente pela evolução que a Ciberdyne e o método de controle Genesys, um conceito novo na franquia, mas antigo desde os cyberpunks de Gibson. Outro aspecto positivo é a tentativa de multifacetar o Exterminador de Arnold, chamado por Sarah carinhosamente de “Papi”. Mas o entorno não corrobora na mesma qualidade, nem por parte da famosa Emilia Clarke, que exala sensualidade mas carece de talento dramatúrgico.

    O aspecto mais digno de críticas é o fato das viagens no tempo se tornarem comuns, defeito copiado do seriado. Ao final, o reboot se assemelha a um retcon tosco, especialmente na virada que sofre o personagem de Jason Clarke, já tratado como vilão nos trailers, pôsteres e materiais promocionais do filme. Qualquer efeito surpresa e expectativa positiva são encerrados neste ponto. A quantidade exorbitante de coincidências faz inclusive Arnold parecer deslocado em pedaços da trama.

    Apesar do belo grafismo apresentado na fita, há sérios problemas de lógica no argumento final, como o lançamento de T800 com máquinas tão melhores disponíveis, curiosamente reprisando os erros de O Exterminador do Futuro: A Salvação. No final da epopeia, fica o lamento pelas recaídas nos mesmos clichês, além da enfadonha questão de repetir o gancho para novas continuações – previstas até então para se ter mais dois filmes. A direção de Taylor não compromete o produto final, mas também pouco acrescenta, graças a um roteiro atrapalhado. Ao menos, no quesito diversão, a franquia retorna aos bons tempos. Ainda que não seja nada semelhante ao brilhantismo da fase de James Cameron como diretor.

  • Crítica | A Música Nunca Parou

    Crítica | A Música Nunca Parou

    No livro Um Antropólogo em Marte, o neurocientista Oliver Sacks reuniu ensaios sobre casos estudados em sua profissão demonstrando a potência do cérebro, uma das melhores máquinas compostas pela engenharia neural. O escritor narra histórias de pacientes que sofreram algum distúrbio neurológico e, a partir de uma nova condição, tentam se adaptar à realidade.

    Lançado no Festival de Sundance em 2011, A Música Nunca Parou se baseia no artigo O Último Hippie, presente no livro citado. Na trama, o adolescente Gabriel Sawyer (Lou Taylor Pucci) sai de casa à procura de liberdade e anos depois é encontrado pela família em um pronto-socorro com um tumor cerebral que lhe causou sérias lesões, incapacitando-o de reter novas memórias, mas apenas momentos de sua juventude enquanto hippie. Tentando estabelecer uma conexão com o filho agora adulto, o pai Henry procura meios e alternativas para ajudar o garoto.

    Como pai de um adolescente na década de 60, Henry foi um conservador que não admitira as mudanças naturais da sociedade e, em consequência, o comportamento do filho, gerando distanciamento entre brigas e discussões. O reencontro traz à tona velhas feridas e coloca o pai em um interessante conflito: a única maneira de estabelecer uma conexão com o filho é adentrar nas memórias de sua juventude, um universo sempre negado pelo personagem paterno.

    Mesmo que pais busquem a melhor criação para os filhos, há um momento em que os rebentos precisam refletir sobre o mundo por conta própria. Os ensinamentos dados com amor por pai e mãe devem servir como apoio moral, não um guia absoluto. As gerações diferentes promovem valores distintos, e a discrepância entre o passado e o presente é um dos embates naturais na relação familiar.

    Com um herdeiro incapaz de produzir novas memórias, o pai busca construir uma nova relação familiar descobrindo a terapia musical como ponte. As canções ouvidas anteriormente ao problema de Gabriel funcionam como combustível para sua lembranças, fazendo-o sair de um estado mental diferenciado para se conectar às pessoas à sua volta, discutindo sobre canções e relembrando tempos passados.

    A música se configura como símbolo conector entre ambos. Um exemplo simples dessa grandiosa força de expressão, comovente e catártica, como nenhum outra arte. Isso nos leva a uma citação, replicada ao extremo em diversos meios mas representativa da força das canções: sem música, a vida seria um erro.

    O caso de Gabriel é um exemplo acessível do comportamento da máquina cerebral, composta com uma engenharia completa e que trabalha de maneira diferente quando sofre algum abalo. A narrativa é eficiente ao explorar tanto o lado científico de sua condição quanto o modo como um paciente mantém sua nova estrutura de vida.

    J.K. Simmons entrega uma bonita interpretação do pai severo e amoroso, que busca uma conexão com o filho, demonstrando sua competência habitual mesmo que nem sempre destacada pela mídia. Como na interpretação que lhe valeu o Oscar em Whiplash – Em Busca da Perfeição, seu papel é o conectivo da história. O público acompanha o drama do pai em descobrir a respeito da condição do filho, produzindo um laço emotivo que universaliza a sensível história.

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  • Crítica | Whiplash: Em Busca da Perfeição

    Crítica | Whiplash: Em Busca da Perfeição

    Whiplash 1

    Antes de abrir os créditos iniciais, ainda com a tela negra, ouve-se um barulho frenético de uma baqueta tamborilando agressivamente sobre os tambores, num solo longo, o único ponto existente naquele universo que seria apresentado no filme de Damien Chazelle. A tônica do que seria Whiplash apresenta-se antes mesmo do “início do filme”, como uma longa preparação de um sujeito que busca o sonho de viver da arte.

    Andrew Neyman (Miles Teller) mostra-se tão entorpecido pela ideia de tocar o instrumento que se impressiona com qualquer audição de seu trabalho, na escola de música de Shaffer. Na execução de seus ensaios, ele vê vultos, silhuetas formadas pelo seu inconsciente e desejos, que, aos poucos, ganham contornos reais. Sua perspectiva é completamente distante e distinta da de seus entes queridos, mesmo diante de seu pai – vivido discreta mas magistralmente por Paul Reiser -, o homem que sempre lhe apoiou mesmo não o entendendo completamente, seja pelo choque de gerações, seja pelos níveis díspares de ambição.

    Shaffer é uma escola onde deveriam brotar anseios pela música, mesmo sendo ali o lugar em que são sepultados muitos desejos de notoriedade. Quando o sonho começa a se materializar, a trilha sobe num suspense atroz. A expectativa em parecer perfeito o faz se atrasar e “quase” – mentira – perder o encontro com o mentor. O método paramilitar do regente funciona, ao menos para ele. A mão de ferro ajuda-o a separar os bons dos maus músicos, ainda que a crueldade impere, às vezes. O agressivo método chega a ser cômico, dado o seu tom caricatural.

    A entropia e um pouco do caráter estabanado do protagonista permitem a Neyman ser titular na banda de Terence Fletcher (J. K. Simmons), que é um referencial enquanto professor, músico e garimpador de talentos. O estado de espírito de Andrew é mostrado pela câmera na mão, tão passional quanto a mente juvenil do formando. A busca pelo ideal é sangrenta e exige tudo do personagem, o que o faz perder o tato com aqueles que o consideram caro.

    Ao mesmo tempo que a raiva deveria predominar em seu ser, Andrew vê na piedade uma boa forma de encarar seu maestro exigente. Nem mesmo a emoção o faz aplacar o castigo físico a que se impõe. Em alguns pontos, ele encara a rigidez do ensino louco de Fletcher como combustível para sua luta, um obstáculo a mais para sobrepujar na jornada rumo ao sucesso.

    O envolvimento de Andrew com a música faz submeter o drama a seu público. Mas nem isto parece ser o suficiente em determinado momento, e ele cede à pressão dos que antes achavam-no fraco, denunciando seu antigo mentor após ser agredido. A leveza com que Fletcher apresenta os acordes no piano é diferenciada de seu método docente – no reencontro dos dois, o regente já teve sua derrocada –, como se os dois personagens fossem encerrados na mesma mente e psiquê, fazendo-o um ser ainda mais rico. A desgraça faz o professor se mostrar mais solícito; seu intuito é empurrar os alunos a conseguir superar suas expectativas.

    No retorno aos palcos, convidado por Fletcher, Neyman vê uma chance de retomar sua jornada rumo à fama, mas, ao executar os acordes, tem uma terrível surpresa. A rivalidade está presente e, junto ao azedume vingativo do mestre, o aluno é esmagado pela banda e plateia. Diante da queda iminente, ele contra-ataca, fazendo do palco seu objeto de revanche, uma emocional réplica digna dos grandes, semelhante ao que a sua ambição sempre buscou, pervertendo-se todos os preceitos do maestro ante sua presença e a dos seus, ganhando o jogo – ao menos em alguns momentos – na casa do adversário.

    A guerra de ego prossegue até mesmo ao final da música, com a última tentativa de apogeu de Andrew. O papel de condutor é incumbido ao baterista, não mais ao maestro. Suas vezes de Charlie Parker o fazem sentir o torpor de dar o seu máximo, passando por cima de todas as convenções e formalidades. Ser grande envolver ser mais do que ele é, exercer mais o que lhe é devido, ter mais braços do que um simples par, e também contrariar a si próprio, para que, finalmente, o talento bruto se aprimore e dê vazão a sua essência. Neste espírito, o filme de Chazelle tem na excelência a sua madura adjetivação.

  • Crítica | Queime Depois de Ler

    Crítica | Queime Depois de Ler

    queime depois de ler

    Após o estrondoso sucesso de uma produção de tom sério como Onde os Fracos Não Têm Vez, a expectativa em relação ao novo filme de Joel e Ethan Coen era grande. Porém, Queime Depois de Ler explora outro universo, mas no mesmo espírito do estilo de comédia de erros e humor negro que consagrou a dupla anteriormente.

    A história começa com o analista Osborne Cox (John Malkovich) sendo demitido da CIA por supostamente abusar do consumo de bebidas alcoólicas. Em uma explosão de raiva, decide utilizar seu profundo conhecimento sobre espionagem para escrever um livro de memórias. No entanto, não contava que sua mulher Katie Cox (Tilda Swinton) fizesse uma cópia de seus arquivos para usá-la contra ele em um processo de divórcio. Katie é amante de Harry Pfarrer (George Clooney), um conhecido da família e agente de segurança, mas mulherengo inveterado. A situação se complica quando o CD com os dados de Cox cai nas mãos da dupla de funcionários atrapalhados de uma academia de ginástica local. Chad (Brad Pitt) e Linda (Frances McDormand) decidem chantagear Cox para ganhar dinheiro em troca das informações, pois Linda está desesperada para pagar por cirurgias plásticas que, segundo ela, definirão sua reinvenção como pessoa.

    A partir desta intrincada rede de pessoas totalmente diferentes, os Coen vão construindo aos poucos o universo de suas relações. Com elementos clássicos dos filmes de espionagem, como a câmera imitando um satélite, ou mesmo em terceira pessoa com cenas de perseguição, o filme também desconstrói os mitos ao redor desse mundo, onde os espiões são geralmente retratados como super-heróis. Em Queime Depois de Ler os agentes são pessoas normais, com casas e famílias, cometem erros enormes e sofrem as consequências.

    Tudo isso é retratado em meio a situações separadas que, ao longo da narrativa, vão se convergindo. Usando a comédia de erros, a estrutura clássica da dupla em que cada dificuldade gera uma outra ainda maior, contribui-se para a catarse final, onde pouco faz sentido para cada personagem separadamente. Junto a isso, são inseridos vários toques de humor negro de forma a ridicularizar ainda mais a situação absurda de cada personagem, todos geralmente aparentando seriedade e profissionalismo, mas escondendo problemas reais. Esse fato é demonstrado claramente através do personagem de McDormand: Linda Litzke, tão preocupada com suas cirurgias e como elas irão salvar sua autoestima, chega ao ponto de tentar vender segredos de Estado para a Embaixada Russa.

    O elenco é também outro ponto forte do filme. As atuações exageradas de personagens à beira de um ataque de nervos garantem situações hilárias. Brad Pitt, em uma de suas melhores interpretações como Chad, segura grande parte desse humor ao retratar algo como um personal trainer inconsequente e que se acha genial. Malkovich também interpreta de forma excelente a figura do cada vez mais neurótico Cox, assim como Clooney, que começa se passando pelo sempre profissional e seguro de si Harry Pfarrer, mas que, aos poucos, revela-se exatamente o contrário.

    Apesar de todos os elementos positivos, falta a Queime Depois de Ler uma certa empatia que engaje o espectador a acompanhar a trama de uma forma menos cínica, pois o cinismo e sarcasmo exagerados dos personagens e da história acabam por contaminar de forma negativa o filme, deixando-o muito plano. Isso, apesar de estar totalmente de acordo com a proposta, gera falta de conexão com a história e seus personagens. Se em Fargo a tonalidade monocromática da neve ajuda na composição da película, aqui, a mesma escolha atrapalha.

    Como resultado final, Queime Depois de Ler garante risadas pelas situações absurdas geradas. A forma com que os acontecimentos são resolvidos pelos personagens é milimetricamente calculada e estilizada com o humor característico dos Coen. No entanto, falta o gancho emocional que liga o espectador ao filme, tornando o trabalho quase que dispensável perto de outros da dupla, como Fargo e Onde os Fracos Não Têm Vez. O tom sério da obra impede que a interpretemos como pura comédia nonsense, algo que funciona em O Grande Lebowski, garantindo a sua qualidade. E a comédia está sempre no mesmo tom, raramente saindo da linha a ponto de causar o impacto necessário no espectador, que apesar de se divertir, sairá do filme praticamente da mesma maneira que entrou.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Jobs

    Crítica | Jobs

    Jobs

    O filme enfoca a vida do sócio-fundador da Apple, desde sua juventude hippie, passando pela fundação da empresa que lhe garantiu a fama de inovador até sua volta à empresa como CEO, depois de ter sido relegado ao ostracismo durante alguns anos.

    Mesmo não conhecendo a fundo os eventos e nem tendo lido a biografia de Steve Jobs, percebe-se que parte das críticas feitas ao filme por Steve Wozniak (fundador da Apple junto com Jobs) procedem. Nota-se que é dada muita ênfase à figura de Jobs, às suas decisões, às suas ideias e ao seu modo de conduzir os negócios. Os demais personagens, apesar de provavelmente terem participado bem mais ativamente dos acontecimentos, ficam relegados quase a meros coadjuvantes. Não que Jobs não tenha seu mérito, isso é inquestionável. Mas o roteiro exagera ao tentar induzir o espectador a achar que Jobs foi o principal – senão, único – responsável para a Apple ser o que é. Steve Jobs vai de underdog a gênio inovador quase num piscar de olhos. Sim, é clichê. Assim como é extremamente clichê a cena em que ele tem sua epifania sobre o futuro a seguir.

    O filme tem um problema de ritmo. Apesar da duração ser de pouco mais de duas horas, tem-se a impressão de que se arrasta por muito mais tempo. Mesmo que aparentemente alguns eventos tenham sido “acelerados” a fim de caberem no tempo da narrativa – o que por vezes compromete o entendimento – o fluxo narrativo parece truncado, sem fluidez. Inevitavelmente, tentar condensar cerca de 25 anos num roteiro de duas horas incorreria em problemas dessa natureza. Há ainda falhas no roteiro que atrapalham a boa compreensão da estória. Em vários momentos, Jobs tem certas atitudes cujas motivações não ficam claras e o espectador fica com a impressão de ter cochilado por alguns minutos e perdido algo importante (talvez isso aconteça eventualmente).

    Contudo, discordo de Wozniak quanto à responsabilidade de Ashton Kutcher nessa visão de Jobs. O ator apenas interpretou o que estava no roteiro. Kutcher, aliás, apesar de bastante inspirado em alguns momentos – a ponto de fazer o espectador “ver” Jobs na tela – em outros, pende para a caricatura de um modo que chega a incomodar. É necessário ressaltar o excelente trabalho de Mary Vernieu na seleção do elenco. O “garimpo” deu um ótimo resultado, pois os atores escolhidos se assemelham bastante a seus correspondentes reais.

    Ainda sobre semelhança, a cenografia e o figurino remetem o público diretamente aos anos 70, logo no início. A reconstrução de época é muito eficiente, e mesmo o efeito “foto antiga” do filme não chega a incomodar demais. Para completar a imersão, destaque para a trilha sonora bastante emblemática. A fotografia também é boa, favorecendo ângulos que deixem Kutcher ainda mais parecido com Jobs.

    Para um filme que tem a missão de contar a trajetória de alguém responsável por uma revolução no modo como as pessoas encaravam a informática e os computadores, a obra passa longe de qualquer conceito inovador, beirando a mediocridade. Não há dúvidas de que se o filme fosse um produto da Apple, após o preview, Jobs enviaria o projeto de volta para a prancheta.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.