Tag: filmes policiais

  • Crítica | O Silêncio dos Inocentes

    Crítica | O Silêncio dos Inocentes

    O Silêncio dos Inocentes começa enigmático, mostrando a Clarice de Jodie Foster percorrendo uma cinzenta floresta em Quantico, na Virgínia. Pouco tempo depois a expectativa de perigo é substituída pela percepção de que ela está se preparando, como agente em treinamento. A personagem é uma mulher vista como alguém pequena, ainda mais em comparação com os homens altos que habitam aqueles cenários cinzas da academia do FBI. Essa questão dos tamanhos seria usada por Jonathan Demme como um prenúncio da historia, ainda que não estabeleça a gravidade e a tragédia de assassinatos de inocentes, sobretudo mulheres, que concentram os momentos mais emocionantes do roteiro.

    A atmosfera de suspense e thriller é pontuada pela música de Howard Shore que, em sua discrição, consegue sutilmente injetar ainda mais mistério nas cenas pensadas. Cenas desenvolvidas de maneira lenta, mesmo o passado de Clarice Starling é discutido de maneira paciente. Mas desde a gênese, é tratada como uma mulher forte e bem resolvida,  como aliás é bem comum nas obras de Thomas Harris, o autor do livro homônimo que Ted Daily usou como base para seu roteiro. Mirando entrar para um departamento novo que estuda a Ciência de Comportamento, ela é designada para dialogar e pedir ajuda a um serial killer, o doutor psiquiatra Hannibal Lecter.

    Nas conversas iniciais que a protagonista tem com o personagem de Anthony Hopkins é estabelecido com clareza o fascínio e curiosidade da protagonista que, aliás, reflete a curiosidade do espectador que se questiona como um renomado médico perdeu sua carreira e conseguiu ser pego por crimes tão bizarros quanto os que cometeu. Ainda que no início fique a sensação de que talvez o que se fala seu a respeito seja boato.

    Demme usa muito bem o misancene, tanto com Clarice, que tenta se manter durona mas demonstra momentos de fragilidade, como uma criança prester a entrar em um mundo adulto e feio, como também na insanidade e sujeira que leva até o psicoterapeuta forçadamente aposentado por seus crimes. Na cela de Hannibal os tons de marrom predominam (essa aliás, é uma cor muito utilizada dentro do filme). Mais parece uma gruta, uma caverna, onde um bárbaro ou animal predatório vive. Então, por mais que ele pareça educado e cordato, é fácil perceber sua frieza.

    A personificação de Hopkins, aliás, é outro fator diferenciado. Lecter é carismático, quase dócil ao expressar seus desejos e exigências para o grupo de investigadores. Seu sotaque característico e o cabelo ralo e bem penteado mostram o quão meticuloso é com a própria aparência, sendo esse mais uma amostra dos seus métodos bem executados como assassino serial. Mas é no olhar vazio, acompanhado da íris azul, que se percebe sua personalidade pouco dócil, ainda que não seja nem de longe um anúncio do quão destrutivo é o homem encarcerado. Por mais que ele esteja preso como outros criminosos, faz questão de se diferenciar pela elegância.

    Hannibal e Clarice estabelecem uma relação de interdependência grande, tão tangível que quase justifica alguns momentos bem irreais, como a cela meticulosamente pensada para comportar o psicopata enquanto ele está ajudando a encontrar a filha de uma senadora. A influência dele sobre a agente em treinamento é natural pela inexperiência de Clarice. Mesmo que seu caráter e índole sejam bastante fortes, ela ainda é uma agente em estado probatório, portanto, não está completa. Seu passado como órfã, por conta de uma ação policial, compromete sua mente e o compromisso em ser fria.

    Por mais que o antagonista procurado pelos agentes da lei seja Bufalo Bill/Jame Gumb (Ted Levine) que faz um papel bastante inspirado, o brilho de vilão recai sobre o conselheiro de Clarice. Demme trabalha bem o desenrolar das duas tramas, do matador baseado no real caso de Ed Gein, e no médico que serve de conselheiro para a protagonista.  Ao menos, há mais em comum entre Hannibal e Bill, eles tem uma ligação que faz o espectador entender que há certa intenção de seguir um legado.

    Ao longo dos anos, filmes de assassinos em série entraram e saíram da moda devido a essa produção. Se7en  é bem visto, mas A Cela, Rios Sangrentos e até Jogos Mortais foram sub produtos de qualidade questionável. Silêncio dos Inocentes é a fonte de inspiração para todos eles e para as sequencias e prequels baseadas no mesmo personagem. Mas as sutilezas desta versão não foram replicadas tão bem em outras histórias.

    Demme conduziu um filme simples, que não faz rodeios e que mostra o pior da alma do homem. Apesar de toda a qualidade do filme, há um conjunto de caracterizações delicadas em sua composição, ainda mais na associações fálicas da condição transexual com psicopatia, fruto dos preconceitos de sua época. Mas a produção é mais que uma peça presa ao seu tempo. É o exemplo maior dos filmes de psicopatas, que ditou tendência e moda e que se vale de dois personagens ricos, que compõem uma dupla complementar de pessoas desajustadas e incompreendidas, mas que ainda assim são geniais.

  • Crítica | Fuga à Meia-Noite

    Crítica | Fuga à Meia-Noite

    Fuga à Meia-Noite conta a historia de Jack Walsh, caçador de recompensas e ex-policial interpretado por Robert De Niro cuja única busca real é por dinheiro, de preferencia, o que vem de maneira fácil. O filme dirigido por Martin Brest e escrito por George Gallo não perde tempo, mostra ele em ação contra um bandido procurado, acompanhado de uma trilha de jazz de Danny Elfman que lembra um remete a música de Eric Clapton em Máquina Mortífera. O filme tem um humor próprio, é divertido e engraçado, especialmente pelo carisma de seus protagonistas.

    Eddie, o contratante dos serviços de Jack interpretado por Joe Pantoliano propõe a ele um trabalho que parecia ser simples, mas resulta em algo drástico: a escolta a um contador de Nova York até Los Angeles. Jonathan Mardukas (Charles Grodin) tem problemas com bandidos e com o FBI, fato que faz os dois lados da lei irem atrás de De Niro. Jack é engraçado, tem mãos leves, semblante fechado e não aparenta ser tão trapaceiro quanto de fato é.

    O filme é cheio de reviravoltas em seu roteiro, o contratante ao se sentir ludibriado tenta pegar seu alvo com outro mercenário, Jack aplica diversos golpes enquanto faz a transição de seu prisioneiro, o contador tenta subornar o encarregado de leva-lo e ate manipula a doação de gorjetas quando ele se serve em um restaurante. O filme é todo baseado em jogos de influências e é bastante inteligente dentro dessa proposta, seus personagens são reais, densos, mesmo quando aparecem rapidamente.

    Walsh é um sujeito com uma vida normal, tem problemas mundanos, dificuldade de lidar com aspectos pessoais de sua rotina, e mesmo a historia sendo breve, há algum nível de aprofundamento dessas causas, ainda que por meio de eventos inesperados e entrópicos. Essas e outras circunstâncias aumentam o caráter de comédia de erros que o filme apresenta, toda sorte de infortúnio ocorre com o policial aposentado, de modo que uma simples missão de transporte vira uma epopeia que brinca com o poder paralelo.

    De Niro e Grodin tem química, tem uma sinergia típica de amigos que se conhecem há muito tempo. Acompanhar a intimidade dos dois é gratificante, pois é quase uma síndrome de estocolmo só que invertida, já que Jack, o “sequestrador” passa a confiar em Jonathan mesmo que ele esteja em uma posição inferior, a despeito até da experiência e esperteza do agente.

    Os momentos finais são carregados de suspense, bastante tensos. A obra de Brest mistura elementos de filmes thriller, comédia de humor negro e claro, filmes de máfia. Fuga à Meia-Noite tem um De Niro bastante à vontade, apresentando facetas que são familiares em sua carreira ainda que com com temperos diferentes. Toda a jornada de Jack e Jonathan é digna de uma odisseia de Ulisses, voltada claro para o cinismo típico dos filmes de tiras dos anos oitenta, é um clássico esquecido de sua época.

  • Crítica | Caçador de Assassinos

    Crítica | Caçador de Assassinos

    Produzido por Dino de Laurentiis, Caçador de Assassinos foi o primeiro filme baseado na a obra de Thomas Harris. Adaptação do livro  O Dragão Vermelho, primeiro com o personagem de Hannibal Lecter,  o longa de Michael Mann começa misterioso, com uma estranha filmagem caseira, observada pelo detetive do FBI Will Graham (William Petersen), um sujeito discreto e de poucas palavras que tenta equilibrar sua vida familiar comum com o ofício de agente responsável por investigar crimes hediondos.

    William é de Chicago, onde mora com a sua família, mas após o chamado a aventura a trama se muda para Atlanta, no estado da Geórgia, cuja atmosfera envolve paisagens cheias de fumaça e neblina, fato que causa no espectador um certo estranhamento. Por mais que Graham seja discreto, ao analisar uma cena do crime repleta de sangue o sujeito não parece se chocar, não há qualquer incomodo ao ver um quarto redecorado de vermelho. Ao ter acesso a fitas apresentando a vítima tem estranhas reações, uma estranha excitação a perceber a morte diante de seus olhos. Isso é uma mostra do quanto cenário apresentado é de desajustados, pois até o mocinho parece obtuso.

    A grande curiosidade do espectador em relação a esta obra, é como o famoso Hannibal foi retratado. O doutor é interpretado por Brian Cox que, até então, havia feito poucos papéis no cinema. O lugar onde está preso é um cenário todo branco não combina com a mente suja e com seu passado. O sobrenome do personagem é trocado, de Lecter para Lecktor. Hannibal é mostrado como um homem culto, leitor de psicopatologias com alguma formação em psiquiatria. Antes do encontro com Will pouco se sabe a seu respeito. Só que matou algumas pessoas e deixou outras no hospital. Seu quadro não é detalhado. Há bastante melindre em abordar a questão do canibalismo. Ele é tratado tão somente como um psicopata. Possivelmente, em 86, a situação para abordar o tema era ainda mais espinhosa.

    O filme faz do mistério em volta de Hannibal uma grande necessidade. O desempenho de Cox é razoável nesse sentido, mesmo com pouco tempo de tela. Ele consegue parecer adorável e charmoso em sua apresentação, mas também é capaz de causar desconfiança e desconforto exatamente por ter uma aparência de extrema formalidade, pois alguém tão requintado, para estar preso, deve ter feito algo realmente grave, mesmo que isso não seja tão explícito.

    Esse era só o terceiro longa de Mann, antes dos incontestáveis sucessos de Fogo Contra Fogo e Colateral. Sua visão do ideal a um filme policial ainda estava em formação. Por isso, esse produto é bem diferente de suas outras obras no gênero, claramente o diretor ainda estava preso a estética da série que produzia, Miami Vice. A produção  é mais silenciosa, não verborrágica, mostra uma historia que se desenrola lentamente, sem urgência, com uma trilha sonora característica, que quase não interfere na ação em si.

    Se escolhe também mostrar cenas onde a câmera lenta predomina, possivelmente em alusão ao cinema de ação de Sam Peckinpah, que usava isso para maximizar os confrontos no velho oeste de seus filmes. Aqui, isso é empregado para fortalecer a sensação de que algo está errado com o mundo. Que o lugar que Deus criou foi corrompido pelo homem.

    Os momentos finais são eletrizantes, mesmo que a cadência da desventura de Graham seja lenta. Mann apresenta uma historia fria que também tem momentos de melancolia extrema. A história é ainda mais grave por demonstrar que a alma do detetive está perdida, dado que parece ser incapaz de ter sensibilidade graças a condição auto imposta de tentar emular a mente e o coração dos psicopatas que persegue. Por mais que em Caçador de Assassinos não haja uma versão brilhante de Hannibal (até por ser breve sua participação), é de se admirar a mistura narrativa de um estilo intimista com um noir colorido.

  • Crítica | Bullitt

    Crítica | Bullitt

    Steve McQueen é o tenente Frank Bullitt considerado muito ousado pela polícia para trabalhar num caso de proteção a testemunha. Mesmo assim, Bullitt se mostra o homem certo para a missão certa nas não sem antes provar o seu mérito e conseguir que a testemunha chegue sã e salva para acusar uma organização americana de seus crimes no tribunal. Morta misteriosamente em circunstâncias obscuras num atentado sanguinário, Bullitt encara, então, o azar logo que assume esse caso. E agora o tenente não vai descansar até resolver o caso e achar o assassino – numa roleta russa cada vez mais pessoal e mortífera – pelas ruas de sua cidade ensolarada. Frank é um homem com limites e por mais obcecado que esteja para encontrar o(s) autor(es) da tragédia, não passará por cima de ninguém para isso.

    É nisso que Bullitt revela-se: além de uma magistral aventura policial e muito sofisticada, uma obra sobre o código de ética de um homem e o seu martírio para fazer com que ele prevaleça até na pior das situações. Frank tem uma reputação a zelar em São Francisco, mas até que ponto isso vale a pena, custando talvez sua vida e o seu retorno aos braços da namorada? O filme investiga isso nas entrelinhas de uma história que nunca para, tendo, é claro, o seu ápice na espetacular perseguição de carro pelas alamedas da cidade, sem um retoque de CGI, algo impensável na Hollywood de 2021. Os carros, simples e frágeis, deslizam por aquelas ruas como tubarões em alto-mar, resultando num dos momentos mais célebres da história do cinema de ação – Quentin Tarantino a homenageou em À Prova de Morte, em 2007.

    Indo além das cenas delirantes, Peter Yates comanda este discreto filme de investigação policial como se segurasse uma dinamite prestes a explodir diante dos nossos olhos. Um fantástico conto de polícia e ladrão à moda antiga, amparado por uma edição impressionante e claramente a frente do seu tempo. Em 1968, não tínhamos nada parecido com o dinamismo revolucionário das sequências de suspense e ação do filme, algo nítido desde os créditos iniciais e no equilíbrio perfeito dos seus elementos cinematográficos. Tido como um dos grandes filmes policiais dos anos 60, e com toda razão, Bullitt é obra antiga que não envelhece. Parada obrigatória para qualquer cinéfilo e/ou fã de McQueen, aqui na pele de Frank, veterano sempre no limite da dignidade e da segurança em nome da honra profissional. E ele não vai dormir enquanto não alcançar quem matou sua testemunha.

  • Crítica | Crime Sem Saída

    Crítica | Crime Sem Saída

    Chadwick Boseman foi um grande ator. Ainda que a sua carreira tenha sido breve, o eterno Pantera Negra sempre foi uma presença magnética nas telas. Um dos grandes exemplos disso é esse Crime Sem Saída. Dirigido por Bryan Kirk em sua estreia como diretor de cinema, o filme é um eficiente thriller policial que tira muito proveito do seu elenco, principalmente do seu protagonista.

    Na trama, Boseman interpreta Andre Davis, policial chamado para investigar o assassinato de oito policiais por uma dupla de ladrões em um restaurante que servia como fachada para o tráfico de cocaína. Filho de um oficial morto em serviço, Davis é visto como a pessoa perfeita para solucionar rápido o crime. Para isso, o detetive ordena que as 21 pontes que dão acesso à Manhattan sejam suspensas e inicia uma implacável perseguição aos criminosos.

    O longa tem influência dos filmes policiais da década de 80 e 90, em que os oficiais protagonistas eram reservas morais em meio a uma corporação afundada em burocracia e corrupção. Remete também aos faroestes e aos cowboys obstinados com seus códigos de conduta estritos. Desde o início, o roteiro de Matthew Michael Carnahan e Adam Mervis deixa o conceito moral bem estabelecido, porém, isso não faz com que o personagem seja unidimensional. O passado do detetive Davis é apresentado, mas não de forma melodramática. O artifício faz com que o espectador estabeleça uma relação de simpatia com o personagem, ao mesmo tempo em que apresenta suas motivações e a sua bagagem emocional. Em conjunto com o carisma e a boa atuação de Boseman, o personagem foge do arquétipo de policial que povoa a maioria dos filmes do gênero. Outro ponto forte é a relação que o detetive forma com um dos criminosos. São poucas as cenas entre os dois, mas a dinâmica é bem interessante.

    Ainda sobre o roteiro, há uma crítica sutil à corrupção policial. Não há como determinarmos se a intenção do script era abordar dessa maneira o assunto, mas isso se dá de forma orgânica dentro do filme. Entretanto, quando trata do racismo estrutural no departamento de polícia de Nova York, principalmente nos trejeitos do personagem de Boseman e na forma como ele é visto por seus pares, essa naturalidade escapa um pouco. Em certos momentos, parece que a crítica ocorre somente por acontecer. Não é exatamente de forma gratuita, porém não possui essa organicidade dentro do roteiro. Já um grave problema que ocorre está nos vilões do filme, cuja burrice e vacilos chegam a ser inacreditáveis.

    A direção de Kirk é segura, sem maiores invenções. Diretor de episódios de séries como Luther e Game of Thrones, o diretor imprime um ritmo ágil e vai escalando a tensão à medida que a trama se desenrola. Ainda que não existam grandes reviravoltas no roteiro, tudo é conduzido de forma à prender a atenção do espectador até chegar a uma conclusão que se não é épica, é ao menos condizente com o que aconteceu ali. Estabelecendo a mencionada boa relação entre o público e o herói, além de arrancar uma performance memorável de Stephan James, intérprete de um dos criminosos.

    Crime Sem Saída tinha tudo pra ser um daqueles filmes que são assistidos casualmente em uma madrugada insone, entretanto, amparado por um roteiro sem invenções absurdas, uma direção segura, além de uma ótima trilha sonora composta por Henry Jackman e Alex Belcher, o filme se mostra como uma boa diversão e mais uma prova do grande ator que Boseman foi.

  • Crítica | Um Dia Difícil

    Crítica | Um Dia Difícil

    Uma ode à ironia das coisas – no caso, aquela que habita o cinema da superficialidades que diretores mais contemporâneos como Nicolas Winding Refn, e seu superestimado Drive, tanto levam a sério. Por isso que Um Dia Difícil é um filme pensado entendendo essa ironia como uma desculpa para trabalhar a ação não pela estética da mesma, ou truques rápidos de câmera, como todos esperamos de um filme do gênero. Mas pelo movimento puro, e inesperado das reviravoltas ao longo da trama, subvertendo as nossas expectativas enquanto seguimos horas surrealmente conturbadas de um detetive sul-coreano a partir do seu deparar com um cadáver, numa estrada qualquer, e na mais normal das noites.

    A partir daí, tudo na própria história e nos contornos que o cineasta Seong-hun Kim confere a seu filme, um belo exemplar satírico e bastante espirituoso do seu gênero, e não há aqui qualquer objeção sobre isso, vem a ser impulsionado pelo acaso. Por pequenos plot twists divertidíssimos que o cinema americano dificilmente tem coragem de empregar em seus filmes, e quando o faz, desastres acontecem (Os Últimos Jedi) com um grande público acostumado sempre com o mesmo arroz e feijão, de cinquenta anos atrás. No decorrer da trama, o dia que já tinha ficado difícil para nosso detetive Go Geon-soo vai tornando-se insuportável, em um compêndio de referências claras e elementares aos escritos de Agatha Christie, e aos clássicos surrealistas de Luis Buñuel, numa narrativa cheia de armadilhas que tornam o filme uma verdadeira montanha-russa de desafios.

    Alguém aparentemente, aliás, andou assistindo muito Paul Greengrass. Com algumas cenas que parecem ter sido tiradas de O Ultimato Bourne e Zona Verde, a ironia também acha lugar na conceitualização geral do longa. Assim sendo, mesmo em cenas de profunda dramaticidade, aposta-se numa moral bem mais irreverente, e divertida, o que funciona muito bem aqui, escapando da seriedade (brilhante, por sinal) que John-ho Bong (O Expresso do Amanhã) e Hong-jin Na (O Caçador) equalizam, por exemplo, com suas verves mais aventurescas de se abordar histórias de tiroteios, corre-corre e explosões imprevisíveis que nos hipnotizam, mas que não tiram nossa atenção do que importa. Dramaticidades levadas a sério de forma magistral, eu diria icônica, mas que não combinariam com essa visão de puro entretenimento bem-humorado e frenético que temos em Um Dia Difícil.

    Um thriller que cerca os passos apressados do pobre detetive que só quer enterrar e superar a morte da sua mãe, mas as circunstâncias atiram-no pra bem longe disso, enquanto é complicado não esboçarmos um sorriso com as incredulidades que brotam pelo seu caminho cheio de causas e consequências imediatas, algo que dialoga fácil com o tempo que vivemos, e com os valores que vamos (re)aprendendo. Tal qual a vida o testasse num jogo de resistência, assim como também faz conosco tantas vezes, o quão forte um homem consegue ser em situações tão inacreditáveis, que beiram o lado involuntariamente cômico que tragédias e reviravoltas em efeito dominó podem ter, mesmo para quem não sabe ver o lado bom da vida, e nisso, esquece que, se nada é fácil, há de se ter um bom propósito justo para isso.

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  • Grandes Duplas Policiais do Cinema

    Grandes Duplas Policiais do Cinema

    Dentre todos os subgêneros dos filmes policiais e de ação, o buddy cop film – ou dupla de policiais talvez seja o mais cativante. A ideia de colocar dois opostos em uma convivência forçada para que juntos consigam um objetivo comum tem um lugar especial no imaginário dos fãs de cinema.

    Por definição, o subgênero consiste em filmes que possuem em suas tramas o envolvimento de dois indivíduos de personalidades extremamente opostas que são forçados a trabalhar juntos para resolver um crime, desbaratar uma quadrilha de criminosos ou ambas as coisas. Durante a trama, os dois acabam aprendendo a conviver um com o outro, vão compreendendo e aceitando suas diferenças até que em um determinado ponto uma amizade surge.

    Ao longo dos tempos, vimos vários tipos de duplas forçadas nos filmes. Em alguns, os protagonistas pertencem a culturas totalmente opostas, em outros há um conflito étnico, aqueles onde há uma diferença grande de idade. Porém, existe um ponto comum nesse tipo filme: um parceiro é sempre indomável enquanto o outro é mais comedido. Isso é feito para que o conceito de “bom policial, mau policial” seja explorado durante a trama, mostrando um como boa-praça cumpridor da lei, praticamente um CDF, enquanto o outro é mostrado como alguém que possui uma malandragem de rua, uma sabedoria popular e está sempre disposto a quebrar regras e a lei (ou pelo menos “entortar” a lei).

    Existem outros plots do subgênero que também são utilizados, como o policial novato que vai trabalhar com um veterano, o tira que vai pra um lugar que não lhe é familiar – pode ser  outro país ou uma cidade muito diferente de onde reside – e aquele que é tirado de sua função normal para exercer outra (policial de função burocrática que vai pra rua). Em todos esses casos, há um parceiro que vai guiá-lo nessa nova jornada.

    Após esse breve explanação sobre o gênero, vamos a nossa lista de grandes parcerias. Lembrando que, se você tem alguma sugestão, se você concorda ou discorda com a lista, comente abaixo na nossa sessão de comentários.

    Martin Riggs e Roger Murtaugh, de Máquina Mortífera (Richard Donner, 1987)

    Roteirizado por Shane Black e dirigido por Richard Donner este talvez seja o mais lembrado de todos. “Máquina Mortífera” conta a história de um pacato policial veterano próximo da aposentadoria que é colocado pra trabalhar com seu extremo oposto: um ex-veterano do Vietnã com tendências suicidas atormentado pela morte da esposa. É interessante como a tensão da relação entre os personagens de Mel Gibson e Danny Glover vai se transformando em uma relação fraternal ao longo do filme e em certos momentos chega até a assumir um caráter simbiótico. Foram feitas três sequências, mas somente a segunda parte manteve o padrão de excelência estabelecido por esta película.

    Ouça nosso podcast sobre a série Máquina Mortífera.

    Virgil Tibbs e Bill Gillespie, de No Calor da Noite (Norman Jewison, 1967)

    Considerado por muitos o protótipo do gênero (ainda que O Cão Raivoso dirigido por Akira Kurosawa tenha vindo 18 anos antes), o clássico No Calor da Noite opunha um policial negro vivido por Sidney Poitier e um xerife preconceituoso vivido por Rod Steiger na investigação do assassinato de um bem sucedido empresário. Passado no sul dos EUA, mais precisamente no estado do Mississippi, o filme oferece uma visão crua da tensão racial e do preconceito que permeava a região durante a época. Dirigido por Norman Jewison, o filme venceu os Oscars de melhor filme, melhor ator (Rod Steiger), melhor roteiro adaptado (Stirling Siliphant), melhor edição e melhor som.

    Jack Cates e Reggie Hammond, de 48 Horas (Walter Hill, 1982)

    Filme que catapultou Eddie Murphy para o sucesso, 48 Horas tem uma abordagem diferente: o turrão policial vivido por Nick Nolte se vê obrigado a trabalhar com o vigarista vivido por Murphy para que juntos desbaratem uma quadrilha que é responsável pela morte de vários policiais. Com uma direção inspirada do veterano Walter Hill, o filme possui diálogos sensacionais que arrancam boas gargalhadas. A química entre Nolte e Murphy é  palpável e os dois parecem se divertir o tempo todo que estão em cena.

    Nicholas Angel e Danny Butterman, de Chumbo Grosso (Edgar Wright, 2007)

    Parte integrante da “Trilogia dos Três Sabores de Cornetto” junto com Todo Mundo Quase Morto e Heróis de Ressaca, esta sensacional comédia dirigida por Edgar Wright e estrelada pela dupla Simon Pegg e Nick Frost brinca com todos os clichês dos filmes policiais e de ação. Aqui, Pegg vive um policial de Londres que é tão bom no trabalho, que acaba fazendo a corporação parecer incompetente. Devido a isso, acaba sendo transferido pra uma cidadezinha do interior. Chegando lá, ele descobre que a cidade tem segredos sinistros. O diretor Wright pega todos os clichês do gênero “buddy cop”, subverte e os empilha de forma genial na tela. De diálogos cheios de frases de efeito, sequências de montagem e cenas absurdas, nada passa incólume por essa homenagem satírica.

    David Mills e William Sommerset, de Se7en: Os Sete Crimes Capitais (David Fincher, 1995)

    Nesse que é um dos melhores filmes de suspense da história do cinema, Brad Pitt vive David Mills, um idealista policial que sai do interior para ir trabalhar na cidade grande. Mills acaba se tornando parceiro de William Sommerset (Morgan Freeman), um já desiludido detetive que está na sua última semana de trabalho, na investigação de crimes horrendos. O amargor e desesperança do personagem de Freeman contrastam fortemente com a inquietação e a vontade de fazer a diferença do personagem de Pitt, mas ao invés de um embate de personalidades, Sommerset acaba se tornando uma espécie de guia de Mills numa viagem pelo lado negro da humanidade.

    Ed Exley e Bud White, de Los Angeles: Cidade Proibida (Curtis Hanson, 1997)

    Um almofadinha que deseja ter uma carreira tão brilhante quanto a de seu pai, nem que pra isso precise passar por cima dos seus colegas. Um policial conhecido por seu temperamento extremamente explosivo e que opera de forma quase marginal. Um representa exatamente o que o outro despreza, e Guy Pearce e Russell Crowe atuam brilhantemente nesse thriller neo-noir. Interessante observar como a convivência forçada vai os tornando próximos não só em termos de amizade, mas em termos de comportamento. Outro ponto interessante é que a dupla de protagonistas é orbitada por Jack Vincennes (Kevin Spacey), um policial malandro e bem relacionado, mas que apesar de sacana, acaba recuperando seu senso ético graças à Exley e White.

    Jackson Healy e Holland March, de Dois Caras Legais (Shane Black, 2016)

    Escrito e dirigido por Shane Black, o criador de Máquina Mortífera, o filme estrelado por Ryan Gosling e Russell Crowe é passado na década de 70 e coloca um detetive particular vigarista e um truculento colega de profissão em uma trama rocambolesca que envolvem festas nababescas, o submundo da indústria pornô, altos cargos do judiciário americano e o underground de Los Angeles. O filme se utiliza demais de metalinguagem e de subtextos pra se sustentar, o que não é necessariamente uma coisa ruim. Na verdade, deixa o filme ainda mais interessante de ser assistido.

    Ray Tango e Gabriel Cash, de Tango & Cash: Os Vingadores (Andrei Konchalovsky, 1989)

    Imagine colocar dois dos maiores astros do cinema dos anos 80 para atuarem juntos. Foi o que fizeram em Tango & Cash. Sylvester Stallone e Kurt Russell vivem os policiais (e rivais) Ray Tango e Gabriel Cash, os dois astros da polícia de Los Angeles. Enquanto Tango é um CDF no trabalho, Cash é o malandrão que trabalha na margem da lei. Quando um mafioso arma para que os dois sejam presos, a dupla se une para escapar da cadeia e provar a inocência. Dirigido por Andrei Konchalovsky, o filme tem boas cenas de ação, mas se apoia muito no humor, com destaque para a cena que Kurt Russell se veste de mulher para escapar da polícia e nos divertidos diálogos ofensivos entre a dupla de protagonistas.

    Ivan Danko e Art Ridzik, de Inferno Vermelho (Walter Hill, 1988)

    O slogan desse filme é: “O policial mais durão de Moscou. O policial mais maluco de Chicago. Só existe uma coisa mais perigosa que deixá-los com raiva: torna-los parceiros”. O contraste entre Arnold Schwarzenegger e James Belushi é o que faz esse filme divertido. Não só o contraste físico, mas a postura oposta dos dois policiais. As tentativas de diálogo de Belushi com o impávido colosso vivido por Arnold são hilárias. Porém, Arnold rouba a cena ao exercitar sua verve cômica no papel de Ivan Danko. A coleção de tiradas pró-Rússia que ele desfila no filme sem nem ao menos alterar sua expressão facial é sensacional. Talvez seja o primeiro caso de uma limitação dramatúrgica sendo utilizada em favor de um ator.

    Alonzo Harris e Jake Hoyt, de Dia de Treinamento (Antoine Fuqua, 2001)

    O que acontece quando um idealista policial novato é colocado pra trabalhar com um corrupto policial veterano? Dia de Treinamento narra o que acontece quando os dois tipos colidem. Denzel Washington e Ethan Hawke dão um verdadeiro show neste atmosférico conto moral escrito por David Ayer (Esquadrão Suicida) e dirigido por Antoine Fuqua (O Protetor). A jornada tensa do primeiro dia de trabalho do personagem de Hawke começa com um diálogo nervoso com o personagem de Denzel e termina com um confronto de sérias consequências pra ambos os protagonistas. O filme rendeu o Oscar de melhor ator para Washington e de melhor ator coadjuvante para Hawke.

    Allen Gamble e Terry Hoitz, de Os Outros Caras (Adam McKay, 2010)

    Nessa película dirigida por Adam McKay (A Grande Aposta), Mark Wahlberg e Will Ferrell vivem dois policiais que são a piada do departamento. Enquanto o primeiro é um bailarino frustrado cheio de testosterona (ele é um “pavão que quer voar”), o segundo é uma espécie de secretário responsável pela parte financeira do departamento. Quando os dois melhores oficiais da cidade de Nova York – vividos por The Rock e Samuel L. Jackson – morrem de forma absurda, o personagem de Wahlberg resolve que vai tomar o lugar deles e carrega o personagem de Ferrell junto. Os dois protagonistas tem histórias de vida bem bizarras e que provocam sofrimento a eles quando lembradas e o diretor McKay torna isso como o grande momento cômico do filme. O duelo das personagens opostas dos dois também é filmado de forma hilariante.

    Brian Taylor e Mike Zavala, de Marcados para Morrer (David Ayer, 2012)

    Dirigido e roteirizado por David Ayer, Marcados para Morrer oferece uma abordagem um tanto quanto diferente. O filme faz uso de câmeras de mão para narrar de forma mais “pé no chão” o cotidiano de dois parceiros da polícia de Los Angeles. Jake Gylenhaal e Michael Peña vivem dois parceiros de longa data que tem suas rotinas completamente alteradas após uma apreensão de drogas de um traficante local. O diretor mostra como o fato reflete na rotina de trabalho dos oficiais e as implicações da tensão crescente nas suas vidas pessoais.

    Menções honrosas: Os Bad Boys, Anjos da Lei, A Hora do Rush, As Bem Armadas, Dois Policiais em Apuros, Miami Vice, O Guarda, Beijos e Tiros, O Último Boy Scout: Jogo de Vingança, Viver e Morrer em Los Angeles, As Cores da Violência, Tiras em Apuros, Showtime, Rookie: Um Profissional em Perigo, Divisão de Homicídios, Dose Dupla, Um Tira da Pesada, Chuva Negra, etc.

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  • Crítica | Se7en: Os Sete Crimes Capitais

    Crítica | Se7en: Os Sete Crimes Capitais

    Por vezes, o cinema é acometido por coincidências relativas a lançamentos de filmes sobre temas parecidos na mesma época. Nos anos 90, vimos uma sequência de filmes de investigação criminal sobre serial killers que foram sucesso de público, desde produções excelentes como O Silêncio dos Inocentes, até genéricos como Beijos que Matam e O Colecionador de Ossos. Em 1995, o então novato diretor David Fincher também se arrisca nessa empreitada com o filme Se7en – Os Sete Crimes Capitais, tendo Andrew Kevin Walker como roteirista.

    O filme se inicia apresentando primeiramente a cidade, que não é nomeada, mas que é representada como um local extremamente urbanizado e decadente, onde a chuva não dava trégua e caía intensamente, contribuindo para dar um peso dramático extra ao ambiente. Com uma atmosfera noir, a cidade possui construções degradadas, becos velhos e sujos, lixo no chão e um submundo onde a lei não costuma entrar, lembrando muito as diversas composições de Gotham no cinema, em especial as de Tim Burton.

    Os personagens principais são os detetives da polícia local, William Somerset (Morgan Freeman) e David Mills (em limitada, porém honesta e emotiva interpretação de Brad Pitt), sendo que este último acaba de se mudar para a cidade por causa da vaga de detetive, mostrando uma ambição fora do comum. Ávido por participar, sua personalidade contrasta com a paciência e calma de Somerset, que, por conhecer a fundo a escuridão da cidade e seus habitantes, não consegue mais se empolgar com nada.

    Ao serem chamados para atender uma morte incomum (um obeso que morreu de tanto comer), ambos logo chegam à conclusão de homicídio ao analisar a cena, onde o homem morto estava preso, o que é confirmado pela autópsia. Após outro corpo, de um importante advogado da cidade, ser encontrado com a inscrição “AVAREZA”, levando-os a encontrar a palavra “GULA” no corpo do caso anterior, fica claro a Somerset que mais assassinatos parecidos virão, e que, por isso, quer abandonar o caso, já que está próximo de se aposentar, enquanto Mills quer assumir o caso de todo jeito.

    Fincher escolhe contrastar a escuridão e violência do mundo, mostrados através de seus assassinatos, com a vida particular de Mills, na qual sua esposa Tracy (Gwyneth Paltrow) luta para se adaptar a uma cidade hostil e a um apartamento perto da linha de trem que treme cada vez que surge uma locomotiva. Tracy é responsável, inclusive, por unir Somerset a Mills, convidando este para jantar em sua casa. A partir dali, a relação entre os dois passa a ser mais harmoniosa. A câmera de Fincher, aqui, já consegue mostrar algumas das características que irão marcar seu estilo, como a composição das cores em tons pastéis e a escuridão sempre rodeando cada cena, como se estivesse o tempo toda pronta para engolir os protagonistas. Além da preferência por temas obscuros que envolvem a humanidade, que irá ser debatida em toda a sua filmografia subsequente.

    Quando os detetives resolvem suas questões pessoais, a investigação assume o foco ao tomarem destaque as passagens citadas pelo assassino em seus crimes, fazendo com que os policiais busquem os livros da biblioteca pública e quem os emprestou. Assim, chegam, de forma um pouco fácil demais, ao apartamento do assassino, que foge espetacularmente, mas não sem antes de ferir seriamente Mills, que, possesso, passa a cometer erros de julgamento que irão ter seu impacto mais tarde no desenrolar da história.

    Se7en consegue compor uma investigação criminal clássica, mas não se resume unicamente a isso, pois a obra também traz à tona a discussão de que não basta somente encontrar e prender o assassino, mas sim tentar entender o que está por trás de tamanha perversidade e como evitar que mais iguais a ele surjam. Nesse ponto, o filme dialoga com um espírito cansado e desgostoso em relação à modernidade  algo que os irmãos Coen expõem em Onde os Fracos Não Têm Vez –, um sentimento ao qual qualquer pessoa atualmente consegue se relacionar.

    Dentro desta lógica, o que menos importa é justamente o resultado da investigação, tanto que o assassino (interpretado por Kevin Spacey) se entrega após ter realizado suas ações, e a explicação por trás das razões de seus crimes soa terrivelmente familiar para nós, já que a indiferença e o egoísmo das pessoas do cotidiano isolam todos em seus mundos, e somente algo chocante pode tirá-los da realidade. A atração magnética de sua personalidade lembra o icônico Hannibal Lecter, e a nossa mórbida curiosidade em saber o que move tais mentes em direção a atos tão horrendos nos faz desejar que as explanações do assassino não parem.

    As constantes citações ao “Inferno” de Dante e a outros clássicos da literatura que flertam com a escuridão da alma humana deixam clara a mensagem que Se7en e seu assassino querem passar, a da eterna danação da espécie humana ao lidar com nossos demônios. A cena final, impactante, ecoa até hoje nas mentes dos fãs de cinema como uma das mais marcantes de todos os tempos, afirmação que possui tanto verdade quanto exagero.

    Portanto, Se7en é melhor apreciado se relativamente afastado do clássico gênero policial e encarado como uma jornada por dentro da própria humanidade, e apesar de não se aprofundar muito nos temas que se propõe, por si só já garante um destaque frente às produções semelhantes do período.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro

    Crítica | Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro

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    Demorei cinco “longos dias” para juntar coragem em entrar numa sala de cinema que tivesse o cartaz do novo filme de José Padilha. Tentar anestesiar o monstro da ansiedade sobre o que esse diretor traria talvez tenha sido o motivo dessa minha letargia inicial.

    Vacinado com o modismo que se apropriou, no primeiro filme do BOPE e de seu fictício capitão, não me permitia acreditar nos (até o momento deste post) mais de 2 milhões de espectadores que foram, antes de mim, dar os olhos à surpresa das novas agressões que Padilha nos traria dessa vez.

    Mais que números e toda sorte de merchandising pós-filme-febre, minha reserva em ser levado pelas massas estava direcionada à dúvida sobre como os responsáveis pelo longa desenvolveriam ainda mais uma história que, desde o documentário Ônibus 174 já estava lustrada o suficiente para mostrar outros personagens que não apenas a díade de mocinhos e bandidos: nós próprios, “cidadãos de bem”, em nossa cativa passividade. Como, nessa sequência, o BOPE poderia ser mais “dissecado” do que fora anteriormente? Haveria um novo banho de sangue? Conheceríamos um novo repertório de palavrões e frases de efeito, entre fanfarrões e pedidos para sair? O que Padilha, agora associado a Mantovani (um dos nomes por trás de Cidade de Deus) teriam preparado para nós?!

    Quando a tela do cinema focou no filme, deixando para trás toda propaganda barata e efêmera, essa que pinta uma realidade rósea, bombardeando nossos sentidos dia a dia, foi projetada uma frase, que além de contrastar com o cenário habitual e comercial descrito neste parágrafo, colocava em transe não só o que as milhões de pessoas veriam a seguir, mas o próprio contexto social e político-eleitoral latente, porta do cinema afora:

    “Qualquer semelhança com a realidade é apenas uma coincidência. Essa é uma obra de ficção.”

    Pois, a “ficção” que ali se desenrolava trazia um problema de coordenação à dinâmica de quem a assistia: pensar sem respirar.

    Refletir sobre um Estado que, ao invés de coibir a violência e todos os seus derivados, está engendrado a estimulá-la por suas próprias instituições, no filme representadas pelo Poder Judiciário, na “idônea” polícia militar fluminense (tal qual aconteceu no primeiro filme), já era mote esperado nesta sequência. Contudo, Padilha fez mais: desdobrou a corrupção aos quinhões dos Poderes Executivo (representados na figura de um Governador inexistente e de um Prefeito estético e estático) e Legislativo (capaz de acomodar as mais caricatas figuras ao corpo dirigente, de um apresentador televisivo sensacionalista a um palhaço iletrado. Opa, perdão, não há palhaço iletrado na “ficção” de Padilha).

    A trama que o roteirista e diretor fez questão de mapear como irreal mostra um período posterior à saga do primeiro filme, mas que corresponde à nossa atualidade, onde o crime na “Cidade Maravilhosa” teria sido desorganizado pelo BOPE, agora mais estruturado e com maior campo de ação no combate à criminalidade carioca. Contudo, no vácuo desse poder paralelo, então supostamente erradicado, outra fonte de poder se apossou dessas fronteiras periféricas: as milícias. Constituídas e aparelhadas por policiais e políticos, fazendo com que a elite da tropa, representada na figura do, ainda, arrogante, inflexível, bad-ass-motherfucker e, acima de todas as demais características, determinado Nascimento. Esse que, de Comandante Geral do Bope à Sub Secretário de Inteligência, percebe a complexidade do sistema corrupto que assola nosso País e sua incapacidade de modificá-lo pelas vias “legais e pacíficas”.

    Os atores que dão personalidade aos personagens “cumprem a missão dada”. Enquanto Wagner Moura ratifica o principal personagem de sua talentosa carreira, Milhem Cortaz e André Ramiro mantém a maturidade de suas interpretações e reavivam a nostalgia dicotômica de seus personagens: a volta do malandro (tipicamente brasileiro) Capitão Fábio, contrastando com a severidade e disciplina militar de André Mathias. Somando esses altos patamares, outros personagens menores recebem nomes e interpretações muito além do que se esperaria desses na trama. Destaques que faço às representações de Antré Mattos, como o típico político que temos escolhido, Seu Jorge, num “Zé Pequeno” amadurecido e Irandhir Santos, que de figura secundária conseguiu elevar seu personagem a um embate paralelo na trama com Wagner Moura: as duas facetas (ou as “Duas-Caras”) da justiça.

    O desafio de respirar (asfixiado por um saco, parágrafos atrás) foi a acrobacia que todo espectador teve de realizar para refletir enquanto era esbofeteado por uma produção cara, importada e refinada, com direito a tomadas aéreas ausentes no primeiro filme, câmera dinâmica nas cenas de ação, roteiro truncado entre quem morria, como falecia e os porquês de cada “baixa”, uma fotografia propositalmente crua, oscilando entre cores fortes nas dependências abastadas, oficiais e, claro, no sangue jorrado, contrapondo com a opacidade desbotada da miserabilidade e condição rudimentar das comunidades.

    A edição, ainda que sem ineditismo algum em relação ao primeiro filme (iniciando um pouti-porri de cenas do primeiro e sucedido por uma apresentação que, tal qual em Cidade de Deus ou no primeiro Tropa, estampava uma cena-chave complementada e explicada ao longo da história), dá ritmo aos nossos fôlegos, de forma inteligente a cada salto da atividade profissional de Nascimento, assim como a cada tropeço na relação desse com seus entes: filho, ex-esposa e Mathias.

    A trilha sonora não se mostrou impactante como no primeiro. Fixar o grupo Tihuana na música tema, ainda que em nova versão, foi um voto pela preservação de uma imagem que já fora construída, assim como optar por um repertório bem conhecido entre faixas e artistas, caso de Paralamas, Marcelo D2 etc. Ademais, os efeitos sonoros ficaram bem alinhados com as cenas de ação.

    Extasiado, vi as cenas aéreas e audaciosas (não tecnicamente) finais desse filme cru, cruel e NADA fictício, com certo otimismo. Não se tratava de esperança nos dirigentes de nosso País que, ao meu ver, já estão de “pomba-gírice” há muito tempo, mas sobre o futuro da mensagem de Padilha que, tal qual fazia Sérgio Bianchi em seus filmes, mas sem arrebatar milhões de expectadores, novamente nos coloca em xeque:

    Se nada acontecer para mudar o cenário cancerígeno de nossos sistemas político e social, fodeu para todos nós. E, parafraseando Capitão Fábio (o modelo de nossa brasilidade), se “quer me foder? Então me beija!”

    Texto de autoria de Luciano Francisco.

  • Crítica | Os Intocáveis

    Crítica | Os Intocáveis

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    Filmado em 1987, Os Intocáveis conta com um elenco fabuloso, trilha belíssima, ótima fotografia e uma direção primorosa. Um dos maiores filmes de máfia que retrata o período da lei seca em Chicago.

    Apesar de ser um diretor odiado por muitos, é inconteste a preciosidade de Brian De Palma nesse trabalho. A cidade de Chicago é reconstruída maravilhosamente, a fotografia é embasbacante. E o que falar sobre seu trabalho com as câmeras? De Palma transmite sensações de alegria e tensão em instantes, e conseguiu atuações fantásticas de todo o elenco.

    A história se passa em Chicago nos anos 30, epóca da lei seca. Eliot Ness (Kevin Costner) é um agente federal encarregado de capturar o gângster Al Capone (Robert De Niro), mas suas tentativas são sempre pífias, graças também a corrupção existente dentro da polícia. Após ser humilhado pelos jornais por suas frustradas apreensões, Ness reúne um pequeno grupo de homens confiáveis e incorruptíveis para realizar a tarefa.

    Jim Malone (Sean Connery) é o mentor de Ness, um experiente policial que se junta ao grupo disposto à ajudá-lo. George Stone (Andy Garcia) é um italiano que acaba de ingressar na Academia e por último, Oscar Wallace (Charles Smith), um contador responsável por analisar se Al Capone vinha omitindo informações financeiras em seu imposto de renda.

    As atuações são fantásticas. De Niro rouba a cena, interpretando Al Capone cheio de sarcasmo e crueldade, ele e Sean Connery dão um show todas as vezes que aparecem em cena. Kevin Costner fez um ótimo papel, demonstrando as fragilidades e humanidade do seu personagem, isso em um tempo onde ainda tinha uma grande carreira. Charles Smith serve como peça cômica na históra e finalizando com Andy Garcia ainda no início de carreira, mas mostrando a que veio.

    Ennio Morricone imortalizou o filme com sua belíssima trilha, conseguindo transpor o que cada imagem exigia de maneira impecável. De Palma abusa de seu trabalho com as câmeras, conseguindo enquadramentos e ângulos inovadores, como na sequência inicial, com uma tomada panorâmica da sala onde está Al Capone se barbeando, e a câmera vai se aproximando lentamento até focar no rosto de De Niro, ou mesmo, na clássica cena da escadaria da estação, onde um carrinho de bebê desce escada abaixo durante o tiroteio, tudo isso filmado em câmera lenta e fazendo homenagem ao “O Encouraçado Potenkim”.

    Até hoje não entendo como Brian De Palma não foi condecorado pela Academia por essa obra-prima, o que é uma pena, o filme é extremamente bem dirigido, o roteiro de David Mamet é muito bom, além de contar com um grande elenco, todos trabalhando muito bem. Para quem ainda não conhece, alugue, compre, roube, só não deixe de conferir.