Tag: Morgan Freeman

  • Crítica | Dupla Explosiva 2: E a Primeira-Dama do Crime

    Crítica | Dupla Explosiva 2: E a Primeira-Dama do Crime

    Era apenas uma questão de tempo para que Dupla Explosiva, a comédia de ação estrelada por Ryan Reynolds e Samuel L. Jackson que foi sucesso de bilheteria no ano de 2017, ganhasse uma continuação. Porém, enquanto o primeiro filme divertia bastante ainda que possuísse certos problemas, esse aqui erra em praticamente tudo o que tenta.

    Seguindo a cartilha de Hollywood que dita que as sequências devem ser maiores e mais barulhentas que o original, Dupla Explosiva 2 amplifica tudo o que havia no primeiro. Entretanto, a balança se inverte e aqui os defeitos superam as qualidades. Na trama, o guarda-costas Michael Bryce (Reynolds) abandona sua licença sabática para proteger Darius (Jackson) e Sonia (Salma Hayek) depois que ela revela estar sendo perseguida por Aristotle Papadopolous (Antonio Banderas), um louco bilionário que está em poder de uma arma que pode destruir o mundo.

    Chega a ser impressionante um filme com um orçamento de 70 milhões de dólares possuir uma produção tão pobre. O excesso de CGI mal feito chega a ser irritante e compromete demais. Existem cenas que nem são de ação, mas que deixam claro o péssimo uso da tela verde. Ainda no tópico da ação, o diretor Patrick Hughes já havia demonstrado competência na condução de cenas do tipo no primeiro Dupla Explosiva e no terceiro Os Mercenários. Entretanto, aqui não faz nada digno de nota, somente um amontoado de clichês prejudicados por uma edição fraca. O humor do filme é tão pobre quanto, e aposta na repetição de piadas de constrangimento e cunho sexual que parecem ter saído de um derivado ruim de American Pie.

    O trio de protagonistas é enervante. Parece que Jackson e Hayek estão competindo para saber quem grita mais alto. Reynolds, desde que fez sucesso em Deadpool, parece interpretar qualquer personagem de uma só maneira. Ele repete o que fez antes em Esquadrão 6 e o que faria em Alerta Vermelho, com o agravante de emular o personagem mutante e ficar o tempo todo fazendo piadas autorreferentes, além de narrar o que está sentindo e o que está acontecendo na tela para o espectador, numa tentativa velada de quebrar a quarta parede que aqui não funciona, deixando transparecer que o filme não confia na inteligência de quem está o assistindo. Banderas até se salva interpretando seu vilão como se ele fosse um antagonista de Roger Moore nos filmes mais caricatos do agente 007. Porém, a participação de Morgan Freeman é desperdiçada por uma condução ruim que estraga boas piadas em potencial.

    Enfim, Dupla Explosiva 2 é uma experiência cansativa e enervante para o espectador, o que é uma pena. Infelizmente, por melhores que sejam os atores, não dá para apoiar um filme inteiro em carisma. É preciso mais do que isso.

    https://www.youtube.com/watch?v=8I-7eEIWKEQ&ab_channel=Ingresso.com

  • Crítica | A Rosa Venenosa

    Crítica | A Rosa Venenosa

    Filme de George Gallo, A Rosa Venenosa reúne elementos de um noir moderno ambientado no ano de 1978, apresentando seu protagonista Carson Phillips como um homem de muitos vícios e afeito a luxúrias. O personagem de John Travolta, um investigador particular de Los Angeles, se vê obrigado por um caso a mergulhar em um antigo problema pessoal que logo desemboca em uma trama de assassinatos e eventos estranhos.

    O filme reúne vários dos clichês do noir, protagonista mal encarado, anti-herói e sem perspectivas, que se vê abordado por uma mulher atraente pedindo um favor ao detetive, tudo isso situado em cenários sujos e uma missão envolvendo mágoas do passado repleta de ambiguidades.

    A tentativa de fortalecer a aura de suspense esbarra na falta de sutileza do filme. Gallo apresenta as curvas de suspense de maneira brusca. As atuações não ajudam, ainda que o maior problema claramente seja textual e não dramatúrgico. Os personagens são bidimensionais, fora Carson, o que se agrava pelo fato do elenco reunir nomes como Morgan Freeman, Robert Patrick, Famke Janssen, Brendan Fraser, Peter Stormare etc.

    As cenas de ação são genéricas e os vilões histriônicos, caricatos e nada convincentes. A persona do médico mau que Fraser faz parece uma paródia de vilão de filmes do 007, tom esse que não tem nada haver com o restante da atmosfera de A Rosa Venenosa. A ideia e intenção do filme é ótima, mas a execução é bastante problemática, falta estofo à realização tanto na direção quanto em roteiro, resultando em última análise em mais um filme com elementos do gênero policial que permeiam o horário sabatino do Super Cine na Rede Globo.

  • Crítica | Invasão ao Serviço Secreto

    Crítica | Invasão ao Serviço Secreto

    Invasão Ao Serviço Secreto é a terceira parte da trilogia Has Fallen, conhecida no Brasil como “Invasão a algo ou alguma coisa“, e seu início é silencioso, mostrando o método e ação de Mike Banning, personagem de Gerard Butler que em outras oportunidades já havia salvado a pátria e também o mundo. Os ângulos fechados lembram estilos de filmagem bem diferenciados, unindo a realidade semi documental de Tropa de Elite e outros filmes de ação brasileiros com os cortes secos e enfoques mais fechados da trilogia Bourne, em especial os filmes de Paul Greengrass. As cenas impressionam pela habilidade de Ric Roman Waugh em registrar a urgência, apesar de não ocorrer ali  um fato tão agressivo quanto aparenta, quase numa reimaginação da peça shakesperiana Muito Barulho por Nada.

    Há uma clara tentativa de tornar grave a vivencia de Mike. Ele toma pílulas, para lidar com o dia a dia estressante, com a proximidade da morte e com a violência corriqueira. Claramente ele não imaginou que viveria  tanto, nem que passaria por tantas operações ileso como está, e entre uma ida e outra para casa, onde encontra sua família e amigos, ele vai sentindo a pressão aumentar.

    O filme não é sutil, vai direto ao ponto especialmente no que toca a promoção do heroi dentro do órgão em que trabalha, e isso é feito pelo presidente novamente vivido por Morgan Freman, tal qual em Invasão a Londres – e ele recém assumido como líder de operações do serviço de proteção nacional vê um ataque hiper tecnológico e bem orquestrado ocorrer sobre si e sobre suas unidades. As não sutilezas não ocorrem só nas cenas de ação que são repletas de slow motion datado, mas também no fato de os ataques por drone ocorrerem logo após ele quase passar mal ante o comandante em chefe da nação soberana no continente americano.

    As aproximadamente duas horas de filme resultam em uma obra de ação um bocado genérica, que se distanciam demais do bom potencial prometido por seu início avassalador. Butler está visivelmente velho demais para esse tipo de papel, Freeman também parece apenas se repetir em um tipo de arquétipo que já fazia quando Clint Eastwood era astro de ação.

    Toda a questão envolvendo sua possível traição também é mal conduzida. A agente Thompson de Jada Pinkett Smith é uma personagem genérica, não passa de arquétipo, assim como a obvia inversão de perseguição ao herói. Há espaço também para reencontros com pessoas importantes de seu passado, os mesmos que antes não eram sequer mencionados, tudo para fazer Nick Nolte agir mais uma vez como velho louco e Danny Huston, que desde  sua primeira aparição já parece um traidor.

    O roteiro de Waugh, Matt Cook e Robert Mark Kamen surpreende praticamente nada, todos os rumos parecem telegrafados, com rumos decididos e desenhados muitos momentos antes de ocorrerem. O desfecho é doce demais para os heróis, mostra os vilões corruptos sendo presos, em um maniqueísmo exacerbado, com direito a colocarem o presidente Morgan Freeman em uma cena com políticos reais – entre eles Michel Temer e Vladimir Putin, no lugar de Donald Trump – e um resgate familiar envolvendo os novos personagens, incluindo momentos adocicados, com um bebê de poucos meses pavimentando uma nova relação de pai e avô.

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  • O Cavaleiro das Trevas – Dez Anos Depois: As Três Faces de um Conto do Batman

    O Cavaleiro das Trevas – Dez Anos Depois: As Três Faces de um Conto do Batman

    Em julho de 2008, o mundo veria um libelo da cultura pop mainstream nascer e se mostrar como uma obra capaz de ultrapassar as discussões sobre a influência de um personagem para além das questões de nicho nerd e dos aficionados por historias em quadrinhos, gerando muitas discussões inclusive entre estudiosos de filosofia e historia.

    Os seis palhaços que organizariam um assalto a um banco da Máfia de Gotham City fariam um movimento ousado e claramente impensado caso não fosse planejado por uma mente inventiva do crime. A genialidade do plano se iguala de certa forma a mentalidade por trás do roteiro de Jonathan Nolan e Christopher Nolan, pois tanto os ladrõesm  dentro da trama, vão se canibalizando, quanto este consegue de certa forma tornar a maioria dos filmes de heróis  obsoletos e meros comerciais para vender brinquedos, não só por não terem um pé na realidade mas também por ter quase todas as suas ações com ao menos um significado mais profundo. Mesmo quando a  movimentação em adaptar quadrinhos em tela grande deu certo no pós Cavaleiro das Trevas, se deu exatamente por não tentar replicar o que deu certo aqui, como na Marvel a partir de Homem de Ferro de 2008, sua continuação, O Incrível Hulk e por aí vai.

    O filme é tão garantido em si que não contém o nome do herói no original, tampouco há créditos iniciais, como foi em Batman Begins. Ele se passa nove meses após esse útilmo, e essa historia dura 9 e dias e noites. Nolan, durante os primeiros dias de filmagem parou com o elenco e passou uma série de filmes, para que o elenco e produção entendessem o que ele queria fazer nesta obra, foram eles: Fogo Contra Fogo (1995), Sangue de Pantera (1942), Cidadão Kane (1941), King Kong (1933), Batman Begins (2005), Domingo Negro (1977), Laranja Mecânica (1971), e O Inferno Nº 17 (1953).

    A tentativa deste artigo é falar um pouco sobre os bastidores e um pouco da gênese e construção dos três pilares de Cavaleiro das Trevas, o Coringa, Harvey Duas Caras e obviamente o Batman discorrendo um pouco sobre o que acontece no filme e tentando fazer paralelos com os quadrinhos e materiais que serviram de base para a construção da historia.  Tal qual havia ocorrido com Begins, esse também teve um nome fake em seu roteiro original, chamava-se Olivers Army. Christopher Nolan sempre quis filmar no formato IMAX e finalmente conseguiu isso neste, seis grandes sequências de ação, foram filmadas com estas câmeras e equipamentos e isso gerou uma grande dor de cabeça pois inúmeros problemas surgiram, por conta do barulho que o  equipamento produzia, obrigando a redublar boa parte das falas na pós produção e também pela inesperada demora para revelar o filme. Mas é fato que há uma diferença visual grotesca entre esta versão e a do filme de 2005.

    Enfim, a analise das figuras virá segmentada logo abaixo.

    O Duas Caras

    Uma das criticas frequentas a TDK é de que ele constrói tão bem seus vilões que passa então a ser um filme sobre os antagonistas. Isso não é inédito com o cruzado encapuzado, em Batman o Retorno essa acusação também ocorreu, mas no caso desta obra isso é uma falácia. Talvez essa acusação tenha ocorrido muito por conta da péssima construção de Duas Caras e Charada em Batman Eternamente e de Hera Venenosa, Senhor Frio (e Bane) em Batman e Robin, mas fato é que o Harvey Dent de Aaron Eckhart é bem construído de um jeito que seu destino trágico é realmente digno de lamento quando finalmente ocorre.

    O chamada Cavaleiro Branco de Gotham, é capaz de muito, tanto de conquista o amor da mulher que o Bruce Wayne sempre pleiteou, como é  capaz de revidar a violência que sofre ao desferir um soco no bandido que tentou matá-lo em pleno tribunal, numa clara alusão a um momento de O Longo dia Das Bruxas, onde Harvey era desfigurado com o ácido em seu rosto. Ao mesmo tempo, ele é idealista o suficiente para não entender o pragmatismo de James Gordon ao ter que lidar com policiais corruptos, já que se o tenente insistir em afastar todos os investigados, certamente não teria pelotão patrulhar, proteger a lei e servir o povo. Fato é que o desenrolar dos fatos não deixa Dent sem razão, mas ainda assim ele consegue ser tão idealista que soa até pueril.

    Quando Harvey discute a política de Gotham em uma mesa de restaurante, com sua amada, Wayne e uma bailarina russa, há uma boa discussão sobre o Império Romano. Rachel menciona Júlio César, o que leva Dent a dizer: Você morre um herói ou vive o suficiente para se tornar um vilão. Em Júlio César, de William Shakespeare, o personagem titular é retratado como um homem de notável ignorância, cuja surdez parcial implica que ele apenas ouve aquilo que julga relevante, em vez de ser um líder de mente aberta. O discurso de Dent já se aproxima do totalitarismo antes mesmo da provação do Coringa, antes da A Piada Mortal ser posta em prova, antes de perder o seu centro…ele só precisava de fato de um empurrão.

    Avançando um pouco no tempo, no rescaldo da transformação de Harvey Dent em sua persona Duas Caras, ele perde seu senso de razão, em vez de ser racional ele  apenas discute assuntos relacionados ao assassinato de Rachel e a”traição” que Gordon e o Batman teriam feito com ele. A loucura que se estabelece ali não permite qualquer argumento que não seja simplista. Quando Batman o “mata” por cruzar a linha invisivel e proibida aos benfeitores, quase se espelha a morte de César por Brutus, pois o golpe final é dado por um homem que era seu aliado, mas a analise de que o Morcego cometeu esse crime é igualmente simplista, e há de se lembrar que o antigo promotor já não mais servia povo da maneira que ele mesmo jurou. É nessa ruptura que Harvey deixa de ser o homem justo e bom que não estava nas historias em quadrinhos para se tornar um vigarista vil e vilão típico.

    Solução para a ferida de Harvey é muito criativa e emocional. A forma como é mostrada e a percepção , na cama do hospital de que realmente havia perdido sua amada é de uma catarse monstruosa, e o Grito silencioso  de Harvey é claramente a mostra visual de aquele era o começo da psicopatia, ou a evolução da mesma, já que o roteiro deixa em aberto se ele era ou não insano a esse ponto. O Coringa parece persuasivo, pois uma das partes de sua fala é verdade: o palhaço ele é louco, e não corrupto e isso une os dois personagens. Dent, mas o fato de não ser corrupto não faz dele um sujeito honesto. Quando o advogado recebe a visita de Gordon, ele  promete que o policial sentiria na pele a dor da perdaque ele sentiu,  isso antes de o palhaço aparecer no hospital, mais uma vez e como num dejavu a sensação do empurrão é estabelecida.

    Há um segmento nos extras dos DVDs da época, chamado Gotham Tonight, que era o programa jornalístico de televisão Mike Engel (Anthony Michael Hall) e que tem alguns momentos estendidos aqui. A maior parte do que se mostra aqui são momentos meio bobos, mas o desdobrar político de Gotham e as eleições de Dent são bem discutidas, assim como as impressões do Comissário Loeb (Colin McFarlane) e de Sal Maroni (Eric Roberts) que aparecem conversando com o jornalista da GCN. Além de repercutir a toxina do medo do Espantalho, Mike deixa claro o quanto acha Batman um mal para  a cidade, por ninguém saber sua origem, seu nome ou mesmo se é humano ou não. O jornalista sensacionalista bem ao estilo Datena e Marcelo Rezende revela seu gosto contrário ao Morcego e o coloca no mesmo balaio dos bandidos que ele caça e a surpresa dele é tamanha quando o promotor, ao ser entrevistado por ele (antes obviamente da morte de Rachel e dos acontecimentos do filme) declara que não há uma opinião formada sobre o vigilante. Dent não poderia em um programa de audiência grande se declarar favorável a um louco que se utiliza de teatralidades para fazer justiça, mas claramente ele tem uma predileção por esse comportamento, que em ultima analise nesse universo escapista mas ainda calcado na realidade que Nolan estabelece, é quase um abraçar a insanidade.

    No entanto, com o filme em andamento, isso muda. Em um estudo sobre o filme, o filosofo Slavo Zizek afirma que  o verdadeiro rival de Batman não é o Coringa, e sim Harvey Dent, o “cavaleiro branco”, que é um tipo de vigilante oficial com uma batalha fanática ás vezes inconsequente. Zizek acha que Dent é como uma resposta à ordem legal da ameaça de Batman com o sistema gerando seu próprio excesso ilegal, seu próprio vigilante e defensor, muito mais violento que Batman, violando diretamente a lei e é por isso que existe  uma justiça poética no fato Dent roubar a identidade secreta do Batman de Bruce, pois ele seria mais Batman que o próprio Batman, fato que fortifica ainda mais o final, onde Batman assume os crimes do homem da lei, retribuindo-lhe o favor, e retomando o protagonismo que muitos acusaram ele de perder, em um gesto simbólico. Zizek não poderia estar mais correto, sua visão sobre Harvey é certeira, e ele ainda voltaria seus olhos o outro vilão, o palhaço do crime.

    O Coringa

    A primeira participação do Coringa é enigmática, envolve o já citado assalto a um banco mas também um estranho sinal de obsessão com ônibus escolares, que aparecem não só na sequencia inicial, como na hora em que explode- um hospital de Gotham. Aliás, ambas ocorrem logo após ele praticas uma de suas sádicas piadas, sendo a primeira com uma bomba de gás na boca do gerente do banco e a segunda se travestindo ao falar com Dent. Não há confirmação oficial, até por conta de não se ter certeza sobre a origem do bandido, mas isso pode ser eco da infância do personagem.

    O número quase circense da sequencia inicial que o Coringa de Heath Ledger orquestrou seria só uma mostra de como a criminalidade de Gotham precisava mudar e mudar rápido, para se adaptar ao Batman, e nem o Espantalho e Ras All Ghull de Batman Begins chegam perto disso. Mesmo no encontro entre Checheno (Ritchie Coster) e Crane (Cillian Murphy) para comprar drogas se nota que até o vigilantismo mudou, e que o Morcego gerou uma reação na população que busca se armar e agir como milícia sem ter o preparo que Wayne se submeteu. Esse tipo de reflexão que Nolan propõe não é inédita, e pergunta se Batman é um lunático ou não é discutida ao longo dos 152 minutos de filmes, e vai além da simples sentença de usar ou não armas de fogo ou proteção de hockey, por mais que o vigilante tente simplificar a conversa nesse sentido.

    Heath Ledger passou vários meses trabalhando com um treinador vocal na voz do Coringa. Ele usou bonecos de ventríloquo como inspiração para a qualidade desconexa e zombeteira, além das (hoje obvias) referencias tão discutidas, como Sid Vicious do Sex Pistols e o protagonista de Laranja Mecânica, Alex DeLarge.

    O filosofo Slavo Zizek, ao analisar Batman : O Cavaleiro das Trevas Ressurge, ao comparar o Coringa e Bane diz que a imensa popularidade da figura do Coringa se dá pelo fato dele clamar por anarquia na sua mais pura manifestação, enfatizando a hipocrisia da civilização burguesa como ela existe, mas é impossível traduzir suas visões em uma ação de massa, enquanto Bane é uma ameaça existencial ao sistema de opressão e sua força não é apenas a psique, mas também sua capacidade de comandar as pessoas e mobilizá-las rumo a um objetivo político. O Bane de Nolan é mais profundo que o do quadrinhos, no entanto ele não tem o fascínio do Coringa de Heath Ledger, e isso não se explica obviamente só pelo carisma do ator, que era encarado como um sujeito mal quisto, pois seu passado com comédias românticas meio bobas.

    Evidente que as razões que Zizek apontam explicam os motivos ideológicos, mas na questão cinema, foi Ledger que ao ter liberdade para construir seu personagem que conseguiu tornar tudo isso mais crível. Ledger dirigiu as duas cenas que são filmadas pelo Coringa, e essa sugestão veio do realizador, Nolan acreditava tanto no ator que o deixou conduzir a cena, lembrando que em Begins e em TDK houve segunda unidade, em todos os momentos que a câmera estava ligada o cineasta estava presente.

    O personagem assassina/mata 34 pessoas no filme, aliás a perseguição que ele faz ao povo, matando pessoas para que Batman apareça faz referencia a primeira aparição do personagem nos quadrinhos dos anos quarenta, presente em Batman Crônicas, onde ele vai matando criminosos para acabar com a concorrência e para tomar posse do dinheiro dessas pessoas. Aqui evidentemente ele é anárquico e foge da necessidade do dinheiro, como disse Zizek e a referencia mais uma vez a O Longo Dia das Bruxas, também invertida, pois quem queima o dinheiro na revista é o Batman e Harvey.

    A música estridente de Hans Zimmer, nas descrição de Why So Serious amedronta e põe enigmas, refletindo um som de Anarquia. O ideal que Zimmer mirava em algo provocativo e odioso para as pessoas, e seu objetivo foi plenamente alcançado. Se ouvida sozinha, a canção gera naturalmente uma aversão aos tons altos estabelecidos ali, que vez por outra são quebrados pela presença do Coringa. O Coringa é o vilão de muitas faces diferente de Harvey. Se Duas Caras tem a duplicidade o conjunto de anomalias mentais e até parafilias é tão grande quanto a quantidade de cartas no baralho, o palhaço do crime é de certa forma a amálgama da galeria vasta de vilões do Morcego. Para Nolan a resposta lógica a um herói como Batman é  uma contra resposta violenta igual, o seu real oposto, a diferença básica entre eles mora nos lados da lei que os personagens abraçam.

    O Batman

    O herói e protagonista  do filme talvez seja resumida em uma das falas residente na conversa que Christian Bale e Michael Caine tem, onde Bruce afirma que não se dá ao luxo de conhecer os seus limites. A utilização de frases de efeito poderia soar como algo ruim, mas claramente é bem utilizado.

    O Batman deste tomo dois da saga que Nolan estabelece tem capacidade de vestir mais de uma máscara, seja a do herói que luta pela justiça e que é apoiada por parte da plebe e da burguesia de Gotham, assim como a do herói invasivo,  capaz de usar a tecnologia do Sonar que evoluiria para o re-percussor de ondas dos celulares, e que seria a versão de Nolan para o Oráculo. O conceito de transformar cada telefone como se fosse um rádio, invadindo a intimidade das pessoas, para encontrar o  antagonista, em uma invasão de privacidade que o dá vantagem e faz ele ser por um breve momento, onipotente e como diz o Lucius Fox de Mogan Freeman, isso é errado em muitos níveis, pois as pessoas não tem direito a escolher nada. Hoje toda essa celeuma perdeu o sentido, pois as redes sociais as pessoas expõem tudo o que querem e em alguns ponto até o que não querem e percebendo ou não a auto evasão de informação é voluntaria.

    A rivalidade entre Batman e Coringa sempre foi grande nos quadrinhos e a cena em que os dois finalmente se encontram é tardia passados aproximadamente 52 minutos. Mesmo no começo, quando Coringa faz piadas com o sumiço da caneta, onde enfrenta Gambol (Michael Jai White) e fala em matar o Batman, claramente isso é uma bravata, e ele nem precisa declarar isso, como faz depois. Os ataques constantes a moral do herói tem seu alvo acertado, por mais que Bruce/Batman finja-se de intransponível, como quando Gordon cai. A suposta morte do policial faz o Morcego largar seu estilo stealth, e invadir uma boate onde Maroni tatá, para liberar sua raiva em uma catarse violenta. Aliás, o Batman é mais agressivo com o mafioso italiano do que com o seu nêmesis, até para não ter a tentação de mata-lo, semelhante em muitos pontos a morte do Coringa em O Cavaleiro das Trevas.

    Há um bom material complementar, um documentário de pouco mais de quarenta minutos chamado Batman Unmasked, que trata da psicologia do Homem Morcego e que trata de alguns dos detalhes falados aqui. Evidentemente que em Batman Begins e TDKR há um aprofundamento maior e mais detalhado no Batman do que neste TDK, mas o desfecho, com Gordon fazendo um discurso ao seu filho de como o personagem é o Cavaleiro das Trevas e de como seu heroísmo não é o ideal, mas sim o necessário para que Gotham permaneça equilibrada.

    Por mais clichê que pareça, Batman retoma o poder quando age assumindo a culpa que não era dele, pois a característica básica do heroísmo é o sacrifício pessoal em prol da maioria, foi assim com Cristo, com Moisés, Davi e a maioria dos mitos cristãos, é assim com os heróis Teseu, Hercules, Orfeu na mitologia grega e é como sempre fez Homem Aranha e Super-Homem em tantas historias. O Batman de Bale não tem qualquer pudor em se entregar, pois a sua função maior é isso, fazer com que Gotham seja um lugar seguro, como era o sonho de Thomas Wayne, e evidentemente que esse preço seria cobrado, e só por isso já justifica a construção de Batman o Cavaleiro das Trevas Ressurge que repercute o erro de maturidade de Batman, que foi impulsivo e precisava ter sua historia fechada, finalmente.

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  • Crítica | Despedida em Grande Estilo

    Crítica | Despedida em Grande Estilo

    Willie (Morgan Freeman), Joe (Michael Caine) e Albert (Alan Arkin) são amigos há décadas. Levam uma vida sossegada de aposentados, o que inclui partidas de bocha. Até que inexplicavelmente param de receber sua aposentadoria. Numa ida ao banco para discutir a hipoteca de sua casa, Joe testemunha um assalto bem sucedido. E, querendo dar um fim a seus problemas financeiros, começa a pensar que cometer seu próprio assalto é uma boa saída. E chama Willie e Albert para a empreitada.

    Remake do filme homônimo, de Martin Brest e estrelado por George Burns, Art Carney e Lee Strasberg em 1979, o filme – dirigido por Zach Braff com roteiro de Theodore Melfi – lembra algumas outras obras recentes que seguem a mesma linha: amigos de longa data, chegando ou já na terceira idade, que se reúnem para “viver altas aventuras” – por exemplo, Última Viagem a Vegas (de que Freeman também participa), Amigos Inseparáveis e Motoqueiros Selvagens.

    Apesar de a motivação dos três amigos ser algo bastante sério, não há como não rir ao pensar nesses três senhores executando um assalto a banco. A essência do humor é justamente essa inversão de expectativa em eventos que contrariam a lógica. Parece simples. Contudo não é fácil conduzir um filme todo assim. Obviamente, o roteiro é uma sucessão de pequenas e (quase sempre) bem boladas gags. Mas amarradas num ritmo que não cansa o espectador e consegue manter a trama coesa. Infelizmente, no terceiro terço do filme, esse ritmo se perde um pouco e a narrativa fica um tanto arrastada. Ainda mais ao se contrapor à segunda parte, em que o longo se torna um “filme de assalto”, com o planejamento e a preparação para o roubo. Não chega a comprometer, mas deixa a impressão de que o humor se esgotou a essa altura.

    A premissa é simples. A história, bastante previsível. E há algumas coincidências um tanto forçadas para garantir o desenrolar da trama. Mas fica claro que é essa a proposta do filme. Não há planos rebuscados, nem enquadramentos mirabolantes. A meta não é ser original e revolucionário, mas sim entregar algo fluido e agradável de assistir. E, logicamente, o elenco é garantia de que isso ocorra. “The three caballeros”, além do talento inquestionável, têm uma sinergia que transcende a tela, ao se comportarem como um casal antigo – discutindo por qualquer coisa, mas completando as frases (ou ideias) uns dos outros. Sem contar a ótima participação de Christopher Lloyd como Milton, responsável pelas piadas mais pastelão da história. A exemplo de Os Mercenários, é visível o quanto estão se divertindo fazendo o filme. E isso, sem dúvida, conquista o espectador.

    No melhor estilo “sessão da tarde”, é um filme que funciona bem. Com mais altos que baixos, cumpre seu objetivo que é entreter descompromissadamente, mesmo levantando alguns questionamentos bastante atuais e relevantes. Não é o filme do ano, nem sequer a comédia do ano. Mas certamente não é esquecível como muitas outras.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Invasão à Londres

    Crítica | Invasão à Londres

    Invasão a Londres - poster

    No ano de 2013, chegaram ao cinema duas produções que colocavam a Casa Branca nas mãos de terroristas: O Ataque, filme de Roland Emmerich estrelado por Channing Tatum e Jamie Foxx e Invasão à Casa Branca, estrelado por Gerard Butler, Aaron Eckhart e Morgan Freeman. O filme do alemão Emmerich possuía um tom mais descontraído, dando uma certa margem ao humor em alguns diálogos entre os protagonistas. Já Invasão possuía um tom bem mais dark, cedendo apenas a alguns comentários sarcásticos do protagonista. Como foi um relativo sucesso de bilheteria, Invasão à Casa Branca ganhou uma sequência, este Invasão à Londres, cujo tom curiosamente se aproximou ao do seu “concorrente” .

    A trama de Invasão à Londres obviamente se passa na capital inglesa. Durante o funeral do premiê britânico, um ataque coordenado na cidade elimina os presidentes de diversas potências mundiais, além de destruir vários locais turísticos de lá. Entretanto, graças à astúcia (quase clarividência) do super agente encarnado por Gerard Butler, o presidente americano consegue escapar do ataque orquestrado por um líder terrorista que ele achava ter eliminado há algum tempo antes. Agora, o oficial do Serviço Secreto e o comandante-em-chefe ianque precisam sobreviver à implacável perseguição da organização terrorista enquanto tentam desmantelá-la no percurso.

    O roteiro do filme é bem simples e direto, sem grandes malabarismos. Há uma reviravolta no final que é telegrafada com bastante antecedência, o que a torna totalmente previsível. Há de se denotar o alto grau de xenofobia encrustado no argumento. Os americanos são superinteligentes e extremamente competentes, com seu presidente sendo um impávido colosso de reserva moral. Em compensação, retratam o presidente italiano como um adúltero que seduziu a assessora, o japonês como um robô metódico, o francês como um esnobe e por aí vai. Imagino como retratariam um presidente (ou presidente em exercício) brasileiro. O diretor Babak Najafi é bastante burocrático ao filmar a maioria das cenas de ação, mas mostra brilhantismo ao filmar um plano-sequência quase ao final do filme. A sequência é longa e muitíssimo bem coordenada. Ficou sensacional.

    Gerard Butler e Aaron Eckhart se esforçam e defendem com competência seus papéis. Os dons dramáticos dos dois em nenhum momento são colocados à prova, o que faz com que eles usem muito mais carisma do que propriamente conhecimentos dramatúrgicos. De forma alguma isso é demérito para os atores. O que complica é que o resto do elenco parece que está ali só pra pegar o cachê e pagar umas contas atrasadas. Os vilões são o esterótipo do habitante do oriente médio e os seus intérpretes nada fazem para diferenciá-los dos inúmeros outros que vieram antes deles. Em certos momentos, despertam até indiferença no espectador. Até Morgan Freeman está mal como o vice-presidente americano. Porém, nada se compara à bizarra presença da oscarizada Melissa Leo. A atriz deve ter 5 falas no máximo e no resto do tempo se restringe a fazer uma pouco crível cara de assustada.

    Infelizmente, Invasão à Londres é uma película pobre que não chega a se aproximar do original que se passava na Casa Branca. E olha que o filme nem era essa maravilha toda, era somente uma boa diversão. Esse aqui nem isso é. Talvez valha como estudo antropológico sobre como é torta a visão que os americanos tem sobre o mundo e seus habitantes.

  • Crítica | Ben-Hur (2016)

    Crítica | Ben-Hur (2016)

    Ben Hur 2

    O cinema é uma arte peculiar, que permite aos seus realizadores a possibilidade de sempre se reinventar, de expor ideias, técnicas e modos de registro novas. Na contramão desta condição, há a terrível exploração das refilmagens, que ganharam ainda mais popularidade nos últimos anos com a elevação do posto, uma vez que os antigos remakes eram normalmente relegados à condição de filme B e, hoje, são blockbuster. O filme de Timur Bekmambetov consegue ser um misto das duas classificações, com um orçamento astronômico e uma sofrível qualidade, semelhante aos filmes que imitam as produções mais caras.

    Ben-Hur traz Jack Huston como seu personagem-título, o mesmo ator que ficou marcado por ser um ex-soldado deformado e mascarado em Boardwalk Empire. A sorte do intérprete não parece muito grande, uma vez que sua chance de brilhar ocorreu finalmente em um filme tão complicado e mal construído. A primeira hora do épico soa interessante: é explícita e deixa claro para o seu espectador as relações familiares e íntimas de Judah (Huston) e seu irmão adotivo Messala Severus (Toby Kebell, outro artista que precisa urgentemente rever seus projetos, a exemplo do fracasso em Quarteto Fantástico), estabelecendo ali que estes são nobres em meio a uma Judeia muito humilde.

    Cada um dos fraternos tem sua própria versão de amor proibido, mas a atitude diante dessa condição é diferente, com Judah permanecendo em sua terra e o jovem romano tentando provar a si mesmo, e aos outros, que a péssima fama de sua família não corresponde à realidade. Esse pedaço em específico é inteligente em termos textuais, pois consegue deixar claro a relação entre a origem dos personagens – ambos perdidos entre mundo e ideologia – e o poder provindo do império romano, opressor, cruel e sedento por sangue. O grave problema começa nas viradas de roteiro.

    O advento da figura de Jesus, vivido pelo brasileiro Rodrigo Santoro, é bastante atrapalhado. O ator não compromete na figura do Divino, mas a falta de sutileza em todos os seus discursos e atitude revelam uma dramaturgia de extrema pobreza, que passa a declinar ainda mais quando finalmente ocorre um conflito entre os eternos amigos. Apesar de justificar de modo mais detalhado os fatores que fizeram Ben-Hur se rebelar contra Roma, a condução dos fatos é terrível, apelando não só para clichês comuns aos filmes épicos, mas também seguindo uma série de eventos que não fazem qualquer sentido em termos de roteiro.

    O exílio pelo qual o herói passa mostra-o como um homem predestinado, mas seus atos não condizem em momento nenhum com o de um homem que é escolhido por Deus para ser um herói. Hur, em vez de ser um homem honrado, é somente um vingador, um sujeito cego pela vontade de cometer uma revanche. Nem a adição do personagem de Ilderim (Morgan Freeman) consegue frear esse equívoco argumentativo.

    Ben Hur 4

    A construção da figura de mentor presente em Iderim é digna de nota por sua extrema falta de qualidade. Freeman consegue reunir o clichê do mentor invencível sem causa ou motivo algum, de benevolência infinita, de negro místico e de artigo ex machina, uma vez que ele tem penetração em todos os bastidores do Império. Surpreende que o mesmo não consiga trazer o Cesar magicamente até Jerusalém para assistir aos jogos e, claro, para matar o tirano. O sujeito consegue transitar até em meio a corridas de bigas, em um lugar onde só os escravos da coroa conseguiam penetrar, tendo as manhas para desviar inclusive dos corredores, mesmo sendo um homem de idade avançada. Nada que o cerca faz sentido.

    Esta refilmagem de 2016 é reduzida, não só em relação ao tempo de duração quando comparada com o clássico de 1959, mas também em história e cinema. O argumento de Keith R. Clarke e John Ridley consegue piorar a cada passagem de tempo (e são muitas, ao longo dos 124 minutos de duração do filme) trazendo personagens que estariam supostamente mortos, para logo depois estas mesmas pessoas surgirem como amaldiçoadas, com um destino pior que a morte. Após todo o confronto entre os irmãos, o arrependimento de Judah é patético e gratuito, não há arco dramático que justifique a mudança de suas atitudes, e tampouco há justiça na reunião entre os entes no final.

    A conclusão é tão digna de pena que se faz perguntar qual era o objetivo dos produtores e realizadores ao darem à luz um produto tão mal pensado e piegas quanto esta versão. Nem mesmo uma versão cega e tola da fé extrema justifica o conjunto de tropeços otimistas e irreais que a trama segue. Ao ver o Jesus de Santoro se entregando, Judah chorou e, vendo o resultado dessa adaptação de Lew Wallace, é a reação mais acertada mesmo, de lamento por tal ocorrência ter chegado ao grande público.

  • Crítica | Truque de Mestre: O Segundo Ato

    Crítica | Truque de Mestre: O Segundo Ato

    truque de mestre 2Com o sobrenome Truque de Mestre: O Segundo Ato, chega aos cinemas a sequência do sucesso de bilheteria em 2013, Truque de Mestre. O filme se passa cerca de um ano após os acontecimentos do longa anterior: os Cavaleiros vivem escondidos, aguardando novas instruções do “Olho”, a representação da sociedade secreta que os recrutou no passado; Thaddeus (Morgan Freeman) está preso e Dylan Rhodes (Mark Ruffalo) continua exercendo a função de detetive no FBI, alimentando pistas falsas sobre o paradeiro dos mágicos.

    Praticamente todos os atores retornam à produção, com exceção de Isla Fisher, que interpretou a ilusionista Henley no primeiro filme. Aliás, aqui mora o primeiro problema desta sequência. A saída da personagem é muito mal explicada, sobretudo levando em consideração o fato de todos serem procurados pela polícia. A atriz (e a personagem) é substituída por Lizzy Caplan (Lula) que, convenhamos, representa um avanço e tanto em relação aos alívios cômicos da trama. A atriz se sai muito bem no papel e rouba as atenções sempre que está em cena. Sua interpretação despojada e seu jeito badass lembram muito as personagens de Kat Dennings.

    A outra novidade do filme, o vilão Walter, interpretado por Daniel Radcliffe, não chega a surpreender, mas soa interessante em cena. Daniel definitivamente não consegue se desprender do papel que o tornou famoso, o bruxo Harry Potter. E, em um filme que tem a magia como tônica, a sensação é a de que a qualquer momento o veremos conjurando um patrono ou evocando um avada kedavra de sua varinha.

    Jesse Einsenberg e Woody Harrelson são os maiores destaques positivos no quesito interpretação. Harrelson tem trabalho dobrado, pois dessa vez existe um vilão irmão gêmeo de seu personagem, com personalidade bem distinta, inclusive. É interessante ver o veterano em meio a atores bem mais jovens. Já Eisenberg, tão criticado por acrescentar um tom amalucado e cheio de tiques em seus personagens, tem aqui uma de suas melhores atuações, perdendo apenas para seu papel em Mais Forte Que Bombas, de Joachim Trier.

    A montagem do longa funciona bem no primeiro e último atos, mas deixa algumas falhas bem perceptíveis no ato intermediário, o que evidencia também algumas inconsistências de roteiro e direção. Ou seja, aquilo que começa errado no papel dificilmente pode ser salvo na edição. Além disso, fica a sensação de que ao menos trinta minutos de filme poderiam ser retirados para acelerar a edição e tornar o assistir mais agradável e compassado.

    A Lionsgate Summit parece querer transformar Truque de Mestre em uma franquia e tem tudo para obter sucesso nessa empreitada. A trama é divertida e prende a atenção do espectador. Não representa nenhuma novidade cinematograficamente falando, mas é um belo espetáculo visual. Talvez o público brasileiro não se identifique tanto com a história, pois não temos a mesma relação de deslumbre com o mundo do ilusionismo nutrido pelo povo americano. Ainda assim, vale a pena assistir.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria. 

  • Estudo de Personagem | Negro Místico

    Estudo de Personagem | Negro Místico

    Negro Mistico

    Ele surge do nada, é sábio, está sempre pronto pra nos ensinar e muitas vezes é o Morgan Freeman.

    Sujeito perdido na vida, enfrentando dificuldades em se adaptar à um novo mundo, novo poder, novas responsabilidades… Eis então que surge um homem misterioso e sem passado, geralmente um faxineiro, zelador, jardineiro… Ele é surpreendentemente sábio e nobre, dono de habilidades muito diferentes daquelas que aparenta ter e sempre passa despercebido aos olhos de todos, menos do nosso herói. Já viu essa história antes? Pois é, ele é o “Negro Místico”(Tchan-tchan, tchan tcham).

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    Após o fim da luta pelos direitos civis nos EUA e a ascensão de negros interpretando figuras públicas (Malcolm-X, Mandela), como uma forma de encarar essas mudanças, a indústria do cinema criou o conceito do “Negro Místico”, ou “Negro Mágico”. Trata-se de um personagem inserido na trama, e que tem como função guiar o protagonista em sua jornada. Ele não precisa ser negro, pode ser um nativo, negro, latino, ou qualquer outra minoria étnica e cultural, o importante é o contraste do herói branco incapaz, e o minoritário capaz; e a inserção do herói numa nova cultura, mais nobre e eficaz da qual mais pra frente ele fará parte. O Negro Místico tem algumas variações:

    Garota Alternativa

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    Garota de vida sem regras que chega para mudar a vida do personagem preso em suas próprias regras, inicialmente prejudicando a vida como ele a entende, mas então, mudando sua realidade positivamente.

    EX:

    • Clementine (Kate Winslet) – Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças;
    • Summer (Zooey Deschannel) – 500 Dias Com Ela e Sim, Senhor;
    • Polly (Jennifer Aniston) – Quero Ficar com Polly;
    • Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead) – Scott Pilgrim Contra o Mundo.

    Asiático Místico (Mestre)

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    Na representação americana da cultura oriental, na qual  asiáticos são geralmente mostrados como pessoas grosseiras e ao mesmo tempo nobres, o Asiático Místico é esse preconceito mostrado de forma positiva. Geralmente faz o herói passar por provações humilhantes para, então, aprender por meio da própria experiência e do sacrifício a ser mais nobre e capaz.

    Ex:

    • Senhor Miyagi (Pat Morita) – Karatê Kid;
    • Mestre Kan – Kung Fu Panda;
    • Senzo Tanaka – O Grande Dragão Branco;
    • Pai Mei – Kill Bill.

    Veja que todos esses exemplos são uma generalização do “Negro Místico”, e apenas fazem pegar preconceitos e colocá-los na tela de forma positiva. A mulher, geralmente retratada como imatura, irresponsável e descuidada, aparece como sendo uma pessoa livre. O asiático considerado ríspido, é mostrado como um pai rigoroso, e etc.

    Estes são recursos artísticos que servem como atalho para inserir uma certa moralidade sem ocupar muito tempo de tela, tanto é que o Místico geralmente não tem passado e surge do nada, é quase uma cota social artística, pois ainda é raro encontrar negros como os heróis, o que nos leva a outros conceitos como:

    O Negro Melhor Amigo

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    Melhor amigo do mocinho, geralmente de minoria, fiel, de modo a nunca esbarrar nos planos do protagonista e está sempre preparado para segui-lo em planos malucos. Geralmente, seu papel quase sempre gira em torno do bem-estar do protagonista (Assim como nos demais exemplos, ele não precisa ser negro, e, na versão feminina, geralmente a melhor amiga não é tão atraente quanto a protagonista).

    EX:

    • Bubba (Mykelti Williamson) – Forrest Gump;
    • Pete Ross (Sam Jones III)- Smallville.

    Uma inversão interessante deste papel é em Independence Day, em que temos Jeff Goldblum como o “amigo negro” de Will Smith.

    Exemplos do Negro Místico

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    Morgan Freeman em:

    Além do Morgan Freeman:

    • John Coffey (Michael Clarck Duncan) – Á Espera de um Milagre;
    • Morpheus (Laurence Fishburne) – Matrix, apenas no começo, pois sua trajetória se altera durante o filme;
    • Hitch (Will Smith Hitch: Conselheiro Amoroso, novamente uma versão do conceito, pois ele é também o protagonista;
    • Rafiki – O Rei Leão;
    • Dr. King Schultz (Christoph Waltz) – Django Livre; invertendo totalmente este papel, e tornando o personagem de cultura maioritária o que antes era renegado aos personagens étnicos (pensem agora sobre as acusações de racismo que o filme sofre);
    • Michael JordanSpace Jam;
    • Omar SyIntocáveis.

    Como veem, temos Morgan Freeman como campeão do personagem ao lado de Stephen King, que usa este conceito diversas vezes em seus livros, como em A Torre Negra, Um Sonho de Liberdade, a Próprio “À Espera de Um Milagre” entre outros. E Will Smith, um dos pouco a conseguir subverter a situação e, também ser o protagonista.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Ted 2

    Crítica | Ted 2

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    Após a primeira aventura do urso de pelúcia mágico, em 2012, Seth McFarlane parece estar sofrendo um mau agouro, desde a cerimônia do Oscar, muito criticada, até o nada engraçado Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola. Mesmo os seriados animados, refúgio do artista como roteirista, passam por uma entressafra, e foi em Ted 2 que encontrou a aposta para o retorno aos bons momentos como diretor, começando pelo casamento do personagem principal, seguido de uma extensa cena que emulava os musicais clássicos, com muita dança e dúzias de extras.

    A nova etapa da vida de Ted envolve o casamento em crise com Tami-Lynn  (Jessica Barth), e o recente divórcio de Johnny (Mark Whalberg), que o faz ficar bastante deprimido. Em crise, a dupla de amigos vê uma nova missão: engravidar a esposa do animal de pelúcia, tendo que arranjar esperma “doado”, a fim de fertilizar a moça, já que o material original da Hasbro não incluía sexualização.

    Após uma das muitas sequências escatológicas, os personagens se vêem diante de uma frustração enorme, motivada pela esterilidade de Jamie-Lynn, o que faz a dupla tentar adotar um rebento, onde o herói da jornada é “pego” pela malha fina do governo, e denominado como objeto, o que gera, claro, uma leve discussão propondo uma questão grave para o roteiro jocoso. O ocaso os faz encontrar a advogada novata Samantha Leslie Jackson (Amanda Seyfried), que entre um fumo e outro os instrui em torno da defesa de seu caso, levantando uma gama de termos a favor das minorias, englobando a segregação a homossexuais e mercantilização de pessoas, como era feito na época do tráfico de negros.

    A comédia passa a ser um filme de tribunal, repleta das mesmas questões de esquetes presentes no primeiro filme. A acidez do texto de McFarlane inclui os mesmos golpes que Family Guy costuma acertar nos noticiários tendenciosos da Fox News, explorando o discurso reacionário e previsível dos informativos. A teia de vilões inclui os executivos da Hasbro e um personagem antigo, Donny, novamente vivido por Giovanni Ribisi.

    O fator surpresa  foi evidentemente perdido, traço comum se comparado a continuações com os episódios originais. Mas a química entre John e Ted segue viva, não perdendo sequer o fato de casal apaixonado com a saída forçada de Mila Kunis. As situações de bromance prosseguem funcionando, ainda que a vitalidade das piadas não seja mais o mesmo, especialmente pelas questões reprisadas do primeiro episódio.

    A sequência dentro da Comic-Con Nova York atesta a óbvia obsessão de McFarlane pelo mundo nerd, resultando em uma ode a cultura pop. Ted 2 perde demais em qualidade de piadas ao original, e suas críticas são bastante rasas se posto em paralelo com American Dad, por exemplo, mas o filme ainda assim possui um charme incomparável, que faz suplantar até as soluções rápidas e clichês de seu roteiro, ficando somente um pouco aquém das expectativas em relação ao cinema proposto pelo criador de Family Guy.

  • Crítica | Menina de Ouro

    Crítica | Menina de Ouro

    E assim como em Cartas de Iwo Jima, o ringue é pessoal, tendo nos socos que a vida dá a força e o foco dos combates além do esporte. Clint Eastwood não espera para atacar temas como machismo e autossuperação a partir do boxe, invertendo polos com uma sensibilidade impecável na condução de um drama de proporções épicas, tratado de forma humilde, serena e sóbria, extraindo mais sugestões e símbolos que conclusões e rótulos dos caminhos da mulher, que só queria vestir as luvas vermelhas, usá-las e encontrar no público o amor que nunca teve na família. Os altos e baixos da guerra de uma soldado na pátria do capitalismo, onde todos são convidados a se tornar soldados, seja qual for o resultado das lutas.

    Quando a rua te esmurra, teu aluguel ou a carreira, você aceita ou deixa passar? Quem não bate, apanha, com um mundo sabendo disso na pele, lógica desvairada tanto pra homem quanto pra mulher. Aliás, há de o sexo feminino saber melhor disso. Elas, senhores, elas que sentem mais forte o soco mais macio que todos damos e recebemos, aparentemente com mais frequência ao longo dos anos. Elas, fonte da energia feminina do ser, ser profundo que sabe a receita para cair de pé em cima do salto agulha, que dá a luz ao marmanjo que chora porque machucou o dedo e conclama machismo e regras na ausência de lágrimas; Menina de Ouro é recusa ao choro e convite ao soco. É apoteose, é inspeção, e, sobretudo, é testamento para a espécie felina que Lady Di e Maria Bonita pertenceram. Raça que finge ser humana nos contornos de sua feminilidade.

    É de ouro porque é valiosa, é menina porque não perde sua essência – no caso, de lutadora. Se todo mulherão guarda consigo, por baixo das máscaras, a garota que só quer um abraço do pai, na história da pugilista Maggie não é diferente. A pessoa chega numa academia, mundo de macho, músculo e testosterona, e logo encontra o Blonde dos faroestes de Leone, um homem duro, frio e rabugento que ela sabe, ou sente, que vai ajudá-la a se tornar, no mundo, o que ela já é por dentro: uma campeã. Um processo de lapidação avesso à trama de um Touro Indomável, um dos melhores “filmes-boxe”, num filme mais intimista, num garimpo de personagens com méritos bastante opostos. Touro encarna o boxe; Menina é sensível; Touro tem a força de uma bomba, graças também à direção de Scorsese, que não muda nada ao longo dos anos, pro bem ou pro mal; enquanto Menina vasculha o lugar e a relevância da emoção no território da competitividade no esporte. Filme à moda antiga no qual é possível ouvir ecos reciclados do cinema ancestral de Nicholas Ray ou Howard Hawks, resgatados por Eastwood nessa semi-versão feminina de Os Imperdoáveis; a busca pelos agressores de uma prostituta vira a odisseia de uma garçonete nos palcos de Mike Tyson. Porque a luta é a mesma. Só muda o palco.

  • Crítica | Se7en: Os Sete Crimes Capitais

    Crítica | Se7en: Os Sete Crimes Capitais

    Por vezes, o cinema é acometido por coincidências relativas a lançamentos de filmes sobre temas parecidos na mesma época. Nos anos 90, vimos uma sequência de filmes de investigação criminal sobre serial killers que foram sucesso de público, desde produções excelentes como O Silêncio dos Inocentes, até genéricos como Beijos que Matam e O Colecionador de Ossos. Em 1995, o então novato diretor David Fincher também se arrisca nessa empreitada com o filme Se7en – Os Sete Crimes Capitais, tendo Andrew Kevin Walker como roteirista.

    O filme se inicia apresentando primeiramente a cidade, que não é nomeada, mas que é representada como um local extremamente urbanizado e decadente, onde a chuva não dava trégua e caía intensamente, contribuindo para dar um peso dramático extra ao ambiente. Com uma atmosfera noir, a cidade possui construções degradadas, becos velhos e sujos, lixo no chão e um submundo onde a lei não costuma entrar, lembrando muito as diversas composições de Gotham no cinema, em especial as de Tim Burton.

    Os personagens principais são os detetives da polícia local, William Somerset (Morgan Freeman) e David Mills (em limitada, porém honesta e emotiva interpretação de Brad Pitt), sendo que este último acaba de se mudar para a cidade por causa da vaga de detetive, mostrando uma ambição fora do comum. Ávido por participar, sua personalidade contrasta com a paciência e calma de Somerset, que, por conhecer a fundo a escuridão da cidade e seus habitantes, não consegue mais se empolgar com nada.

    Ao serem chamados para atender uma morte incomum (um obeso que morreu de tanto comer), ambos logo chegam à conclusão de homicídio ao analisar a cena, onde o homem morto estava preso, o que é confirmado pela autópsia. Após outro corpo, de um importante advogado da cidade, ser encontrado com a inscrição “AVAREZA”, levando-os a encontrar a palavra “GULA” no corpo do caso anterior, fica claro a Somerset que mais assassinatos parecidos virão, e que, por isso, quer abandonar o caso, já que está próximo de se aposentar, enquanto Mills quer assumir o caso de todo jeito.

    Fincher escolhe contrastar a escuridão e violência do mundo, mostrados através de seus assassinatos, com a vida particular de Mills, na qual sua esposa Tracy (Gwyneth Paltrow) luta para se adaptar a uma cidade hostil e a um apartamento perto da linha de trem que treme cada vez que surge uma locomotiva. Tracy é responsável, inclusive, por unir Somerset a Mills, convidando este para jantar em sua casa. A partir dali, a relação entre os dois passa a ser mais harmoniosa. A câmera de Fincher, aqui, já consegue mostrar algumas das características que irão marcar seu estilo, como a composição das cores em tons pastéis e a escuridão sempre rodeando cada cena, como se estivesse o tempo toda pronta para engolir os protagonistas. Além da preferência por temas obscuros que envolvem a humanidade, que irá ser debatida em toda a sua filmografia subsequente.

    Quando os detetives resolvem suas questões pessoais, a investigação assume o foco ao tomarem destaque as passagens citadas pelo assassino em seus crimes, fazendo com que os policiais busquem os livros da biblioteca pública e quem os emprestou. Assim, chegam, de forma um pouco fácil demais, ao apartamento do assassino, que foge espetacularmente, mas não sem antes de ferir seriamente Mills, que, possesso, passa a cometer erros de julgamento que irão ter seu impacto mais tarde no desenrolar da história.

    Se7en consegue compor uma investigação criminal clássica, mas não se resume unicamente a isso, pois a obra também traz à tona a discussão de que não basta somente encontrar e prender o assassino, mas sim tentar entender o que está por trás de tamanha perversidade e como evitar que mais iguais a ele surjam. Nesse ponto, o filme dialoga com um espírito cansado e desgostoso em relação à modernidade  algo que os irmãos Coen expõem em Onde os Fracos Não Têm Vez –, um sentimento ao qual qualquer pessoa atualmente consegue se relacionar.

    Dentro desta lógica, o que menos importa é justamente o resultado da investigação, tanto que o assassino (interpretado por Kevin Spacey) se entrega após ter realizado suas ações, e a explicação por trás das razões de seus crimes soa terrivelmente familiar para nós, já que a indiferença e o egoísmo das pessoas do cotidiano isolam todos em seus mundos, e somente algo chocante pode tirá-los da realidade. A atração magnética de sua personalidade lembra o icônico Hannibal Lecter, e a nossa mórbida curiosidade em saber o que move tais mentes em direção a atos tão horrendos nos faz desejar que as explanações do assassino não parem.

    As constantes citações ao “Inferno” de Dante e a outros clássicos da literatura que flertam com a escuridão da alma humana deixam clara a mensagem que Se7en e seu assassino querem passar, a da eterna danação da espécie humana ao lidar com nossos demônios. A cena final, impactante, ecoa até hoje nas mentes dos fãs de cinema como uma das mais marcantes de todos os tempos, afirmação que possui tanto verdade quanto exagero.

    Portanto, Se7en é melhor apreciado se relativamente afastado do clássico gênero policial e encarado como uma jornada por dentro da própria humanidade, e apesar de não se aprofundar muito nos temas que se propõe, por si só já garante um destaque frente às produções semelhantes do período.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Lucy

    Crítica | Lucy

    Lucy é um filme sobre uma mulher que consegue ativar de 50 a 100% de seu cérebro, para uma plateia que não consegue chegar a 5%. A ofensa com o espírito crítico e cultural do público, por boa parte dos produtores, gera contradição compatível no mundo pop a da cantora Beyoncé, cantando a plenos pulmões que a beleza fere e perverte, mesmo sendo a atual deusa da volúpia. As últimas – e primeiras – linhas resumem o que poderia ser tema de uma monografia sobre as manobras da indústria de cinema deste século; cada vez mais capital, cada vez menos arte. Uma crítica de três ou quatro blocos seria o bastante para expressar em breve estudo, a angústia de estar diante de boas intenções cuja realização é emergencial – nem a visão de Scarlett Johansson salva do umbral – onde todas as propostas junto ao pífio entretenimento do filme vêm a padecer ante o belo manto técnico de sempre, a esconder uma repulsiva cadeia de negações de todos os tipos, e contradições já comentadas.‏

    Em Sob a Pele, aliás, também estrelado pela moça (que ocupa o posto com Zoe Saldana de atriz hit do momento), Scarlett vive com elegância e intensidade dramática impressionantes uma mulher igualmente sem emoções, no passado ou futuro, porém com tentadora profundidade na construção da personagem; tentação oriunda do mistério que sua atuação evoca, misteriosa como uma diva noir, cuja beleza é essencial e respeitada a favor da premissa, analítica ao criticar nosso inevitável mundinho de aparências. Na conduta dessa mesma realidade distorcida em filmes de ação/ficção científica, Luc Besson (O Quinto Elemento) em Lucy faz sentir abstinência de A Origem até ao maior opositor de Christopher Nolan, que por pior que ainda seja a muitos, é eficaz quanto a encontrar bom-senso, trama e narrativa coerentes entre suas teorias e ideias surreais.

    Besson se torna especialista em antíteses do próprio projeto, um “pois sim-pois não” que dura uma hora e meia de reviravoltas que, pelo conjunto, beira o insuportável, à luz, ou melhor, à sombra de um roteiro lastimável, sem eira nem beira, uma espécie de jornada individual moderna de um herói, no caso, heroína. Um modelo que Akira Kurosawa imortalizou no japonês Yojimbo, e que encontra na sua cópia americana feminina e ultrajante, em gênero, número e grau, um dos seus piores exponentes a partir do que restou de vergonha e originalidade semi-extintas numa Hollywood que prefere estuprar seus mitos a arriscar novas lendas, visando revitalização e uma melhor reputação, impossíveis neste derradeiro cenário, sendo Lucy outra colher de terra, dessas que são produzidas em escala, contra o que já foi feito e aquilo que poderá florescer.

    Contudo é possível listar uma overdose de filmes, mangás e filosofias, de primeiro a quinto escalão, que o filme de Besson se apoia para existir, ao longo da projeção, desde sua sonoplastia baseada nos efeitos sonoros modernos de 007: Skyfall, Salt, A Origem e Sem Limites, sendo que do último furta ritmo e parte da frágil consistência, até  quando a protagonista, aparece na tela, sem qualquer tratamento de introdução, feito Toshirô Mifune no clássico samurai de ação. Ela é raptada, presa e se torna fera desgarrada logo em seguida, como em um reflexo de Oldboy. Besson se baseia em Sergio Leone e uma dízima de outras fontes de inspiração, mais abusadas e desmistificadas em seus valores que são relembradas em caráter de homenagem, como Quentin Tarantino, que se consagra hoje como melhor exemplo vivo disso, através de seus desvios de linguagem na forma de Cinema pessoal e peculiar.

    Resta a prova que a conta não fecha em filmes como esse. A comida perde o sabor quando requentada mil vezes, exceto, é claro, se o paladar que a degusta nunca a tenha provado antes. Coisa rara, mais que rara, em tempos nos quais Lucy sequer merece duas estrelas em seu céu de diamantes.

  • Crítica | Transcendence: A Revolução

    Crítica | Transcendence: A Revolução

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    Com aproximadamente cinquenta trabalhos em fotografia cinematográfica, divididos entre longas-metragens, curtas e videoclipes, Wally Pfister estreia na direção, com uma ficção científica que recorre a uma das tradições do gênero – o futuro como visão pessimista do presente – para desenvolver seu argumento.

    Transcendence: A Revolução apresenta um futuro destruído e primitivo em relação ao mundo contemporâneo. A trama retorna anos antes para a bem-sucedida vida do cientista Will Caster (Johnny Depp) e de sua esposa (Rebecca Hall). Considerado uma das grandes mentes vivas, o doutor é responsável por desenvolver o primeiro sistema com inteligência artificial autônoma. Após descobrir-se portador de uma doença terminal, decide transferir sua consciência para uma máquina – uma evolução de seu projeto de inteligência artificial – para permanecer vivo mesmo que em circuitos elétricos.

    Diferentemente de seus personagens mais conhecidos, destacados pela interpretação levemente afetada e apoiada em caracterizações distintas, Depp faz um cientista sem muitos arroubos e nenhum estilo próprio. A ausência de qualquer elemento bizarro parece enfraquecer a interpretação do ator em um roteiro raso feito por Jack Paglen (estreante no roteiro de longas). Um material que não fornece nuances à personagem central além da natural mudança de comportamento, quando o Dr. Caster de carne e osso se transforma em um conjunto gigantesco de bytes.

    A evolução das máquinas, e a tecnologia que proporciona tal avanço, foi o tema escolhido como estrutura da ficção científica. Dentro do sistema digital, o cientista perde as nuances humanas e torna-se um sistema de ação e reação, equilibrado em uma analise matemática que visa uma melhora tecnológica em escala global, mesmo que infrinja a lei para estes meios. Em contraparte dramática, há um grupo de ativistas (liderado pela personagem de Kate Mara) avessos à tecnologia e contra a evolução transcendental que prende o doutor.

    A história desenvolvida além da superfície apresenta a análise filosófica sobre a evolução das máquinas e um futuro consciente a respeito da existência da tecnologia e de robôs artificiais que se tornariam mais inteligentes que a máquina humana. Sob este aspecto, torna-se evidente que Transcendence utiliza-se de um elemento da ficção científica como conflito e não como estilo, semelhante ao desenvolvimento de Oblivion, estrelado por Tom Cruise, que recorre a um futuro distópico somente como base para desenvolver a ação.

    Retratando de maneira frívola o conceito da inteligência artificial em um argumento simples, a produção não se insere em linhas de estudo sobre robótica ou neurociência atuais que aproximariam a história de um senso de realidade, nem funciona como um produto genuíno da ficção científica pela falta de um rico material argumentativo que demonstre teses e teorias no interior da narrativa especulativa.

    Vendida como história deste estilo, não à toa a recepção foi considerada inferior da esperada. O argumento breve pode conter potencial, mas ao ser executado no roteiro resulta em uma história que se demonstra precária, e o conflito do homem transformando-se em máquina, um mero apelo dramático. Um recurso que poderia ser substituído por outros sistemas narrativos igualmente interessantes em sua essência.

    Levando-se em consideração as primeiras notícias que saíram na pré-produção do longa, o roteiro seria mais próximo de uma história de ficção científica, apoiada na evolução da tecnologia e nos consequentes avanços medicinais. Talvez procurando um apelo mais simples e universal – que sempre suscita uma intenção financeira por trás da obra – destruiu-se o verdadeiro potencial dramático e filosófico que a história poderia entregar. Uma transcendência que se transformou em blefe não correspondido, demonstrando que até um nome em alta como o de Christopher Nolan – que produziu o filme – não pode sustentar uma obra composta de maneira desequilibrada.

  • Crítica | Red: Aposentados e Perigosos

    Crítica | Red: Aposentados e Perigosos

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    A 1ª adaptação para o cinema dos quadrinhos de Warren Ellis, em seus primeiros minutos, se mostra diferentíssima do texto original, a começar pela abordagem, bastante relacionada a comédia romântica – ainda que não tarde a chegar as cenas de ação, com a linda derrubada de uma casa por conta de um tiroteio desvairado.

    Após começar a caça em si, Frank Moses/Bruce Willis no automático, tem de resgatar sua princesa encantada, Sarah (a ainda deliciosa Mary Louise Parker), o que contradiz o perfil do seu personagem, o solitário e auto-suficiente ex-agente da CIA com grandes contatos. Robert Schwentke tenta angariar dois nichos distintos para sua obra, os fanboys e o público feminino, e ao menos nesse quesito, a fórmula é bem executada e equilibrada.

    As cenas de perseguição no píer são tão galhofadas que parecem retiradas de um cartoon do Pernalonga – nenhum filme do Looney Tunes Live Action levou tão a sério o conceito quanto neste Red. A comédia e o humor rasgado predominam em quase toda a trama, o que não empobrece as outras sequências de luta, muito bem filmadas e coreografadas, aliadas a uma fotografia competente. As cores vivas escolhidas pelo realizador remetem ao tom escapista das HQs de super-humanos da DC.

    O roteiro dos irmãos Join e Erich Hoeber (Terror na Antártida) trata da inadequação do bando de agentes aposentados a vida civil (tema retirado da graphic novel, mas ampliado a mais personagens), e da vontade de Frank em finalmente ter uma vida normal, com paixões, uma família, anseios comuns, inerentes a qualquer ser humano comum. A vida amorosa dos super-espiões é mostrado como algo confuso e cheio de contradições, mas é claro, sem jamais se levar a sério.

    A direção de atores exercida por Robert Schwentke é muito boa, pois não atrapalha. Os artistas estão livres para trabalhar: Morgan Freeman, John Malkovich, Bryan Cox, Helen Mirren estão soltos, enquanto Karl Urban faz o antagonista honrado de uma maneira muito lúcida, seu personagem William Cooper é a síntese do quanto o serviço secreto mudou, no que tange aprimoramento físico, se modernizando para suplantar a geração anterior, mas seu código moral é muito semelhante ao de seus antecessores, e ele não se permite mudar de lado, mesmo que seus superiores o tentem impingir a isso.

    Red mantém o tom jocoso o tempo inteiro, e apesar da pouca semelhança com a história em quadrinhos, é um bom exercício de humor. Tem em seu caráter algo parecido com o que foi visto no primeiro Mercenários de Sylvester Stallone, reunindo um elenco veterano para brincar com os clichês dos filmes de ação.

  • Crítica | Invasão à Casa Branca

    Crítica | Invasão à Casa Branca

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    Filmes com temas quase idênticos sendo lançados na mesma época. Uma tendência que Hollywood sempre repete, e o mais recente exemplo é a dobradinha que mostra a Casa Branca sendo invadida. Olympus Has Fallen, batizado por aqui como, hã, Invasão à Casa Branca, foi esperto e se antecipou a White House Down (O Ataque), que tem estreia prevista pra setembro. Neste longa dirigido por Antoine Fuqua, acompanhamos Mike Banning, agente do serviço secreto que chefia a equipe de proteção do presidente. Afastado do cargo quando falha em salvar a vida da primeira-dama, ele tem a chance de redenção meses depois: terroristas norte-coreanos (sempre eles, hoje em dia) conseguem dominar a residência oficial do líder norte-americano, tomando ele e boa parte de seu gabinete como reféns. Mike, o cara certo no lugar errado, é o único capaz de, literalmente, salvar a pátria.

    Com essa premissa, não precisa ser nenhum gênio pra perceber que teremos altas doses do velho patriotismo exacerbado, tipicamente estadunidense. Com direito inclusive a simbolismos nada discretos, por exemplo, câmera lenta e música dramática quando os vilões retiram do mastro a bandeira dos EUA e a jogam fora. Ainda mais sendo um filme de ação, Invasão à Casa Branca entrega esse e outros clichês (central de comando que serve só pra explicar a trama pro espectador, garotinho espertoetc.), perfeitamente esperados. Então não cabem reclamações comunistinhas de faculdade style quanto a isso. O que na verdade prejudica o filme é seu roteiro indeciso entre se levar a sério, como um thriller político, ou se assumir como diversão descerebrada.

    A tensão entre as Coreias do Sul e do Norte é usada como pano de fundo e estopim para a ação dos terroristas, mas nada além disso. Não são feitas críticas políticas a ninguém, muito menos ao papel dos Estados Unidos. Até aí, passável. Mas a indefinição de tom afeta também o protagonista. Inicialmente inseguro, duvidando de si mesmo, basta entrar em ação para ele imediatamente virar o herói clássico, infalível. Problema que vem se repetindo em várias produções do gênero: tenta-se humanizar o personagem, mas falta o senso de dificuldade naquilo por que ele está passando. Um direcionamento diferente, mais descompromissado, ajudaria inclusive o ator. Gerard Butler se mostra bem mais à vontade proferindo frases de efeito e posando de fodão.

    Apesar desses problemas, com boa vontade dá pra embarcar na história e curtir as boas cenas de ação (o ataque inicial, em plena luz do dia, é sensacional) e a tensão bem construída ao longo do filme. O plano dos invasores é razoavelmente aceitável, e as interações entre eles e os reféns mostram uma crueza muito bem vinda nestes tempos em que o PG-13 suaviza quase tudo. Há que se lamentar, porém, que o presidente vivido por Aaron Eckhart não tenha um grande momento, limitando-se a fazer cara de mau enquanto espera o resgate. E também que o embate entre o herói e o ameaçador vilão-chefe fique aquém do que poderia ter sido. De resto, diversos atores conhecidos (Morgan Freeman, Dylan McDermott, Angela Bassett, Melissa Leo, Radha Mitchell, Robert Foster e até Ashley Judd, direto do túnel do tempo) servindo apenas como acessórios pra movimentar a trama.

    Em essência um meio-termo entre Duro de Matar e 24 Horas, Invasão à Casa Branca poderia ter sido melhor caso escolhesse um desses lados. Mas, em tempos sem Jack Bauer e com John McClane decepcionando, Mike Banning é o que tem pra hoje.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Oblivion

    Crítica | Oblivion

    Mesmo não sendo o suprassumo do gênero, este é um filme de sci-fi para fãs de sci-fi. Não só pela história em si – felizmente, não apenas um mundo pós-apocalíptico como pretexto para cenas de ação -, mas também pela infinidade de referências a outras obras de ficção científica que fãs mais aficionados certamente se divertirão identificando. E a quantidade de referências chega a ser, ao mesmo tempo, qualidade e defeito, já que em vários momentos faz o espectador “sair” do filme ao tentar lembrar a qual obra remete aquela cena, diálogo ou cenário. Numa contagem rápida e rasteira, há referências a oito filmes, sendo Wall-E e 2001 – Uma odisseia no espaço as mais óbvias – algumas das demais é preferível não citar, pois configuraria spoiler.

    O roteiro foi baseado numa graphic novel homônima do próprio Joseph Kosinski, com desenhos de Arvid Nelson. E, assim como em seu filme anterior – Tron: o legado – Kosinski apresenta ao espectador um ambiente visualmente interessante, bem menos grandioso mas totalmente condizente com a realidade do futuro não muito distante em que se passa a história. A “casa” acima das nuvens em que vivem Jack Harper (Tom Cruise) e sua parceira, Victoria (Andrea Riseborough), com seu visual clean e asséptico – em branco e prata, além de muitas transparências – faz o contraponto na medida com o ambiente inóspito da “superfície”.

    Interessante notar que os personagens também refletem essa dicotomia. Enquanto Vika parece fazer parte da residência – tão arrumada e estéril, sem nenhum fio de cabelo fora do lugar – Harper parece deslocado ali dentro, menos à vontade do que quando exposto à poeira da superfície devastada. Em vários momentos, o comportamento de Vika – condicionado, irredutível, robótico até – faz pairar uma dúvida sobre sua humanidade. Em contrapartida, apesar dos trejeitos de Ethan Hunt, Harper é nitidamente mais “gente como a gente”, saudoso do planeta que conhecia antes do ataque alienígena. Completam a galeria de personagens Beech (Morgan Freeman) e Sykes (Nikolaj Coster-Waldau, o Príncipe Jaime de Game of Thrones).

    A primeira meia hora do filme é bastante lenta, com vários trechos que, se suprimidos, não fariam falta – inclusive a introdução inicial com narração em off, já que Harper repete toda a história para Julia Kusakova (Olga Kurylenko) após resgatá-la. Além disso, várias cenas contemplativas, embora agradavelmente embaladas por Led Zeppelin, poderiam ser encurtadas sem prejuízo algum. Ao contrário, certamente o ritmo da narrativa se beneficiaria, evitando tantas “barrigas” durante o filme. É nítida a intenção do roteirista/diretor de apresentar detalhes do universo do filme e de seus personagens. Porém isso poderia ter sido feito não necessariamente de uma maneira mais dinâmica, mas certamente mais enxuta. O ritmo da trama parece se ajustar após esses 30 minutos iniciais, conseguindo mesclar bem as cenas de ação e as de questionamento e/ou explanação dos eventos. Infelizmente, as várias perguntas, tanto de Harper quanto do espectador, vão se acumulando no decorrer do filme e o roteiro tenta respondê-las nos 20 minutos finais. O clímax não fica bem resolvido, explicações são dadas às pressas e de forma explícita – o que, de certa forma, presume que o espectador seria incapaz de perceber detalhes -, reafirmando a falta de consistência narrativa.

    A premissa é boa, os personagens são bons, o filme é visualmente impressionante, os efeitos especiais são bem feitos, abundantes mas pouco invasivos, a trama tem algumas reviravoltas interessantes. Pena que o roteiro não consiga amarrar isso tudo de uma forma melhor. Tem-se a impressão de que há muitas boas ideias, mas alguma falta de maturidade ao organizá-las. Mas também há indícios de que Kosinski está no caminho certo, se continuar evoluindo desse modo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Medo da Verdade

    Crítica | Medo da Verdade

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    Após um desgaste em sua carreira de ator, Ben Affleck decidiu se reinventar, dessa vez de maneira distinta do habitual, e acabou coescrevendo e dirigindo seu primeiro longa-metragem. Baseado no romance de Dennis Lehane, Gone Baby Gone, Affleck retrata as agruras do comportamento humano, em um thriller policial desesperançoso e melancólico.

    A adaptação cinematográfica da obra literária de Dennis Lehane traz um comparativo direto com o longa-metragem Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood, também de Lehane, ambos os diretores abordam a realidade de uma comunidade americana que está à margem da sociedade, repleta de seres marginalizados pela classe mais favorecida, e construindo assim, um viés sob a ótica desses personagens.

    Medo da Verdade traz como plano de fundo o desaparecimento de uma garotinha de 4 anos em um bairro do subúrbio de Boston. A investigação policial, coordenada pelo Capitão Jack Doyle (Morgan Freeman) e conduzida pelos investigadores Remy (Ed Harris) e Nick (John Ashton), não vem obtendo êxito no bairro, já que existe um código de silêncio que não pode ser quebrado por um fator externo. Por isso, os tios da menina decidem contratar uma dupla de detetives particulares da região que teriam contatos e informações que a polícia não teria acesso. Os dois detetives, Patrick (Casey Affleck) e Angie (Michelle Monaghan) aceitam o caso e imergem intensamente na investigação.

    A trama traz um thriller policial em sua essência, no entanto, assim como Eastwood em ‘Sobre Meninos e Lobos’, ou Scorsese em Ilha do Medo (também adaptado da obra de Lehane), Affleck usa o gênero para discutir outros temas. Conflitos sobre moralidade, religião e ética estão presentes de forma visceral nesta obra de Affleck.

    Os personagens da trama são todos extremamente bem construídos, profundos, reflexivos e repletos de nuances. Suas atuações eficazes carregam o longa dentro da atmosfera densa proposta pelo filme, tudo isso aliado a fotografia acinzentada e opaca da noite, que envolve suas personagens nas sombras, e a saturação amarelada do dia dos subúrbios de Boston. A direção de arte que confere veracidade a essa degradação proposta pelo filme, seja nos ambientes residenciais fechados ou nas ruas do bairro.

    Ben Affleck em sua estreia na direção, demonstra uma incrível habilidade em realizar uma desconstrução de valores e conceitos, colocando em xeque nossos ideais e questões éticas contra a parede à todo instante. Até qual ponto a verdade será a melhor de nossas escolhas? Quão frágil é nossa percepção sobre o que é certo e errado? Um excelente trabalho de estudo de personagens e de um grupo social.

    Ouça nosso podcast sobre Ben Affleck.

  • Crítica | Os Imperdoáveis

    Crítica | Os Imperdoáveis

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    Clint Eastwood é, por si só, uma instituição do cinema americano: seus personagens e sua pessoa se misturam e como diretor ele é responsável por grandes clássicos. Em 1992, Eastwood retorna ao Western, gênero que o deixou famoso, mas que vinha esquecido há um tempo considerável.

    Os Imperdoáveis gira em torno de William Munny, um antigo assassino que adota uma vida reclusa com seus filhos e vive assombrado por seu passado violento e pela morte da mulher. Munny é encontrado por Kid, um jovem interessado em ganhar uma recompensa de 1000 dólares oferecida por um grupo de prostitutas que buscam vingança. Interessado no dinheiro para os filhos, Munny encontra seu antigo parceiro Ned Logan e segue para a missão.

    O oeste, nos filmes clássicos do gênero, sempre representou a ameaça da natureza sobre o homem e o herói é aquele capaz de colocá-la sob controle. O cowboy americano é o homem capaz de, por sua própria força (física e mental), civilizar forças perigosas e desconhecidas. Munny não é esse homem.

    O personagem é apresentado pela primeira vez já com algum tempo de filme. Vemos então um Clint Eastwood de cabelos brancos, enrugado, e é impossível não contrastar essa imagem com sua imponência nos filmes de Sergio Leone. O envelhecimento e a passagem do tempo rondam os personagens principais: eles já não atiram ou montam da mesma forma, dormir ao relento os deixa doentes. No final a passagem do tempo, o envelhecimento, a natureza enfim, parece estar ganhando deles.

    Em diversos momentos, Munny é jogado no chão por animais: ele não consegue controlar seus porcos ou seu cavalo. O personagem também não pode controlar a si mesmo. A vida regrada, o afastamento das mulheres e do álcool são a tentativa desesperada de encontrar do lado de fora aquilo que ele parece saber que está dentro. Munny teme que a crueldade esteja em sua própria natureza, teme que a crueldade anterior não seja mais do que parte dele mesmo.

    O código moral em uma terra sem lei é mais um elemento onipresente nos Westerns e é outro ponto que Eastwood coloca em discussão nesse filme. Em um dos diálogos finais, Beauchamp afirma que não merece morrer daquela forma; Munny lhe responde que merecer tem pouco a ver com aquilo. O personagem de Eastwood, ainda que atormentado, sai ileso enquanto Ned, o “melhor” dos dois, incapaz de matar a sangue frio, morre espancado. A moral e a virtude de um atirador são objeto da longa sequência em que Little Bill e Beauchamp conversam na prisão e o motivo pelo qual o biógrafo se desencanta com English Bob.

    Ao contrário de um faroeste clássico, aqui o destino dos personagens tem pouco a ver com seu comprometimento moral e a morte raramente vem acompanhada de nobreza. O universo de Os Imperdoáveis não tem lei, nem aquela certeza de sentido que acompanha boa parte do cinema americano.

    O filme é construído em grandes planos abertos, como esperado do gênero, mas aqui eles não servem para mostrar a terra a ser conquistada, e sim aquela que destrói e endurece os personagens. As cenas internas são sempre escuras, os planos fechados, cada personagem limitado por si mesmo e a moça mais bonita do filme tem seu rosto marcado por cicatrizes.

    Eastwood não chega exatamente a desconstruir o gênero, mas o elemento de tragédia e o pessimismo que insere em seus filmes subvertem os clichês. É um esforço notável e prova de sua excelência como diretor que os elementos mais fortes em Os Imperdoáveis não sejam os pertencentes ao faroeste, mas as características marcantes do cinema de Eastwood.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

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    Inestimável é a primeira palavra que se pode ter em mente ao falar de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. O terceiro filme da trilogia dirigida por Christopher Nolan dá fim a um projeto que mudou a forma como as pessoas enxergam e lidam com filmes de super heróis. Uma forma mais realista e sombria foi apresentada a um público que estava acostumado a um Batman mais “super-herói” e menos próximo à realidade. Nesta conclusão temos o melhor filme da trilogia e provavelmente um dos melhores – se não o melhor – filme de super herói já feito.

    Dark Knight Rises se passa 8 anos após os acontecimentos do filme que o antecede. Somos apresentados à uma Gotham City em paz, com um índice de criminalidade baixo, uma polícia acomodada à tranquilidade e um Batman aposentado (além de um Bruce Wayne recluso). Porém, surge Bane (Tom Hardy), um mercenário que resolve aproveitar esse momento de aparente tranquilidade e fragilidade para colocar em ação seu plano sombrio de destruir Gotham City.

    Primeiramente, é importante ressaltar que a escolha da palavra “Rise” no título – aqui sendo pensada no sentido de “ascender”, ao invés de “ressurgir” como na tradução realizada no Brasil – é muito importante pelas várias formas que ela assume ao longo do filme em diversos momentos. Isso é só um pequeno exemplo com o intuito de dizer que trata-se de uma obra com detalhes muito importantes e que se unem a um todo sem pontas soltas. O roteiro é sólido e extremamente meticuloso, fruto de um trabalho excepcional por parte de Christopher Nolan, Jonathan Nolan e David S. Goyer.

     A trama é forte, tensa e envolvente. Dessa vez, temos um Batman que passa por piores dificuldades, tem seu corpo e sua alma destroçados, mas que ressurge como o verdadeiro herói. Ao mesmo tempo, temos um Batman que se ausenta das cenas pra dar lugar a um personagem também muito importante: a cidade de Gotham. Não somente o protagonista é abalado, como também a cidade se vê obrigada a reagir a um ditador extremista que quer fazer com que o povo conquiste a liberdade através da violência. Em contraposição, temos Batman se tornando um símbolo para que a cidade busque sua própria liberdade e justiça.

    Nolan não só acertou em um bom roteiro como, novamente, acertou em todas suas escolhas de elenco. Christian Bale continua com sua excelente atuação do herói principal, que cativou pessoas do mundo inteiro ao longo dessa franquia. Anne Hathaway, interpretando a Mulher Gato, demonstrou profundidade na atuação de uma personagem que estava em conflito sobre os valores que deveria defender. Tom Hardy interpreta um vilão amedrontador e de personalidade forte e cativante. Seu olhar penetrante ajuda a construir um ar de poder ao personagem que o carrega e sustenta durante toda sua participação no filme. Joseph Gordon-Levitt, por sua vez,  faz o papel do braço direito do Comissário Gordon e esbanja uma impressionante atuação em um personagem de excelente desenvolvimento e de grande importância na trama.

    Toda a trilogia se completa com este final. Todas as pontas se unem e formam uma obra completa e fantástica. Christopher Nolan eternamente será lembrado como o homem que eternizou o Batman nos cinemas. Um verdadeiro presente para todos os fãs.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas

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    Depois do impressionante primeiro ato, Christopher Nolan retorna à franquia de Batman para realizar uma produção épica. A consagração que romperia o gênero filme de super-herói para tornar-se um grande filme por excelência.

    Introduzido como gancho na produção anterior, entra em cena a personagem antagônica do Cavaleiro das Trevas, o Coringa. Sua figura é representação máxima da potência de Batman e se popularizou até nas frases que se tornaram seculares entre os fãs.

    A trama se aproxima novamente de histórias conhecidas do herói sem deixar de lado elementos inéditos.  Trabalhando com diversos níveis narrativos, a composição de suas camadas é exemplar. Injusto afirmar que Coringa é a personagem central, sendo claro três polos distintos na narrativa: Harvey Dent como a manutenção da paz perante a lei, Batman como o vigilante que age no limiar desta, e a figura do palhaço como a não-regra, o caos.

    Os enredos se apresentam de maneiras distintas e paralelas, culminando no ápice sem volta em Gotham City. Sob esse aspecto, o diálogo entre Batman e Gordon em Begins já inferia que o surgimento de um super-herói implicaria em uma escalada criminosa. E o que assistimos é justamente uma força impossível de ser sobrepujada.

    Heath Ledger incorpora um Coringa crível e conveniente também com os quadrinhos. O espaço para a piada só se realiza por meio do grotesco, da figura abominável sem limites. Embora a personagem se encontre pouco com o seu rival, definitivas são as cenas em que estão juntos.

    O interrogatório no quartel de Gordon é a chave central do significado entre herói e vilão, uma cena brilhante que, além de seu impacto, tem significado como análise do bem que necessita do mal para existir.  A moeda que trafega nessas vias é o promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart), que vai de um extremo a outro, conduzido por Coringa.

    A consistência do elenco comprova que é possível realizar um filme com grandes astros sem a sensação de deslocamento, impressão que tenho assistindo aos diversos filmes da Marvel. Sendo possível trabalhar com um bom elenco sem a sensação de ele estar presente só como divulgação do filme.

    Mesmo que o texto apaixonado não abrace todos os expectadores da produção, uma afirmação é correta: Batman – O Cavaleiro das Trevas tornou-se exemplo a ser copiado. Produziu um marco grandioso nas histórias em quadrinhos que tanto será comparado como tentará ser copiado. Exemplo parecido com o que aconteceu com Matrix, em 1999.

    Mais do que o filme em si, sua força é medida quando, além de uma simples história, uma produção transforma-se em método a ser seguido. Some a isso o fato de que o elemento dramático fez milhões de nerds chorarem no final da trama, que você encontra um épico moderno com a elementar jornada de um herói.