Tag: Daniel Radcliffe

  • Crítica | Um Cadáver para Sobreviver

    Crítica | Um Cadáver para Sobreviver

    Comédias do absurdo são tão antigas quanto andar pra frente, ou para as gerações mais novas, tão ancestrais quanto a fama de Daniel Radcliffe como Harry Potter. Na esteira de seu rosto universalmente reconhecido, e não menos apático por isso, o que combina com seu personagem literalmente já falecido do filme em questão, vem Paul Dano, que explodiu como o adolescente rebelde e indignado de Pequena Miss Sunhine, o mais adorável dos road-movies americano estilo família.

    É claro que Dano tem mais carisma que o bruxinho, que fez sua carreira apoiado no carisma de Radcliffe (ou seria o contrário?) e nas possibilidades do amado personagem, e é mais claro ainda o quanto Um Cadáver para Sobreviver tenta equilibrar 1) o potencial de seus dois atores principais em cena, e 2) o frenesi de sua trama naturalmente desequilibrada diante do real e do racional, numa história que, de nonsense e escrachada, sem limites quanto ao delírio, se equipara a qualquer clássico com Leslie Nielsen – ou a qualquer passagem surrealista de Kafka, mas com muito mais senso de ridículo e astúcia que as comédias pastelão com Adam Sandler e cia, com nada a oferecer senão ofensas a sanidade humana. Esquece-se que o absurdo não precisa ofender, então, muito pelo contrário.

    Resta ao filme apostar suas fichas ao humor impactante de situações inacreditáveis, relegando ao jovem Hank (Dano) a única opção de escapar de uma ilha, aonde, por alguma razão, foi parar, apostando na flatulência de um corpo-humano à beira-mar para escapar da prisão natural e sobreviver. Com sérios problemas intestinais e parecendo um zumbi desidratado, afinal o corpo muda abruptamente durante o óbito (como se o filme precisasse ser realista depois de uma cena dessas…), o cadáver peida mais que um corpo humanamente poderia aguentar; tanto, que na ausência de responsabilidades realistas (ou morais), Hank monta nas costas desse morto muito louco e bye-bye aos arquipélagos. Simples assim. Dai em diante, o que esperar senão o tudo? Felizmente, Um Cadáver para Sobreviver (entendeu o título agora?) tem tantos momentos inspirados que fica difícil não se converter a histeria proposta. O inacreditável, tal a sagacidade inesperada da obra, esbarra até na piada de que um homem pode morrer, mas seu pênis não, e após essa (hilária) cena entre os dois protagonistas e uma foto sedutora, no meio da floresta, a história rasteja tímida e vacilante para o romantismo e o senso de amizade que também podem resistir num corpo flácido e em processo de putrefação.

    Uma podridão que, aparente e subitamente, seria só externa.

    Um filme que nos vence pela criatividade e a coragem dos seus produtores. É indiscutível, também, o quanto Radcliffe está inspirado, transparecendo seu esforço narrativo de atuação debaixo de uma maquiagem que o faz lembrar uma das criaturas de The Walking Dead, só que com mais apatia e olhos mais bonitos. Também não deixa de saltar aos olhos o uso modesto, como tudo nesse filme, dos signos semióticos que o Cinema do Absurdo precisa se apoiar e aludir ao extremo, como os elementos de O Lobo de Wall Street (dinheiro, bolsa de valores, luxo, prostitutas, drogas…) ou o japonês Hausu (o espírito, o sangue, a casa mal-assombrada, o grito…). É como se o mestre David Lynch quisesse enfiar o pé na jaca e dirigir uma comédia romântica pra molecada, só que sem uma grande textura atmosférica, ou sequer uma notável consistência dramática por ser este um filme que nunca precisou ser cinemão de verdade, nunca comprometeu-se com reflexões atmosféricas sobre vida, ou arte, mas contagia e entretém de forma indiscutível por suas questões idealistas, suas imagens fantásticas, seu gosto de fábula na tela, sempre bom, e pela graça que pode ser extraída de situações divertidas e inimagináveis. Fail.

  • Crítica | Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte II

    Crítica | Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte II

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    No último minuto de O Mundo de Apu, clássico indiano soberbo, não há dúvida de ter assistido o término de uma das melhores trilogias do mundo dos filmes. Curioso que, além disso, vem à cabeça como fechar uma história com mais de 2 ou 3 capítulos parece fácil, e não é. Entre diversos arcos e expectativas, fica a impressão que o show deve continuar na memória de quem acompanha tudo até o fim, e se divide: “O fim será épico, mas trocaria isso por outros bons capítulos”. Esse foi o sentimento conflituoso quando as luzes se acenderam, em 2011, enquanto o rosto da trindade (Harry, Rony e Hermione) sumia na tela, junto de um marco da geração 2000, e com o prenúncio que não iriamos mais esperar por outra aventura em Hogwarts; mais de cinco anos depois, estreia Animais Fantásticos e Onde Habitam, oriundo deste universo de varinhas e vira-tempos, posto que irá desnudar ainda mais essa realidade (expandir as noções que J. K. Rowling não achou espaço de imprimir na septologia original). Mas será que David Yates, desde A Ordem da Fênix no comando desse show, conseguiria tornar o espetáculo realmente inesquecível sem o apelo emocional deste ter sido “o último”?

    Filmes que se promovem sozinhos são raros, e quando conseguem a briga já está vencida antes da estreia – vide Toy Story, o último Crepúsculo e qualquer coisa do UCM (universo cinematográfico da Marvel). Já outros, feito Aquarius, Star Wars e dramas do Oscar, só fazem sucesso por uma intensa campanha publicitária, tendo que nos convencer a ir vê-los na pompa de uma sala de Cinema. No caso deste Relíquias, Parte II, tanto o primeiro como o segundo conseguiram ir além do coração dos fãs, tornando-se um fenômeno pop apostando no carisma de um mundo tão vasto quanto a Terra Média, de J.R.R Tolkien, tornando o filme extremamente comodista. Não há nenhum esforço para tornar este segundo Relíquias algo a mais do que ele significa para o fã, feito a maioria dos filmes da sala, fechados em seu mundo e sendo nada além do que esperávamos. Essa é a falta de credibilidade que os fãs não aceitam enxergar: Diferente de outras grandes sagas, Harry Potter não trouxe nada de novo à arte.

    Por isso mesmo, Yates sabe que a diferença entre quem vai adaptar um universo, e um garimpeiro de petróleo é o tamanho da ambição, e o diretor dos últimos quatro Harry Potter se esforça para que as suas cenas de ação fiquem à altura do esperado, mas falha, e falha quase miseravelmente. Fato é que as cenas dramáticas, como a morte de várias figuras amadas pelos fãs, são muito mais impactantes que os duelos coloridos (super mal-coreografados), confusos, de uma conotação espacial péssima, com a barulheira de sempre (Fico imaginando o incômodo de Paul Greengrass, gênio da ação, assistindo a batalha final de Hogwarts), e que aqui só empolga quem sabe o nome de cada feitiço e personagem, mesmo. Destaque apenas para a fuga do dragão logo no começo do filme, essa sim, diferente de tudo o que havia sido visto no Cinema. Adendo extra: O filme não precisava ser em 3D, mas é o legado de Avatar ao mercado. A gente entende tão bem quanto as pessoas lacrimosas ao se despedir de Harry, um personagem bem evoluído por oito filmes, que… espera, não eram sete livros?

    Lembro de ler, ainda em 2011 críticos julgando o filme como um longo clímax, o que discordo em partes, já que sendo apenas um filme vários momentos de Relíquias, Parte II iriam se perder, mas… seria essa uma justificativa cabível? Deve-se duvidar, sobretudo, de um filme dividido em dois para dar conta do recado, sendo que há uma teoria que “nenhum filme precisa de mais que 2 horas pra mandar a mensagem”, quanto mais apelar para a técnica que só funcionou, num período de 20 anos, com os dois Kill Bill de Tarantino, cujo segundo só existe para aprimorar ao máximo a jornada da Noiva, e não para lucrar ao máximo com a jornada do bruxo. Esse último Harry não atrapalha em nada, pelo contrário, usa e abusa de referências boas do livro, mas é o motivo que faz isso acontecer que atrapalha. Fãs existem, devem ser valorizados como qualquer empresa faz, mas um filme dividido e que existe apenas para quem sabe cada diálogo do que está na tela sempre terá uma qualidade questionável. A verdade dói, mas hoje só consigo me lembrar da memorável cena de Snape, o lendário Alan Rickman. Aquela sim, de cortar corações.

  • Crítica | Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1

    Crítica | Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1

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    São tempos sombrios, não há como negar.

    É com esta frase de cunho pessimista que se inicia Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte I, ou resumindo, HP 7.1, filme que deu início definitivo ao encerramento de uma das franquias mais rentáveis já concebidas. Durante exatos 10 anos, as aventuras de Harry e seus amigos, Rony e Hermione, levaram multidões aos cinemas, encantando platéias de todas as idades e gêneros. Como resultado, a franquia arrecadou mais do que outras famosas séries do cinema, como Star Wars e as missões do agente James Bond.

    Nesse volume temos a continuação da subtrama das Horcruxes, objetos que garantem a imortalidade de Lord Voldemort. Agora em uma jornada solitária, Harry (Daniel Radcliffe), Rony (Rupert Grint), e Hermione (Emma Wattson) precisam procurar as Horcruxes restantes e destruí-las. Nesse contexto, o mundo dos bruxos passa por uma imensa crise e fica cada vez mais difícil de confiar nas pessoas, onde essas acabam por sucumbir à pressão do desespero. Ainda temos a revelação das relíquias da morte, artefatos que podem garantir poder superior a quem possuí-las.

    A opção de dividir o último livro da série em duas películas, de primeira, nos garantiu a impressão de que tal escolha era unicamente a de encher ainda mais os cofres do estúdio, numa última tentativa de gerar um lucro maior com a série. Mas quando analisado, percebe-se que tanto esta primeira parte, quanto a próxima ganharam, e muito, com esta divisão. Diferente dos outros filmes, onde os inúmeros cortes prezavam pela menor duração possível, HP 7.1 aproveita a possibilidade para investir em um ritmo de compreensão sensorial, calcado principalmente no desenvolvimento dos fatos que nos ajudarão a entender todas as pontas soltas deixadas pelos filmes anteriores. Alguns ainda reclamam da letargia do filme após um tempo, o que não deixa de ser compreensivo, já que tais problemas realmente existem, mas é inegável o quanto 7.1 se beneficia de sua paciência, podendo trabalhar com mais clareza os arcos que cercam os personagens.

    E não apenas construindo a narrativa com maior cuidado, o roteirista Steve Kloves (que não participou somente do quinto filme, A Ordem da Fênix) aproveita para definir melhor os personagens, e como a relação entre eles se tornou mais conturbada e complexa. Harry, Rony e Hermione ganham um filme “isolado”, onde a atenção é voltada única e somente para eles, onde seus conflitos são aprofundados com um carinho não visto antes. O roteiro analisa muito bem as reações dos personagens diante das situações apresentadas, e é aqui que vemos, definitivamente o trio deixar qualquer vestígio de infantilidade para trás, assumindo responsabilidades ainda maiores. Harry é obrigado a encarar a difícil tarefa de destruir as Horcruxes, e assim, dar fim ao tão sonhado regime que Lord Voldemort deseja impor (algo que lembra a época do Nazismo, fato histórico onde J.K claramente se inspirou). Rony, apesar de ainda ser o principal veículo cômico do filme, desenvolve uma personalidade mais intensa, pontuada pela incerteza sobre a segurança de sua família, e este sentimento faz florescer desejos antes completamente desconhecidos pelo público (e talvez pelo próprio personagem). Hermione também é atingida pela incerteza, não por sua segurança, mas pelo risco de não poder rever seus pais novamente, já que a garota se viu obrigada a apagar a memória dos mesmos, a fim de que suas vidas não fossem prejudicadas pela atual situação do mundo bruxo. Assim como ocorreu em Ordem da Fênix e que teve seguimento em O Enigma do Príncipe, os personagens se tornam figuras mais completas e carregam consigo um peso parcamente explorado nos anteriores.

    E David Yates merece mais do que parabéns por conseguir traduzir todas estas diversas emoções com eficácia. O diretor sempre teve uma forte tendência em apostar nos conflitos dramáticos, e aqui não foi diferente, com Yates tomando liberdades para com a obra de Rowling, e apresentando uma notável audácia. Momentos como a dança envolvendo dois dos personagens principais, a tortura executada por Bellatrix Lestrange ou o ousado beijo entre outros dois personagens demonstram a coragem de Yates em tornar esta uma obra mais adulta, que beira um filme de horror.

    Também chama a atenção a apropriação que Yates faz dos cenários exóticos que surgem durante a projeção. Optando por tomadas abertas e longos momentos contemplativos, o diretor denuncia toda a beleza, mas também o vazio das paisagens, investindo em um clima pesado e depressivo. A sensação de que nenhum lugar é seguro pontua cada segundo da narrativa, trazendo um constante clima de tensão. Em contraponto, o diretor capricha nas cenas de ação, mais vigorosas e empolgantes do que nos capítulos anteriores.

    E para manter essa evolução equilibrada, Radcliffe, Grint e Watson, enfim, nos entregam atuações dignas de grandes atores, com interpretações mais seguras e expressivas. Daniel Radcliffe sempre foi o mais criticado do trio, o que é verdade, já que seus tiques incomodavam nos filmes anteriores. Mas Radcliffe parece finalmente ter se livrado de tais tiques, interpretando Harry com mais naturalidade. Rupert Grint, assim como seu personagem, eleva Rony para um novo nível, apresentando muito bem a confusão emocional que toma conta do personagem. Mas Emma Watson continua sendo o destaque do trio, e as expressões fortes da garota revelam o potencial para uma futura grande atriz do cinema.

    Mas os verdadeiros mestres estão mesmo é no elenco de apoio. Enquanto que o frio e charmoso(!) vilão Lord Voldemort continua sendo brilhantemente interpretado por Ralph Fiennes, tenho cada vez mais vontade de levantar e aplaudir a performance de Helena Bonham Carter cada vez que a vejo como a lunática Bellatrix Lestrange, que aqui atinge o ápice da insanidade. Alan Rickman, apesar da curta aparição, ainda fascina com seu misterioso Severus Snape, e até outras participações menores, como Rhys Ifans e Bill Nighy possuem seu valor.

    Aliás, uma das maiores injustiças que a série sofreu em sua passagem pelos cinemas é o desprezo que as premiações deram ao departamento técnico dos filmes, tão digno de elogios quanto os outros méritos. Os efeitos especiais, apesar de simples, dão um interessante ar de realidade (como pode ser visto na original animação que narra o conto das relíquias da morte). Os efeitos sonoros também são muito bem trabalhados, e trazem um bom nível de impacto em certos momentos. A fotografia de Eduardo Serra, apesar de não ser tão sofisticada quanto a de Bruno Delbonnel para O Enigma do Príncipe, auxilia na construção do perfeito clima sombrio do filme, e a trilha de Alexandre Desplat, apesar de sutil, não passa despercebida, e configura-se com facilidade entre as melhores trilhas daquele ano, junto com outro maravilhoso trabalho de Desplat em O Escritor Fantasma, de Roman Polanski.

    HP 7.1 traça excepcionalmente bem o caminho para a batalha que há tempos era anunciada, e talvez seja o mais completo de todos os filmes da saga do bruxinho. É tenso, é divertido, é emocionante, é sombrio, faz rir e faz chorar. Um pacote completo. 

    Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.

  • Crítica | Harry Potter e a Ordem da Fênix

    Crítica | Harry Potter e a Ordem da Fênix

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    Vale dizer que Harry Potter e A Ordem da Fênix, o quinto filme da cinessérie veio pra colocar nos trilhos o que já estava perdendo a direção, logo após o desorientado e azedo O Cálice de Fogo. Quando o filme foi lançado em 2007, ninguém esperava uma pegada (pela primeira vez na saga) tão realista e sombria ao mesmo tempo. Isso porque David Yates tem o mesmo estilo aceitável que Chris Columbus apresenta na direção de A Pedra Filosofal, mas o que poucos estavam dispostos a entender (Fã é assim, ama ou odeia) é que o segundo nos iniciou à magia da forma mais clássica e infantil possível, enquanto Yates teve de pegar as crianças de bochechas rosadas e atirar num mundo cada vez mais ligado tanto ao universo real, quanto ao universo adulto que a série iria alcançar em Relíquias da Morte – Parte II, 4 anos depois.

    Uma transição difícil, cuja mudança de tom reflete no nosso contato com um conto de fadas pessimista, azul tal a famosa fase de Pablo Picasso, onde girassóis dão lugar a espinhos e ao invés de humor, doses de drama e romance exageradas, mesmo para quem cresceu vendo Daniel Radcliffe se enterrar cada vez mais na pele de um bruxo finalmente humano! Reparem que não se deve mais citar “bruxinho”, já que o Harry do começo encontra o canto do cisne de sua ingenuidade neste quinto filme, logo no começo bastante revoltado, hormônios à flor da pele, lutando contra forças das trevas para salvar o que restou de sua família e pagando o preço disso. Nota-se como Hogwarts nunca tinha sido tão pouco explorada antes, afinal: Há vida fora da escola.

    Além de traçar novos contornos na tradução ao Cinema do mundo de J. K. Rowling, contrastando por exemplo o mundo real, do mundo da magia, para criar um significado mais amplo à odisseia, Yates também nos propõe o seguinte: Ele desobedece a nossa noção de Harry que tínhamos até O Cálice de Fogo (herói básico de personalidade unilateral) para subverter sua figura à um moleque cheio de falhas, e que se intimidado não ficará encolhido diante dos perigos à tona. Del Toro teceu essa “desconstrução” do herói em contexto político e sensacional, no belo O Labirinto do Fauno, filme de narrativa fantasiosa, cheia de paralelos com esse A Ordem da Fênix, e o mais importante: Livre das exigências de fãs fanáticos que Yates, tadinho, não pôde (ou não quis) se libertar.

    Como se grilhões é o que faltasse nesse cineasta: Suas cenas de ação simplesmente não funcionam, dando muito mais peso ao drama que a vibração das emoções do momento. Para Yates, ação é câmera tremida e muito barulho, mais nada. Um cineasta pintor, onde a imagem funciona bem enquanto não se grita AÇÃO! Talvez por isso, o clímax do bem contra o mal é dramaticamente vibrante para fazer os fãs pularem, mas ao mesmo tempo frustrante no viés do espetáculo. Em 2007, ao assistir a aventura no cinema com vários colegas da escola (sim, cabulamos aula afinal era Harry Potter, matemática vem depois), o grande conflito descrito no livro vem com tanta fidelidade às páginas que nem a batalha final, nem qualquer outro momento do filme, longo demais, usa do potencial completo que suas bem arquitetadas cenas poderiam oferecer.

    E aqui chegamos ao motivo da crítica: Quando a gente começa a desenhar hipóteses e especular o lado would das coisas, bem, é porque a gente sente que a luta no Ministério da Magia (um cenário gigantesco), ou mesmo a presença de Voldemort que só cresce a partir deste episódio (sem esquecer o beijo assexuado e virginal de Harry e Cho-Chang) poderiam ser mais, muito mais e melhor, tornando um episódio 100% esquecível na saga, assim, em um belo filme de autoconhecimento, transição, com possíveis e desperdiçados momentos-chave na jornada de Potter e seus amigos; um longo e moralista conto de fadas, onde não temos certeza se Yates planejava um final feliz para uma história calcada em morte, já que aqui, a única força capaz de vencer seus demônios é o poder e a harmonia das amizades duradouras – algo naturalmente mágico e irresistível, aliás.

  • Crítica | Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban

    Crítica | Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban

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    Terceiro episódio da franquia, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban representa uma evolução no conjunto de linguagens apresentadas na saga e na dramaticidade da trama que, agora, ganha contornos mais sombrios que preparam o espectador para passagens mais densas da história do menino bruxo. Nessa sequência, Sirius Black, um famoso bruxo, escapa da prisão de segurança máxima de Azkaban imbuído do desejo por terminar aquilo que Lorde Voldemort começou: assassinar Harry Potter.

    Após dirigir os dois primeiros filmes da octologia, o americano Chris Columbus cedeu a cadeira de diretor para o mexicano Alfonso Cuáron (Gravidade). É significativamente perceptível as diferenças de perspectiva da mesma obra por parte dos dois diretores. Cuáron aposta em uma proposta mais soturnas, com soluções que flertam com um universo mais adulto. Existe uma clara evolução nos enquadramentos, no jogo de câmera, na lente aberta, na fotografia e montagem do longa-metragem. Aliás, talvez sejam montagem e roteiro os principais diferencias aqui. A saga abandona um roteiro simples e linear e ganha uma time line mais flexível, que exige um pouco mais da percepção dos espectadores.

    Outra mudança interessante está no figurino que deixa para trás os tradicionais uniformes da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e investe em trajes “trouxas”, o que facilita a avatarização do público na trama. A ambientação outdoor também ajuda a transmitir a ideia de que finalmente reconhecemos o terreno que pavimenta a saga e agora temos os detalhes em função da trama central e não oposto, como visto nos dois primeiros episódios.

    Pela primeira vez é possível vislumbrar os contornos de uma excelente atuação entregue por Emma Watson que, mais tarde, viria a se tornar uma estrela internacional. Aliás, a única do trio protagonista que conseguiu transcender sua personagem, Hermione Granger. Rupert Grint e Daniel Radcliffe também entregam boas atuações, mas são absolutamente ofuscados por um elenco que conta com nomes como Maggie Smith, Gary Oldman e a supracitada Emma Watson.

    Ainda falando sobre o elenco, temos Michael Gambon substituindo o falecido Richard Harris – falecido meses antes – no papel de Albus Dumbledore. Embora Harris tenha desempenhado uma excelente atuação, Michael dinamiza o famoso diretor de Hogwarts. Claramente mais jovem, o ator empresta esse frescor ao personagem que aqui parece mais acessível e mais complexo que outrora.

    Embora tenha basicamente a mesma duração que os seus antecessores, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban oferece ao espectador uma experiência bem mais agradável em função de toda mudança de rota promovida pelo diretor. Um dos episódios mais adorados pelo público – embora não seja muito fiel ao seu livro de origem – Azkaban é um interessante e bem executado ponto de ignição para a batalha entre o menino que sobreviveu e ‘aquele que não deve ser nomeado’.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Truque de Mestre: O Segundo Ato

    Crítica | Truque de Mestre: O Segundo Ato

    truque de mestre 2Com o sobrenome Truque de Mestre: O Segundo Ato, chega aos cinemas a sequência do sucesso de bilheteria em 2013, Truque de Mestre. O filme se passa cerca de um ano após os acontecimentos do longa anterior: os Cavaleiros vivem escondidos, aguardando novas instruções do “Olho”, a representação da sociedade secreta que os recrutou no passado; Thaddeus (Morgan Freeman) está preso e Dylan Rhodes (Mark Ruffalo) continua exercendo a função de detetive no FBI, alimentando pistas falsas sobre o paradeiro dos mágicos.

    Praticamente todos os atores retornam à produção, com exceção de Isla Fisher, que interpretou a ilusionista Henley no primeiro filme. Aliás, aqui mora o primeiro problema desta sequência. A saída da personagem é muito mal explicada, sobretudo levando em consideração o fato de todos serem procurados pela polícia. A atriz (e a personagem) é substituída por Lizzy Caplan (Lula) que, convenhamos, representa um avanço e tanto em relação aos alívios cômicos da trama. A atriz se sai muito bem no papel e rouba as atenções sempre que está em cena. Sua interpretação despojada e seu jeito badass lembram muito as personagens de Kat Dennings.

    A outra novidade do filme, o vilão Walter, interpretado por Daniel Radcliffe, não chega a surpreender, mas soa interessante em cena. Daniel definitivamente não consegue se desprender do papel que o tornou famoso, o bruxo Harry Potter. E, em um filme que tem a magia como tônica, a sensação é a de que a qualquer momento o veremos conjurando um patrono ou evocando um avada kedavra de sua varinha.

    Jesse Einsenberg e Woody Harrelson são os maiores destaques positivos no quesito interpretação. Harrelson tem trabalho dobrado, pois dessa vez existe um vilão irmão gêmeo de seu personagem, com personalidade bem distinta, inclusive. É interessante ver o veterano em meio a atores bem mais jovens. Já Eisenberg, tão criticado por acrescentar um tom amalucado e cheio de tiques em seus personagens, tem aqui uma de suas melhores atuações, perdendo apenas para seu papel em Mais Forte Que Bombas, de Joachim Trier.

    A montagem do longa funciona bem no primeiro e último atos, mas deixa algumas falhas bem perceptíveis no ato intermediário, o que evidencia também algumas inconsistências de roteiro e direção. Ou seja, aquilo que começa errado no papel dificilmente pode ser salvo na edição. Além disso, fica a sensação de que ao menos trinta minutos de filme poderiam ser retirados para acelerar a edição e tornar o assistir mais agradável e compassado.

    A Lionsgate Summit parece querer transformar Truque de Mestre em uma franquia e tem tudo para obter sucesso nessa empreitada. A trama é divertida e prende a atenção do espectador. Não representa nenhuma novidade cinematograficamente falando, mas é um belo espetáculo visual. Talvez o público brasileiro não se identifique tanto com a história, pois não temos a mesma relação de deslumbre com o mundo do ilusionismo nutrido pelo povo americano. Ainda assim, vale a pena assistir.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria. 

  • Crítica | Victor Frankenstein

    Crítica | Victor Frankenstein

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    Na mitologia grega, Prometheu é o titã apaixonado pela espécie humana que roubou o fogo dos deuses e o entregou à nos. Devido a isso, foi severamente punido por Zeus (que tinha medo de a humanidade se tornar tão poderosa quanto os deuses). Acorrentado por toda eternidade no topo de uma rocha, uma águia comia seu fígado que se regenerava no dia seguinte, quando seu calvário recomeçava. O fogo desempenha papel fundamental na história humana, sendo a luz usada como símbolo da engenhosidade e poder. Relacionando-se com os pilares que trouxeram o desenvolvimento da sociedade pré e pós industrial, o fogo é a descoberta mais importante da nossa espécie ao lado da roda e origem de nossas maiores tecnologias. Durante boa parte da história do cinema, o cientista é muitas vezes colocado no papel de Prometeu, como aquele que trará o fogo do conhecimento à humanidade, a vida, a autonomia e roubar o papel que os deuses têm no dia a dia, estando fortemente inserido no clássico literário Frankenstein: ou o Moderno Prometheus de Mary Shelley.

    Aqui, a ideia é subverter uma questão irônica disfarçada na obra de  Shelley: a confusão sobre quem é Frankenstein. O nome muitas vezes atribuído ao monstro é na verdade de seu pai e criador, Victor Frankenstein, e com isso nasce a pergunta sobre quem seria o verdadeiro monstro da história. O filme Victor Frankstein é bem menos complexo do que o romance original, que envolvia uma trama de acusações, romances, assassinatos, bem como uma criatura inteligente e letrada capaz de fazer frente à humanidade.

    Construída por Victor Frankenstein e considerada tão repugnante por seu criador que fora abandonada por ele, “A Criatura” tinha por objetivo encontrar seu próprio mundo, já que do mundo dos seres humanos só conheceu a rejeição. Assassinando o irmão de Victor e o coibindo à construir uma fêmea para viver com ele, a história se envolve em diversas reviravoltas e um grande número de personagens. Boa parte desses elementos aparecem desvirtuados no novo filme, alterando seus propósitos e a linha do tempo.

    Esta nova roupagem conta a história de Victor de maneira bastante energética (James McAvoy, em um excelente trabalho de ator, essencial para dar alguma substância aos bobos diálogos entregues à ele) correndo zoológicos e circos atrás de partes de animais para assim completar sua criação secreta. É no circo que ele conhece Igor (Daniel Radcliffe também muito bem, mas destinado à atuar em situações quase constrangedoras), criatura corcunda e rejeitada, até então sem nome, e que apesar de ser visto como ser repugnante, é dotado de extrema inteligência e empatia. Ao perceber suas habilidades, Victor decide resgata-lo do circo para assim lhe servir de escudeiro em seus experimentos. A partir disso, eles são perseguidos pelo inteligentíssimo e religioso investigador Roderick Turpin (Andrew Scott).

    O próprio título já estabelece um recorte bem específico sobre a ótica com a qual contará sua história, mas em nenhum momento a discussão sobre a ética científica, o medo da ciência e do avanço da tecnologia que permeia questões sobre a existência ou não de um regente superior; além amizade; amor e honra são elaborados em cena. Todas essas são colocadas de maneira à manter Victor como o grande filtro da humanidade e com isso acaba perdendo toda a tese ao longo da jornada do herói e sua dicotomia com a vilania e loucura genial. Há ainda um número grande de personagens secundários que buscam aproximar esta versão do romance de Mary Shelley enquanto apresentam uma nova abordagem à esses elementos, mas que têm como resultado final apenas inchar uma trama que já se satisfaz em caminhos para seguir, porém carentes de substância.

    Novamente o trabalho de ator serve para melhorar o roteiro do instável Max Landis — o qual anunciou em seu Twitter que o roteiro original era incrível e surpreendente, mas que na verdade não é – já é terceiro filme em que usa essa afirmação. A direção de Paul McGuigan lembra muito o trabalho feito por Guy Ritchie para Sherlock Holmes. Inclusive, o diretor já é conhecido por emular o estilo de Ritchie em seus outros filmes. A dinâmica e estética são as mesmas, e ainda que aqui os assuntos sejam essencialmente mais profundos, parece uma versão pior de tudo aquilo que já foi visto com esses personagens.

    O romance original foi concebido numa época de profundas transformações tecnológicas e éticas da ciência da década de 1820, com as experiências de Orsted, a invenção do motor elétrico por Michael Faraday e a posterior unificação do eletromagnetismo por James Clerk Maxwell. As inspirações dos cientistas e experimentos da época são claras, pois no início dos experimentos sobre eletricidade havia o conceito ainda primário de que haveria algum tipo de eletricidade nos objetos e uma eletricidade biológica, esta última contida apenas em espécies vivas e que poderia ser reproduzida de alguma maneira. Foi desta forma que foi realizada a experiência com uso de rãs mortas presas às lanças de cemitérios em dias de tempestades. Durante a queda de descargas elétricas, as pernas das rãs se mexiam devido a geração de uma pequena corrente elétrica que atingia os terminais nervosos do animal gerando espasmos. Para testar mais e melhor esse tipo de hipótese, alguns cientistas usaram pedaços de corpos humanos.

    Com todo um arco improdutivo e baseado em ignorância, com falas artificialmente ateísta e outras artificialmente deístas que obviamente visavam apenas provar o seu contrário para chegar em algum tipo insosso de meio termo sobre o papel da nossa espécie na Terra e dos mitos que criamos, Victor Frankenstein erra ao pensar ser genial aquilo que todos já elaboraram e acaba entregando um material que parece ser apenas um apêndice de referências. Quando ameaça alguma conclusão ou amarração de seus conceitos, o faz olhando para trás numa espécie de gancho para futuras produções. Uma obra problemática, que reforça ideias obscurantistas mesmo sem aparentemente querer fazê-lo, e com tantas dificuldades de compreender e encontrar seu papel quanto seus pobres personagens.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Será Que?

    Crítica | Será Que?

    Saudosismo é um sentimento que deveria remeter a bons momentos, normalmente vividos por duas ou mais pessoas, mas também pode compreender a imaginação do que seria uma vida ideal, ou uma postura que deveria ter sido tomada há muito. É baseada na segunda hipótese em que está a trama de Será Que?, a nova comédia romântica fofinha/indie/hipster de Michael Dowse, que apresenta um casal de jovens, Wallace e Chantry, que se conhecem de modo curioso e que produzem uma amizade platônica a partir dali, claro, com uma evidente tensão sexual, mas que prossegue sem ser concluída.

    O carisma dos personagens é garantido de modo quase automático, graças aos seus interpretes –  Daniel Radcliffe e Zoe Kazan – reunindo até alguns ecos de alguns de seus personagens anteriores. A falta de ação de Wallace lembra muito a persona eternamente adolescente de Harry Potter, ainda que de sua boca saiam mais palavrões e sacadas mais maduras que a do bruxinho, mas a falta de traquejo com seres do sexo feminino prossegue, tanto que o personagem permite que seu próprio potencial caia indiscriminadamente na mítica friendzone.

    O modo como os dois “pombinhos incompreendidos” agem corre inteiro pelo modus operandi dos superestimados e inconscientemente pretensiosos membros de nicho, que usam armações de óculos gigantescas e camisas xadrez, amando objetos artísticos não populares, louvando um modo de vida alternativo unicamente por ser alternativo, praticamente nem discutindo a qualidade do que consomem. E depois de 500 Dias Com Ela, uma comédia romântica para homens, e de tantas outras voltadas a outros nichos, essa agora tenta alcançar os fãs vazios de Pedro Almodôvar e quiche, emulando os diálogos hiper-verborrágicos de Woody Allen para dar volume a obra, mas sem banalizá-la por completo, apesar do vício linguístico claro.

    A aproximação dos dois é lenta por causa do compromisso de Chantry, apesar que desde antes do filme começar, já ficar evidente que o guião tratará de juntar os dois jovens. Todas as interações dos adolescentes envolvem muita química e uma inevitável vontade de que as peles se toquem e que todo o circo de sensualidade e inter-curso sexual finalmente ocorra, sempre esbarrando na condição de namoro a distância e de um comprometimento que nunca consegue se concluir em si. A carência une e atrai os dois, como mosquitos em direção a uma luminária mata-insetos.

    A situação vai se complicando com a intimidade chegando sem a possibilidade de coito. Os amigos começam a ser confidentes, adentrando numa intrínseca narrativa de segredo com alta confiança, e cada vez à distância do tão esperado enlace entre os dois. O paralelo visto entre o medo de se entrelaçar com o par – lê-se casamento – e o modo pomposo de se vestir em um casório, dito por Nicole (Mackenzie Davis) serve como alegoria a um dos maiores temores da vida adulta, inclusive cooptando as inseguranças de Wallace em finalmente se lançar em direção ao sentimento que tem por sua musa, e, claro, a evasão dos namoros sempre que as coisas começam a dar errado.

    As agruras pelas quais Wallace passa para reencontrar sua alma gêmea envolve uma série de fatos bastante nonsense, com provas de amor que cortam o globo terrestre e envolvem pensamentos e atitudes inconsequentes, que não são encaradas com a expectativa que ele tinha. A vida adulta mais uma vez exibe sua face cruel, frustrando seus desejos de finalmente ser um com sua amada.

    Será Que? Possui uma necessidade menor de paciência por parte do público masculino, que não fica completamente estafado com o resultado final, mesmo com todas as fórmulas e estratagemas repetidos de filmes como Ruby Sparks. O modo singelo como tudo é tratado neste microuniverso exala sensibilidade, medo e receio de que a modernidade e a rotina matem a possibilidade de romance, ainda que no desfecho haja um momento açucarado, como o gênero mesmo pede, até por motivos comerciais. A sensação após o ao apagar inicial das luzes é semelhante a da letra de Provas de Amor, dos Titãs, que em seus versos, afirma que  “Existem provas de amor… Não existe o amor“, remetendo ao sentimento de Chantry, que sempre tenta ir até o final de seus relacionamentos, mas acaba optando por seguir sua vida com o outro protagonista da fita, na demonstração de evolução mais palpável de ambos personagens.

  • Crítica | Versos de Um Crime

    Crítica | Versos de Um Crime

    Versos de Um Crime

    Presente desde eras anteriores à palavra, a angústia foi definida e analisada como conceito somente nos últimos séculos. Atribui-se à modernidade a culpa pela sensação de urgência em que o indivíduo, diante de um mundo plural, torna-se incapaz de identificar-se com o exterior e compreender seu valor em sociedade. Um mundo novo que negava as tradições anteriores e fazia da razão um dos papéis centrais. Neste espaço de avanços filosóficos, científicos e tecnológicos, além das grandes guerras que assolaram o começo do século, nasce o homem fragmentado.

    Em detrimento das tradicionais biografias cinematográficas que apresentam as personagens em sua totalidade, Versos de um Crime, de John Krokidas, traça a história de uma geração de jovens que viveu sob a incerteza e a angústia da guerra, reconhecendo-se na figura de homens fragmentados.

    Centrado no escritor Allen Ginsberg, a trama acompanha o autor em sua jornada pela faculdade, inicialmente vista como um local primordial de aprendizado mas que, aos poucos, torna-se um espaço formulaico onde o conhecimento não busca a iluminação. Negando seus estudos, Ginsberg encontra um grupo de escritores com o qual pode dividir sua angústia e a urgência em fazer arte numa época em que o conceito artístico parecia desgastado.

    Grande parte da jornada de um escritor divide-se na dúvida primordial de seguir a tradição que lhe é imposta ou rompê-la. Ginsberg e os não menos notáveis William Burroughs e Jack Kerouac, ao lado do amigo Lucien Carr, são jovens de família bem-sucedidas que, embora aceitem a condição em que vivem, sentem-se entediados pelo ambiente ao redor e buscam romper na literatura as amarras de seu tempo.

    Em companhia de seus pares, os escritores retomam grandes poetas transgressores do passado à procura de uma própria forma de romper as estruturas vigentes. Recorrem ao poeta W. B. Yeats, utilizando-o como fruto de inspiração para fundar a própria história, e criam um manifesto que ia contra o conceito literário da época. Um passo importante para demostrar que as regras seriam pervertidas e quebradas.

    A angústia sentida pelas personagens está atrelada à sua própria arte. É necessário entender o deslocamento que vivem para ter a experiência que dará densidade à escrita. Um senso que compreende o passado para também aceitá-lo ou quebrá-lo. Elementos primordiais que definem a própria modernidade, fazendo desta produção uma narrativa metaficcional sobre a própria literatura.

    Reforçando a sensação de ruptura, diversas cenas simbolizam esta metáfora de maneira poética. Vemos escritores bêbados ou afetados por alguma droga à procura de uma nova consciência, rasgando livros clássicos como uma fogueira que pulveriza as tradições. Nada mais justo do que uma história que apresenta grandes poetas da geração beatnik, movimento que fundariam.

    No interior dessas curvas, entre autoconhecimento e negação, um dos personagens assassina um homem mais velho tido como mentor. A morte real de David Kammerer causa naturais cisões no grupo, mas é também o caminho para que Kerouac, Ginsberg e Burroughs encontrem o melhor de seu estilo literário.

    Ainda que a morte tenha sido baseada em fatos reais, ela não deixa de ser funcional como uma metáfora da citada ruptura entre o novo e o velho. Na figura de Kammerer, Michael C. Hall interpreta um homem apaixonado pelo efebo Lucien Carr, e, diante de um amor não correspondido, a personagem se torna obcecada pelo jovem, um caso que ganha trágico desfecho.

    O desejo também é parte da questão de identidade que atravessa as personagens; Ginsberg também sente-se atraído pelo garoto, dando indícios de que este seria um dos primeiros traços de sua homossexualidade. Mais um elemento que seria definidor na carreira do poeta.

    A produção de Versos de um Crime – com péssima tradução do título Kill Your Darlings, parecendo um título de Terror B – demorou cerca de dois anos para ser finalizada. A princípio, por falta de verbas; depois, pela perda de seu ator principal, Daniel Radcliffe que, além de interpretar um dos bruxos mais famosos da nova literatura, sustenta bem o difícil papel do poeta. Demonstrando a dúbia maturidade da personagem, observamos o tédio em que as personagens viviam para, enfim, compreendermos a criação do movimento beat.

    Ao fazer um pequeno recorte histórico que se finda na morte de Kammerer, a produção foge da situação de perfeição de seus biografados e amplia a densidade da angústia que ainda reside no homem contemporâneo, que, após tantas margens e tabus aniquilados, encontra-se à margem de um vazio sem saber sua motivação. Assim como no poema de Yeats no qual os poetas se baseiam para fundar seu manifesto, muitas vezes o tempo é circular. Parte da compreensão do mundo atual deve ser feita retornando ao passado. A vida como meta ficção.

  • Crítica | A Mulher de Preto

    Crítica | A Mulher de Preto

    A Mulher de Preto é um filme do diretor James Watkins com o famoso ator Daniel Radcliffe (conhecido pelo seu papel em Harry Potter) que alcançou bastante propaganda justamente pelo seu protagonista. O filme conta a historia de um advogado que se vê forçado a viajar para uma aldeia do interior para cuidar de um caso, mesmo que ainda não tenha se recuperado da morte da sua esposa que ele passou recentemente.

    Primeiramente, o filme tem paisagens excelentes. As locações do filme são magníficas, deixando com vontade de visitar os locais. Além das paisagens naturais, que dão um ar de interior da antiguidade, as locações de cidades passam muito bem a ideia de estar em um interior da Inglaterra antiga ou até na londrês antiga.

    Mas um ponto é o figurino, que também ficou muito bem feito. Existe uma diferença visível até entre as roupas usadas pelas pessoas na cidade e no interior. Como seria de se esperar daquela época. Até mesmo dos ares entre a cidade e o interior.

    Agora porque eu notei isso? Porque eu faço corte&costura e paisagismo? Não, juro. Porque o filme tem um clima de era vitoriana muito grande, causando uma impressão de realismo e não lhe tirando do clima do filme e sempre aumentando. Por algum tempo você até pensa que poderia ser a população que devia realmente ter suas crenças nessa época que estava criando aquele clima. Você se sente transportado direto para aquele ambiente, o que se torna muito importante para gerar esse clima de desconfiança do que é real ou mito no filme.

    Veja que o filme passa uma grande parte do tempo se preocupando em desenvolver e lhe prender na tensão da historia. Quem seria a mulher de preto? Ela seria um fantasma mesmo? Se for um fantasma, seria a mulher dele?

    O personagem muito bem interpretado pelo “Harry Potter” segue com suas motivações muito criveis, além de interpretar muito bem um pai que tem que ser melhor e mais forte por causa do seu filho. Tudo isso em uma interpretação muito contida, em que você olha alguém que passou por muita coisa, mas não pode demostrar, não tem para quem o intenda e tem que seguir em frente mesmo ainda não superado os seus traumas.

    O filme tem uma duração curta de uns 90 min., que acaba sendo um pouco curto. Mas, se o filme se estendesse mais, possivelmente perderia o ritmo ou seria adicionado na historia do filme elementos desnecessário ao ambiente. Nesse caso, a duração ser curta é uma coisa boa. Nesse caso, menos tempo é mais conteúdo.

    Sobre o final do filme, aguardem uma boa surpresa. O final eu classificaria como corajoso por não se render a ser mais agradável e não previsível por brincar com o que você sabe e o que você acha que sabe. Em nenhum momento sabemos de tudo e tudo é incerto, e o final não podia ser diferente.

    Pessoalmente, recomendo o filme porque eu gostei. Diferente de muitos filmes, esse da um ar de susto/tensão pelo seu desenvolvimento e interpretação dos atores, apesar de abusar de alguns clichês de vez em quando, mas sabemos que o que importa não é a historia e sim como ela é contada. E nesse caso foi uma excelente forma de contar uma historia de fantasma.

    Texto de autoria de Psycho Mantys.