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  • Crítica | It – Capítulo Dois

    Crítica | It – Capítulo Dois

    Depois de muita expectativa, e de uma primeira  parte que fez um sucesso considerável, It – Capítulo 2 estreou com uma grande responsabilidade, de atender a expectativa não só de It-A Coisa, mas também da conta de adaptar um dos clássico literários de Stephen King, e Andy Muschietti retorna a direção para mostrar o elenco antes infantil lidando com seus medos, anseios, traumas e com memórias reprimidas, retornando a Derry, depois de magicamente terem perdido as lembranças sobre o combate a Pennywise.

    O começo do filme mostra o grupo dos Perdedores/Fracassados fazendo uma promessa, de que retornariam a cidade do Maine independente de como estariam suas vidas no momento que percebessem, para logo depois, pular para 27 anos depois, com os meninos já adultos, e vividos por atores famosos. Os momentos iniciais mostram um crime de homofobia, situando o espectador dos  horrores terríveis comuns, e mesmo com um mal ancestral e de origem desconhecida, ainda há muito de maléfico no comportamento popular do homem. Pennywise se alimenta da violência, e tem uma ligação forte com o crime de preconceito, e isso é uma ideia boa do roteiro de Gary Dauberman, um dos poucos acertos aliás.

    A partir do momento que se mostram os destinos dos personagens, a qualidade varia muito. Claro, os rumos não são tão mal pensados quanto os mostrados em It- Uma Obra Prima do Medo dos anos 1990, mas ainda assim há alguns momentos bem constrangedores. De positivo, há a apresentação de Bill Denbrough (James McAvoy), como autor de livros famosos, que tem seus textos adaptados por gente grande – há participação de Peter Bogdanovich até – alem de ter um comentário engraçadinho sobre seus finais não serem bons, em um comentário que faz paralelo com o de Stephen King e a opinião geral sobre suas primeiras obras. Outros momentos legais incluem a introdução de Richie (Bill Hader), em um ângulo estranhíssimo exibindo seu vômito antes de um show de comédia, e também do inseguro e alérgico Eddie (James Ransone), que claramente repete ciclos, e se casa com uma mulher idêntica a sua mãe, que alias, o roteiro faz questão de mostrar que isso não é à toa, soando nada sutil desta forma.

    Os problemas do filme começam exatamente no nome mais famoso de seu elenco, que vem a ser Jessica Chastain, a interprete mais velha de Beverly. Seu drama é o mais delicado e o que mais envolve clichês e artificialidades. O relacionamento abusivo e violento é muito mal traduzido, mostrado de forma sensacionalista,quase tão irritante quando os jumpscares baratos que lotam o filme.

    Outro evento péssimo é a gagueira forçada de Billy, que não soa em nada natural. A ideia de resgatar a mentalidade infantil e o trauma é boa, mas exala estranheza. A mistura dos elementos místicos, como as premonições de Bev, as descobertas meio loucas de Mike (Isaiah Mustafa) não funcionam bem, são mal ambientadas e mal explicadas, ficam jogadas no meio do filme. Toda a boa construção de naturalidade do primeiro filme vai se esvaindo aos poucos, e pioram demais com o uso excessivo de CGI, péssimo por sinal, com bonecos bem mal feitos e com textura terrível.

    O conceito de que destino e tragédia tem ambos um caráter inexorável é muito boa, mas se perde demais na quantidade absurda de flashbacks. O filme parece inchado e Muschitetti perde mão até com as poucos cenas que eram boas na adaptação antiga de Tommy Lee Wallace. Bill Hader é o responsável pelos poucos pontos realmente bons principalmente quando seu personagem lida com o de Ranson, exibindo um bromance com elementos até de homo afetividade. Mesmo Bill Skarsgård perde força, pois quando aparece, é assustador e quase tão carismático quanto Tim Curry, mas tem pouco tempo de tela, em detrimento das péssimas aparições digitais de sua forma e de outros monstros.

    Se fossem encurtadas as aparições espirituais e ilusões, o longa provavelmente teria um ritmo melhor , seria mais palatável e menos enfadonho, além do que toda a parte do núcleo de Henry Bowers (Teach Grant), tanto no hospício quanto em seu retorno a casa beira o risível. O desenvolvimento de It – Capítulo Dois é como um pesadelo dos mais extensos, uma tortura para personagens e para quem acompanha esse drama. O roteiro de Dauberman é excessivo em dar as vitimas uma chance de se redimir, além do que o gore é moderado demais para o que se esperava, além de soar artificial em cada uma de suas manifestações.

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  • Crítica | X-Men: Fênix Negra

    Crítica | X-Men: Fênix Negra

    X-Men: Fênix Negra, dirigido por Simon Kimberg, é o quarto filme após retomada da franquia em X-Men: Primeira Classe, e seu início se dá com um monólogo sobre destino e evolução, emulando um pouco o que Patrick Stewart fez em X-Men: O Filme, só que agora dito pela Jean Grey  (Sophie Turner). Iniciado em 1975, com a infância trágica da narradora que foi acolhida por Charles Xavier (James McAvoy).

    A trama não demora a chegar em seu momento “atual”, no ano de 1992, numa missão dos X-Men no espaço. Xavier e seus  alunos surfam em uma enorme popularidade. A adulação aos mutantes e a discussão ética são bons pontos, mas pouco ou mal explorado. A passagem de tempo para alguns personagens é bastante confusa, Michael Fassbender (Magneto), McCAvoy e Nicholas Hoult (Fera) não tem em suas mutações desculpas para não envelhecer, como a Mística de Jennifer Lawrence (em algumas versões, Magneto também tem envelhecimento retardado, mas nada tão grave quanto aqui), e sinceramente esse passa longe de ser o maior pecado de Fênix Negra.

    As incongruências começam com o estranho salto de poder de Jean. Nos quadrinhos havia o impacto dela ser fraca no início, e repentinamente ganhando poderes e adquirindo onipotência após um encontro cósmico, no entanto, em X-Men: Apocalipse ela já demonstra um grande poder, portanto, há pouco impacto no crescimento da personagem. Há algumas piscadelas para o público, como uma rave da mutante Cristal, um easter egg simpático, mas que faz pouco volume no todo. O foco dramático é evidente e bem óbvio: o envaidecimento de Xavier. Ocorre que isso já foi plantado na versão de Matthew Vaughn mas inflada aqui, e esse pecado é apontado também nos quadrinhos. Dizer que o telepata pôs barreiras mentais em Jean nem pode ser considerado exposição de trama (os trailers deixam isso claro), mas daí a culpar Xavier por isso não faz sentido. Ora, nos filmes anteriores abre-se precedentes a todo momento, tanto no filme de 2011 quanto em X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido: em um ele está em começo de carreira, no outro já é tão veterano que se aposenta e em ambos o líder mutante manipula memórias e pensamentos, mas lá não era problema.

    Os inimigos estrangeiros, também soam confusos. Não se explana nada sobre os D’Bari e nem se cria um mínimo suspense sobre eles, para quem não leu os quadrinhos soam como pura tolice. O roteiro não precisa ser expositivo mas com o pouco que se dá eles parecem apenas malfeitores genéricos, e não as criaturas que vão atrás da Fênix na história clássica, e ainda tem a problemática de subvalorizar Jessica Chastain, que aliás, contraria qualquer teoria anterior.

    Há bons conceitos como a comunidade de Magneto, uma espécie de pré-Genosha, mas seria muito mais legal se tivessem mostrado o desenvolvimento desta (mas vá lá, também não mostraram a guinada rumo a família de Erik no filme anterior). Outro boa ideia mal executada é o sentimento que predomina em Jean ser a rejeição, e não o medo. O fato dela não saber lidar com o poder e a maneira como os mutantes a enxergam como ameaça é um argumento inteligente, pois mostra como a educação que não é libertadora facilmente faz com que o perseguido se torne perseguidor, mas a ideia de ser acompanha por boas cenas de ação é desperdiçada por atuações repletas de frases de efeito, com um desfecho confuso, com pouca ou nenhuma razão factual para ser repleta de viradas morais. Os momentos finais de Fênix Negra são artificiais, mostrando uma nova configuração da escola e do futuro dos personagens, buscando uma aproximação com o que é visto em X-Men: O Filme. A boa construção de texto é escondida com rimas visuais oportunistas que só enganarão o espectador que estiver completamente desatento, se é que até esse abraçará essa obra, visto que é preciso memória e apego aos outros filmes. É uma pena uma franquia como essa termine de modo tão melancólico e vergonhoso, mesmo com possibilidades para um futuro fora do estúdio.

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  • Crítica | Vidro

    Crítica | Vidro

    Mal avaliado pela crítica internacional, Vidro, nova obra de M. Night Shyamalan possui dentro de si dois filmes bem distintos que em alguns momentos se tocam e se condensam, um dele é mais escapista e leva com base as historias em quadrinhos de super heróis, e outra mais audaciosa e pretensiosa mira um enredo com elementos de teoria da conspiração. O ponto de partida para esta historia é a captura de dois seres de capacidades sobre humanas, David Dunn, personagem de Bruce Willis que protagonizou Corpo Fechado, e Kelvin Wendell Crumb, que foi o personagem central de Fragmentado, de novo executado por James McAvoy.

    Esta parte mais megalomaníaca é  claramente inferior a questão que faz referencia aos quadrinhos, e boa parte dela é motivada pela personagem de Sarah Poulsen, a doutora Ellie Staple, que é designada para cuidar de David, Kelvin e também de Elijah Price (Samuel L. Jackson), o Mister Glass, que é um homem de uma mente muito poderosa, e que permanece sempre sedado para não executar seus planos malignos. Aqui se nota um cuidado do roteiro em expandir a mitologia, seguindo a ideia do filme de 2000 de tentar encaixar os super seres em um ambiente e cenário plausível, pois cada um desses homens tem uma cela e condições especiais para frear suas habilidades e fúrias.

    No entanto, Staple é uma personagem cética. Em um primeiro momento se mostra  completamente incrédula nas capacidades dos pacientes internos da instituição, e usa a teoria de Mister Glass como base para desbaratar a questão e mostrar que os feitos do trio ocorreram por conta de estados alterados da mente  ou por outras questões com alguma explicação mais terrena do que a crença de que os quadrinhos contam historia e feitos de pessoas reais. Até certo ponto essa questão é bem desenvolvida e faz sentido, mas é nela que moram grande parte dos problemas do roteiro.

    As cenas de ação, as sequências de luta e o resgate aos personagens antigos e periféricos são aspectos bem legais da trama. Spencer Treat Clark, Anya Taylor-Joy e Charlayne Woodard conseguem reprisar bem seus papeis, e todos eles são ressignificados e com quadros evoluídos. Há ressentimentos, culpa e um sentimento de impotência em comum com Joseph Dunn, Claire Foley e a mãe de Elijah e o desenrolar desse aspecto da historia é feito de um modo muito inteligente e maduro, uma vez que personagens secundários sempre foram parte importante do cânone dos heróis seja nas Eras de Ouro, Prata ou moderna dos quadrinhos.

    Shyamalan foi relegado por grande parte de público e crítica a condição de péssimo diretor, e isso obviamente é um exagero. Muito desse sentimento rancoroso ocorreu por conta do seu belo início como cineasta e com as comparações desnecessárias que a imprensa fez da sua filmografia com a de Steven Spielberg, mas isso é pouco culpa dele. Após Dama na Água seus filmes sofreram um terrível declínio, mas o fato de ter realizado obras execráveis não apaga seus méritos anteriores, o que aliás é um exercício de futilidade terrível. Outros cineastas famosos também sofreram um bocado com isso, desde Bryan Singer e Christopher Nolan mais recentemente, até Tim Burton e esse tipo de afetação é algo desnecessário demais.

    A personificação dos três personagens poderosos varia de qualidade. David é muito bem interpretado por Willis, que aliás, volta a ter um desempenho bom e isso faz falta em sua filmografia recente, e isso tudo se dá graças principalmente a antiga parceria com o diretor. Jackson faz um personagem enigmático, manipulador e carismático, é quase impossível de não simpatizar, já McAvoy segue afetado, com algumas de suas personalidades melhor exploradas e outras sub aproveitadas, como foi no filme anterior. Já Sarah Poulsen faz uma personagem que tenta soar  complexa, mas que só consegue reunir em si a má vontade típica dos antagonistas, e ela deveria ser uma mulher de caráter dúbio, mas falta construção de roteiro para sua personagem, e claramente não é culpa da interprete. Nem as revelações sobre suas ligações com o passado salvam ela de um destino mal construído pelo roteiro.

    Vidro está longe de ser perfeito, seu roteiro carece de uma melhor construção, mas mesmo com tantos defeitos ele sobrevive até ao fato de seu antecessor Fragmentado ser superestimado. Conseguir reunir três personagens tão icônicos e cheios de detalhes diferenciados é um mérito grande, além do que também se  harmoniza isso tudo de maneira coesa é certamente, constituindo então um belo acerto do autor de Sexto Sentido. O fato do final ter um final surpreendente não é necessariamente um problema, apesar incomodar bastante a gangorra emocional próxima do desfecho, enchendo os minutos finais de reviravoltas meio bobas e que estão lá basicamente para chocar. Incrivelmente, Shyamalan até nesse defeito em sua obra emula uma característica típica dos quadrinhos recentes, que é a predileção para uma narrativa épica meio forçada e frustrada pela fregilidade de sua construção.

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  • Crítica | Submersão

    Crítica | Submersão

    Win Wenders não parece mais acreditar em si mesmo. Parece ter vergonha ou certa descrença com as suas tramas também. O diretor dos espetaculares, e já considerados clássicos modernos, Paris/Texas, Buena Vista Social Club e Asas do Desejo faz, hoje em dia, o que o cinema comercial saudosista repete tão bem, ano após ano, só que em campo territorial: recicla as mesmas histórias que o consagraram, em seu modelo formoso de Cinema, mas sem novidade alguma na abordagem. Como se arrastasse para contar uma história, com atores servindo-o apenas de fantoches em mera mise em-scène esquecível e 100% dissociável a carreira do brilhante cineasta alemão que existiu. Na verdade, se está vivo, respira por aparelhos.

    Wenders se consagrou pela sua coragem, propriamente dita, em mesclar gêneros ao redor de personagens sempre em constante mudança. Papeis que buscavam algo maior como se aquilo que está reservado a eles os chamasse, justo no começo de cada história. De certa forma, e com pesar afirmo, assistir a Submersão é observar a dissolução desse ímpeto, da identidade e da paixão cinematográfica de um cineasta com a arte e seu público. O diretor já parecia dar indícios a tempos dessa espécie de desilusão não-oficializada com seu ofício de uma vida inteira desde os primeiros anos do século XXI, mas foi com Tudo Vai Ficar Bem, com James Franco e Charlotte Gainsbourg, a musa de Lars Von Trier, que se deu o parecer mais forte desde os “distantes” anos 90. Filme fraquíssimo, um fantasma ocupando uma tela, um arremedo de ideia.

    Assim se dá o enredo de um romance, dos mais inexpressivos dos últimos anos, entre Alicia Vikander, a recente Lara Croft do Tomb Raider de 2018, e James McAvoy, o assassino multipolar de Fragmentado. Ambos em bela sintonia, conhecem-se num hotel por acaso enquanto tentam dar as suas vidas um possível significado, mediante as suas profissões: ela, biomatemática, vive estudando a imensidão marítima, e ele, um espião inglês prestes a assumir a missão mais arriscada de sua vida: investigar uma facção terrorista que pode colocar em risco a vida na Europa inteira. História interessante, e mais ainda graças a mágica da edição, quando nos é mostrado a vida dos apaixonados no futuro. Distantes, ela agora presa num submarino no fundo do oceano, guiada pelo desconhecido, e ele pagando o preço por ter buscado o mesmo, trancafiado e sequestrado dentro de uma masmorra africana oculta.

    Estaria a fé no reencontro de ambos os amantes, perante duas situações limites e claustrofóbicas ao ser humano que faz com que nos liguemos ao passado, e esperamos vivê-lo novamente, flertando com o desejo de Wenders de se reencontrar com o seu Eu magistral de outrora? Pelas imagens do realizador feitas debaixo d’água, ou em território africano, o seu olhar para documentários permanece afiado, mais interessado em ambientação que na caracterização dos seus atores. Jogados a sorte do poder de algumas boas cenas (a montagem paralela da terra para o enclausuramento do submarino com Alicia, e o diálogo que se dá nesse vai e vem temporal, é excelente), as suas interpretações (em especial a de McAvoy, provando a cada filme ser um grande ator britânico, até que, um dia, iremos de lhe chamar Sir. McAvoy), estão na tela só para nos lembrar dos bons atores que realmente são.

    Submersão, ironicamente, nunca encontra a profundidade temática ou ainda filosófica que as vezes demonstra almejar. Sua longa duração, quase duas horas, estica ainda mais seu argumento principal, tornando tudo ainda mais frágil e por vezes entediante – exceto, como já citado, por algumas boas cenas que remetem ao potencial enferrujado de um grande artista. Uma pena.

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  • Crítica | Atômica

    Crítica | Atômica

    David Leitch sempre foi um operário do cinema, que funcionava normalmente nos bastidores. Dublê, ator e treinador/coreógrafo de luta, seus trabalhos incluem Clube da Luta, Buffy: A Caça-Vampiros e Matrix Reloaded, onde trabalharia com Keanu Reeves e Chad Stahelski, seus parceiros em De Volta Ao Jogo. Leitch co-dirigiu o primeiro filme de John Wick mas não pode ser creditado, e agora, traz à luz seu primeiro longa-metragem realizado de maneira solo, Atômica (baseado na graphic novel de Antony Johnston e Sam Hart), que guarda muitas semelhanças com seu outro filme, ainda que tenha ambições maiores e diferenciadas das de Stahelski.

    As primeiras cenas em que a agente da MI6 Lorraine Broughton aparece são de uma beleza estonteante. A intérprete Charlize Theron exibe não só formosura mas também uma entrega corporal e sentimental enorme. A atriz se prepara para prestar um relatório e contar sobre uma missão que executou no ano de 1989, entre a Berlim Oriental e Ocidental, no epicentro da Guerra Fria. Esse início já estabelece tudo o que o espectador precisa saber: o mundo está em guerra não declarada, essa é a era dos espiões e não há possibilidade de confiar cegamente em momento algum, nem para Lorraine, nem para qualquer outro sujeito.

    Filmes de ação protagonizados por mulheres não são novidades. O Quinto Elemento e a franquia de seis filmes Resident Evil tinham como chamariz a performance de Milla Jojovich. Zoe Saldana também se tornou uma heroína de ação contumaz, e a própria Charlize havia executado alguns papéis, seja no péssimo Aeon Flux, ou no recente sucesso Mad Max: Estrada da Fúria. No entanto, thrillers de espionagem com personagens femininas não é algo que estamos mais habituados a ver, ainda mais um com caráter tão visceral e violento quanto Atômica. De certa forma, o longa reúne os momentos épicos de John Wick: Um Novo Dia Para Matar e da trilogia Bourne, em especial A Supremacia Bourne, que conseguiu equilibrar bem um subtexto de bastante importância com momentos de ação frenética.

    Os personagens são bem desenvolvidos, ainda que muitas dessas participações sejam pequenas. Os personagens de James McAvoy e Sofia Boutella são ótimos exemplos desse desenvolvimento. No entanto, é no apuro visual que mora o maior dos méritos do filme, que traz a luz lutas frenéticas e intensas. Os golpes secos desferidos e recebidos por Lorraine são de uma plasticidade e realidade poucas vezes vistos, mostrando que Leitch tem bastante similaridade com o trabalho de Stahelski, com segmentos tão inspirados quantos os de seu amigo e parceiro.

    Todo o alarde ao redor de Atômica prova-se certeiro. O filme é econômico em explorações dramáticas e prossegue grave no que se propõe a discutir, apesar de haver ali claramente uma ideia bastante idealizada do conflito polarizado no fim da Guerra Fria. Theron está impecável na personagem que entrega e a empatia com o espectador é intensa e imediata, visto que sua jornada, apesar de super-heroica, encontra paralelos com problemas universais. Há uma expectativa muito positiva em relação a Deadpool 2 e aos demais trabalhos autorais de Leitch.

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  • Crítica | Fragmentado

    Crítica | Fragmentado

    A carreira de M. Night Shyamalan é bastante irregular, com um começo mainstream de indiscutível qualidade – em especial O Sexto Sentido e Sinais – e alguns filmes cuja qualidade é discutida até hoje – A Vila e A Dama na Água – e uma fase claramente decadente – Fim dos Tempos, O Último Mestre do Ar e Depois Da Terra. Há pouco tempo, houve uma melhora considerável em seus trabalhos individuais, com A Visita sendo esse um filme absolutamente elogiado, inclusive por quem execrava o realizador. O drama Fragmentado buscava ser um retorno as origens ainda maior, com uma história complexa, envolvendo questões mentais como múltiplas personalidades, ao passo que o orçamento da produção também era mais modesto, fato que permitiria ao cineasta ser mais criativo e inventivo, como no começo de sua carreira.

    A história acompanha a rotina de três adolescentes que são sequestradas por um estranho homem careca. Este é Kevin (James McAvoy), um sujeito que tem um transtorno dissociativo de identidade, fato que o faz ser capaz de alternar para suas personalidades acessórias de maneira incalculável, sendo essas um total de 23. O perfil do raptor varia entre a hostilidade e docilidade, de acordo com qual individuo está no comando de sua psique e os infortúnios das moças começam por não saber o que esperar de seu raptor.

    A quase ausência de trilha sonora no início ajuda a se criar uma atmosfera de pânico, com o suspense sendo sustentado principalmente através das expressões de temor das raptadas, em especial Casey (Anya Taylor-Joy, a mesma que protagonizou A Bruxa). Em alguns momentos por volta da primeira hora do longa há um sem número de situações muito parecidas entre si. Tal aspecto faz o filme parecer moroso para os olhares menos atentos, ainda que o intuito do texto seja mostrar o quão desesperadora é a rotina de quem é mantido preso quanto sua vontade e o quanto a reprise de momentos chaves pode ser incômoda e terrível para quem já está em uma situação limite por um tempo considerável, como ocorre com Casey.

    Fragmentado mistura thriller com filme de monstro, evocando os porões da alma humana como fonte do seu terror. Mostra a personalidade mais cruel como a de um intolerante fanático religioso, em uma cena próxima do final que faz lembrar ótimos momentos dos jogos eletrônicos de survival horror, em especial Silent Hill e Resident Evil. O desfecho une vítima e o infligidor do mal em uma rede sentimental que faz sentido para quem assiste, ainda que essa associação seja absolutamente macabra e preocupante sob o ponto de vista sociológico, sem dar quaisquer chances de chamar tal interação de Síndrome de Estocolmo, ao menos não na conclusão final.

    O filme em alguns momentos carece de um ritmo mais dinâmico, mas os instantes finais fazem lembrar os bons predicados de Shyamalan, no sentido de criar tensão, sem dessa vez precisar de um plot-twist genial para chamar a atenção de seu público, ainda que haja uma bela surpresa na cena pré-créditos. A atuação de McAvoy rivaliza com o bom nível de suspense como aspecto mais positivo do longa, que certamente é uma retomada audaciosa a filmografia que explora os mistérios da alma e mente humana, com Shyamalan costumava fazer, resgatando também o espírito The Twilight Zone típico de suas obras mais antigas.

  • Crítica | X-Men: Apocalipse

    Crítica | X-Men: Apocalipse

    x-men apocalipse posterA quarta empreitada de Bryan Singer na franquia dos mutantes da Marvel inicia-se um pouco atrapalhada, com a introdução ao personagem de En Sabah Nur, o primeiro mutante conhecido, que vivia no Egito como um deus, acompanhado de seus quatro cavaleiros, referência ao livro bíblico das revelações (Apocalipse). A sequência ocorrida no império egípcio, além de fraca, parece ter sido retirada das cenas adicionais de Deuses do Egito, mas logo recobra a sobriedade da franquia, quando remete a uma citação à abertura de X-Men: O Filme, também dirigido por Singer.

    X-Men: Apocalipse segue o rastro do início do reboot em X-Men Primeira Classe, retornando às origens da franquia, praticamente levando em conta somente os filmes que Singer fez parte do controle criativo, ainda que reinventando muito dos momentos clássicos. Já no início é mostrada uma luta na jaula, em muito semelhante à introdução do Wolverine, de Hugh Jackman no filme de 2000. Outro aspecto repetido é a importância do aprendizado, dessa vez usando Scott Summers, de Tye Sheridan, como a Vampira da vez, servindo ao arquétipo de orelha ao espectador como elemento novo desse universo já estabelecido.

    X-Men-Apocalipse

    Como já havia ocorrido em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, há uma exploração interessante para a discussão da discriminação, nesse caso utilizando o homo superior, ainda que a gravidade do conteúdo das discussões seja um pouco mais fraca. Os dois avatares principais dessa questão são a nova Ororo Munroe (Alexandra Shipp), uma ladra africana que está aprendendo a usar seus breves e pequenos poderes, se esgueirando pelos becos, e a tímida Jean Grey (Sophie Turner), que é vista com maus olhos até por seus colegas, graças às manifestações estranhas de seus poderes magnânimos – aspecto já demarcado em X-Men 2 e mal aproveitado no filme de Brett Rattner – e claro, pela atenção que ela recebia do Professor X (James McAvoy), que serve de mentor a ela e a muitos.

    Apesar de consumir um bom tempo com este novo elenco, fazendo funcionar muito bem a transição – que neste caso faz lembrar bastante o espírito de Star Wars: Despertar da Força –, o mesmo não se pode dizer dos membros antigos. Tanto a Mística de Jennifer Lawrence quanto o Magneto de Michael Fassbender se envolvem em tramas desnecessárias, com uma piora no caso da personagem feminina, que se torna uma figura digna de inspiração mas que não consegue sustentar esse ideal de lenda viva, mesmo que tal situação gere um argumento de dicotomia, desconstruindo a figura do herói idealizado.

    Nesse ínterim, é até esperado que um vilão que não tem qualquer carisma consiga dominar corações e mentes. A versão ressuscitada de En Sabah Nur (ou Apocalipse) ocorre após uma coincidência incômoda, quando faz despertar o personagem de Oscar Isaac em uma situação boba e que poderia ter ocorrida em qualquer momento da história, bastando somente que o artefato mágico recebesse luz solar, como aconteceu com a invasão de Moira MacTaggert (Rose Byrne).

    X-Men Apocalipse ciclope noturno jean grey

    Dentre os elementos irritantes da trama rivalizam a inteligência limitada de MacTaggert, que tanto nos quadrinhos quanto nos filmes anteriores havia se mostrado uma pessoa hábil e inteligente, enquanto neste revela apenas uma moça com bons contatos. Além disso, claro, o overacting terrível que Isaac desempenha, com direito a distorção de voz comparável aos efeitos usados por programas de entrevistas famosos a fim de esconder a identidade do interrogado. Apocalipse falha como figura de ódio e temor, especialmente quando recruta seus asseclas e exceto no trato com Magneto, convencendo-o não por força, mas por ideologia, se aproveitando da fragilidade de sua alma com a perda recente de sua nova tentativa de vivência normativa.

    Ao menos no quesito ação, Bryan Singer está afiado. A cena de aparição de Wolverine é interessante e ajuda a explicar o elo deste com Jean e Ciclope. A violência da curta cena arrebata o público, e não tem qualquer pudor em mostrar sangue, adrenalina e a fúria assassina do personagem selvagem, ainda que seja moderada, quase como uma reprise de X-Men 2.

    X-Men-Apocalipse magneto

    Apesar de ser um filme de equipe, a jornada heroica certamente é mais focada em Xavier, em uma superação do patamar de herói clássico, que também ajuda a construir a figura de orientador e mestre. Na mesma medida em que Lawrence e Fassbender não são exigidos pelo roteiro, o desempenho de McAvoy consegue sobressaltar, inclusive, a falta de inspiração costumeira de Nicholas Hoult como Fera, servindo como peça fundamental não só da obsessão do vilão – aliás, único aspecto justificável em seu grandiloquente plano master – como também da relação com os alunos, em especial com a jovem Jean.

    X-Men: Apocalipse é a prova cabal de que a proximidade entre lançamentos de filmes semelhantes pode denegrir o produto, em especial para o público geral, que pode, ao final da sessão, entrar em outra sala para assistir a Capitão America: Guerra Civil, mesmo que seu tema não tenha tanto a ver com o de seus concorrente. Os retcons e mudanças na concepção soam mais irritantes que no filme anterior dos mutantes, e mesmo a versão de Singer para o mito da Fênix é tímida e explorada fracamente, possivelmente sendo guardada para o futuro.

    A pieguice toma a construção da conclusão, sendo o desfecho mais fraco da cine-série, mas que não denigre a parte escapista e descompromissada do drama. Com momentos de ação de tirar o fôlego e apuro bem competente nos efeitos especiais, também possui uma quantidade exorbitante de fan service, que, ao menos, são entregues em momentos cabíveis, compondo um filme óbvio, mas não decepcionante.

  • Crítica | Victor Frankenstein

    Crítica | Victor Frankenstein

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    Na mitologia grega, Prometheu é o titã apaixonado pela espécie humana que roubou o fogo dos deuses e o entregou à nos. Devido a isso, foi severamente punido por Zeus (que tinha medo de a humanidade se tornar tão poderosa quanto os deuses). Acorrentado por toda eternidade no topo de uma rocha, uma águia comia seu fígado que se regenerava no dia seguinte, quando seu calvário recomeçava. O fogo desempenha papel fundamental na história humana, sendo a luz usada como símbolo da engenhosidade e poder. Relacionando-se com os pilares que trouxeram o desenvolvimento da sociedade pré e pós industrial, o fogo é a descoberta mais importante da nossa espécie ao lado da roda e origem de nossas maiores tecnologias. Durante boa parte da história do cinema, o cientista é muitas vezes colocado no papel de Prometeu, como aquele que trará o fogo do conhecimento à humanidade, a vida, a autonomia e roubar o papel que os deuses têm no dia a dia, estando fortemente inserido no clássico literário Frankenstein: ou o Moderno Prometheus de Mary Shelley.

    Aqui, a ideia é subverter uma questão irônica disfarçada na obra de  Shelley: a confusão sobre quem é Frankenstein. O nome muitas vezes atribuído ao monstro é na verdade de seu pai e criador, Victor Frankenstein, e com isso nasce a pergunta sobre quem seria o verdadeiro monstro da história. O filme Victor Frankstein é bem menos complexo do que o romance original, que envolvia uma trama de acusações, romances, assassinatos, bem como uma criatura inteligente e letrada capaz de fazer frente à humanidade.

    Construída por Victor Frankenstein e considerada tão repugnante por seu criador que fora abandonada por ele, “A Criatura” tinha por objetivo encontrar seu próprio mundo, já que do mundo dos seres humanos só conheceu a rejeição. Assassinando o irmão de Victor e o coibindo à construir uma fêmea para viver com ele, a história se envolve em diversas reviravoltas e um grande número de personagens. Boa parte desses elementos aparecem desvirtuados no novo filme, alterando seus propósitos e a linha do tempo.

    Esta nova roupagem conta a história de Victor de maneira bastante energética (James McAvoy, em um excelente trabalho de ator, essencial para dar alguma substância aos bobos diálogos entregues à ele) correndo zoológicos e circos atrás de partes de animais para assim completar sua criação secreta. É no circo que ele conhece Igor (Daniel Radcliffe também muito bem, mas destinado à atuar em situações quase constrangedoras), criatura corcunda e rejeitada, até então sem nome, e que apesar de ser visto como ser repugnante, é dotado de extrema inteligência e empatia. Ao perceber suas habilidades, Victor decide resgata-lo do circo para assim lhe servir de escudeiro em seus experimentos. A partir disso, eles são perseguidos pelo inteligentíssimo e religioso investigador Roderick Turpin (Andrew Scott).

    O próprio título já estabelece um recorte bem específico sobre a ótica com a qual contará sua história, mas em nenhum momento a discussão sobre a ética científica, o medo da ciência e do avanço da tecnologia que permeia questões sobre a existência ou não de um regente superior; além amizade; amor e honra são elaborados em cena. Todas essas são colocadas de maneira à manter Victor como o grande filtro da humanidade e com isso acaba perdendo toda a tese ao longo da jornada do herói e sua dicotomia com a vilania e loucura genial. Há ainda um número grande de personagens secundários que buscam aproximar esta versão do romance de Mary Shelley enquanto apresentam uma nova abordagem à esses elementos, mas que têm como resultado final apenas inchar uma trama que já se satisfaz em caminhos para seguir, porém carentes de substância.

    Novamente o trabalho de ator serve para melhorar o roteiro do instável Max Landis — o qual anunciou em seu Twitter que o roteiro original era incrível e surpreendente, mas que na verdade não é – já é terceiro filme em que usa essa afirmação. A direção de Paul McGuigan lembra muito o trabalho feito por Guy Ritchie para Sherlock Holmes. Inclusive, o diretor já é conhecido por emular o estilo de Ritchie em seus outros filmes. A dinâmica e estética são as mesmas, e ainda que aqui os assuntos sejam essencialmente mais profundos, parece uma versão pior de tudo aquilo que já foi visto com esses personagens.

    O romance original foi concebido numa época de profundas transformações tecnológicas e éticas da ciência da década de 1820, com as experiências de Orsted, a invenção do motor elétrico por Michael Faraday e a posterior unificação do eletromagnetismo por James Clerk Maxwell. As inspirações dos cientistas e experimentos da época são claras, pois no início dos experimentos sobre eletricidade havia o conceito ainda primário de que haveria algum tipo de eletricidade nos objetos e uma eletricidade biológica, esta última contida apenas em espécies vivas e que poderia ser reproduzida de alguma maneira. Foi desta forma que foi realizada a experiência com uso de rãs mortas presas às lanças de cemitérios em dias de tempestades. Durante a queda de descargas elétricas, as pernas das rãs se mexiam devido a geração de uma pequena corrente elétrica que atingia os terminais nervosos do animal gerando espasmos. Para testar mais e melhor esse tipo de hipótese, alguns cientistas usaram pedaços de corpos humanos.

    Com todo um arco improdutivo e baseado em ignorância, com falas artificialmente ateísta e outras artificialmente deístas que obviamente visavam apenas provar o seu contrário para chegar em algum tipo insosso de meio termo sobre o papel da nossa espécie na Terra e dos mitos que criamos, Victor Frankenstein erra ao pensar ser genial aquilo que todos já elaboraram e acaba entregando um material que parece ser apenas um apêndice de referências. Quando ameaça alguma conclusão ou amarração de seus conceitos, o faz olhando para trás numa espécie de gancho para futuras produções. Uma obra problemática, que reforça ideias obscurantistas mesmo sem aparentemente querer fazê-lo, e com tantas dificuldades de compreender e encontrar seu papel quanto seus pobres personagens.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor 2

    O começo do novo filme de Ned Benson começa debochado, em uma conversa descompromissada e humorística entre Conor e Eleanor, um casal apaixonado que se divertiria pregando peças em restaurantes, retirando-se às pressas para não pagar as contas. Um dia, tal espontaneidade teria seu preço, maior do que o simples viver dos sentimentos, e o casal enamorado já não seria mas tão unido, causa justificada por nenhum motivo específico; somente as vicissitudes da vida foram responsáveis pelo gradativo afastamento.

    A narrativa do diretor autoral passaria por mostrar eventos em atos, como em uma peça teatral. O primeiro, após a breve introdução, exibe Eleanor Rigby, caracterizada emocionalmente por uma cada vez melhor Jessica Chastain, que em um momento rotineiro prende a sua bicicleta a uma grade e se joga ao mar, impedida de morrer por um transeunte anônimo, fruto da entropia que se torna menos estranha pela completa ausência de explicações anteriores. A aura de aleatoriedade permeia a existência da personagem e faz com que qualquer diagnóstico torne-se confuso.

    Conor Ludlow, o homem, sente-se mal e responsável por todo o drama que chega a sua casa. James McAvoy é o perfeito sujeito tomado pela responsabilidade do “delito”, digerindo o remorso pelos atos de sua esposa que são piorados, é claro, pela subjetividade inerente ao término da relação e o consequente apartamento das partes, reforçado por um pedido de Eleanor para que a distância permanecesse intacta entre ambos.

    A métrica usada por Benson compreende uma linha temporal dionisíaca, que mostra cada momento específico da relação de acordo com o que o realizador julgar melhor. O fino equilíbrio não é quebrado, e a composição estratégica valoriza o romance perfeito do passado e a amargura de ambos após o fim da relação amorosa, que apesar dos pesares, não perdeu força, tampouco significou a interrupção do sentimento e da atração mútua.

    O lugar que o casal administra é um restaurante, curiosamente o símbolo que demanda amor, lugar onde muitas relações começaram ou simplesmente passaram, mostrando que a intimidade dos personagens é repleta de momentos de exploração da afeição típica de consortes enamorados. Mesmo assim, a sorte dos dois não fez prever o atropelamento que sofreriam, literal ou figurado. Curiosamente, após o rompimento, o estabelecimento é gerenciado somente pelo homem, o que coincide com a vontade de tornar o negócio em um empreendimento unilateral. Ao menos em um nível liminar de pensamento, que somente se manifesta em Conor.

    Após algumas incursões ao consultório psicanalítico da Professora Friedman (Viola Davis), Eleanor enfim percebe que não conseguirá mudar ou evoluir permanecendo no mesmo lugar. A moça tenciona sair da cidade, mas é fortemente aconselhada a não agir tão drasticamente, sugestão dada por sua analista e por todo o corpo de apoio formado pelo belo elenco de coadjuvantes, que conta ainda com Bill Hader em um papel diferente das comédias habituais – emulando o drama já visto em Skeleton Twins – e uma comedida Isabelle Huppert, que faz a matriarca Rigby, prenunciando alguns dos defeitos de introspecção de sua herdeira.

    Quando a melancolia torna-se o norte dos indivíduos em separado é que a real necessidade de estarem juntos aparecem, quando não se pode mais ver qualquer traço de identidade sem enxergar-se duplamente, sendo uno somente quando estão unidos. A maturidade passa por conhecer o momento de parar e tomar rumos opostos. Nesse ponto, a mensagem que Ned Benson produz é muito clara, e curiosamente não é dúbia na questão mais importante da inevitabilidade do des-romance.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor - Poster Brasileiro

    A primeira referência que salta aos olhos do público retoma uma canção dos Beatles, composta por Paul McCartney, presente no álbum Revolver, de 1966. Eleanor Rigby é uma majestosa canção sobre a solidão, composta como uma crônica cotidiana poética e com um belo arranjo orquestral. Uma música que ecoa nesta produção, terceira parte de um projeto idealizado pelo roteirista e diretor Ned Benson.

    Buscando uma alternativa de inovação nas narrativas românticas no cinema, o diretor compôs uma trilogia sentimental sobre uma mesma história com ponto de vistas alternados. As duas primeiras produções lançadas em 2013 contavam o ponto de vista masculino e feminino separadamente. Narrativas que foram lançadas no exterior, mas ainda não chegaram ao país. Os Dois Lados do Amor é a união destas duas histórias anteriores, em uma nova edição que suprime partes dos filmes anteriores, produzindo uma nova cronologia em que conhecemos as duas personalidades da relação.

    O título original, The Disappearance of Eleanor Rigby, remete não só à canção dos Beatles como naturalmente infere a temática da solidão. A cena de abertura com o casal em harmonia é apenas um contraponto à separação de Conor e Eleanor após um acontecimento traumático, que será analisado no decorrer da história.

    Ainda que a personagem feminina tenha uma breve fuga, o desaparecimento é apenas uma metáfora simbólica que representa o transitivo. Neste aspecto, o amor do casal representava um momento anterior que, por escolha ou não, chegou ao fim. As personagens estão recomeçando a vida de maneira primária, reaprendendo como viver sem a presença do ex-amado, retornando a casa dos pais e observando que a percepção do que era concreto – o “para sempre” do amor – agora é parte do passado.

    O roteiro retém a motivação para a separação do casal enquanto demonstra a inadequação de ambos na nova vida. Eleanor tenta retomar a vida de solteira tentando voltar aos estudos; enquanto Conor, que mantém um restaurante estável, parece incapaz de viver sem a companheira e passa a persegui-la à procura de satisfações.

    A trama se constrói entre os espaços do fim e das circunstâncias que levaram a perda de laços dos protagonistas. O amor interrompido ganha maior composição trágica ao descobrimos que a perda de um filho parece o fator primário para o afastamento do casal. Infelizmente, não há aprofundamento que revele os motivos da morte da criança, e muito menos o drama que produziu no amor um sentimento repulsivo que impediria o casal de manter sua relação. Ao mesmo tempo, tais lacunas parecem intencionais para que a história adquira um caráter maior, simbolizando a dificuldade de uma relação a partir de um acontecimento inesperado por si só, sem a necessidade de que os pormenores dramáticos sejam revelados ao público.

    A medida da sensibilidade é um risco razoável para o roteirista e diretor, que depende de maior entrega do espectador para que este leia as entrelinhas inferidas pela obra. James McAvoy e Jessica Chastain demonstram competência ao interpretarem o casal recém separado, ao mesmo tempo que manifestam a ternura ainda existente. É uma obra bonita e reflexiva que mesmo perdendo a composição mais autoral ou audaciosa, apresentando somente um lado da relação como nas histórias anteriores, narra uma relação madura que não envereda nem para o lado excessivamente cômico, nem ao dramático.  Dessa forma, edifica-se a sensação de uma realidade assistida e comum a tantos casais cujo amor já não é residência constante.

  • Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

    Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

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    Quando um filme hollywoodiano faz sucesso, é natural que ele se torne uma franquia, com repetições do que deu certo no primeiro episódio, com mais exagero, convites a celebridades e roteiros sofríveis de repertório pobre e sem ineditismo. A introdução musical de Muppets 2, de James Bobin – o mesmo diretor do filme de 2011 -, brinca com essa questão, usando o artifício como recurso metalinguístico. Na verdade, isso é um pretexto para, como diriam os textos de Monty Python, ir para algo totalmente diferente. Os fantoches que estão de volta à ativa resolvem, aconselhados por Dominic Badguy (Ricky Gervais), partir em turnê mundial para aproveitar a fama recém-adquirida, mesmo sob os protestos de Walter, único remanescente dos protagonistas criados em 2011.

    Logo de início, percebe-se que as intenções de Badguy não são boazinhas e que algo ruim se aproxima da trupe de animais e criaturas de feltro cantantes. Aos poucos, Dominic assume o papel de liderança que sempre foi de Caco, O Sapo (ou Kermit para os americanos). Sua confiança é abalada, e a voz de comando vai decaindo com o tempo. Até o seu bom senso é avariado, assim como a autoestima do personagem. Em Berlim ele cai em uma cilada, onde é confundido com um bandido chamado Constantine, que toma o seu lugar sem levantar maiores suspeitas – a não ser em Animal e Walter – e que demonstra ter uma egocentrismo desnecessário, fazendo sempre questão de demonstrar estar acima de Dominic, a quem chama de Número 2.

    O espetáculo feito no teatro de Berlim serve de fachada para acobertar o roubo das peças de arte de um dos museus. A partir daí, a Interpol e a Cia se envolvem nas investigações lideradas por Jean Pierre Napoleon (Ty Burrell), pelo lado europeu, e por Sam, a Águia, ocasionalmente medindo forças e tamanhos distintos, unicamente para achincalhar a xenofobia dos estadunidenses e reforçar as diferenças de lidar com crimes entre ambas as culturas. A competição é sempre estimulada no roteiro de Nicholas Stoller e Bobin.

    A trama acaba se dividindo em núcleos, mas eles não se rivalizam em importância, uma vez que continuam interessantes por toda a extensão da fita, especialmente quando servem de reflexão ao mostrar mundos ideais, como quando as duas partes do Sapo têm de fingir ser quem não são. Constantine se torna o par ideal para Miss Pig, respondendo positivamente, pela primeira vez, à possibilidade de casamento – ainda que não a engane totalmente -, enquanto Caco tem de se se virar em uma prisão na Sibéria, onde tem contato com Nadya (Tina Fey), que, aos poucos, faz o Sapo ter sua confiança de volta para realizar um número musical – as partes cantadas continuam impressionantes do ponto de vista técnico.

    Walter finalmente descobre o ardil dos malfeitores e comunica o problema a Fozie, o Urso, mas é tarde, pois logo é descoberto por Dominic e Constantine e jogado no frio da Sibéria para morrer à míngua. Antes do grande roubo, o falso Sapo decide pedir Miss Piggy em casamento, em pleno show, para ter o álibi perfeito. É brilhante o modo como os ladrões conseguem elogios da crítica, usando anedoticamente a prática de suborno a profissionais de comunicação para conseguir páginas positivas. O humor é uma boa maneira de fazer críticas, mas sem ser necessariamente ácido.

    O último ato guarda surpresas tremendas, com elementos de filmes de assalto, de superespião e, claro, muito romance. Mesmo uma questão conflitante, como o casamento arruinado entre o Sapo e sua amada, é tratada como um momento edificante dentro da jornada de Caco pela sua restauração enquanto figura artística. Alguns twists são ensaiados próximos ao final, mas nenhum deles se conclui.

    Se a mensagem do filme anterior, estrelado por Jason Segel, era de ressurreição de mitos, este de 2014 fala basicamente do quão valorosa é a união entre os iguais e o quão indispensável é uma amizade verdadeira. Comparando os dois roteiros, este é bem menos incisivo e crítico do que o primeiro, o que reafirma as sentenças ditas logo no início. Apesar de possuir um pouco mais de alma do que as continuações caça-níquéis comuns, Muppets 2 – Procurados e Amados sofre muito sem o carisma de Segel. Sua falta é muitíssimo sentida e faz deste um espécime ordinário na filmografia dos famosos e infames fantoches.

  • Crítica | X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido

    Crítica | X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido

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    A carreira de Bryan Singer se aproximava perigosamente da de seu contemporâneo Peter Jackson. Ambos tiveram um começo bom, com primeiros filmes de sucesso relativo, e que depois encabeçaram franquias de milhares de fãs, ainda que em X-Men, Singer dispusesse-se de muito (mas MUITO) menos orçamento do que Jackson angariou na trilogia O Senhor dos Anéis. Após ambos saírem de sua zona de conforto, insucessos vieram, já que King Kong, Um Olhar no Paraíso, Operação Valquíria e Jack, o Caçador de Gigantes não foram produções ruins necessariamente, mas ficaram muito aquém das expectativas dos estúdios. Em comum entre os dois estaria o retorno às franquias que os projetaram ao estrelato, mas diferentemente de seu igual, Singer logrou êxito ao falar dos seus conhecidos personagens, até porque sua vida pessoal o credencia a falar de excluídos. A segregação que sofreu por ser judeu e homossexual certamente é semelhante ao sofrimento mostrado em tela com a raça de homo superior caçada em 2023.

    O núcleo dos personagens “veteranos” é secundário, ainda que seja esta realidade a que origina o plot principal, pois como visto na publicação de Claremont e Byrne, o futuro dos mutantes e de seus simpatizantes é sombrio, com muitas referências visuais a Exterminador do Futuro de James Cameron  que por sua vez jamais assumiu a influência da história em sua obra. Kitty Pryde, personagem de Ellen Page, lidera um dos poucos grupos de resistência, e, por meio de uma mutação secundária (estigma adotado nas revistas X nos idos dos anos 2000), consegue transportar para um passado recente a consciência dos outros mutantes ao seu corpo. A Ninfa (ou Lince Negra), Robert Drake, o Homem de Gelo (Shawn Ashmore), e outros mutantes, vivem a fugir dos Sentinelas, até que recebem uma visita do que sobrou dos X-Men, Xavier, Magneto, Tempestade (Halle Berry) e, claro, Wolverine, interpretado por Hugh Jackman. O plano em conjunto é retornar ao passado através de Xavier para que este impeça Mística (Jennifer Lawrence) de assassinar Bolívar Trask, criador dos robôs caçadores. A saída do roteiro foi deveras inteligente, uma vez que a trama de Robert Kelly já havia sido descartada pelo próprio diretor, em 2000.

    Uma grande fonte de reclamações dos fãs relaciona-se à cronologia da franquia nos cinemas. Para todos os efeitos, o trabalho feito por Mathew Vaughn é sim um reboot que obviamente leva em consideração alguns pontos da história dos filmes de Singer. A Casa das Ideias sempre menciona que os quadrinhos Dias de Um Futuro Esquecido faz parte de uma realidade alternativa. Tais elementos podem ser encarados como problemas, mas para quem está acostumado a consumir quadrinhos mensais e tem de engolir novos recomeços a cada cinco anos, e claro, com conteúdos muito mais incongruentes, as concepções dentro do filme são de fácil digestão, até porque o foco maior é a continuação da trama inciada nos anos 60. Os dois grupos de mutantes liderados por Charles Xavier (James McAvoy) e Erik Lensher (Michael Fassbender) foram dissolvidos, e as causas dos eventos, muito ligadas ao aparentemente contido Bolívar Trask, são aos poucos mostradas em tela. Protagonizado pelo ótimo Peter Dinklage, Trask é um cientista que aparentemente busca a sobrevivência dos humanos, mas que impinge a muitos mutantes experimentos semelhantes aos que os nazistas realizavam com judeus. Obviamente, as experiências genéticas feitas por Trask causam ódio em Mística, que via seus iguais serem exterminados, o que a faz se transformar em uma autêntica máquina de matar suas cenas de ação são de um primor visual ímpar.

    O foco emocional é todo voltado à crise existencial de Xavier nos anos 70. O Professor X volta a andar graças a uma droga criada por seu então lacaio Hank McCoy (Nicholas Hoult), substância essa que reprime os poderes do Doutor, assim como seu ideal de querer mudar o status quo por meio do pacifismo. Ele é mostrado como um homem deprimido, resignado e desesperançoso, uma nuance pouco explorada nos quadrinhos, mas plenamente condizente com a época, visto que os anos 70 foram de muita decepção para os americanos, basta lembrarmos do Vietnã. Xavier quer interromper seus poderes por não aguentar mais ouvir em sua mente as vozes e as lamúrias das pessoas, além, é claro, de viver da culpa por ter perdido seus alunos e companheiros em lutas anteriores.

    Já Magneto também estava de mãos atadas, encarcerado, metros abaixo do Pentágono, acusado de um crime terrorista que não havia cometido. Sua fúria aumentou mais, a despeito até de sua postura mais calma quando reintroduzido. A ideologia presente nos primeiros discursos de Malcolm X torna-se ainda mais flagrante quando são analisadas as ações de seu passado em comparação com as de sua contraparte do futuro. Mas ambas as encarnações de Erik demonstram um poder magnânimo, algo que Singer ainda não podia mostrar antes nos filmes anteriores, talvez pela falta de verbas.

    Mesmo com tudo isso, os melhores momentos de Magneto são as discussões que envolvem Raven, Charles e ele, formando um triângulo amoroso/ideológico de cunho emocional e tocante, visto que todos se sentem traídos, até havendo razão em se sentirem assim. Dos embates o mais emocionante certamente é o primeiro encontro dos dois antigos amigos, precedendo uma sequência de ação das mais engraçadas, que, mesmo com o alívio cômico de Mercúrio (Evan Peters) — uma participação ótima —, consegue manter o tom emotivo e simbólico do que seria aquela amizade milenar e do quão ambos valorizariam um ao outro pela causa mutante.

    Pela primeira vez, em todos os filmes dos mutantes, Wolverine não é o protagonista. Porém, sua importância é obviamente gigante, fazendo a ponte para o encontro dos protagonistas, uma escada na maior parte de sua inclusões como personagem. Tal escolha não impediu que Singer registrasse o Carcaju expondo suas nádegas, dando vazão a (mais) fantasias de leitores talvez a questão esteja no contrato de Jackman com a Fox. Iniciada em X-Men – Primeira Classe, a pecha de transformar os filmes da franquia X-Men em películas em que se divide o protagonismo é cada vez mais solidificada, assim como o enfoque da questão social, deixada de lado em X-3 e nos spin-offs. Os assuntos mais interessantes retratados nas grandes histórias de mutantes são estes, o paralelo com as ideologias, a discussão a respeito do preconceito e até aonde esta guerra pode ir.

  • Crítica | X-Men: Dias de um Futuro Esquecido

    Crítica | X-Men: Dias de um Futuro Esquecido

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    Cronologia é algo divertido, mas complicado. Acompanhar os mesmos personagens ao longo de várias histórias e ver acontecimentos com consequências futuras são muito legais, mas os problemas não demoram a surgir. Além da necessidade de tudo estar amarrado e fazer sentido, o vício dos autores em revisitar o passado, recontar origens, adicionar mais detalhes ao background, invariavelmente leva aos famigerados furos da história. Nesse sentido, os X-Men são a franquia cinematográfica que melhor representa a mídia original, os quadrinhos. O mais recente longa dos mutantes chegou com a ambiciosa proposta de conectar a trilogia original, os filmes solo de Wolverine e o reboot não assumido X-Men: Primeira Classe. Se teve sucesso ou não, depende de como se avalia.

    A história não pode ser chamada de adaptação, pois é apenas inspirada livremente na célebre hq oitentista Dias de um Futuro Esquecido, de Chris Claremont e John Byrne. Num futuro próximo, o mundo foi devastado pelos Sentinelas, robôs criados para caçar mutantes mas que acabaram se voltando contra toda a humanidade. Revemos algumas figuras da trilogia num grupo comandado por Xavier e Magneto que basicamente foge e se esconde para sobreviver. A última tentativa desesperada é um plano de enviar a consciência de  para o corpo dele em 1973, data em que Mística assassinou Bolívar Trask, o criador dos Sentinelas, e foi capturada. O DNA da mutante foi a chave para os robôs se tornarem invencíveis. Logan precisará reunir as versões mais jovens de Erik e Charles (X-Men – Primeira Classe) para ter alguma chance de mudar o passado e salvar o futuro.

    Havia a expectativa de que Dias de um Futuro Esquecido consertasse ou ao menos tentasse explicar as discrepâncias entre os capítulos anteriores. Nesse aspecto, não se pode negar que o filme falhou miseravelmente: não só deixou de explicar os furos, como ainda adicionou mais alguns. Kitty Pride (Ellen Page) surge com outro poder além de se tornar intangível: mandar a consciência dos outros de volta no tempo (como raios alguém descobre ter um poder desses?). Muito melhor seria apresentar isso como uma evolução dos poderes do próprio Xavier, ou usar o personagem Forge construindo uma máquina. Charles recuperou seu corpo explodido em X-Men – O Confronto Final, Logan recuperou as garras de adamantium perdidas em Wolverine – Imortal, e sem nenhuma menção a esse respeito. A impressão é de que o cenário apresentado era um futuro da linha temporal de Primeira Classe, que POR ACASO continha elementos que lembravam a trilogia original, confirmando assim duas realidades distintas – algo que os produtores nunca admitiram.

    Superada essa falha, o núcleo futurista funciona muito bem. O peso dramático de um mundo pós-apocalítico é sentido perfeitamente. Estes X-Men agem como uma experiente unidade paramilitar acostumada a táticas de guerrilha. As cenas de combate contra os Sentinelas são ótimas, violentas e fazem bom uso dos poderes de todos os mutantes envolvidos. Além dos velhos conhecidos Kitty, Tempestade, Homem de Gelo e Colossus (pra variar, mudo como uma estátua), vemos pela primeira vez no cinema Bishop, Apache, Blink e o brasileiro com cara de mexicano Mancha Solar. Além disso, é sempre ótimo ver atores do calibre de Ian McKellen e Patrick Stewart, ainda que rapidamente.

    Pois a maior parte do história se desenrola no passado, confirmando que o filme é, acima de tudo, uma continuação de Primeira Classe. E o salto de 10 anos se mostra brutal: Xavier caiu numa depressão extrema, fechou a escola e debandou os X-Men, dos quais vários morreram, vítimas das experiências de Trask (Peter Dinklage, discreto e eficiente). Apenas o Fera permanece ao seu lado. Magneto foi aprisionado após seu envolvimento na morte de JFK. Mística atua como uma terrorista solitária lutando pela causa mutante. Logan cai no meio disso, e, com toda a sua finesse, terá que reuni-los. Aqui entra o gancho para a divertida e pontual participação de Mercúrio, com Evan Peters carismático como o herói nunca conseguiu ser nas hqs. Nada de muito original e revolucionário ao retratar a supervelocidade, mas as duas percepções (a do próprio velocista e a dos outros) foram mostradas de forma muito interessante.

    Numa história com tantos personagens, era fundamental ter foco em alguns e (infelizmente) sacrificar outros. Uma pena que o Fera (Nicholas Hoult) seja apenas um assistente/guarda-costas/capanga do bem de Charles, mas o roteiro de Simon Kinberg, Jane Goldman e Matthew Vaughn alcança um louvável equilíbrio ao centralizar as atenções em quatro mutantes. Hugh Jackman naturalmente tem destaque como o fio condutor da trama, mas não é nem de longe um protagonista absoluto – o que não deixa de ser uma surpresa; Jennifer Lawrence tem a chance de aparecer bastante de cara limpa (o que não é surpresa nenhuma) numa sólida atuação, aproveitando a importância colocada em sua personagem; Michael Fassbender tem uma participação sensivelmente diminuída em relação ao filme anterior, que era quase um “Origens: Magneto”. Mas o cara é tão bom que não precisaria nem de cinco minutos para mostrar isso. Sempre na linha entre vilão e anti-herói, Erik é aquele que não faz concessões, segue firme em sua convicção e mantém alianças de acordo com a conveniência.

    Mas o coração da história é inegavelmente Charles Xavier. Pela primeira vez na franquia, os holofotes se concentram nele, e o resultado é sensacional. Quase sempre retratado como uma rocha inabalável, dessa vez ele atravessa uma crise de fé, e temos a noção do quanto isso afeta os mutantes e por consequência o mundo inteiro. Não é fácil ser bom, honesto, herói e líder, e acreditar na proposta otimista (e ingênua) da coexistência pacífica entre humanos e mutantes e ainda assim continuar lutando por ela, especialmente num mundo onde isso parece impossível. Outro ponto a ser aplaudido é a ausência de maniqueísmo no filme: as retaliações de lado a lado parecem inevitáveis e justificáveis; todos estão errados. E cabe a Charles manter o fardo de ser o certo, redimir Mística, perdoar Magneto e salvar os humanos que querem aniquilar sua raça. James McAvoy faz um trabalho espetacular.

    Os méritos desse acerto devem ser dados também a Bryan Singer. Ele mostra mais uma vez o quanto entende desse universo, e consegue enxergar aquilo que realmente importa nos X-Men. Não uma fidelidade total a uniformes ou a altura de personagens (inacreditável a essa altura do campeonato ainda existir quem questione o Wolverine de Jackman), mas conteúdo moral, social e filosófico que sempre foram o cerne das melhores histórias dos mutantes. Dias de um Futuro Esquecido é o tipo de filme imperfeito, mas com acertos tão gratificantes que os erros merecem ser perdoados. Como o próprio final indica, a postura do espectador deve ser curtir a homenagem à trilogia original, mas esquecê-la. Apreciar as próximas aventuras sem esquentar tanto a cabeça com a cronologia, algo que os leitores de quadrinhos já aprenderam (ou deveriam ter aprendido) há tempos.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Em Transe

    Crítica | Em Transe

    Em Transe

    A narração de Simon – personagem de James McAvoy – conta como eram os assaltos a obras de arte no decorrer dos tempos. O recurso introduz satisfatoriamente o público no filme de assalto a seguir, no gênero, é comum ver uma estilização munida de uma aura cool e moderna, e Danny Boyle consegue passar isso muito bem, melhor do que a maioria de exemplares recentes.

    A princípio, Em Transe é um filme de roubo, que acompanha o bando que surrupiou uma obra de arte de valor pornograficamente alto, e as agruras do plano que falhou. O erro acontece por meio de um dos membros, que havia perdido o quadro e para lembrar-se onde o “deixou”, lança mão de um tratamento terapêutico a base de hipnotismo.

    A forma como são sugeridas as repressões psicológicas são bastante críveis e verossímeis, sem apelar para o lugar comum. O inconsciente é mostrado de forma pouco mística – sem clichês como ambiente esfumaçado e cheio de neblina, ou apelações nonsense gratuitas.

    No decorrer da trama, a hipnóloga Elizabeth – Rosario Dawson, irretocável em múltiplos sentidos – decide entrar no “esquema”. Os motivos que a levam a entrar na situação são obscuros, e talvez, este seja o maior motivo de desconfiança, tanto dos personagens, quanto para quem acompanha do lado de fora da tela. É bom frisar, suas cenas de nu frontal são absurdamente bem registradas!

    A ambiguidade do filme passa por muitos estágios, e é muito devido à ótima atuação de James McAvoy, pois Simon transita entre a realidade e a sua inserção no inconsciente. Isso só se dá em virtude do talento de seu intérprete. Ainda assim em alguns momentos, o observador pouco desatento pode acompanhar através dos signos e sinais quando Simon está hipnotizado ou acordado. O roteiro flerta de forma interessante com anomalias mentais, como transferência, paranoia, megalomania, auto-isolamento e suscetibilidade de mente.

    Os repentes da música de Rick Smith ajudam a tirar o fôlego do espectador, o que não aconteceria certamente sem a perícia de seu diretor. Boyle filma esplendorosamente, sua lente e edição cooperam demais com a narrativa que permite uma inserção perfeita e sem interferência externa, é como mergulhar nas tranquilas águas de uma piscina, e sentir o líquido sufocando o sistema respiratório e, subitamente, conseguir ar para respirar. Os closes, os planos abertos e as viagens que a câmera faz pelos interiores dos cenários são realizados com um esmero magnífico, e o resultado final é deslumbrante, nada é filmado sem um significado ou por acaso.

    O último ato reserva surpresas ótimas, e expõe uma verdade patética e até deprimente para um dos protagonistas. Possibilita ao espectador escolher o lado que quiser. Seus personagens são tridimensionais e sem compromissos com uma moralidade boba. As cenas de ação são implacáveis, cruéis e até violentas. É um thriller dos mais bem feitos e é uma das obras mais bem executadas de Danny Boyle.