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  • O Esquadrão Suicida: Melhor filme da DC?

    O Esquadrão Suicida: Melhor filme da DC?

    Vamos aos fatos: por mais que eu seja um grande fã dos quadrinhos da DC e tenha sempre torcido para que seu universo cinematográfico fosse tão bem-sucedido quanto o da Marvel, todos concordamos que a casa de grandes personagens como Batman, Superman e o Esquiador Escarlate vem patinando em suas adaptações live action. Fica muito claro que, para se afastar da concorrente, a DC apostou em retratar seu universo de forma mais realista, sombria, séria… O que se mostrou ser uma tremenda de uma bomba, já que seu universo capitaneado pelo “visionário diretor Zack Snyder” se mostrou muito aquém do esperado. O Homem de Aço, primeiro filme desse universo estendido, mostra um Superman confuso e sombrio, o oposto do que ele deveria ser e representar. Estaria tudo bem se isso fosse arrumado na continuação, mas Batman vs Superman: A Origem da Justiça consegue ser ainda mais confuso e fora de propósito. Os fãs, evidentemente, esperariam que tudo se encaixasse no Liga da Justiça, de 2017, e a lambança foi ainda maior! Para que esse universo faça algum sentido, foram precisas uma versão estendida de BvS e um novo corte de 4 horas de Liga da Justiça de Zack Snyder. Ainda assim, é muito mais fácil acompanhar vinte e tantos filmes da Marvel do que ter que fazer um curso de várias semanas para entender minimamente o tal Universo Estendido da DC.

    Mas aí vieram uns pontos fora da curva. Aquaman deu uma banana marinha pra essa linha darkzêra e nos mostrou um filme extremamente colorido e divertido, com uma história aventureira que fez com que o herói mais zoado dos Superamigos se tornasse cool nos dias de hoje! Shazam! foi outra grata surpresa, trazendo um quê de Ben 10 pro personagem e imediatamente criando identificação tanto com o público infantil quanto adulto (que viu ali aquele clima nostálgico do Tom Hanks em Quero Ser Grande, só que com poderes). Arlequina e as Aves de Rapina também foi um filme muito divertido, tendo como principal qualidade o fato de irritar nerdolas que reclamam de “lacração” (hahahahahahahahahaha, eu não me aguento! Hihi!). E logo depois, no mesmo ano, a diretora Patty Jenkins provou que mulheres podem, sim, estar no mesmo patamar de diretores homens que fazem filmes ruins, lançando Mulher Maravilha 1984, que inovou em seu estilo sendo uma bomba de qualidade inversamente proporcional a do primeiro filme da Amazona, de 2017.

    E aí temos O Esquadrão Suicida!

    Voltemos no tempo um pouquinho antes de falar dessa novo filme. Esquadrão Suicida, filme de 2016 que nos apresentaria pela primeira vez nos cinemas a Força-Tarefa X, foi um fiasco! A história que chegou aos cinemas quase não fazia sentido, a equipe pequena deixava claro que quase ninguém morreria (exceto o injustiçado Amarra) e a ameaça que eles enfrentaram era risível (uma feiticeira rebolante). Fora o Coringa, que andava pelo entorno do filme sem propósito algum para a trama e que não faria falta alguma se fosse completamente limado do corte final. Aliás, dizem que existe um “snydercut” do filme do David Ayer que seria melhor do que aquilo que vimos. Bobagem, não tem conserto não! Mas por alguma razão que ninguém sabe qual (cof, cof, Arlequina, cof), o filme acabou caindo nas graças da galera do marketing e rendeu boas vendas de cadernos, camisetas e tatuagens de palhacinhas. Esquadrão Suicida, afinal, era uma excelente ideia, só que porcamente executada. Merecia uma segunda chance. E aí veio o filme de 2020.

    Os primeiros 14 minutos de O Esquadrão Suicida é tudo que o filme inteiro de 2016 deveria ter sido! Uma missão secreta de infiltração com vilões altamente dispensáveis, ação, traição, mortes e execução por deserção, tudo está ali! Em CATORZE minutos! Não é preciso muito tempo de tela pra se explicar do que se trata a Força-tarefa X, nem por quê eles têm o apelido de Esquadrão Suicida, nem muito tempo explicando o background de cada personagem, porque eles são descartáveis. Um cara russo que é proficiente em arremesso de dardos, um que ninguém sabe quais são os poderes, outro que é, literalmente, uma doninha… Ótimo, vamos pra ação!

    Uma coisa que vemos muito em filmes de heróis é a economia de personagens, principalmente vilões. Geralmente, não usam muitos para não desperdiçar o que poderia ser usado mais tarde, ou apenas mostram um vislumbre, como foi com o Darkseid no Snydercut, para que se plante a semente de um filme futuro que, na real, nunca acontece. James Gunn faz o oposto disso. Nunca usaram o Starro como vilão em nenhum filme da Liga? Bora botar ele aqui! Pacificador, Sanguinário, Bolinha…? AH, MANDA PRO PAI! Não tem nenhuma vergonha de se utilizar de personagens que, vamos ser sinceros, não teriam outra chance de aparecer no cinema mesmo! Diferente de Snyder, que parece ter vergonha de personagens galhofa como o Jimmy Olsen (que ele matou na versão estendida de BvS), Gunn abraça a estética dos comics em todos os elementos de seu filme, seja nos uniformes bregas como o de Dardo ou do Pacificador, seja na própria narrativa. O diretor não tem vergonha de colocar dois personagens em CGI totalmente irrealistas para os padrões Snyderescos, e nos brinda com Doninha e Tubarão-Rei, sendo esse segundo o mais carismático de todo o filme (com voz do Garanhão Italiano Sylvester Stallone).

    O Esquadrão Suicida é um filme que não tem vergonha de suas origens nos gibizinhos. Ao contrário, abraça todo esse absurdo, conta com a suspensão de descrença do público e nos entrega diversão amalucada e violenta da mais alta qualidade! Claro que, passada algumas semanas de seu lançamento, já sabemos que o filme flopou nas bilheterias. Infelizmente, isso se dá mais por questões externas, como o marketing confuso (é uma sequência, um remake ou um reboot?), a classificação indicativa alta, o elenco com grande número de personagens desconhecidos e, obviamente, a pandemia que impossibilita a lotação das salas de cinema. Ainda assim, é possível que o filme tenha lançado algumas das sementes que germinarão nos próximos filmes da DC, tanto no tom quando na estética e, esperamos, com bons roteiros e direção ousada. Pode não ser o melhor filme da DC de todos os tempos, mas com certeza é o mais importante dessa década!

  • Crítica | A Voz Suprema do Blues

    Crítica | A Voz Suprema do Blues

    Em 1927, quando os Estados Unidos ainda nem sonhava com um presidente negro, o capitalismo engatinhava e os afro-americanos ainda provavam o gosto da liberdade, a música unia as comunidades como nenhum outro poder, naquela sociedade. A Voz Suprema do Blues começa sendo um retrato musical deste período, suas tensões e seus costumes no melhor estilo de Uma Cabana no Céu, de 1943, ou o soberbo Carmem Jones, de 1954, mas isso não dura nem 2 minutos – contados no relógio. O diretor George C. Wolfe adapta a peça de teatro de August Wilson com a mesma emoção, potência e inteligência que Joss Whedon comandou a Liga da Justiça de 2017, e alcança a proeza de tornar um conturbado episódio na vida de uma cantora do blues, e sua banda, em um novelão mexicano vazio, sem estilo e sem representatividade alguma, e que parece ter o triplo da duração curta que tem, para dizer o mínimo.

    E se o filme faz Cadillac Records, com a Beyoncé, parecer melhor em suas principais qualidades, o que falar a respeito então? Desde a primeira cena, o filme se atira no colo de Viola Davis, um monstro como a diva sentimental Ma Rainey, e só muda de assento quando o saxofonista de Chadwick Boseman surge para roubar a atenção, em três cenas sob medida para ele ganhar o Oscar. Como é indecente o filme, ou a série que se esconde atrás dos seus atores, ou ainda: um diretor cujo trabalho consiste no brilhantismo do trabalho alheio. A Voz Suprema do Blues é um simulacro de porcelana sobre a época que retrata dentro de um pequeno estúdio de gravadora cheio de artistas com egos super inflados, sem coragem de levantar assuntos polêmicos e fortes que até Dreamgirls teve, pouquíssimas vezes, lá em 2006. Toda a conjuntura política que, percebe-se, está lá e que poderia elevar o filme a patamares de fato relevantes, quase não tem vez aqui. Falta de habilidade, ou talvez de interesse. Covardia.

    Os filmes originais da Netflix sofrem de um problema crônico: não sobrevivem a uma segunda sessão, com exceção de O Irlandês e mais uns dois gatos perdidos – e que não inclui Mank. A Voz Suprema do Blues é o que é, prato raso sem aspecto memorável algum que nos conduza a revisão. Mesmo para os fãs do Pantera Negra, digo, do Boseman, seria melhor selecionar suas cenas individuais e pagar tributo isolado ao show do jovem ator, lenda que foi tão cedo, tal James Dean e Heath Ledger. Para piorar, o projeto não se decide se é cinema ou ainda é teatro, e por via das dúvidas, o diretor acha melhor nos dar um gosto de peça filmada bem morna, bem esquecível. Péssimo. Um pouco de esforço cairia bem, e o resultado não é pior porque os atores entendem isso, e toda a parte técnica, essa sim, segue impecável – figurinos, cenários e mixagem de som. Sobra visual (como é de praxe na Hollywood do século XXI), falta o principal: visão. Direção. Viola Davis precisa escolher filmes melhores.

  • Agenda Cultural 69 | Nova Era, esquenta Pré-Oscar e mais Aquaman

    Agenda Cultural 69 | Nova Era, esquenta Pré-Oscar e mais Aquaman

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Jackson Good (@jacksgood) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para a primeira Agenda Cultural da Nova Era, talkei? Nesta edição, comentamos um pouco sobre as novas polêmicas envolvendo Lars von Trier, o novo filme do Harry Potter sem Harry Potter (é golpe?), como se balançar com fluidez no novo jogo do Homem-Aranha e muito mais.

    Duração: 123 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Cinema

    Crítica Nasce uma Estrela
    Crítica O Primeiro Homem
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    Crítica A Casa que Jack Construiu
    Crítica Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald
    Crítica As Viúvas
    Crítica Aquaman
    Crítica Bohemian Rhapsody

    Séries

    Review Demolidor – 3ª Temporada

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  • Crítica | As Viúvas

    Crítica | As Viúvas

    Steve McQueen é um diretor que mesmo com poucos elementos em sua filmografia sempre causa alvoroço no publico e na crítica. As Viúvas era um filme bastante esperado, não só por ser um retorno depois de cinco anos do lançamento de 12 Anos de Escravidão, e também graças ao elenco muito estrelado, comandado por Viola Davis e acompanhado por tantas outras estrelas, como Colin Farrell, Robert Duvall e Liam Neeson. O thriller inicia mostrando o casal Rawlings, Veronica e Harry (Davis e Neeson), vivendo sua intimidade de modo luxuoso e ordeiro, até que o trabalho como assaltante do homem dá errado, em uma sucessão de eventos violentos e trágicos, que chacina todos os integrantes, cada um deles deixando para trás sua respectiva companheira.

    Logo é mostrado outro quadro, uma disputa política entre candidatos a vereador de uma comunidade de Chicago, disputada basicamente por Jack Mulligan (Farrell), um político tradicional, herdeiro do já idoso Tom Mulligan (Duvall) que está em vias da aposentadoria, e o negro Jamal Manning (Brian Tyree Henry), um sujeito ligado ao crime organizado da região, normalmente acompanhado por Jatemme (Daniel Kaluuya).

    Dado o cenário, Veronica é encurralada por Jamal, que quebra o protocolo da suposta trégua que estava implícita dentro de sua campanha, basicamente para ameaçar pessoalmente a mulher, acusando seu marido de te-lo roubado, em decorrência disso, as outras viúvas Linda (Michelle Rodriguez), Alice (Elizabeth Debicki) e Amanda (Carrie Coon) são chamadas pela primeira, para tentar se organizar e tentar levantar algum dinheiro, levando em conta o trabalho dos seus parceiros mortos.

    Apesar de ter um elenco grande, não só no número de estrelas como na quantidade de pessoas mostradas, há um mergulho na intimidade das personagens, em especial a já citada Veronica, que permite a Viola desempenhar alguns momentos em que ela está só com câmera e suas angústias são mostradas através do derramar de sua alma. Dentro do seu universo particular cada uma das mulheres tem suas desolações, decepções e contato com o que há de mais nefasto e mesquinho da vida humana.

    O filme é baseado no livro homônimo Lynda La Plante, o roteiro fica a cargo de McQueen e Gillian Flynn, e se nota a influência da autora de Garota Exemplar, principalmente no equilíbrio entre os aspectos de thriller e os elementos de filme de assalto. O diretor consegue podar bem os excessos de Gillian e se mostra mais firme até que Fincher. Sem dúvida alguma esse é bem mais equilibrado e interessante que Lugares Escuros, em especial porque mesmo personagens secundários, como Belle (Cynthia Erivo), parecem realistas e possuem profundidade, quando se assiste se entende perfeitamente as dores que elas vivenciam.

    As Viúvas é pautado na mistura de apreensão, suspense e expectativa pela inabilidade das personagens em nunca terem executado o que precisam realizar, além de apresentar um cenário político-social muito rico e tangível. Há ainda uma sensibilidade enorme da direção com todas as reviravoltas da trama, tornando até palatável a quantidade de tentativas de plot twists apresentados, tudo soa tão natural que até a suposta artificialidade é driblada. Mérito do realizador.

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  • Crítica | Um Limite Entre Nós

    Crítica | Um Limite Entre Nós

    Tramas raciais e sociais sempre correm o risco de serem tratadas de forma pesada ou sem abordar outros temas necessários a compreensão do cenário geral, ainda mais no micro caso de uma família. Várias obras derraparam neste sentido, quando poderiam trazer debates muito mais ricos à tona. Felizmente, Um Limite Entre Nós não é destes casos.

    Famosa peça de August Wilson, Um Limite Entre Nós foi estrelada por Denzel Washington e Viola Davis no teatro em 2000 e fez muito sucesso. Agora em nova adaptação aos cinemas, Denzel traz nova luz a esta comovente história que mostra uma multifacetada visão sobre uma família negra nos EUA durante os anos 50.

    Troy Maxson (Washington) é um coletor de lixo em Pittsburgh na década de 50 em plena segregação racial. Guardando uma imensa mágoa por não ter virado jogador profissional de baseball em sua juventude claramente por questões raciais, Troy desconta sua frustração diariamente de forma passivo-agressiva em todos ao seu redor, especialmente em sua esposa Rose Maxson (Davis) e seu filho Cory (Jovan Adepo).

    Falastrão e egocêntrico, Troy a todo momento coloca suas chagas a mostra para a família, e o orgulho ferido de nunca ter conseguido prover sozinho para sua família é um assunto sempre presente, afinal, a casa onde moram só foi possível ser comprada graças a indenização que eles receberam pelo fato de seu irmão Gabriel (Mykelti Williamson) ter se ferido gravemente na guerra e agora ser portador de necessidades especiais.

    Todo o seu ódio reprimido é compreensível, mas com o movimento dos direitos civis ganhando força e o movimento negro em geral pressionando a sociedade por mudanças, Troy se mostra ao mesmo tempo uma figura digna de pena e raiva, afinal, tenta negar aos outros, especialmente a seu filho Cory, a oportunidade que também lhe foi negada.

    Ao mesmo tempo em que dialoga com questões raciais, a trama dialoga com outras questões, pois coloca Troy como o marido sempre atencioso com a esposa Rose, que o corresponde, em uma relação aparentemente perfeita, mas que aos poucos vai mostrando pequenos rachas, com méritos para as sutis pistas de Viola Davis a cada frase e atitude de Troy. A sua resistência em construir uma cerca (daí o título original, “Fences”) no quintal por tanto tempo, onde cada hora é uma justificativa para adiá-la, também é uma metáfora para seu relacionamento.

    A cada cena, a figura canastrona e boa praça de Troy como mostrada no início com seu amigo Jim Bono (Stephen Henderson) vai se desmontando ao mostrar a face repressora de sua personalidade, deixando claro que nenhuma pessoa é formada de um lado só. Da mesma forma, Cory busca melhorar de vida ao se mostrar um proeminente jogador universitário de futebol americano, mas Troy o impede de todas as formas possíveis da mesma forma que o impediram antes, e brigam, bêbado, até expulsar o garoto de casa, em uma cena comovente. Em outra cena, sem mais nem menos, é jogada a informação que Troy possuía uma relação extraconjugal com uma garota mais jovem, que está grávida e não sabe o que fazer, pois sabe também que isso acabará com seu casamento com Rose.

    Na famosa cena que rende merecidamente o Oscar a Davis, Troy entrega toda a verdade e a peça consegue atingir outras camadas da realidade, onde o machismo do protagonista aflora. Seus argumentos, de que com a amante se sentia vivo, conseguia sorrir, se sentia livre das preocupações da vida, e por isso a procurava, soam totalmente ridículos frente ao desabamento emocional de Rose, onde ela questiona “E os meus sentimentos? E os meus sonhos?”, que ela deixou de lado enquanto escolheu viver ao lado de Troy. Na cena final, a frase que define a relação de ambos a partir dali. “Sua filha vai ter uma mãe, mas você não vai ter mais uma esposa”.

    Um Limite Entre Nós oferece, então, um panorama poucas vezes visto na temática racial no cinema americano. Com vários contextos que dialogam entre si e diálogos ricos e bem construídos entre personagens equivalentes, mantém o espectador focado a cada palavra dita, que serve de ponte para a compreensão futura tanto das próprias cenas quanto dos personagens ali envolvidos, que não são nem um pouco unilaterais, afinal, a realidade não é.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Esquadrão Suicida

    Crítica | Esquadrão Suicida

    Esquadrão Suicida

    Criado no fim dos anos 1950, mas só popularizado na saga pós-Crise Lendas, o Esquadrão Suicida era um grupo composto por vilões do segundo escalão, montado por Amanda Waller, uma das mentes que dominavam o cenário escuso do universo DC, responsável entre outras coisas pelo Projeto Cadmus. De fato, a equipe jamais havia sido alvo de uma popularidade indiscutível e funcionava melhor como elemento coadjuvante (como feito na segunda temporada de Arrow) do que como centro das atenções, inclusive com um péssimo evento audiovisual no longa animando Batman: Assalto em Arkham, que trata exatamente dos mesmos protagonistas do filme de David Ayer.

    Há dois pilares de confiança para o filme, o primeiro é o prestígio de Viola Davis interpretando Waller, desde sempre sendo ela a escolha perfeita para o papel. Apesar de ter pouca oportunidade de brilhar – e de conter para si um grande número de equívocos estratégicos – a atriz consegue fugir da mediocridade que permeia o filme. Já o outro parâmetro de qualidade recairia sobre Ayer, que desnecessariamente emula traços do estilo de filmagem de Zack Snyder, uma vez que seus trabalhos são em muito superiores aos do visionário realizador de Watchmen. O slow motion é excessivo e irritante, fazendo o tom bastante genérico.

    Uma das maiores discussões a respeito do filme era em relação a Arlequina de Margot Robbie. Quanto a isto, não há tanta exploração sexual quanto se imaginava antes da exibição, ainda que toda a vigilância não tenha sido em vão por futuras passagens com a personagem. Robbie permanece com muito mais pele à mostra do que deveria, especialmente comparando a versão original da esquizofrênica personagem pensada por Bruce Timm na série animada do Batman, com esta nova faceta pós-novos 52, hiper-sexualizada. Os inúmeros erros de roteiro não mostram uma personagem forte emocionalmente, e sim uma mulher que foi muito abusada e que sofre desse mal o tempo inteiro. Sua performance é a mais rica e profunda do longa e só perde força graças ao preciosismo do Coringa.

    O palhaço e príncipe do crime de Gotham soa patético e faz rir pelos motivos errados, não por possíveis gracejos e sim pela construção extremamente caricata e deslocada que Jared Leto emprega. A culpa pela participação pífia parece dividida entre o texto atrapalhado de Ayer e a necessidade do ator em tentar a todo custo superar seu antecessor, Heath Ledger. Não havia qualquer necessidade para tal, tanto no Batman de 1989 quanto em Cavaleiro das Trevas há boas apresentações do criminoso insano. Ambas conseguem atingir uma boa expectativa quadrinística do Coringa, mas esta não. As cenas com Leto parecem enxertadas às pressas para trazer algum rosto conhecido ao filme, e quase banaliza o pouco de argumento que funciona em relação a Harley.

    A ideia de se fazer um filme de equipe não passa de uma premissa não alcançada. O que se vê é um sub-aproveitamento dos personagens. Rick Flag (Joel Kinnaman) consegue alguns momentos condizentes com a figura de militar inspirador, mas logo perde força ao executar um momento de irreal cafonice, contendo em mãos a chave para convencer o protagonista Pistoleiro/Floyd Lawton (Will Smith) de segui-lo até a morte. Mesmo o sentimentalismo barato – marca registrada de Smith em muitos de seus filmes – neste soa desimportante.

    Mesmo as piadas que funcionam no material promocional ficam mal encaixadas, soam fracas e sem peso, jogadas em uma edição confusa, que por sua vez provém de um texto final nada sólido. Alguns poucos momentos de ação são salvos pela competente mão de Ayer, mas ainda assim é pouco, muito pouco. Falta lógica na maioria das táticas de guerra, e isso faz toda a diferença para a suspensão de descrença de um público ávido por uma abordagem mais certeira da Warner e DC no cinema.

    O resultado final carece de um bom vilão. E, fora Harley, os personagens femininos são fracos. Katana aparenta ser um cosplay, dada que sua motivação é tão ruim quanto a da Magia de Cara Delevingne, que faz uma vergonha tremenda nos instantes finais. Sua apresentação rivaliza com a do Crocodilo em matéria de caricatura, e é péssima em caráter de pieguice, acompanhada, claro, do restante do elenco nesse quesito. Esquadrão Suicida é aprisionado no limiar entre um filme de ação genérico dos anos 1980, um produto trash da Asylum, transitando entre Falcão, o Campeão dos Campeões e Sharknado, ainda que não haja, nem em seu orçamento quanto mais em expectativa, qualquer semelhança com quaisquer dos dois gêneros ou os dois exemplos citados.

  • Crítica | Hacker

    Crítica | Hacker

    Hacker - Blackhat - Michael Mann

    Até os grandes erram. O interessante é que seus erros são tão grandiosos quanto os seus acertos. No caso de Hacker, o grande Michael Mann – responsável por obras como Fogo Contra Fogo, Colateral e O Último dos Moicanos – deu um tiro no próprio pé. Ainda que tenha uma temática bastante atual, o filme é bem ruim e está muito aquém do restante da filmografia do diretor.

    Na trama do filme, um ataque cibernético ao sistema de resfriamento de uma usina nuclear na China gera o derretimento de um reator e um grave acidente. No dia seguinte, o hacker por trás do ataque à usina provoca pânico na bolsa de valores de Chicago ao manipular o mercado de ações. Um oficial militar chinês que investiga o caso descobre que o hacker está usando um código que ele e um amigo escreveram há alguns anos enquanto estudavam no MIT. O amigo, vivido por Chris Hemsworth, é libertado da prisão onde estava confinado para poder auxiliar na captura do criminoso virtual.

    Existem dois pontos positivos na fita: a fotografia digital é muito bem utilizada pelo diretor Michael Mann, provocando um ótimo efeito em tela. O outro ponto é a maneira como algumas sequências de ação são filmadas. Mann filma de forma espetacular, porém nunca tira os pés do chão, mantendo sempre um grau de realismo. Entretanto, só isso não basta para tornar o filme bom. O roteiro é muito fraco e faz uso de algumas situações muito absurdas, tal como entrar em um reator nuclear que “vazou” para recuperar o disco rígido de um computador que poderia conter informações vitais para a investigação. Os personagens são pessimamente construídos, sendo unidimensionais e clichês ambulantes. O vilão do filme é algo de inexplicável, pois é um gênio durante grande parte do filme e uma besta quadrada no final. Fora o forçadíssimo romance entre dois protagonistas que não faz sentido nenhum.

    Esses problemas poderiam ter sido contornados caso o filme tivesse um ritmo alucinante, daqueles que prendem o espectador na poltrona. Porém, esse não é o caso. O ritmo é arrastado e chega a provocar sono. Em nenhum momento parece que os heróis estão enfrentando um vilão que pode desestabilizar ou destruir todo o planeta, tamanha a passividade que transmitem. Não há um senso de urgência. Algumas soluções do roteiro são risíveis e uma em especial debocha da inteligência do espectador.

    Quanto às atuações, não há muito o que se fazer quando os personagens são ruins. Chris Hemsworth defende com dignidade o seu papel, mesmo na inacreditável cena em que ele deixa de ser hacker e se transforma num cruzamento de MacGyver com Capitão América. Leehom Wang, o amigo chinês do personagem de Hemsworth, e Tang Wei, sua irmã, e o tal interesse romântico do protagonista, fazem o que podem de acordo com as suas limitações naturais e as de concepção dos personagens. Viola Davis está como sempre competente em cena, apesar de sua personagem também ser extremamente genérica.

    Enfim, fica uma sensação amarga quando sobem os créditos, já que Michael Mann costuma demorar entre um projeto e outro. Nesse caso, não foi nem caso de expectativa alta. O caso é de filme ruim mesmo.

    Compre: Hacker

  • Review | How To Get Away With Murder – 1ª Temporada

    Review | How To Get Away With Murder – 1ª Temporada

    How To Get Away With Murder - 1a temporada - poster

    Foram os elogios a Viola Davis, premiada com o Emmy de melhor atriz em drama, que fizeram com que eu procurasse How to Get Away With Murder, nova série de Shonda Rhimes. A atriz, que é inegavelmente o melhor aspecto dessa temporada, é de uma competência inegável. Competência que fica ainda mais clara pelo contraste entre sua interpretação sutil e as “caras e bocas” dos jovens atores com quem contracena.

    A série conta a história de cinco estudantes de direito em seu primeiro ano e, que apesar de suas personalidades muito distintas, tem o mesmo objetivo: impressionar a carismática professora Annelise (Davis), rigorosa e responsável por enorme fascínio nos estudantes. Assim que conquistam o tão sonhado estágio no escritório de Annelise Keatting, os jovens são envolvidos no caso de uma estudante desaparecida encontrada na caixa de água de uma fraternidade. Os estudantes são implicados no assassinato da jovem Lila Stangard (Megan West), ao lado de seu namorado Griffin O’Reilly e Rebeca (Katie Findlay), vizinha de Wes (Alfie Enoch), que parece ser o pupilo preferido de Annelise. Se de início o trabalho em comum não parece capaz de unir esses jovens, sua implicação em uma atividade criminosa assim o fará.

    Desde o início, os competitivos jovens enxergam o pupilo como ameaça, pois Annelise parece ter criado uma quinta vaga na equipe especialmente para ele. Seus colegas tendem também a não se identificar com o rapaz que tem origem humilde e estudou em uma universidade comunitária. Wes parece isolado grande parte do tempo, dono de um temperamento mais introspectivo, dificilmente demonstrando sentimentos, porém sua empatia faz com que tenha uma visão diferenciada, o que o ajuda na construção de argumentos para os casos.

    Contrastando com Wes, Michaela (Aja Naomi King) é uma jovem ambiciosa, prestes a se casar com um herdeiro e grande promessa do cenário político em Nova York. Extremamente metódica Michaela tende a perder o controle quando as coisas não saem como o planejado. Nada sabemos sobre a sua família, o que me faz desconfiar que sua história pregressa tenda a se parecer um pouco com a de sua tutora, que também se reinventou para ser bem sucedida.

    Outro personagem interessante é Connor (Jack Falahee), dono de inegável beleza, utiliza a sedução como principal arma para conseguir vantagens que o ajudem a se destacar. Porém, se de início parece um predador sexual sem coração, o desenvolvimento da história promete surpresas. Antagoniza bastante com Michaela, provocando-a ao insinuar que seus planos de um futuro perfeito, são menos do que perfeitos se observados mais de perto.

    A última implicada no crime é Laurel (Karla Souza), que se diferencia de seus colegas por não se mostrar ambiciosa. Com preocupações sociais e éticas não compartilhadas por seus pares, Laurel muitas vezes parece perdida em meio a tanta competição. Não poucas vezes se questiona se aquele é seu lugar, apesar de ser tão competente quanto qualquer um de seus colegas.

    Chama a atenção o fato de Asher não estar envolvido no crime que todos agora compartilham, seja por participação direta ou como cúmplices. O filho de um juiz implicado em atividades questionáveis é constantemente desprezado por seus colegas. Imaturo e ingênuo, o rapaz já mostrou em diversas oportunidades que lhe falta a malícia que sobra a seus colegas, e é constantemente usado sem se dar conta disso. Matt McGorry que interpreta Asher, ficou conhecido pelo Guarda Bennet , em Orange In The New Black da Netflix, um grande destaque entre o elenco mais jovem.

    A série produzida pela ABC se não inova em seu formato, contando a história de forma não-linear, mesclando flashbacks no meio da narrativa, pelo menos utiliza-o de forma competente. Mantém o interesse do expectador, que se esforça para se adiantar a narração e desvelar o mistério que move a temporada. Porém, conforme chegamos perto de descobrir quem foi o assassino de Lila, o interesse diminui. O tom um tanto adolescente e a falta de aprofundamento nos casos da semana, explorando o ambiente dos tribunais, pode desagradar a um telespectador mais maduro. Apesar disso, o magnetismo de Viola Davis confere pontos extras a produção, que sem ela soaria insossa.

    Compre: How To Get Away With Murder – 1ª temporada

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    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor 2

    O começo do novo filme de Ned Benson começa debochado, em uma conversa descompromissada e humorística entre Conor e Eleanor, um casal apaixonado que se divertiria pregando peças em restaurantes, retirando-se às pressas para não pagar as contas. Um dia, tal espontaneidade teria seu preço, maior do que o simples viver dos sentimentos, e o casal enamorado já não seria mas tão unido, causa justificada por nenhum motivo específico; somente as vicissitudes da vida foram responsáveis pelo gradativo afastamento.

    A narrativa do diretor autoral passaria por mostrar eventos em atos, como em uma peça teatral. O primeiro, após a breve introdução, exibe Eleanor Rigby, caracterizada emocionalmente por uma cada vez melhor Jessica Chastain, que em um momento rotineiro prende a sua bicicleta a uma grade e se joga ao mar, impedida de morrer por um transeunte anônimo, fruto da entropia que se torna menos estranha pela completa ausência de explicações anteriores. A aura de aleatoriedade permeia a existência da personagem e faz com que qualquer diagnóstico torne-se confuso.

    Conor Ludlow, o homem, sente-se mal e responsável por todo o drama que chega a sua casa. James McAvoy é o perfeito sujeito tomado pela responsabilidade do “delito”, digerindo o remorso pelos atos de sua esposa que são piorados, é claro, pela subjetividade inerente ao término da relação e o consequente apartamento das partes, reforçado por um pedido de Eleanor para que a distância permanecesse intacta entre ambos.

    A métrica usada por Benson compreende uma linha temporal dionisíaca, que mostra cada momento específico da relação de acordo com o que o realizador julgar melhor. O fino equilíbrio não é quebrado, e a composição estratégica valoriza o romance perfeito do passado e a amargura de ambos após o fim da relação amorosa, que apesar dos pesares, não perdeu força, tampouco significou a interrupção do sentimento e da atração mútua.

    O lugar que o casal administra é um restaurante, curiosamente o símbolo que demanda amor, lugar onde muitas relações começaram ou simplesmente passaram, mostrando que a intimidade dos personagens é repleta de momentos de exploração da afeição típica de consortes enamorados. Mesmo assim, a sorte dos dois não fez prever o atropelamento que sofreriam, literal ou figurado. Curiosamente, após o rompimento, o estabelecimento é gerenciado somente pelo homem, o que coincide com a vontade de tornar o negócio em um empreendimento unilateral. Ao menos em um nível liminar de pensamento, que somente se manifesta em Conor.

    Após algumas incursões ao consultório psicanalítico da Professora Friedman (Viola Davis), Eleanor enfim percebe que não conseguirá mudar ou evoluir permanecendo no mesmo lugar. A moça tenciona sair da cidade, mas é fortemente aconselhada a não agir tão drasticamente, sugestão dada por sua analista e por todo o corpo de apoio formado pelo belo elenco de coadjuvantes, que conta ainda com Bill Hader em um papel diferente das comédias habituais – emulando o drama já visto em Skeleton Twins – e uma comedida Isabelle Huppert, que faz a matriarca Rigby, prenunciando alguns dos defeitos de introspecção de sua herdeira.

    Quando a melancolia torna-se o norte dos indivíduos em separado é que a real necessidade de estarem juntos aparecem, quando não se pode mais ver qualquer traço de identidade sem enxergar-se duplamente, sendo uno somente quando estão unidos. A maturidade passa por conhecer o momento de parar e tomar rumos opostos. Nesse ponto, a mensagem que Ned Benson produz é muito clara, e curiosamente não é dúbia na questão mais importante da inevitabilidade do des-romance.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor - Poster Brasileiro

    A primeira referência que salta aos olhos do público retoma uma canção dos Beatles, composta por Paul McCartney, presente no álbum Revolver, de 1966. Eleanor Rigby é uma majestosa canção sobre a solidão, composta como uma crônica cotidiana poética e com um belo arranjo orquestral. Uma música que ecoa nesta produção, terceira parte de um projeto idealizado pelo roteirista e diretor Ned Benson.

    Buscando uma alternativa de inovação nas narrativas românticas no cinema, o diretor compôs uma trilogia sentimental sobre uma mesma história com ponto de vistas alternados. As duas primeiras produções lançadas em 2013 contavam o ponto de vista masculino e feminino separadamente. Narrativas que foram lançadas no exterior, mas ainda não chegaram ao país. Os Dois Lados do Amor é a união destas duas histórias anteriores, em uma nova edição que suprime partes dos filmes anteriores, produzindo uma nova cronologia em que conhecemos as duas personalidades da relação.

    O título original, The Disappearance of Eleanor Rigby, remete não só à canção dos Beatles como naturalmente infere a temática da solidão. A cena de abertura com o casal em harmonia é apenas um contraponto à separação de Conor e Eleanor após um acontecimento traumático, que será analisado no decorrer da história.

    Ainda que a personagem feminina tenha uma breve fuga, o desaparecimento é apenas uma metáfora simbólica que representa o transitivo. Neste aspecto, o amor do casal representava um momento anterior que, por escolha ou não, chegou ao fim. As personagens estão recomeçando a vida de maneira primária, reaprendendo como viver sem a presença do ex-amado, retornando a casa dos pais e observando que a percepção do que era concreto – o “para sempre” do amor – agora é parte do passado.

    O roteiro retém a motivação para a separação do casal enquanto demonstra a inadequação de ambos na nova vida. Eleanor tenta retomar a vida de solteira tentando voltar aos estudos; enquanto Conor, que mantém um restaurante estável, parece incapaz de viver sem a companheira e passa a persegui-la à procura de satisfações.

    A trama se constrói entre os espaços do fim e das circunstâncias que levaram a perda de laços dos protagonistas. O amor interrompido ganha maior composição trágica ao descobrimos que a perda de um filho parece o fator primário para o afastamento do casal. Infelizmente, não há aprofundamento que revele os motivos da morte da criança, e muito menos o drama que produziu no amor um sentimento repulsivo que impediria o casal de manter sua relação. Ao mesmo tempo, tais lacunas parecem intencionais para que a história adquira um caráter maior, simbolizando a dificuldade de uma relação a partir de um acontecimento inesperado por si só, sem a necessidade de que os pormenores dramáticos sejam revelados ao público.

    A medida da sensibilidade é um risco razoável para o roteirista e diretor, que depende de maior entrega do espectador para que este leia as entrelinhas inferidas pela obra. James McAvoy e Jessica Chastain demonstram competência ao interpretarem o casal recém separado, ao mesmo tempo que manifestam a ternura ainda existente. É uma obra bonita e reflexiva que mesmo perdendo a composição mais autoral ou audaciosa, apresentando somente um lado da relação como nas histórias anteriores, narra uma relação madura que não envereda nem para o lado excessivamente cômico, nem ao dramático.  Dessa forma, edifica-se a sensação de uma realidade assistida e comum a tantos casais cujo amor já não é residência constante.

  • Crítica | James Brown

    Crítica | James Brown

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    O começo da cinebiografia dirigida por Tate Taylor deveria emular o suingue e sensualidade de seu objeto de análise, com um Chadwick Boseman caminhando pelo backstage rumo a mais uma apresentação, onde o poder de sua música e a sua persona seriam mais uma vez testados e aprovados pelo público. Todos os fatos mostrados após a apresentação têm em comum as aparições meteóricas do Pai do Funk pelo interior de seu país e no Vietnã, motivando as plateias formadas por soldados ávidos por qualquer possibilidade de alento e de lembranças de casa.

    Boseman mergulha tão fundo em seu personagem que em alguns momentos soa caricato, já que o próprio James Brown gostava de apresentar-se como um personagem, como o arquétipo do negro que não teme em se pôr em pé de igualdade com os brancos. Tal característica é bem mostrada na revolta causada no cantor ao tomar ciência de que aquela não seria a última atração em uma noite de shows, nos idos dos anos sessenta.

    O método narrativo do roteiro de Jez Butterworth e John-Henry Butterworth, destacando os momentos distintos da vida e carreira de Brown, imita o modo dionisíaco e desregrado dos dias do cantor, cuja temporalidade se confunde com sua conturbada personalidade. Há um cuidado excessivo do roteiro em não parecer mais uma versão branca de um filme sobre negros, como foi acusado no lançamento do filme anterior de Taylor, Caminhos Cruzados. Demonstrar tal viés através de uma fala categórica no filme faz lembrar a obviedade das biografias assinadas por Ron Howard, dono do estúdio que produziu a obra.

    As origens, com a confusa família que abandonou James e o seu passado cristão pentecostal, são mostradas como a principal influência para a música que Brown criaria anos depois, repleta de metais e movimentos pélvicos. Acima de tudo, assinala-se a predileção de James em falar diretamente ao público negro, mesmo que em muitos momentos ele tenha que se dobrar aos desejos dos brancos, seja dos empresário e donos de gravadora, seja das plateias, servindo de brinquedo. É curioso notar como a edição de cenas funciona quase sempre com uma passagem em que mostra sua revolta com os “poderosos”, os quais impunham um estereótipo racial para depois mostrar um pouco do passado de sofrimento.

    O olhar de Boseman para a câmera emula a qualidade do cantor, portando-se de frente à multidão. Seu objetivo era entreter as plateias, especialmente as pessoas que sempre tiveram dificuldade em consumir qualquer produto cultural que tivesse amarras com as suas origens. Há outros reclames, ligados ao feminismo e à discriminação sexual, algumas vezes apresentados de modo natural, mas a maioria esmagadora das ações é bastante panfletária, o que deixa o centro da discussão mais pobre, apesar da grande importância do discurso.

    Ao mostrar os pecados de Brown, há uma complacência da câmera, que esconde o personagem antes das agressões que desfere em sua esposa, violência causada pelo machismo comum aos homens de sua época. A mensagem de integração acaba rivalizando com a figura de astro pop dividindo os holofotes da ribalta, em uma tentativa de exibir uma faceta mais política do ícone musical, sob um viés poucas vezes explorado pela mídia à época em razão da forte censura a qualquer manifestação do cidadão americano de pele escura.

    Os últimos 40 minutos são dedicados a explorar a luta de Brown contra seus demônios, figuras de seu passado, tanto os que colaboraram para seu sucesso quanto aqueles que abandonaram o cantor. O mergulho à mente do homem por trás do mito é um bocado atabalhoado, exibido de modo emocional e igualmente desequilibrado. O final acaba resumindo a maioria do filme, que carece de um ritmo minimamente condizente com as qualificadas fotografias e caracterizações da época. O formato, picotado entre as épocas de sucesso do astro, garante uma sensação semelhante a de uma montanha-russa sentimental, mas o formato ainda não estava amadurecido o suficiente.

    Apesar de ter alguns bons momentos com os personagens periféricos, especialmente com Nelsan Ellis como Bobby Byrd e Viola Davis interpretando a mãe do artista, falta um maior aprofundamento nos coadjuvantes para focar na boa atuação de Boseman, que segue enfraquecida graças à falta de estofo do cenário em volta do biografado. James Brown é um filme que contém momentos muito interessantes e inspirados, mas que conta com um formato problemático, deixando-o com um aspecto morno, nem quente e nem frio, cuja digestão normalmente é problemática tanto para o espectador mais incauto quanto ao anticonservador.

  • Crítica | Os Suspeitos

    Crítica | Os Suspeitos

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    Novo filme do cultuado diretor canadense Dennis Villeneuve, Os Suspeitos é um bom suspense de grande tensão: a procura de um pai por uma filha desaparecida, gerando grande conflito e envolvimento emocional em diferentes escalas dentro de um grupo de pessoas próximas.

    Situado na fria e chuvosa cidade de Boston, Keller Dover (Hugh Jackman) leva uma vida feliz ao lado da esposa Grace (Maria Bello) e os filhos Ralph (Dylan Minnette) e Anna (Erin Gerasimovich). Em visita a casa dos amigos e vizinhos Franklin (Terrence Howard) e Nancy Birch (Viola Davis), sua filha, a pequena Anna (Kyla Drew Simmons), desaparece. As famílias logo procuram a polícia e o caso cai nas mãos do detetive Loki (Jake Gyllenhaal) que prende um suspeito, Alex (Paul Dano), que logo é solto devido à ausência de provas. Alex é um adulto problemático e com sintomas de deficiência cognitiva, mas que parece ser o culpado para Dover, que irá ultrapassar os limites de tudo o que acredita para encontrar sua filha.

    Começando já na escolha do tema (desaparecimento de crianças) o diretor acerta no objetivo de mobilizar uma plateia da mesma forma que qualquer um desses casos mobiliza a opinião pública. O infalível aspecto de pureza e inocência de uma criança torna qualquer ato contra ela abominável e irá aglutinar na comoção e condenação desse ato e seus realizadores grande parcela da sociedade, da mesma forma que acontece com o público do filme, que embarca na história e se pergunta a toda hora se faria algo diferente do que lhe é mostrado.

    Emocionalmente falando, o filme então consegue compreender a dimensão devastadora de um caso como este, que não é incomum em nenhum lugar no mundo, e que mostra como toda a dimensão da tecnologia não é capaz de nos proteger dos terrores da própria humanidade. A sensação de impotência dos protagonistas é destacada a todo instante, assim como as brigas internas dos adultos, evidenciando em todo instante a frustração de não conseguir fazer nada. Também neste aspecto somos apresentados ao detetive Loki, que é deixado claro ser um policial típico de filmes de investigação: solitário, sem vida, obcecado pelo trabalho e empático com as injustiças sofridas pelas vítimas dos crimes que investiga. Loki e Dover são personagens interessantes, que por vezes se antagonizam, mas ambos buscam o mesmo objetivo, um dentro e outro a margem da lei, simbolizando o eterno conflito de “civilização x selva” que sempre vem à tona quando o assunto é a violência humana.

    Também é interessante a construção de Alex, um personagem que é a todo instante tratado como culpado, e que parece culpado realmente. Em todo o calor gerado por comoções públicas, faltou ao diretor movimentar a história mais nesse sentido, e tornar a vingança egoísta e personalista de Dover como também parte da opinião pública, e não só pessoal. No entanto, faltou ao filme um trabalho melhor no que tratou da parte policial e investigativa. Ao contrário de outros clássicos do gênero, como “O Silêncio dos inocentes”, Os Suspeitos em alguns momentos falha em manter a expectativa da resolução do crime, e as pistas oferecidas dão ao espectador a chance de desvendar pedaços da história antes de Loki, enfraquecendo seu personagem, como na cena onde é utilizado o velho clichê da mesa destruída pela frustração e ali uma pista crucial é desvendada, quando um espectador mais atento teria reconhecido aquela pista vários momentos antes.

    O mesmo se repete na cena final, quando detalhes importantes são ignorados a fim de se encerrar a história em um clímax instigante e que deixa no ar o que poderia ter acontecido, mas não a ponto de não responder exatamente isso ao “acostumado às respostas” público americano. Caso não se focasse na investigação policial em si, detalhes como estes poderiam ser relevados (Dover vai a casa da tia de Alex com mala, ferramentas e deixa várias pistas, que são ignoradas pela história quando a casa é invadida e revirada por policiais, e nenhuma resposta a essas pistas é dada), mas nesse caso, enfraquece a narrativa investigativa sob a perspectiva policial.

    Apesar de uma fotografia muito bem construída, e também atuações dignas de grandes atores (talvez a melhor de Jackman), Os Suspeitos se alonga por muito tempo em redemoinhos narrativos (como a tortura de Alex por Dover) e que desgastam o choque inicial, travando o desenvolvimento da história. Quando o filme acaba, sobra uma sensação de “ainda bem” misturada a outra de satisfação com uma história que traz à tona discussões interessantes sobre paternidade, violência e sociedade, mas que poderiam ter sido levadas por um caminho mais ousado, questionando mais o valor da mídia e das decisões pessoais nesses casos, como faz magistralmente o longa dirigido por Ben Affleck, “Medo da Verdade” (Gone Baby Gone).

    Os Suspeitos é capaz de entreter e tem uma crueza e aspereza condizentes com o tema retratado, mas que falha em desenvolver objetivamente seu ritmo e conduzir os protagonistas em um desenvolvimento que justifique o tempo de tela, assim como em produzir pistas e recompensas que causem mais do que um certo “eu já suspeitava” ao seu final, enquanto prometia algo além. É um bom filme, mas que não acrescenta muita coisa ao gênero, recheado de clássicos mais completos.

    * Detalhe para a horrível tradução do título em português. Prisioneiros traduziria perfeitamente o que o filme quer passar, quando pais são prisioneiros dos captores de seus filhos. Os Suspeitos além de genérico e vazio, entrega que já há mais de um suspeito do crime.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Dezesseis Luas

    Crítica | Dezesseis Luas

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    Grandes produções hollywoodianas sempre geram outras produções similares, normalmente inferiores ao seu produto original. Quando Harry Potter fez sua estreia nas telas, outras adaptações vindas de uma narrativa de um cenário mágico surgiram. Os Seis Signos da Luz, Eragon e Eu Sou o Número Quatro são apenas alguns exemplos: são obras que podem ter alguma qualidade em seu texto original, mas que foram formatadas para ter semelhança com a narrativa do bruxo.

    O sucesso da saga Crepúsculo também trilhou um caminho para o gênero com produções similares; ainda que, desde seu primeiro filme, tenha dividido o público entre os que mal recereberam a história, que tornou-se certo motivo de riso, e outra grande parcela de público que lhe trouxe sucesso mundial.

    Dezesseis Luas, criado por Kami Garcia e Margaret Stohl, seria a nova história de amor e magia da vez, tentando aproveitar-se de um espaço deixado pelo fim da saga dos vampiros após cinco filmes.

    Mesmo que sua trama tenha semelhanças com aquela do casal Bella Swan e Edward Cullen, a produção é mais voltada para uma narrativa adolescente que insere tais elementos mágicos como um elemento a mais para não desenvolver somente uma história amorosa. Em vez do patético apresentado por Stephenie Meyer, com personagens românticas em excesso e vampiros brilhantes, a dupla de escritores desta saga optou por seguir uma linha mais tradicionalista. Lena Duchannes, a personagem central, é deslocada, esconde os segredos habituais, mas carrega uma ironia carismática que faz dela e de seu par romântico, Ethan Wate, um ponto de ligação com o público. Ao contrário do casal da outra saga, composto por um vampiro apático e uma mocinha sem sal.

    Mesmo que não haja intenção nenhuma em ser uma história espetacular, observar duas personagens centrais divertidas e agradáveis é um bom caminho para uma história que não tem nenhuma intenção de ser mais do que uma aventura formada para um público juvenil.

    Dentro de seus parâmetros de história juvenil com um ambiente apoiado pela magia e história de amor que envolve maldições e bruxaria, a trama é funcional e deve atingir em cheio o gosto do público. Mesmo que o tradicional não apresente nada novo, a base tem mais sustentação que diversas outras histórias maiores.

    Some a isso atores consagrados sendo coadjuvantes bem à vontade com suas personagens, como se se divertissem ao fazer uma trama mais leve que não exigisse muito de seu talento, ao mesmo tempo que os deixa mais visíveis na mídia.

    Ao optar pelo caminho seguro de uma trama óbvia, seu resultado se fez bem equilibrado e agradável, entregando uma aventura juvenil com tudo que o público deseja ver.

  • Crítica | Histórias Cruzadas

    Crítica | Histórias Cruzadas

    Logo no quadro inicial de Histórias Cruzadas, somos apresentados à personagem Aibileen Clark (Viola Davis, espetacular). Naquele momento, uma das primeiras frases ditas por ela define exatamente como é a sua vida e as das outras domésticas que surgirão ao longo do filme.

    “Eu sou uma empregada, minha mãe foi empregada e minha avó foi uma escrava caseira”, ela diz.

    Tudo nas vidas daquelas mulheres negras gira em torno dessa realidade: a conformidade com a condição imutável de que suas existências se resumem a trabalhar nas casas de patrões brancos, preparando suas refeições e cuidando de seus filhos.

    Elas estão ali para servir. São uma parte invisível das famílias de seus empregadores. Mas uma parte que jamais é totalmente aceita. Afinal, são mulheres. E pior: são negras – a característica imperdoável para os brancos que viviam na cidade de Jackson, Estado do Mississipi, ao longo dos anos de 1960, local e época nos quais a obra se desenrola.

    “Histórias Cruzadas” trata de dois temas difíceis: a total incapacidade de mudar o rumo da própria vida e a estupidez humana ao segregar um semelhante apenas pela cor da sua pele. No entanto, mesmo lidando com assuntos áridos, a película é uma obra simples, direta e – pelo menos na maior parte do tempo – leve. E talvez essa simplicidade seja sua maior qualidade.

    O roteiro é linear. A história é clara, bem como o posicionamento de cada um dos personagens que a compõem.

    Na trama, somos apresentados à Eugenia “Skeeter” Phelan (Emma Stone). Aspirante à jornalista e escritora, ela consegue um emprego no jornal local. No entanto, por ser mulher e viver numa cidade racista e sexista, a jovem consegue apenas escrever uma pequena coluna dedicada a donas de casa na qual lhe cabe apenas dar às leitoras dicas de limpeza doméstica.

    É nesse contexto que Skeeter e Aibileen se aproximam – a partir daí, a jovem branca que quer ser escritora percebe que a empregada pode ser a fonte da matéria-prima necessária à realização de uma grande reportagem: contar como é a vida das empregadas naquela sociedade segregacionista a partir do ponto de um ponto de vista até então inexplorado – o das próprias domésticas.

    Ambas – Skeeter e Aibileen – estão infelizes: a primeira quer claramente ir além dos limites da cidade e provar que uma mulher pode ser muito mais que uma caçadora de maridos, atividade para a qual praticamente todas as moças de Jackson são treinadas desde muito jovens. Já a segunda, tem a dor da morte de um filho e a amargura imposta pelo preconceito atravessadas na garganta. Ela precisa colocar para fora os absurdos cometidos em nome da separação provocada pela segregação.

    Absurdos, esses, que são bem retratados por meio da ação mais simples que se possa imaginar: ir ao banheiro – ou seja, até mesmo o mais corriqueiro dos atos pode ser utilizado para demonstrar como brancos tratavam negros dentro daquele contexto. Cabe ressaltar a maneira honesta como o diretor Tate Taylor retrata a hipocrisia dos moradores do subúrbio norte-americano daquele período: por trás das cercas brancas, gramados verdes e bem aparados, encontros sociais e lares aparentemente perfeitos, é possível ver, mesmo no menor dos gestos, o ódio e o desprezo que as pessoas que viviam ali sentiam pelos negros.

    Essa visão segregacionista é incorporada pela personagem Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard) – tradução literal da América racista, branca e protestante.

    Seu mundo, no entanto, está prestes a ruir. Discretas intervenções feitas pelo diretor por meio de reportagens de TV assistidas pelos personagens mostram a evolução que os direitos civis nos Estados Unidos experimentavam naquele momento. A luta pela igualdade comandada por Martin Luther King e o assassinato do presidente John Kennedy contextualizam a história dentro daquele período e deixam ainda mais claro que as coisas estavam mudando.

    E a própria Hilly será vítima de uma das maiores ações de vingança e Justiça mostradas no cinema nos últimos tempos. Protagonizada por sua ex-empregada Minny (Octavia Spencer, excelente), a cena em questão se vale de uma, digamos, metáfora “orgânica” para mostrar do que ela realmente é capaz.

    Atenção também à bela performance de Jessica Chastain (A Árvore da Vida), que interpreta a personagem Celia Foote e carrega sua construção com altas doses de inocência, desprendimento e sensualidade involuntária.

    “História Cruzadas” é um daqueles filmes simples – e não simplórios – que nos lembram o quanto situações insanas podem estar mais próximas do que imaginamos – até dentro de nossos lares.

    Insanidades como acreditar que o valor de uma pessoa pode ser medido pela cor da sua pele.

    Insanidade como fechar os olhos para o fato de que, no fim das contas, todos pertencemos à mesma raça: a humana.

    Texto de autoria de Carlos Brito.