Tag: Mark Waid

  • Resenha | Fruto Estranho

    Resenha | Fruto Estranho

    A Grande Cheia do Mississipi, ocorrida em 1927, foi uma das piores catástrofes naturais norte-americana de seu tempo, atingindo as margens do rio e os diques com força, inundando áreas de grandes proporções e deixando um rastro de destruição por onde passou.

    Paralelo a isso, a segregação racial perpetuava um ciclo de desigualdades, fortalecendo movimentos supremacistas brancos como os da Ku Klux Klan, que se propunham a perseguir descaradamente as pessoas de pele negra.

    Com esse contexto em mente, J.G. Jones procurou Mark Waid para juntos trabalharem em uma história ambientada nesse começo de século XX, no sul dos Estados Unidos, no qual surge diante de uma sociedade racista e desigual a figura de um ubermensch, o super-homem nietzschiano, porém negro.

    A história se passa em Chatterlee, no Mississipi, durante o supracitado ano de 1927, quando aterrissa na Terra um misterioso e aparentemente desorientado homem. De modo bem diferente da chegada à Terra do recém nascido Kal-El, nas histórias clássicas do Superman, o homem chega já adulto e e imponente, um verdadeiro colosso entre os homens, a epítome da perfeição humana, em meio a uma sociedade que representa de forma inequívoca o atraso total da humanidade.

    Paralela à chegada desse estranho indivíduo, chega à cidade o engenheiro Fonder McCoy, enviado por Washington para ajudar durante a crise dos diques. McCoy, como a maioria da classe trabalhadora da cidade, é negro, o que resulta em doses cavalares de racismo sendo destiladas contra sua figura ao longo de toda obra.

    Amparado pela figura do controverso Senador e da bem intencionada, porém alienada viúva Lantry, McCoy vislumbra na figura do colosso uma chance de garantir a sobrevivência da cidade e da subsistência de seus moradores, tanto a elite branca e racista quanto a grande quantidade de humildes trabalhadores negros, que ali vivem em condições paupérrimas.

    Jones e Waid, famosos na indústria dos comics mainstream norte-americanos, angariaram fama e prestígio narrando a história de homens e mulheres superpoderosos, se digladiando contra ameaças inimagináveis em prol do bem da humanidade, buscando evocar o melhor que o ser humano tem em si.

    Ao se juntar para conceber Fruto Estranho, contudo, a dupla se propôs a narrar um conto sobre o racismo estruturalizado na sociedade norte-americana, em contraposição ao surgimento de uma espécie de Superman indesejado por conta de sua cor. O quadrinho possui grande apuro no que se refere ao trabalho de pesquisa histórica e apresenta questões relevantes, padecendo com alguns problemas de ordem narrativa.

    Os diálogos frios e violentamente racistas com os quais Waid povoa a obra dão verossimilhança para a trama, dialogando com a soberba arte realista pintada por Jones, mas a noção de direcionamento da história acaba comprometida quando pensamos no papel principal da trama.

    O silencioso e colossal alienígena tem desenvolvimento praticamente nulo ao longo da trama, de modo que o destaque das ações recaia sempre sobre Sonny, o pobre homem negro que inicialmente encontra o poderoso extraterrestre e que subsequentemente o acompanha ao longo das desventuras na cidade.

    Cumpre-nos ressaltar que é Sonny quem objetivamente resolve as subtramas da narrativa, se irrompendo contra as forças opressoras e racistas que se impõem sobre ele e seus semelhantes, ainda que o catalisador que motivou a população tenha sido o superpoderoso colosso negro.

    A trama se ambienta com sucesso dentro do contexto histórico e tem êxito ao apresentar as reações da cidade à presença daquele descomunal homem. A Ku Klux Klan exerce um papel relevante na obra, demonstrando a absurda influência desse grupo abjeto dentro das instâncias de poder dos Estados Unidos.

    Se nas histórias lúdicas da DC Comics a figura do Superman se constrói como um símbolo de esperança para a humanidade, em Fruto Estranho o colossal super-homem negro assume papel semelhante para seus iguais, em um grande trabalho de examinação do mito heroico realizado por Waid e Jones.

    O título, publicado pela Boom! Studios nos EUA, saiu por aqui através de Mythos Editora em uma belíssima edição em capa dura e com papel couché, propõe uma discussão pertinente, mas que conta com alguns desequilíbrios em sua organização.

    Compre: Fruto Estranho.

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  • Resenha | Homem-Aranha: Negócios de Família

    Resenha | Homem-Aranha: Negócios de Família

    A mistura de Homem-Aranha com espionagem internacional talvez não seja a das mais comuns nos quadrinhos. Francamente, não me recordo de uma história com essa mistura. Caso alguém lembre, deixe aqui nos comentários. Já estou meio velho e a memória não é mais a mesma de outros tempos. Enfim, em Negócios de Família, a proposta dos roteiristas Mark Waid e James Robinson é essa. Se funciona? Funciona. Muito bem, por sinal.

    Na trama, Peter Parker se envolve em um sequestro realizado por um misterioso time de elite e termina sendo salvo por uma mulher que se diz chamar Teresa Parker e seria sua irmã. A dupla é perseguida devido ao fato de serem filhos de Richard Parker, que todos já devem saber que era um espião internacional. Caçados por meio mundo e ainda pelo Rei do Crime, a dupla precisa trabalhar junta para resolver uma conspiração que pode abalar o planeta ao passo que vão descobrindo cada vez mais sobre o passado de seu pai. Ainda no meio disso, o Cabeça de Teia se vê em um dilema. Seria sua irmã uma pessoa confiável ou uma futura inimiga?

    O roteiro de Mark Waid e James Robinson é ágil e lotado de referências a grandes filmes de espionagem. Talvez o melhor momentos seja o do cassino, onde Peter tenta emular James Bond, porém sem a mesma classe do espião britânico. Nos momentos em que precisa ser mais dramático, o texto não fica piegas ou soa forçado. Pelo contrário, é de bom gosto. A dinâmica entre os dois irmãos é bem natural e um complementa bem o outro, até mesmo por traços semelhantes de personalidade. Os roteiristas se deram ao cuidado de incluir alguns momentos onde Peter se sente mais próximo ao pai, devido a algumas revelações sobre sua personalidade. Entretanto, a história é prejudicada por ser breve demais. Contendo só 99 páginas, o desenrolar da história vai ficando um tanto apressado e as relações humanas vão ficando prejudicadas. Uma pena porque a riqueza da premissa da relação entre os dois irmãos poderia render bem mais sem causar dano à ação.

    Um ponto positivo que faz uma grande diferença são as ilustrações da dupla Werther Dell’ Edera e Gabrielle Del’Otto. Werther capta muito bem as intenções dos roteiristas, enquanto as cores vivas de Dell’Otto complementam as ilustrações criando painéis de uma beleza única. o estilo torna a história fluida, fazendo com que ela pareça estar em movimento diante de seus olhos, tal como um filme. Nos momentos em que a ação toma grandes proporções, o duo capricha fazendo sequências empolgantes. Entretanto, existem alguns momentos em que eles se destacam: na sequência de abertura, onde o Homem-Aranha gasta seu repertório de habilidades acrobáticas em uma cena de ação que nada deve aos filmes da Marvel. A atenção aos detalhes e a coesão dos painéis daria inveja a muito diretor de cinema. O outro momento é o do cassino, onde captam o humor pretendido pela dupla de roteiristas e depois fazem uma sequência de ação digna de um grande filme de espionagem.

    Porém, como eu disse, nem tudo são flores. Ainda que Negócios de Família seja uma ótima história do Cabeça de Teia, seu potencial para ser um clássico acaba esvaziado por sua curta duração. Entretanto, é uma daquelas histórias que vale a pena ter na coleção para uma releitura rápida sempre que quiser se divertir com um conto que traz o querido Peter Parker em bom momento (e não sendo trucidado pelos roteiristas de suas histórias regulares).

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  • Agenda Cultural 69 | Nova Era, esquenta Pré-Oscar e mais Aquaman

    Agenda Cultural 69 | Nova Era, esquenta Pré-Oscar e mais Aquaman

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Jackson Good (@jacksgood) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para a primeira Agenda Cultural da Nova Era, talkei? Nesta edição, comentamos um pouco sobre as novas polêmicas envolvendo Lars von Trier, o novo filme do Harry Potter sem Harry Potter (é golpe?), como se balançar com fluidez no novo jogo do Homem-Aranha e muito mais.

    Duração: 123 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Cinema

    Crítica Nasce uma Estrela
    Crítica O Primeiro Homem
    Crítica Halloween
    Crítica A Casa que Jack Construiu
    Crítica Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald
    Crítica As Viúvas
    Crítica Aquaman
    Crítica Bohemian Rhapsody

    Séries

    Review Demolidor – 3ª Temporada

    Literatura

    Mistborn: Nascidos da Bruma – Brandon Sanderson (compre aqui)

    Games

    Spider-Man (compre aqui)

    Quadrinhos

    Imperdoável (compre aqui)
    Wytches (compre aqui)

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  • Resenha | Imperdoável: O Poder do Medo

    Resenha | Imperdoável: O Poder do Medo

    O super-herói mais poderoso do mundo. Ele ajuda a trazer a paz e combater os males. Não há nada que possa derrotá-lo. Isso deixa a humanidade tranquila. Porém…

    E se ele mudasse de lado e se tornasse um vilão?

    É justamente isso que acontece em Imperdoável. O herói mais poderoso, chamado de Plutoniano, agora direciona todas as suas forças para exterminar todos os outros heróis do mundo, e mais, não poupará os demais humanos. Ele já destruiu cidades inteiras e matou seus ex-companheiros de batalha sem remorso algum. Por que ele está fazendo isso?

    O roteiro visceral ficou a cargo de Mark Waid, que dentre os trabalhos mais famosos está O Reino do Amanhã. Waid retrata, de forma magistral, a situação desesperadora de ter um vilão extremamente poderoso contra a humanidade. Plutoniano é uma alusão clara e direta ao Superman, uma vez que tem praticamente os mesmos poderes do famoso herói da DC Comics (super-força, regeneração, visão de calor, entre outros). O pior de tudo é que Plutoniano foi o maior aliado da humanidade, eliminando diversos males e ajudando a manter a paz ao lado de vários outros heróis. Ele sempre foi o melhor e mais forte, ninguém era páreo para ele.

    E saber que agora ele é o vilão torna a situação muito crítica.

    A força de Plutoniano é absurda, com exageros inacreditáveis. Tudo isso afasta ainda mais as esperanças do mundo. A frieza e crueldade do agora vilão é muito bem mostrada pela excelente arte de Peter Krause, que constrói boas cenas e dá uma ótima dinâmica à narrativa de Waid. Ambos já trabalharam juntos em obras do DemolidorInsufferable.

    Interessante notar que os heróis retratados aqui não possuem características tão marcantes. São até genéricos em sua maioria, nesse início da história, inclusive o Plutoniano. Mas aqui está o grande mérito de Waid: o que mais importa não são os heróis e seus poderes, e sim a situação em que se encontram. A única coisa que precisamos saber é que Plutoniano é absurdamente poderoso, ninguém pode fazer frente a ele, e tudo indica que a humanidade não tem chance alguma. Todos estão à mercê do super-vilão. Essa falta de esperança cria um sentimento bem peculiar no leitor, e foge do padrão “ameaça será derrotada pelo herói”.

    Inevitavelmente caímos na máxima de Watchmen: “Quem vigia os vigilantes?”, neste caso “Quem impedirá o Plutoniano?”. Waid nos mostra o quão perigoso é depositar todas as suas esperanças em um “salvador da pátria”, acreditando cegamente que aquele grande herói do povo sempre estará do seu lado. Precisamos de um Superman genérico para nos ensinar isso?  Parece que sim. A própria origem do Plutoniano é desconhecida até este momento, o que agrava ainda mais a situação.

    Este primeiro volume inicia uma ótima construção da trama, porém não explica totalmente o que levou Plutoniano a mudar de lado, sendo este o ponto central da história. Esta é a questão que gera mais curiosidade e nos leva a virar cada página esperando a resposta. Não teremos a resposta definitiva, mas apenas alguns indícios, que por enquanto soam um pouco banais, porém isso torna as coisas mais verossímeis. Quantas pessoas não cometeram atrocidades por causa de uma única situação ruim? O Coringa já nos ensinou isso no clássico Piada Mortal. Apesar de que, aparentemente, ocorreu um longo processo interno até que Plutoniano mudasse de lado.

    Foi uma excelente escolha da Devir Livraria trazer esta obra para o Brasil, em uma edição encadernada de muita qualidade e a história foi premiada por Prêmio Eisner, além de contar com um prefácio escrito por Grant Morrison.

    Compre: Imperdoável – O Poder do Medo.

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  • Resenha | Princesa Leia

    Resenha | Princesa Leia

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    Com o intuito de lançar um novo universo expandido a partir da Marvel Comics, o universo Star Wars vem explorando todas as vertentes possíveis em espaços-temporais distintos. Ao leitor que acompanha Star Wars e Darth Vader, por exemplo, as histórias se situam após Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança. Outras aventuras como a mini-série, Star Wars: Império Despedaçado e Kanan: O Último Padawan enfocam em outra época com o intuito de fundamentar este novo universo canônico. Em comum, há uma base sólida de grandes autores e desenhistas.

    Escrito por Mark Waid com arte de Terry Dodson, Princesa Leia foi uma mini-série de cinco parte situando uma das personagens centrais da saga logo após a explosão da primeira estrela da morte. Publicada no país pela Panini Comics na mensal Darth Vader #2 a #6 a série tenta aprofundar as motivações da princesa, principalmente após a missão bem sucedida de destruir a poderosa arma do Império. Indecisa sobre seus passos futuros, Leia decide procurar pela galáxia a população refugiada de Alderaan, planeta destruído pela Estrela da Morte.

    Ainda que a Marvel tenha procurado grandes roteiristas para dar início a um novo universo canônico, é perceptível a delicadeza da situação desta expansão, afinal, é necessário conduzir um caminho para os personagens sem desvirtuá-los de sua essência. Waid tenta desenvolver uma personalidade ativa para a princesa mas é perceptível o quanto sua narrativa parece presa a regras que seriam melhores se quebradas. Devido a necessidade do roteiro em seguir um caminho previamente orientado, a trama se vale de recursos básicos para atrair o público como a fundamentação de uma parceira de missão para Leia como uma espécie de sidekick que surge em cena com incredulidade sobre a princesa, achando-a incapaz de manter a tradição de seu planeta destruído. Após um laço de amizade, elas realizam pequenas missões de salvamento enquanto tem de lidar com uma possível traição dentro do círculo da princesa.

    Dessa maneira, as edições seguem pequenas aventuras da dupla a procura da população dispersa pela galáxia, envolvendo, sempre que possível, pequenos personagens que foram destacados pelos filmes em algum momento. Porém, exceto pequenos trechos sobre a infância da princesa, a narrativa não causa nenhum efeito, bem como a composição de Leia vacila entre uma princesa perdida a uma aventureira inconsequente, fator que poderia ser bem explorado se houvesse profundidade na história. Além disso, há uma clara ausência de cenas de ação excessivas como se os atos grandiosos tivessem de ser poupados para os momentos chave da saga. Em certos momentos, a ação é encerrada abruptamente como se cortasse o clima narrativa e, devido a brevidade da história em cinco partes, fosse apressada propositalmente para inserir o máximo de informação possível. Efeito semelhante visto em Star Wars: Império Despedaçado, um desnecessário desdobramento inserido logo após Star Wars – Episódio VI: O Retorno de Jedi.

    Como série que pretende expandir a personalidade de uma das figuras importantes da saga, Princesa Leia falha e parece uma narrativa contida, tentando se manter em uma possível linha narrativa que mais a prende do que produz uma história de qualidade.

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  • Resenha | Demolidor – Vol. 3

    Resenha | Demolidor – Vol. 3

    Demolidor 3

    Neste terceiro volume compilando a fase de Mark Waid como roteirista da revista Demolidor, premiada com o Eisner de Best Continuing Series além da premiação de Single Issue para a edição #7 (compilada em Demolidor nº 2), a Panini Comics dá sequência ao lançamento em encadernações em lombada quadrada, uma das primeiras a reunir edições mensais de um personagem em vez de inseri-lo em um mix. Padrão que hoje se tornou uma das frontes da editora.

    Diferentemente da versão original americana, este terceiro volume não apresenta uma história em três partes com Demolidor, Justiceiro e Homem-Aranha em um crossover intitulado Ponto Ômega. A trama foi  publicada no país no compilado do Justiceiro, em seu segundo volume da fase de Greg Rucka. Considerando que as personagens possuem histórias anteriores em comum, a editora optou como estratégia a publicação na íntegra em uma única revista, para que leitores comprassem um novo título e, se possível, continuassem a lê-lo além da saga com o Homem Sem Medo. Esta trama dividida em três partes publicadas originalmente em Avenging Spider -Man 6, Punisher (2011) 10 e Daredevil 11, apresenta um novo ato da narrativa desenvolvida pelo autor a longo prazo, envolvendo o Omegadrive e os cinco grupos criminosos que tentam roubá-lo de Murdock.

    O volume 3 compila as edições 12 a 18 de Daredevil  – Vol. 3. A primeira história apresenta um entreato desta grande trama e enfoca a promotora Kirsten McDuffie. Em um primeiro encontro com ela, Matt retoma uma aventura do passado para explicar a amizade com Foggy Nelson, demonstrando como os amigos foram um apoio mútuo desde o início. Uma trama leve e bem delineada ressaltando a amizade para causar maior impacto no conflito dramático a seguir.

    Waid mantém seu tom diferenciado em relação ao anos anteriores de Demolidor, em histórias menores e com maior leveza diante do realismo explícito e a vertente urbana de seus predecessores. Os traços de Chris Samnee e as cores de Javier Rodriguez e Laura Allred, aliadas à arte-final de Tom Palmer, casam com esta versão, bem como a composição de quadros se mantém tradicional com uso da borda branca, algo que, atualmente, é quase inexistente. Além desta primeira e bonita história que apresenta um descanso para a personagem, duas tramas se desenvolvem a seguir.

    A primeira a partir do arco do Omegadrive: o herói é sequestrado na Latvéria para ser estudado e pesquisado a pedido de Victor Vom Doom. Mesmo nesta roupagem mais leve da personagem, a desconstrução de Murdock se tornou uma de suas características fundamentais. Assim, conforme as experiências examinam minuciosamente seu corpo à procura de uma maneira de replicar seu radar, a personagem perde lentamente os sentidos e lida com o inconsciente interno e, consequentemente, seus traumas.

    Após o salvamento pelos Vingadores em uma história em que Doutor Estranho, Hank Pym e Tony Stark tentam amenizar os danos causados na Latvéria, o embate do advogado cego é focado em Foggy Nelson. Durante a trajetória da dupla, em movimento comum a qualquer relação de amizade longeva, muitas brigas fizeram parte de sua história. Depois do grande conflito que levou Murdock à loucura e proporcionou a saga Terra das Sombras, Foggy tem dúvidas em relação à sanidade do amigo, e quando encontra indícios incoerentes com a afirmação do advogado, rompe novamente a parceria no escritório de advogacia.

    Mais uma vez, Demolidor se encontra à deriva. Mesmo com roteiristas diversos, suas tramas sempre projetam urgência e, como apresentam tanto a faceta do herói como a do advogado, produzem uma composição de alta credulidade em que um homem tenta fazer tudo o que for necessário para manter seus universos harmônicos mas, naturalmente, falha. Suas relações e seus afetos sempre se modificam em quedas. A própria construção da personagem vem dessa força de sobrepujar o caos e se reerguer com ousadia. Um fato que sempre proporciona uma potência em suas histórias.

    Demolidor  n° 3 mantém a tônica das edições anteriores em uma qualidade exemplar na narrativa, trabalhando elementos clássicos e novos conceitos em grandes histórias as quais, como sempre acontece com Demolidor, nascem com grandes conflitos.

    Demolidor 3 - Mark Waid

  • Especial | Demolidor

    Especial | Demolidor

    Demolidor Especial

    Criado por Stan Lee e Bill Everett, Demolidor, O Homem Sem Medo, fez sua estreia em abril de 1964, em Daredevil #1, e desde então, permanece como um dos principais personagens urbanos da editora. Na época de seu lançamento, o personagem se destacou entre as diversas criações da Marvel ao escolher como alter-ego um homem cego, conquistando leitores e ganhando status de representante dos leitores cegos que o admiravam pela força de superar problemas.

    Representante da faceta urbana do estúdio, Demolidor é um herói solitário. Trabalha sempre a favor da Cozinha do Inferno e raramente participa de grandes grupos. Um isolamento que proporciona um senso de urgência em suas histórias. Alguns períodos se destacam em sua trajetória, entre eles as fases de Frank Miller e Ann Nocenti, responsáveis por desenvolver bases importantes para a personagem, como também outros roteiristas como Brian Michael Bendis, Ed Brubaker, Karl Kesel, DG Chichester e Kevin Smith desenvolveram uma visão realista da personagem em tramas que situavam tanto o herói quando o alter ego Matt Murdock. Em seguida, coube a Mark Waid dar um novo tom ao personagem, em uma elogiada fase que voltava a uma faceta aventureira e mais bem-humorada que remetia as fases  clássicas de Marv Wolfman e Gerry Conway. O Homem Sem Medo se mantém coeso, com grandes momentos nos quadrinhos.

    Quadrinhos

    (1964 – 1965) Biblioteca Histórica Marvel: Demolidor – Volume 1
    (1979 – 1971) Demolidor – Por Klaus Janson e Frank Miller – Volume 1
    (1981 – 1982) Demolidor – Por Klaus Janson e Frank Miller – Volume 2
    (1993) Demolidor: O Homem Sem Medo
    (2001) Demolidor: Amarelo (Jeph Loeb e Tim Sale)
    (2001) Demolidor: Revelado (Brian Michael Bendis e Alex Maleev)
    (2004) Mercenário: Anatomia de Um Assassino
    (2009) Demolidor Noir
    (2011) Demolidor #1 (Mark Waid)
    (2011) Demolidor #2 (Mark Waid)
    (2011) Demolidor #3 (Mark Waid)
    (2012) Demolidor – Fim Dos Dias

    Filmes e Seriados

    (2003) Demolidor – Versão do Diretor
    (2015) Demolidor 1ª Temporada
    (2017) Os Defensores 1ª Temporada
    (2018) Demolidor – 3ª Temporada

    Podcasts

    VortCast 05 | Filmes da Marvel
    VortCast 22 | Ben Affleck
    Agenda Cultural 53 | Angeli, Demolidor e Guerra Mundial Z

  • Resenha | O Reino do Amanhã

    Resenha | O Reino do Amanhã

    O Reino do Amanhã - capa

    A Era de Ferro dos Quadrinhos

    A década de 1990 foi um período conturbado para as hqs de heróis. Uma verdadeira explosão de comic shops nos Estados Unidos levou um grande público a consumir cada vez mais revistas novas, com heróis que fugiam dos padrões morais das décadas anteriores. Resultado direto de uma nova visão de mercado adotada dez anos antes, as editoras perceberam que séries fechadas poderiam render boas cifras. Além disso, o público havia tomado conhecimento da raridade de exemplares “número um” e seus valores astronômicos atingidos (uma cópia de Action Comics nº 1, com a primeira aparição do Superman, pode chegar hoje a 1 milhão e meio de dólares). Assim, uma grande especulação fez com que qualquer exemplar com o número 1 estampado na capa vendesse horrores, na esperança de que um dia aquilo valeria alguma coisa. Na ânsia de capitalizar em cima dessa tendência, as editoras despejaram nas comic shops cada vez mais “primeiras edições” de revistas com qualidade duvidosa. Essa tendência, junto com a necessidade dos autores e artistas de terem maior poder criativo sobre seus personagens, levou ao surgimento de editoras independentes, sendo a Image Comics a principal delas.

    As histórias de super-heróis de então tiveram seus maiores artistas criando cada vez mais novos personagens, que não estavam diretamente ligados a nenhuma cronologia pré-existente. O impacto visual das páginas passa a ser mais importante do que as histórias, e assim vários desenhistas começaram a roteirizar seus próprios quadrinhos. Extremamente violentos, com musculatura exagerada e armados até os dentes, os heróis do fim do milênio não eram tão diferentes dos vilões que enfrentavam. O bom-mocismo estava, definitivamente fora de moda. As duas maiores editoras, Marvel e DC Comics, incorporaram essa tendência em suas páginas também. Vimos então histórias mais violentas, roteiros menos elaborados e arte exagerada – com direito a mulheres sendo representadas pura e simplesmente como objetos sexuais. Um herói que não matasse seu inimigo – de preferência, da pior forma possível – não merecia ser chamado de herói. Da mesma forma, um desenhista que entendesse minimamente de anatomia não teria seu lugar ao sol no mercado de hqs.

    Até que chegou Alex Ross.

    Retorno à Era de Prata

    Em 1993, Ross tinha ilustrado a belíssima minissérie Marvels. Com um estilo bastante realista e um retorno às origens da Casa das Ideias, Marvels lançou o jovem pintor no mercado de forma magistral. Pouco tempo depois, Alex Ross teria ido à Distinta Concorrência apresentar um novo projeto. Ele que cresceu com os personagens da editora, lendo seus gibis e assistindo seus desenhos animados, queria ilustrar uma história que retratasse sua paixão pela Era de Prata dos quadrinhos, um tempo no qual heróis eram heróis “de verdade”. Para não cair no risco de deixar uma obra de tamanha magnitude ser roteirizada pelo próprio desenhista (algo bastante em voga na época), o editor Dan Raspler convidou Mark Waid para a empreitada. Waid era famoso por seu conhecimento enciclopédico do Universo DC, e era talentoso o bastante para encarar tamanho desafio. Assim, com os esboços e anotações originais de Ross em mãos, e após várias reuniões de criação, Mark Waid criou uma história fantástica que ao mesmo tempo que criticava o cenário da época, reverenciava os maiores personagens de todos os tempos. Alex Ross teve bastante liberdade na criação, e sua ideia original (a história deveria se chamar A Era Heroica) teve bastante coisa aproveitada.

    Assim, em 1996, Reino do Amanhã é publicado, na forma de uma minissérie em quatro partes. O sucesso foi estrondoso. Uma grande campanha de marketing antecipou o lançamento, com pôsteres e cards colecionáveis. Desde então, a história tem sido republicada frequentemente, com edições de luxo, materiais extra, esboços… E a trama, embora um registro histórico da época em que foi escrita, continua relevante nos dias de hoje.

    Verdade, Justiça e Quadrinhos Americanos

    O primeiro capítulo apresenta como está o mundo após a aposentadoria dos maiores heróis do UDC. Através do ponto de vista de um ser humano comum, o Reverendo Norman McCay, Waid e Ross nos apresentam esse futuro pessimista e muito parecido com o que estava acontecendo nas outras editoras. Os meta-humanos se consideravam superiores ao resto do planeta, e suas brigas mesquinhas e egocêntricas ofereciam mais riscos do que segurança à população. Os vilões não são mais um grande problema, e sim os próprios autoproclamados heróis. Wesley Dodds, o Sandman original, está num leito de hospital, em seus últimos momentos da vida. Norman McCay presencia sua morte e acaba herdando as visões do Armagedom que Sandman tinha em vida. Ao fim de um culto, Norman recebe a inesperada visita do Espectro, o Fantasma da Vingança, que anuncia ao pastor sua missão no fim do mundo. McCay e Espectro iniciam uma jornada no plano etéreo na qual presenciam os grandes fatos que levará ao Apocalipse de suas visões.

    Assim, vemos um Superman isolado em sua Fortaleza da Solidão em um holograma que simula fielmente a Fazenda Kent. Clark está mais velho, de barba e cabelos grisalhos, e seu semblante demonstra o peso do mundo que carrega em seus ombros. Ele demonstra não saber do incidente que ocorreu há pouco tempo no Kansas, uma explosão nuclear causada pela morte do Capitão Átomo pelas mãos de Magog. Diana, a Mulher-Maravilha chega para avisá-lo de que o mundo precisa dele novamente, aparentemente sem sucesso. Espectro então leva Norman para conhecer o que restou da antiga Liga da Justiça. Descobrimos que o Flash se fundiu à Força de Aceleração, e agora praticamente pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, inclusive em outras dimensões da realidade. Gavião Negro se tornou uma entidade da natureza, Lanterna Verde orbita solitariamente a Terra em uma base espacial que ele mesmo construiu com seu anel. E Gotham City é governada por uma legião de drones controlada pelo Batman, que adota uma estratégia de tolerância zero ao crime. O fim do primeiro capítulo mostra o Superman finalmente retornando à ativa e trazendo consigo novamente a esperança de tempos melhores.

    No segundo capítulo, vemos o ressurgimento da Liga da Justiça da América. O retorno do Superman inspirou outro heróis de sua época a juntarem-se às suas fileiras. Flash, Lanterna Verde, Poderosa, Ray, Mulher-Maravilha, Gavião Negro e Robin Vermelho são os primeiros. Com o tempo, a inspiração faz com que mais heróis saiam da sombra. Menos, claro, o Batman, que continua recluso em sua caverna, controlando os drones e monitorando, como um Grande Irmão, sua cidade. Seu estado físico encontra-se debilitado, mas suas habilidades mentais estão melhores do que nunca. Bruce Wayne se recusa a voltar para a Liga da Justiça, por não concordar com os métodos que o Superman adota. Após o diálogo entre os dois gigantes, descobrimos que o Homem-Morcego tem sua própria rede de vigilantes, em sua maioria jovens e filhos dos heróis do passado. Isso reforça a tradição do Cavaleiro das Trevas de influenciar e arrebanhar jovens pro seu exército particular. Dick Grayson, o primeiro Robin, não está ao seu lado. Como Robin Vermelho e conhecendo seu antigo mentor, ele prefere juntar-se ao kryptoniano, mas sua filha não pensa da mesma forma e engrossa as fileiras do Batman (uma subtrama que, infelizmente, se perdeu e só ficamos sabendo devido ao material extra). Ao lado do Batman, temos também grandes figurões como o Arqueiro Verde, Besouro Azul, Canário Negro entre outros.

    Superman continua seu recrutamento e vai atrás dos novos heróis, impondo sua vontade através da força. Os que recusam são presos em um Gulag projetado pelo Senhor Milagre, impossível de escapar (uma clara referência ao sistema de encarceramento e trabalhos forçados da extinta União Soviética). Alex Ross concebeu a arquitetura da prisão com o design clássico do QG da Legião do Mal, do desenho Superamigos. A ideia do Superman é que o Gulag seja uma espécie de colônia de reabilitação, e hologramas são projetados para educar os internos a usarem seus poderes com responsabilidade. Infelizmente, as coisas não são tão simples como ele gostaria.

    Nesse capítulo ficamos também sabendo o motivo pelo qual Superman se aposentou. Com a chegada de novos heróis, a opinião pública passou a não confiar mais nos métodos considerados antiquados do protetor de Metrópolis. Após um ataque do Coringa que resultou na morte de Lois Lane, Magog – um dos novos heróis – assassina o Palhaço do Crime e é preso pelo Superman, que o leva a julgamento. Seguindo a ideia de que “bandido bom é bandido morto”, o júri absolve Magog que desafia Superman para uma luta. Ao ver que isso não levaria a nada, o Azulão abandona sua cidade, seus protegidos e sua “batalha sem fim”, entregando esse novo mundo aos heróis do novo tempo. Seu isolamento então mostra-se uma forma de abandonar tudo, menos seus ideais, pois ele ainda está convencido de que está certo. Ao voltar, enfrenta Magog e o prende para a reabilitação.

    Além dos dois grupos de heróis, vemos ainda nesse capítulo os humanos mais ricos do mundo, liderados por Lex Luthor, formando uma Frente de Libertação da Humanidade. Os maiores vilões do passado se mostram preocupados com o destino dos humanos comuns frente a tanto poder concentrado nas mãos de tão poucos. Esta cena reflete em muito a noção de que magnatas e grandes corporações são quem realmente governam o mundo. Luthor e seus aliados podem até usar a desculpa de que estão protegendo a humanidade, mas na verdade estão apenas protegendo seus próprios interesses e garantindo os privilégios da elite capitalista. Qualquer semelhança com qualquer magnata da vida real (principalmente alguém que porventura almeja o cargo de presidente dos Estados Unidos) não me parece mera coincidência. Novamente, os quadrinhos americanos refletem a sociedade na qual são produzidos.

    Ponto de ebulição

    No terceiro capítulo, tudo dá errado. O Gulag não funciona como reabilitação, e cada vez mais os prisioneiros se rebelam. A população, que havia voltado a acreditar no Superman, passa a olhá-lo novamente com desconfiança. A Mulher-Maravilha então começa a pressionar Superman para que ele tome atitudes mais severas. Como uma guerreira, ela acredita que força letal deve ser usada contra os mais resistentes. Superman não concorda por achar isso uma atitude fascista, e a Princesa Amazona insiste que ele deva assumir de uma vez seu papel como líder mundial. Vemos um Superman dividido entre a vontade de tomar as rédeas do poder e a ideia de justiça e democracia que ele sempre defendeu e acreditou. Enquanto isso, Bruce Wayne une-se a Lex Luthor para garantir o protagonismo à humanidade. Luthor tem em suas mãos uma arma secreta: o jovem adulto Billy Batson, que sofreu lavagem cerebral desde criança e pode tornar-se o Capitão Marvel e agir à favor do magnata.

    O capítulo fica cada vez mais tenso quando vemos o rompimento da Mulher-Maravilha com o Superman. Decidida a derrubar a prisão sobre as cabeças dos presos rebeldes caso necessário, Diana segue para o Gulag com os heróis que a apoiam. Enquanto isso, Bruce Wayne revela que nunca esteve realmente do lado de Luthor, que manda o capitão Marvel derrubar a prisão. É a batalha do Homem de Aço contra o Mortal Mais Poderoso da Terra.

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    No quarto e último capítulo, o Armagedom chega à Terra. Durante a luta entre Superman e Capitão Marvel, a ONU resolve mandar uma bomba nuclear sobre o local, eliminando a ameça sobre-humana de uma vez por todas. Batman e seus aliados juntam-se finalmente aos seus antigos amigos para combater os prisioneiros. Enquanto isso, os jatos dos Falcões Negros chegam com a bomba, que é lançada no coração dos Estados Unidos. Superman e Capitão Marvel parecem finalmente ter chegado a uma trégua no embate, e enquanto a bomba cai, o Espectro finalmente dá a Norman McCay a ordem para cumprir seu papel no fim do mundo: julgar. Cabe ao velho pastor decidir quem deve pagar pelos pecados do mundo, os super-humanos ou a humanidade.

    A explosão da bomba – e a morte e sacrifício de vários heróis –  faz com que Superman perca o juízo e decida acabar de uma vez por todas com os responsáveis. Com fúria nos olhos, voa para o prédio das Nações Unidas decidido a derrubá-lo. Nesse momento, Norman McCay pede ao Espectro para que ele possa interferir. Como um bom pastor, o reverendo MacCay aconselha o ensandecido kryptoniano e firmemente o trás à razão. Superman então percebe que a paz não pode ser imposta pela força, e que um novo mundo mais justo só é possível com a união entre humanos e super-homens.

    A história então termina com a redenção dos meta-humanos e sua reinserção na sociedade, de uma forma bastante inspiradora e positiva após tantas tragédias. Superman volta a acreditar na humanidade e isso fica representado em seu retorno à identidade de Clark Kent, ao colocar os óculos na última página.

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    O Reino Hoje

    Anos após a publicação original, duas novas cenas foram acrescentadas à trama, em edições encadernadas de luxo. A primeira é o encontro do Super com Órion, em Apokolips, que tomou o lugar de seu pai Darkseid como ditador do planeta, e a conversa com Senhor Milagre, que projetaria a prisão. A segunda é o epílogo, onde vemos que Clark e Diana não só estão juntos como anunciam para Bruce Wayne que ele será o padrinho do bebê que está no ventre da Mulher-Maravilha. Uma cena bastante emocionante, diga-se de passagem.

    O tempo também nos mostrou o quão acertada foi a decisão de Dan Raspler em convocar Mark Waid para o roteiro. Embora a ideia de Alex Ross fosse excelente, é muito provável que o resultado não seria o mesmo caso o próprio ilustrador assumisse o roteiro. Prova disso é a maxi-série Justiça, escrita por Jim Krueger e ilustrada  por Ross, que foi muito maior (12 capítulos!) e não teve o mesmo êxito que o Reino. Vinte anos depois de sua publicação original, Reino do Amanhã ainda tem muito o que dizer. A Edição Definitiva apresenta, além dos esboços de Alex Ross para cada personagem, um guia para cada easter egg presente na hq, além de toneladas de textos explicativos, pôsteres e a sensação de que cada material extra é realmente relevante. Reino do Amanhã não é apenas uma história da Liga da Justiça. É uma epopeia atual, que mostra os super-heróis como deuses vivos da mitologia moderna andando entre nós. Se o Superman é o protagonista da história, Norman McCay é o “pé-no-chão” que nos conecta a ela. Norman representa cada leitor ou leitora que já se admirou com essas lendas e, por um motivo ou outro, virou as costas pra ela. A narrativa bíblica, presente em versículos do Apocalipse de São João nas visões do reverendo, dá o tom grandioso da história. O conflito ideológico entre Batman e Superman, além das inserções da Mulher-Maravilha, nunca estiveram tão presentes no mundo moderno quanto hoje em dia. Ao mesmo tempo, a escalação dos personagens remonta claramente à época em que foi escrita. O Lanterna Verde por exemplo, é Alan Scott porque Hal Jordan tinha morrido nas publicações da época e a Tropa dos Lanternas Verdes não existia mais.

    A história serviu ainda de base para muitas publicações futuras da DC, mas nenhuma delas se equipara à grandiosidade e maestria dessa saga sobre deuses e mortais, sobre o Bem e o Mal, sobre homens e super-homens.

    Compre: Reino do Amanhã (Edição Definitiva)

  • Resenha | Liga da Justiça: Torre de Babel

    Resenha | Liga da Justiça: Torre de Babel

    Liga da Justiça - Torre de Babel - capa

    Quarto lançamento da recém-lançada coleção de Graphic Novels da DC Comics pela Eaglemoss, Liga da Justiça – Torre de Babel apresenta uma elogiada história publicada originalmente no país pela Editora Abril em uma época que tentaram renovar os quadrinhos e, abandonando o formatinho, lançaram edições em estilo americano, fase conhecida como premium. Um interessante projeto que não se adaptou ao mercado naquele período.

    Escrita por Mark Waid e desenhada por Howard Potter, a história envolve os membros da Liga da Justiça mas se destaca devido ao Batman e um de seus grandes vilões, Ra´s Al Ghul, com um elaborado plano para derrotar a equipe. A trama estruturava um aspecto conflitante na personagem do Homem-Morcego que se tornaria definitiva em anos posteriores e fundamental para causar atrito entre a comunidade heroica, nas futuras grandes sagas da DC Comics: um herói de alta inteligência, precavido e paranoico, desenvolvendo planos de contingência para derrotar cada um de seus colegas, caso necessário. Planos que são furtados pela Liga dos Assassinos e executados por Ra´s ao lado de um sistema que inibe a compreensão da fala, fato que justifica o mito bíblico da Torre de Babel do título.

    A personalidade do Morcego é definida diante destas duas vertentes. Ao mesmo tempo que demonstra engenhosidade em estudar os pontos fracos de cada um de seus colegas, a preocupação de Bruce Wayne soa exagerada, e assume que, diante de adversidades, somente ele seria um personagem incorruptível. Se os planos ressaltam sua inteligência, também apontam uma falta de confiança na equipe, motivo que lhe faria desenvolver um satélite espião, parte fundamental do conflito em Crise de Identidade e Crise Final.

    O argumento de um Bruce Wayne metódico e preparado para qualquer adversidade foi utilizado na revista do Morcego na saga Jogos de Guerra, quando um plano para fazer o alterego Fosforos Mallone se tornar o chefão de Gotham é interceptado pela Salteadora e colocado em prática, resultando em uma guerra entre gangues no local. Ressalta-se, novamente, a vertente controladora di personagem, talvez por ele reconhecer intimamente que, mesmo sendo herói com muitos recursos, é ainda humano diante de toda uma equipe formada por super-seres. Wayne insere a dúvida dentro de uma equipe que deveria ser coesa, demonstrando que, mesmo com um senso nítido de moral heroica, há desvios que favorecem um bem maior em detrimento de um plano e paranoia pessoais.

    Como Batman se torna simultaneamente o herói e uma espécie de vilão, a figura de Ra´s Al Ghul funciona para aplicar seus planos de contingência, roubados da Batcaverna, para destruir a liga enquanto desenvolve o sistema que inibe a compreensão da linguagem. Mesmo como um coadjuvante catalisador do conflito, o vilão se apresenta fiel a sua personalidade, desejando uma nova ordem no mundo diante de uma condição global desoladora. A filha Talia também se destaca e é personagem principal de uma das partes da aventura que apresenta o roubo dos dados na Batcaverna.

    Os desenhos da história são o elemento mais destoante. A princípio, em comparação com o padrão atual, soam menos sombrios e menos realistas, fato que não diminui em nada a história a não ser pela composição exagerada de muitas expressões que desequilibram a densidade e um certo senso de realidade que o roteiro de Waid tenta impor.

    A edição da Eaglemoss apresenta também a primeira história da Liga da Justiça, momento em que os heróis se reuniram para lutar contra o vilão Starro. Uma visão bem diferente da maneira pela qual os heróis são descritos atualmente, mas interessante por tratar-se de material histórico de quando os quadrinhos eram somente um divertimento de primeira linha.

    Torre de Babel expande a composição do heróis, focando no medo de cada um, principalmente no de Bruce Wayne, em uma carga realista que demonstra o medo e apreensão de um mundo dominado por vilões e da validade de qualquer medida externa para evitar que isto ocorra. Sem dúvida, uma história que aflora mais o lado humano do que heroico das personagens, o que seria o conflito principal das futuras sagas mencionadas.

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  • Resenha | Quarteto Fantástico: Ações Autoritárias

    Resenha | Quarteto Fantástico: Ações Autoritárias

    Quarteto Fantástico - Ações Autoritárias

    Sequência direta do arco anterior, Inconcebível, o encadernado de Ações Autoritárias – lançado também pela coleção Salvat – apresenta as consequências dos fatos em três arcos narrativos. Mark Waid mantém a escolha de inaugurar histórias de maneira concisa, evitando o erro de se estender além do necessário. As três histórias deste encadernado da coleção Salvat possuem o mesmo tema em comum retratando como cada membro do Quarteto lidou com a última investida de Doutor Destino.

    A primeira história enfoca o garoto Franklin Richards e seu trauma ao ser deixado no inferno. O aspecto familiar é ressaltado pela trama, além de ser um entreato calmo para a futura história, mais densa. O arco que intitula o compilado se passa na Latvéria, local em que o Quarteto Fantástico assumiu o poder – contrariando a ONU e Nick Fury – temendo que civis pudessem se apoderar do arsenal altamente tecnológico do vilão.

    Um devastado Reed Richards se afasta ainda mais de sua família, obcecado em desvendar o local e desenvolver um plano que respondesse à altura do inconcebível anterior. A imagem de Von Doom diante de seus súditos é o primeiro passo destrutivo que afasta a única imagem positiva de Destino. Conhecendo suas intenções malignas e um arsenal de destruição em massa, com direito a robôs torturadores, os latverianos encontram em Richards um possível recomeço para o local. A política entra em cena situando a equipe dentro do universo Marvel e sua projeção realista. Nick Fury participa como um intermediador entre Richards e a ONU, que considera a invasão do Quarteto um erro. Porém, a atitude é apenas parte do plano definitivo para controlar o vilão.

    A dicotomia entre herói e vilão nunca foi tão clara. Como a morte nunca é uma opção, a saída de Sr. Fantástico é heroica visando o bem maior de sua família. Um sacrifício que colocaria Destino e Reed em uma prisão localizada em uma realidade paralela. Como nada é fácil para a equipe, Destino foge deste universo, controla a equipe mentalmente e causa mais uma baixa no Quarteto: a morte de Ben Grimm.

    O público sabe que as mortes heroicas sempre terão um futuro retorno. Quando nada é definitivo, cabe à narrativa produzir um bom argumento para causar conflitos necessários e explicar, ao menos plausivelmente, o retorno da personagem. Iniciando seis meses após os eventos de Ações, Richards estuda o corpo de Grimm buscando um meio de trazê-lo de volta. Quando suas intenções falham, a personagem retoma um experimento de seu arqui-inimigo para desvendar um novo universo não explorado. Waid retorna à fundação do Quarteto, na origem de Destino, para fundamentar sua aventura. Tentando encontrar sua mãe no inferno, Vom Doom desenvolve um aparelho mágico-tecnológico e falha por não ouvir os conselhos de Richards. Dessa forma, a trama reflete sua própria trajetória e avança rumo ao céu, transformando a religiosidade em um universo como tantos outros explorados pela equipe. Sempre desenvolvendo ao máximo o argumento aventureiro, este recurso funciona pela coerência e o equilíbrio entre a ciência e a magia.

    O desfecho promove um mergulho metalinguístico promovendo um inusitado encontro entre Quarteto Fantástico e Deus. Mais especificamente, o deus das personagens em quadrinhos: seus autores. A escolha é ousada, porém, diante de uma progressão de acontecimentos cada vez mais impactantes, a escolha de Waid por um final grandioso que não caísse no clichê é bem-sucedida. E as aventuras da equipe até então dão a base necessária para que este encontro seja plausível. Pela linha da metalinguagem, a história se encerra analisando a própria criação desta arte, e corrige – em um ponto alto do famoso deus ex machina – a cicatriz que Richards ostentava desde o arco anterior. Finalizando com um interessante ápice, a primeira grande jornada da equipe pelas mãos de Waid é considerada ousada para uma narrativa de linha mensal.

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    Quarteto Fantástico - Ações Autoritárias

  • Resenha | Quarteto Fantástico: Inconcebível

    Resenha | Quarteto Fantástico: Inconcebível

    Quarteto Fantástico - Inconcebível

    Após um início apresentando breves histórias aventureiras do Quarteto Fantástico – compilado recentemente no país sob o título ImaginautasMark Waid produz a primeira saga sob sua assinatura, desenvolvendo uma trama rompendo estruturas familiares da equipe e resgatando o arqui-inimigo Doutor Destino.

    Inconcebível foi recentemente publicado na Coleção de Graphic Novels da Salvat (Nº 30, lançado em fevereiro de 2015), e havia sido anteriormente lançado pela Panini Comics no mix de O Incrível Hulk. A série inicia-se com um prólogo intitulado Sob Sua Pele – edição publicada também na revista Marvel + Aventura nº4 em setembro de 2011 – focando em Victor Von Doom e em sua busca mundial por Valéria, amor do passado juvenil na Latvéria. Única mulher que ele amou além da mãe, Valéria seria a representação de sua humanidade, porém a procura demonstra, em maior escala, sua vilania. A amada é entregue para demônios em troca de maiores poderes sobre a magia e, para isso, atacar novamente o Quarteto Fantástico.

    A edição da Salvat apresenta uma introdução com os acontecimentos prévios que situam o leitor sobre a relação de Von Doom e a filha mais nova do Quarteto, Valéria Richards. Inicialmente, a personagem era fruto de uma gravidez abortada de Sue e, posteriormente, tornou-se oriunda de um futuro alternativo. Em uma saga em que o irmão e a garota unem os poderes, Valéria retornou ao útero de Sue para, finalmente, nascer. Um reajuste da cronologia perante o absurdo da viagem temporal que não impediu conflitos no nascimento do bebê. Na ocasião, Reed Richards resolvia uma crise mundial e Johnny Storm pedia ao inimigo Doom a ajuda com o parto. Destino presta auxílio com uma condição: batizar a garota, o que explica o nome de sua amada dado à filha de Richards/Storm.

    O background é retomado nesta narrativa com Von Doom, estabelecendo um contato psíquico com a garota desde seu batismo, e roubando-a do seio da família, ao mesmo tempo que coloca o primogênito Franklin no inferno. Mesmo responsável pelos atos mais vis dentro do universo Marvel, arquitetando planos contra o quarteto e o mundo em geral, o ditador amplia sua maldade ao selecionar como alvo as crianças da família para destruí-la: a justificativa para o “inconcebível” que marca o título.

    A trama mistura a composição familiar exposta desde o compilado anterior e acrescenta o confronto direto com o grande vilão como um marco comemorativo das 500 edições da revista. O desafio destrói a família pelos elos mais fracos e acrescenta uma nova camada à inteligência de Senhor Fantástico, desafiado e preso por Von Doom em uma biblioteca com livros de magia, obrigado a aprender uma arte não-científica para ser capaz de salvar os parentes. Com a ajuda de Doutor Estranho, Richards tem de subjugar a visão científica, desenvolvida desde a infância, para assumir a existência de planos superiores impossíveis de serem controlados.

    Ainda que a magia seja um dos argumentos mais difíceis de plena justificativa em histórias em quadrinhos – por funcionar, muitas vezes, como uma muleta de roteiros ruins –, neste arco ela é utilizada com uma carta na manga inesperada, provando o intelecto superior de Richards em relação a Doom, principalmente sobre a força de vontade, afinal a personagem luta também pela segurança familiar. Reconhecendo a derrota prévia, Destino ainda marca o inimigo com uma queimadura no rosto, semelhante a sua, como lembrança de sua existência.

    Inconcebível inicia mais uma crise dentro do Quarteto e, simultaneamente, comemora o longevo título da primeira equipe da Marvel. Mas Waid e o desenhista Mike Wieringo dariam mais um passo rumo a uma trama memorável no desenrolar das ações desta história em Ações Autoritárias.

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    Quarteto Fantástico - Inconcebível - 2

  • Resenha | Quarteto Fantástico: Imaginautas

    Resenha | Quarteto Fantástico: Imaginautas

    Quarteto Fantastico - Imaginautas - Capa

    Em sincronia com o lançamento do novo filme do Quarteto Fantástico, cuja estreia está programada para agosto, a Panini Comics lança no mercado uma edição especial reunindo as primeiras histórias da fase de Mark Waid, uma elogiada passagem no maior gibi do mundo – de acordo com Stan Lee – e um bom momento para novos leitores.

    Recentemente, dois arcos de Waid foram relançados na coleção de Graphic Novels da Salvat / Marvel: Inconcebível e Ações Autoritárias. Imaginautas marca o início de sua passagem pelo título e demonstra um acerto por parte da editora em lançar um conteúdo diferente ao invés de replicar em outro formato as histórias da Salvat. Reunindo tais arcos, temos metade da passagem de Waid pela revista em compilados.

    Primeiros volumes de novos roteiristas sempre seguem um padrão que introduz a narrativa do autor a um novo universo, ao mesmo tempo que incorpora argumentos anteriores, coerentes com a nova visão a ser explorada. Diferentemente de outros roteiristas, Waid não promove uma longa história em sua estreia. Mas se apoia em duas narrativas breves, de uma única edição, para introduzir bases da equipe, e ainda realiza um interessante jogo metalinguístico. Em Virado do Avesso, o grupo constata que está em baixa no mercado de super-heróis e contrata uma nova equipe de marketing para retrabalhar a imagem do Quarteto Fantástico. De certa maneira, o roteiro reflete as passagens de escritores por um título, muitas vezes convidados para alavancar vendas e atrair o público. Neste primeiro momento, Waid deixa de lado o lado heroico e enfoca a família. As brincadeiras entre Johnny Storm e Ben Grimm, o trabalho constante do cientista Reed Richards e como sua obsessão afeta a esposa Sue e seus filhos. Buscando maior responsabilidade para o sempre adolescente Tocha Humana, Sue promove-o, em 24 Quadras e Uma Quina, à equipe financeira da Quarteto Fantástico LTDA. Modificações simples na estrutura narrativa que reforçam a mensagem familiar do grupo, uma vertente existente desde sua criação.

    Os Imaginautas configuram a alcunha de equipe pioneira, não apenas por esta ser a primeira lançada pela Marvel, mas também por ser desbravadora de novos mundos e universos. A ficção científica e a aventura sempre foram fios condutores destas histórias. Dividida em três partes, Consciência é um bom exemplo da inovação aventureira, com uma narrativa plausível sobre uma equação viva que deseja encontrar em Richards um igual. Pequenas coisas… também transita neste mesmo tom, sem refletir o ideal realista que foi a base de muitos títulos da Casa das Ideias na última década. Trata-se de uma trama leve de ação e aventura sem um apoio fiel da realidade.

    Ao contrário do que informa a contra-capa, a edição reúne os números 57, 60 a 66 – e não 65 – e apresenta uma história curta do roteirista anterior, Karl Kesel, o qual trabalha posteriormente com Waid nos roteiros. Nesta história, Ben Grimm é a personagem central em retorno à mítica Rua Nancy e sua gangue. Em recortes do passado, o histórico pregresso do jovem Grimm é apresentado em contraposição ao presente em que, adulto, retorna ao local para reencontrar um dono de uma loja de penhores, tradicional na região. Uma trama poética que intensifica a vertente familiar e sensível vista, nesse caso, por outro roteirista.

    Com 196 páginas e capa cartonada, Imaginautas é um bom ponto de início aos novos leitores e um começo bem acertado ao fugir das tradicionais narrativas longas e situar as personagens em pequenas histórias fechadas, antes de partir para uma grande história. Quarteto Fantástico - Imaginautas

  • Resenha | Universo Marvel – Vol. 1

    Resenha | Universo Marvel – Vol. 1

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    Ao não comportar lançamentos individuais de edições, o formato brasileiro em mixes produz seleções coerentes quando os heróis estão presentes em mais de um título mensal, como Os Vingadores, Homem Aranha ou X-Men e, quando não capazes de formar uma própria revista, são reunidos em um mesmo volume integrando edições de mais páginas que não necessariamente possuem ligação entre si.

    As sete histórias que compõe Universo Marvel nº 1 estão inseridas na Nova Marvel, projeto editorial que chegou ao Brasil em novembro. Hélcio de Carvalho escreve o texto introdutório pontuando as evoluções da Marvel desde sua criação, justificando, como Marco M. Lupoi em Ponto de Partida, a naturalidade das mudanças da Casa das Idéias.

    Um dos méritos destas histórias é a capacidade em desenvolver tramas a partir de elementos básicos de cada personagem, sendo fiel ao conceito editorial de um novo ponto de arranque. Nesta primeira edição, o mix é formado pelas primeiras edições de cada título: Thunderbolts, Hulk, Quarteto Fantástico, Fundação Futuro, Nova e Os Guardiões da Galáxia. Quem acompanha as edições da Panini sabe que a divisão pode se modificar a cada edição, com títulos sendo adiantados para que a cronologia geral não sofra.

    Como originalmente as edições são lançadas individualmente, seria incoerente analisar a revista como um todo sem antes acompanhar a estreia de cada título (ainda que a nota final tenha sido ponderada entre as qualidades das sete histórias).

    O primeiro título da edição, Thunderbolts, começa com Frank Castle – no conhecido traço de Steve Dillon – preso e chantageado pelo Agente Ross. A história se passa inteiramente no mesmo local, em diálogos entre ele e o Hulk Vermelho. A ação é direta: Ross deseja formar uma nova equipe e o Castle é um dos escolhidos. Outras personagens famosas, como Deadpool e Electra, farão parte da equipe, conforme demonstra as páginas finais. Iniciando-se em uma boa cena de ação, a trama flui bem pela improbabilidade, já que o Justiceiro é um dos personagens mais mortais da Marvel. Vê-lo em uma equipe de mercenários pode dar uma nova dimensão ao anti-herói.

    A segunda história é dedicada ao Gigante Esmeralda e ao dilema primordial de Bruce Banner e sua fera interior. Nas primeiras páginas, a agente Maria Hill está em um bar, prestes a realizar uma missão, dialogando em algum aparato eletrônico com Agente Coulson, cena semelhante às dos arcos de Bruce Jones em que Banner conversava com um aliado misterioso em uma boa saga indicada ao Eisner Awards. Além de dialogar com o leitor antigo, o recurso narrativa é interessante e dinamiza a cena.

    Banner muda sua postura em relação ao seu alter-ego, decidindo viver com ele sem tentar incansavelmente obter uma cura. Ao entregar-se para a S. H. I. E. L. D., deseja ser um aliado. Como em Thunderbolts, o roteiro de Mark Waid se desenvolve rapidamente e logo o Gigante realiza um primeiro trabalho como teste de controle de sua raiva e de boas intenções. Não há dúvida de que o argumento entrelaça a história da produção cinematográfica dos Vingadores.

    Enquanto Daniel Way e Waid desenvolvem a ação no início de suas histórias, Quarteto Fantástico e Fundação Futuro mantêm um estilo tradicional. Matt Fraction faz das primeiras edições de ambas uma introdução para a história que será desenvolvida ao longo da saga.

    As tramas estão interligadas por um acidente sofrido por Reed Richards que instabiliza seu corpo elástico. Sem encontrar a cura nos mundos conhecidos, decide partir com a família para lugares não-explorados para salvar-se.

    A edição do Quarteto mostra a escolha dos substitutos que protegerão a Terra. Em Fundação Futuro, o Homem-Formiga, convencido pelo amigo Richards, assume as funções e pergunta aos alunos sobre a importância do local, produzindo duas narrativas em simultâneo.

    Assinando duas revistas de um mesmo universo ficcional, Fraction demonstra que sua trama inicial será composta como peças de um tabuleiro narrativo. Apresentando com calma as estruturas, as personagem, para dar andamento à história. As revistas se diferenciam por conta dos desenhistas, Mark Bagley, na primeira, com traços mais realistas, e Michel Allred, em Fundação, com desenhos mais estilizados, utilizados em outras décadas, sem uso excessivo de sombras.

    Ed McGuinness e Jeph Loeb fazem parte da equipe de Nova, a história mais fraca do mix. A arte se sai melhor que o roteiro, principalmente porque o desenhista deixa de lado o excesso de músculos, comuns em seus traços, o que deslocaria ainda mais a história de sua intenção. Neste início, o Nova original conta suas peripércias a um filho descrente do passado glorioso do pai. Nesta primeira parte, Loeb repete seu estilo narrativo de encerrar a última página em uma única imagem com o gancho derradeiro que arranca a história.

    Fechando a primeira edição, Os Guardiões da Galáxia #0.1 apresenta a primeira parte da trama cujo trecho estava em Ponto de Partida. Em um retorno ao passado, conhecemos o pai de O Senhor das Estrelas, sua nave abatida na Terra e a relação amorosa que gerou o terráqueo da equipe intergalática. Brian Michael Bendis assina a história que retorna ao passado para redimensionar o presente, ainda que não haja uma trama definida neste prólogo, além de, nas páginas finais, haver a presença de Tony Stark que demonstrou interesse pela equipe na edição zero de Avante, Vingadores!.

    A Panini teve cuidado ao respeitar a cronologia – mesmo com ligações mínimas entre as revistas – e lançou esta edição depois da Avante referida que marca o primeiro encontro dos Vingadores com os Guardiões.

    Com bom potencial inicial, Universo Marvel #1 tem séries bem apresentadas e um mix interessante. Pena que muitas histórias se estendem e perdem força no caminho. De qualquer maneira, o início da Nova Marvel demonstra eficiência ao dialogar com seu passado e convocar novos leitores.

  • Resenha | Demolidor – Vol. 2

    Resenha | Demolidor – Vol. 2

    DemolidorVolume2

    Dando continuidade à elogiada fase de Mark Waid nos roteiros do Homem Sem Medo, a editora Panini lançou este segundo encadernado nos mesmos moldes da edição anterior: 148 páginas, capa cartonada, papel LWC e preço R$ 18,90. O conteúdo é que desta vez está mais diversificado, pois além da série atual do herói cego, temos também um divertido cross over e uma desnecessária republicação.

    Abrindo a edição, uma história curta (e provavelmente a melhor) com Matt tendo que sobreviver e salvar um grupo de crianças cegas, durante uma tempestade de neve. Premiada com o Eisner Award 2012 de melhor edição única, a aventura representa bem aquilo que vem destacando o trabalho de Waid: a simplicidade com inteligência. Sem ser bobinha ou piegas, com drama e perigo na medida certa, e usando bem os poderes, limitações e o heroísmo do personagem. O único pecado é uma resolução um tanto rápida demais, compreensível pela própria estrutura da história.

    Um encontro com o Homem-Aranha vem na sequência, trazendo um inusitado triângulo amoroso envolvendo os dois heróis e a Gata-Negra. Impagável o choque do Escalador de Paredes ao ver sua antiga namorada nos braços do outro: “Acho que esta é minha origem de supervilão”. Waid conduz bem a história em duas partes, utilizando elementos da série própria do Aranha (o estopim da história é um roubo nos Laboratórios Horizonte, onde Peter Parker trabalha) e prosseguindo a trama maior do Demolidor iniciada no volume 1. O que derruba um pouco o nível são os desenhos de Emma Rios na primeira parte, bem feinhos se comparados aos de Paolo Rivera.

    Outra história em duas partes traz o Demolidor investigando o bizarro roubo de vários caixões (entre eles, o de seu pai) de um cemitério, e enfrentando o Toupeira, clássico inimigo do Quarteto Fantástico. A abordagem perturbadora e melancólica deste vilão, geralmente retratado de um jeito galhofa, chama a atenção. Bem como o belo trabalho de Rivera ao retratar a escuridão do reino subterrâneo do Toupeira, e o sentido de radar do herói. Ao mesmo tempo, fecham-se as pontas soltas do arco anterior – leia-se Gata Negra e suas dúbias motivações.

    Mais uma história curta, e que deveria ter encerrado o encadernado, mostra uma tradicional situação para Matt Murdock. Ele vai até a penitenciária conversar com um cliente seu, um supervilão que foi preso pelo Demolidor. Porém agora a dinâmica é diferente, já que sua identidade é de conhecimento público (e ele segue negando veementemente). Além de momentos bem divertidos por conta disso, aqui é enfocada diretamente a questão do Omegadrive, que vinha servindo de subtrama e esqueleto narrativo para as histórias passadas. O disco rígido com informações sobre cinco grandes grupos criminosos transforma Matt num alvo, e pra ler o explosivo resultado disso, é preciso comprar outra revista: Justiceiro volume 2.

    A safada estratégia de forçar uma venda casada, tanto por parte da Marvel quanto da Panini, sem dúvida irrita. Principalmente o leitor ocasional. Mas há que se defender que a amarração das duas séries foi bem realizada, e o Justiceiro atualmente escrito por Greg Rucka também merece ser conferido por si só. E o evento, na verdade, é um crossover triplo, pois o onipresente Homem-Aranha volta a dar as caras nessa edição.

    O ponto fraco deste Demolidor volume 2 (voltando a ele), é a Panini ter achado que seria legal incluir uma aventura que já saiu várias vezes no Brasil. Amazing Spider-Man 16, de 1964, trazendo o primeiro encontro entre Homem-Aranha e Demolidor. Podem falar a vontade do valor histórico, do clássico, etc. Mas a verdade é que a história de Stan Lee e Steve Ditko está totalmente deslocada aqui. Vale apenas como curiosidade para ver como os quadrinhos eram diferentes: tom muito mais ingênuo, arte simples, excesso de texto com milhões de diálogos e recordatórios super expositivos. Conteúdos do tipo deveriam ser reservados a publicações específicas pra isso, não incluídos em meio ao material atual, a título de “bônus” – sendo que pagamos caro também por eles.

    Em resumo, uma edição quase no mesmo nível da primeira, com a falha maior sendo da editora nacional. Mark Waid segue mantendo o ótimo nível das suas histórias, numa estrutura que lembra (bons) seriados de tv. Episódios com tramas isoladas mas que constroem um plot maior. Que venha o volume 3.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | Demolidor – Vol. 1

    Resenha | Demolidor – Vol. 1

    Demolidor-um-novo-começo

    Uma das maiores críticas aos quadrinhos de super-heróis é o quanto eles se tornaram complexos para leitores novos ou ocasionais, seja por sagas intermináveis que se conectam em diversas revistas ou simplesmente pelo peso de décadas de cronologia. Por outro lado, as estratégias para combater isso enfurecem os fãs assíduos: truques mirabolantes, pactos demoníacos ou reboots cósmicos servem para apagar ou modificar a vida dos personagens. Nesse cenário desanimador, um material como a nova fase do Demolidor merece todos os elogios possíveis, não somente por sua qualidade pura e simples, mas principalmente pela lição que fica para a indústria dos comics.

    O encadernado lançado pela Panini traz as seis primeiras edições do título mensal que começou em 2011 lá nos EUA (sem comentários para tamanho atraso). O sucesso foi inegável, visto os prêmios Eisner de melhor série e melhor escritor, para o veterano Mark Waid. O que torna o trabalho tão digno de nota foi o novo direcionamento adotado, trazendo aventuras mais leves e descompromissadas para O Homem Sem Medo, e a forma como isso foi feito. Antes disso, nas mãos de Brian Michael Bendis, Ed Brubaker e Andy Diggle, Matt Murdock teve uma longa fase de ótimas histórias com clima noir, denso e pessimista. Em bom português, ele se ferrou pra valer. Teve sua identidade exposta publicamente (e passou todo esse tempo negando ser o Demolidor), foi preso, assumiu a liderança da organização criminosa NINDJA Tentáculo, e terminou sendo possuído por um demônio e enfrentando outros heróis.

    Como voltar disso? Alterar a realidade, dizer que foi um clone, ou outra “genial” explicação desse naipe? Não. Waid toma o caminho da simplicidade, reconhecendo tudo o que aconteceu e colocando o próprio herói pra dizer que escolheu mudar, encarar as coisas com otimismo e tentar se restabelecer enquanto pessoa, advogado e herói. Dessa forma, a nova fase se inicia sem fazer quem acompanha o Demolidor há tempos se sentir enganado, e sem obrigar ninguém a correr atrás do que veio antes (apesar disso ser altamente recomendável). Em essência, a herança que fica é que agora as pessoas “sabem” que Matt é o famoso vigilante, e ainda que não existam provas concretas e ele continue negando, seu trabalho como advogado acaba sendo prejudicado, resultando em situações muito divertidas.

    E na outra metade da vida dupla de Murdock, prevalece um clima de certa forma sessentista/setentista. Um herói brincalhão e ousado, que beija a noiva num casamento da máfia e enfrenta os leões do zoológico. Situações absurdas, mas sem descambar para ingenuidade absoluta ou mesmo galhofa. A necessária maturidade dos quadrinhos atuais se faz presente quando o Demolidor se envolve em conspirações corporativas ou mesmo quando o Capitão América, o “principal policial do país”, aparece pra tirar satisfações sobre seus últimos atos. O equilíbrio alcançado traz a necessária renovação para o personagem, um momento bem menos sombrio que os anos recentes, mas nem de longe algo infantilóide estilo Jeph Loeb.

    A arte acompanha essa pegada retrô, e é um show parte. Os desenhistas Paolo Rivera e Marcos Martin têm um estilo muito parecido, um traço limpo, simples e agradável. Mas dá pra perceber algumas diferenças: o primeiro faz uma anatomia mais arredondada, e no geral, um trabalho padrão. Já o segundo usa de linhas mais finas e angulosas, e ousa mais no sentido de diagramação e composição de páginas. Ambos, porém, trazem uma nostalgia interessante ao trabalhar com onomatopeias nos cenários e na retratação do sentido de radar do herói, sua “quase visão”. Um tanto ignorado nos últimos tempos (em favor da abordagem intimista, enfatizava-se a “cegueira” de Matt), esse poder remete às clássicas histórias de Frank Miller nos anos 80.

    Como ponto negativo (além do atraso na publicação aqui no Brasil), o preço de R$ 18,90 pela edição de 148 páginas. Mesmo com capa cartonada e papel de qualidade, é salgado. Mas sem dúvida nenhuma vale a pena conferir. Essa é uma gratificante prova de que é sim possível ter boas e acessíveis histórias de super-heróis, em séries mensais DENTRO DA CRONOLOGIA. Quando há talento envolvido, claro.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | O Viajante: Contra o Tempo – Vol. 1

    Resenha | O Viajante: Contra o Tempo – Vol. 1

    Stan Lee é um nome que dispensa qualquer apresentação. O que muitos talvez não saibam, porém, é que ele tem estado bastante ativo nos últimos anos. Além das aparições nos filmes da Marvel, “The Man” esteve em alguns projetos para a televisão e nunca deixou de lado os quadrinhos. O Viajante, publicado originalmente nos EUA pela Boom! Studios como uma série em 12 números, chega agora ao Brasil com suas quatro primeiras edições reunidas em um encadernado. O lançamento é da Mythos Editora, pelo selo Mythos Books.

    A história mostra o surgimento de um misterioso super-herói denominado Viajante, que aparece para impedir que vítimas aparentemente aleatórias sejam assassinadas por seres superpoderosos chamados de Homens Nanossegundos. Com diversas habilidades ligadas à manipulação temporal, O Viajante parece saber exatamente onde e quando os vilões vão atacar, e demonstra ter objetivos próprios muito mais complexos do que simplesmente bancar o bom samaritano.

    Apesar de estar creditado somente como co-criador, e os roteiros propriamente ditos serem de Mark Waid (de O Reino do Amanhã e diversas outras histórias ao longo das últimas décadas), o estilo de Lee é curiosamente mais identificável que o de seu colega. A começar pelo didatismo bem anos 60, quando o Viajante explica seus poderes em longos discursos e monólogos. É algo que hoje gera uma estranheza, mas não chega exatamente a incomodar. Outro ponto é que o herói se mostra bem-humorado, faz piadas em vários momentos, mas esconde uma tragédia pessoal como motivação pra seus atos. Alguém aí pensou “Peter Parker”?

    JdG_StanLee_Traveler

    Mas aquilo que talvez seja o maior carimbo do lendário escritor seja fazer de O Viajante uma história de super-herói. Pois, analisando friamente, isso não era necessário. Tirando o herói e os vilões usarem uniformes estilosos (sem razão aparente ou estranheza por parte de um mundo, até aquele momento, normal), a trama é toda de ficção científica. O Viajante não salva ninguém só por salvar, não faz nenhum ato heroico que não seja perfeitamente calculado para preservar o fluxo temporal. Ele é, então, um verdadeiro “herói”?

    Talvez isso seja melhor explorado nas próximas edições. O que temos por enquanto é uma boa história, com ritmo ágil e conceitos interessantes de viagem no tempo, sugerindo algo cíclico mas ao mesmo tempo deixando em aberto a possibilidade de modificações. Além, é claro, das questões muito familiares envolvendo poder, responsabilidade, perda e sacrifício. Os desenhos são de Chad Hardin, ainda pouco conhecido apesar de ter feito alguns trabalhos para a Marvel e a DC. Aqui, sua arte é totalmente genérica dentro do que se vê em comics, mas pode ser elogiada por ser “fácil aos olhos”, ajuda na fluidez da narrativa.

    Texto de autoria de Jackson Good.