Tag: Grant Morrison

  • Conheça o Pacificador

    Conheça o Pacificador

    O Pacificador é um personagem da DC Comics, que ganhou notoriedade após o filme O Esquadrão Suicida de James Gunn. O personagem foi criado por Joe Gill e Pat Boyette, na editora Charlton Comics, em novembro de 1966, na revista Fightin’ 5 #40.

    Seu alter-ego, é Christopher Smith, e ele quase fez parte da graphic novel Watchmen, na época em que Alan Moore ainda desejava usar os personagens da Charlton para contar sua história. Com a decisão da DC em preserva-los, seu papel coube ao Comediante, que era consideravelmente mais cínico que Smith, e teve uma boa recepção, não à toa que boa parte da personalidade dele hoje advém do personagem criado por Moore.


    Inicialmente, o Pacificador mantinha um código ético inabalável que usava armas estritamente não letais, embora com o tempo tenha se tornado um vigilante mais violento, disposto a fazer sacrifícios pelo bem maior, fato mostrado no longa de Gunn e aprofundado em sua série. Com o tempo, passou a agir tal qual em sua versão live action, como um homem perturbado, com graves questões mentais — isso pode ser observado na minissérie em 4 edições Peacemaker, escrita por Paul Kupperberg e desenhada por Tod Smith, lançada em 1988 nos EUA e 1991 no Brasil em DC Especial #06, publicada pela Editora Abril. Essa versão pós-Crise nas Infinitas Terras remodela o personagem após ser reintroduzido no universo DC, com uma conotação política e psicológica maior, tendo em vista que o personagem acredita que sua mente foi distorcida por seu pai abusivo e nazista quando ainda era jovem, e assim, muitas vezes ele é retratado ora como um herói, ora vilão… ou algo no limiar entre essas duas coisas.

    Com a compra Charlton pela DC nos anos oitenta, o Pacificador passa a figurar junto a outros personagens, mas continua ao lado de seus antigos parceiros, como Questão, Besouro Azul e Capitão Átomo — substituídos em Watchmen, respectivamente, por Rorschach, Coruja e Dr. Manhattan.

    Seus poderes e habilidades incluem uma condição e resistência física sobre-humana, tecnologia de voo, um capacete de comunicação high tech que confere habilidades — e variam conforme o gosto do roteirista. Além disso, é especializado em combate corporal, espionagem, tática e estratégia, além de possuir acesso a armas militares avançadas e ser um exímio atirador.

    Chris Smith era filho de um agente nazista que trabalhou nos campos de concentração durante a ocupação da Polônia pelo III Reich. No seriado a produção fez algumas mudanças, para começar ele está vivo e se chama Auggie Smith, interpretado por Robert Patrick, famoso por ser o T-1000 em O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final. Patrick é bastante conhecido nos EUA por seu alinhamento político junto à extrema-direita. Na série, ele recebeu a alcunha de O Dragão Branco, personagem da DC conhecido por ser um terrorista e supremacista branco.


    Gunn optou por uma amálgama. O Dragão Branco nos gibis era William James Heller, sujeito criado por seu avô nazista, depois se tornou um ativista da supremacia ariana, assumiu a alcunha de William Hell, e após brigar com um personagem homônimo, decidiu mudar seu nome, e começou a usar uma armadura vermelha e branca, inspirada nas roupas da Klu Klux Klan, grupo historicamente racista e fascista.

    O Dragão Branco fez parte de alguns grupos de vilões, entre eles o ajuntamento de bandidos nazistas, IV Reich –
    membros como Baronesa Blitzkrieg, Barão Gestapo e Capitão Suástica — e depois no Esquadrão Suicida, onde foi controlado por Amanda Waller e até tentou matá-la. Além de Heller, Daniel Ducannon, vilão do Gavião Negro também utilizou esse nome, mas ao contrário do original, ele tinha poderes pirotécnicos e voava.

    O grupo IV Reich

    O primeiro Pacificador, Christopher Smith, é comumente retratado como insano. Seu capacete além de possuir sensores de presença e outros aparatos, também captura os pensamentos dos fantasmas de quem ele já matou, ao menos é o que acredita o personagem. Na já citada minissérie de 1988, o personagem é enviado para o Vietnã e se mostra como um soldado bastante eficiente, mas tomado pela culpa pelo passado nazista de seu pai.

    Na prática, ele agia como um sujeito que inventava inimigos imaginários, sendo eternamente perseguido, mesmo que somente em sua mente, e essa faceta é muito bem enquadrada por John Cena e pela atmosfera criada pela série de Gunn.

    Apesar de ter claros problemas de conduta, o personagem já fez parte de alguns grupos, como a organização secreta Xeque-Mate, Esquadrão Suicida, Shadow Fighters, L.A.W. (Living Assault Weapons) e League Busters. Além de Smith, outros dois personagens usaram a alcunha de Pacificador, como Mitchel Black, que agiu na época da Crise Infinita, além de outra figura, misteriosa e sem identidade revelada, que assumiu o papel em Justice League International #65, de junho de 1994.

    Curiosidades:

    • O personagem apareceu em Reino do Amanhã, num flashback onde ele, junto aos outros heróis da Charlton, brigam contra o vilão Parasita. Vale perceber a influência de Star Wars, pois seu capacete lembra o de um mandaloriano, estilo Boba Fett. Na história Chris morreu com seus companheiros, quando o Capitão Átomo explodiu;

    • Em algum ponto, ele lideraria um grupo de soldados, chamado Força Pacificadora, que atuaria no Oriente Médio, em busca de “combater o terror”, mas o projeto foi abortado antes mesmo de ser colocado em prática, pelo presidente Gerald Ford;
    • John Cena é o primeiro ator a interpretar o personagem em carne e osso. O ex-lutador de wrestler, famoso por seu carisma e por ter uma trajetória semelhante a Dwayne “The Rock” Johnson parece ter afeiçoado bastante a Smith e seu alter-ego, tanto que assina a produção executiva dessa série;
    • Na série, há participações de alguns personagens da DC, como o já citado Dragão Branco, o mascarado Vigilante, introduzido em novembro de 1941 na revista Action Comics # 42,embora no seriado a versão do Vigilante é segunda, Adrian Chase, personagem introduzido em The New Teen Titans Annual #2 de 1983. Outra participação legal é a do Mestre Judoca, personagem também da Charlton, oriundo Special War Series #4 de novembro 1965;
    • A versão original do personagem pertence à Terra 4 do Multiverso da DC Comics, junto aos outros personagens da Charlton, em PAX Americana, de Grant Morrison e Frank Quitely, podemos acompanhar um pouco desse universo em uma releitura de Watchmen.

  • Resenha | Crise Final

    Resenha | Crise Final

    Quando um dos novos deuses aparece morto e os céus mudam de cor, os heróis começam a desconfiar de que algo está errado. O que eles não imaginavam é o quão crítica a situação já era, e “algo errado” se torna um eufemismo de péssimo gosto, diante do caos que se avizinha no horizonte.

    Ao se infiltrar na Terra, Darkseid e seus asseclas prepararam o estratagema definitivo, o plano dos planos, e assim deflagram uma crise de proporções monumentais, sem qualquer precedente, e opõem Vida e Antivida, fragmentando tempo e espaço por todo o Multiverso, com consequências imprevisíveis.

    Diante de uma ameaça tão grande e tão inesperada, talvez nem mesmo a força combinada de todos os heróis seja o bastante para vencer a batalha das batalhas, um embate decisivo pela existência, que leva o conflito de “bem versus mal” a um patamar inimaginável. Exigidos ao máximo de suas forças, os heróis do multiverso DC se colocam contra deuses, em uma guerra definitiva dos paladinos da justiça contra os arautos da morte, servos de Darkseid.

    Grant Morrison concebe em Crise Final uma saga hermética e envolvente, que capta a essência dos personagens da editora das Lendas. O autor escocês aplica na saga conceitos que lhe renderam fama ao longo dos anos, como viagens no tempo, conflitos multiversais e narrativas em paralelo que posteriormente se perpassam e assim tecem uma intrincada colcha de retalhos, cuja significação só se mostra possível em sua plenitude ao final da trama, quando tudo se encaixa e começa a fazer sentido.

    Tal como num épico de guerra tradicional, a crise intercala diferentes focos narrativos, múltiplos frontes de batalha, dando urgência para os eventos e espaço para que os personagens se desenvolvam em cena. A diferença, contudo, reside no forte apelo da ficção científica que recai sobre a narrativa e lhe dá um charme incomum.

    Como de costume, o roteirista concebe sua trama trafegando por referências incontáveis à mitologia DC, muitas delas somente reconhecíveis para o leitor médio com o auxílio do Google, mas que se transformam em um deleite para o fã de longa data, que imerge na história tanto a nível diegético quanto na caça desenfreada a referências, das mais sutis às mais evidentes.

    Acompanhado de diversos artistas de alto calibre como J.G. Jones, Doug Mahnke, Carlos Pacheco entre outros, a trama se resulta em um trabalho de difícil fruição mas cuja experiência de leitura é bastante recompensadora.

    A edição definitiva de Crise Final publicada pela Panini Comics reúne as sete edições de “Final Crisis”, originalmente publicadas em 2008, além de “Final Crisis: Submit #1”, “Final Crisis: Superman Beyond #1” e “Final Crisis: Superman Beyond #2”. Com tradução de Jotapê Martins, o encadernado merece um maior apuro na revisão para as próximas reimpressões, pois apresenta muitos erros diminutos, que quando lidos em sequência acabam chamando a atenção.

  • Review | Patrulha do Destino – 1ª Temporada

    Review | Patrulha do Destino – 1ª Temporada

    A primeira temporada de Patrulha do Destino prometia traduzir em tela todo o nonsense dos quadrinhos da equipe, sobretudo da fase de Grant Morrison à frente dos roteiros. A série capitaneada por Jeremy Carver e produzida Greg Berlanti, Geoff Johns e outros, tem 15 episódios nesse primeiro ano, e mostra um grupo de desajustados com poderes.

    O episódio piloto estabelece a mitologia, introduz o personagem de Timothy Dalton, chamado apenas de “O Chefe” e todos os seres estranhos que o cercam. Após essa gênese, o que se vê é uma batalha cósmica, que abusa de efeitos especiais, muito bem trabalhados. O turbilhão que se contrapõe aos quatros meta humanos – Crazy Jane (Diane Guerrero), Mulher Elástica (April Bowlby), Homem-Robô (dublado por Brendan Fraser e manipulado por Riley Shanahan) e  Homem-Negativo (Matthew Zuk) – é seguido de reações diversas, variando entre a histeria pela surpresa do possível fim da vida e tentativas vazias de controlar o ímpeto, afinal, o que se vê é algo grande demais para ser ignorado.

    Boa parte do acerto do seriado é que seus personagens mesmo sendo sobre-humanos, são imperfeitos, são repletos de complexos e se autossabotam o tempo inteiro. Cada um deles têm algum momento em que se torna o herói de sua própria jornada, com tempo e desenvolvimento que certamente fazem inveja a Chris Terrio, David S. Goyer e demais roteiristas da DC nos cinemas. Mesmo quando tem partes narradas, há um bom motivo para acontecer, normalmente movido pela metalinguagem de ser feita por Alan Tudyk, que interpreta o Sr. Ninguém.

    Uma das dúvidas em relação a composição do grupo era a presença do Cyborg (Joivan Wade) que jamais fez parte do grupo, e que não esteve no seriado dos Titans. Sua origem é a mais graficamente pesada da série, não há medo ou receio de parecer adulta e é muito mais bem resolvida que outras adaptações envolvendo o personagem.

    A primeira temporada tem como temática principal as obsessões. Victor tenta não ser manipulado, seja por vilões ou pelos laboratórios Star, Jane busca desesperadamente um equilíbrio, Cliff tem que lidar com a substituição parental que sua filha fez da figura paterna e Rita tenta se reinventar mesmo tendo perdido o aspecto físico que a tornava especial décadas atrás. Eles são na verdade um grupo de freaks, que precisam conviver, como forma de terapia.

    Não há um episódio que o espectador não se assuste com algum um aspecto dramático ou visual, sempre há surpresas tresloucadas, tão irreais que soam charmosas. O estranhamento que a série causa se assemelha ao visto em Legion, ainda que a abordagem se dê por um viés diferente, com camadas mais profundas.

    O elenco tem um desempenho primoroso, Tudyk e Dalton desempenham magistralmente as figuras arquétipo do vilão e mentor, enquanto Fraser, Guerrero e Bowlby estão afiadíssimos. O fato do trio não ter pudor em se apresentar como figuras jocosas só acrescenta à trama. A intérprete da Mulher Elástica surpreende, pois foge da simples figura de mulher linda que foi coadjuvante em Two And a Half Men para se tornar frustrada, complexa, e ainda assim, apaixonante. Sua Rita Farr é incrível, mesmo sendo digna de pena, seu drama é de fácil compreensão, bem como sua vocação para ser uma espécie de mentora do grupo de desajustados, na ausência de Dalton.

    Mesmo as coisas implausíveis fazem sentido. Todas as razões mesquinhas são lógicas, e mostram que os heróis podem ter ações canalhas e anti-éticas, para além da construção do anti-herói clássico, ou dos comentários ácidos de materiais que visam parodiar mais incisivamente o conceito dos quadrinhos da Marvel e DC, como Garth Ennis fez em The Boys. O resultado final de Patrulha do Destino em seu primeiro ano é algo seminal, não subestima os seus espectadores e mostra uma história onde praticamente todos os personagens odeiam a si mesmo e ainda assim tem de conviver com essa situação.

     

  • Resenha | Lanterna Verde #1 (2019)

    Resenha | Lanterna Verde #1 (2019)

    Grant Morrison fez historia nos quadrinhos britânicos ao ponto de ser exportado como uma nova promessa de roteirista na America, sua carreira e biografia são conhecidas mundialmente, e seu trabalho na DC Comics sempre foi muito elogiado, seja em seu arco na Liga da Justiça nos anos 90, na sua versão de Patrulha do Destino ou Homem Animal, ou nos mais recentes Batman, Crise Final ou Batman e Robin e também na Action Comics pós novos 52, onde fez varias versões do Super Homem. Para surpresa de muitos, ele assumiu o gibi do Lanterna Verde, em um arco chamado Policial Intergaláctico, e lançado pela Panini Comics no Brasil como Lanterna Verde#1.

    Dentro da publicação há capas variantes, de Rodolfo Migliari e Jim Cheung (muito bonitas por sinal), e a revista compila os originais Green Lantern 1 e 2, de janeiro e fevereiro de 2019. A arte de Liam Sharp é muito bonita, tanto na figura de Hal Jordan quanto nos cenários grandiosos, com os Guardiões de OA escolhendo e instruindo seus patrulheiros, e tem um dinamismo absurdo, que valoriza demais os confrontos e cenas de ação.

    Há aparições de Lanternas secundários, como Maxim Tox, que protagoniza uma cena bem violenta e lisérgica. A versão que Morrison traz aqui mostra ele sendo engraçado, e até gaiato, mas tal qual outros membros da Tropa, bem justo, e avesso a justiçamentos baratos. Aparece também Tru e Volk, e aqui se determina de maneira engraçada e pontual o código ético dos membros da Tropa,  que trazem equilíbrio a Galáxia, mas não se permitem recorrer a soluções fáceis. É curioso como os personagens são visualmente diferentes e como funcionam bem no traço de Sharp, ao passo que não são só personagens visualmente legais, eles tem tridimensionalidade, e isso é ótimo.

    Da parte do protagonista, Hal Jordan está frustrado, por ter largado a função de piloto de testes para tentar uma profissão mais comum, representante de vendas externo de um fabricante de brinquedos. A intimidade dele é bem exposta, ele é mostrado fazendo sexo, de maneira explicita, com folhas cobrindo as partes íntimas, para logo depois aparecer como civil, sendo atacado por pessoas aparentemente inofensivas, mas que guardam segredos terríveis.

    É engraçado como a historia que Morrison narra consegue reunir e misturar bem tanto ares episódicos e quanto os de origem. Jordan já é Lanterna, mas sua narrativa tem elementos de despistes que fazem o leitor crer num primeiro momento que ele está se preparando para ser, entre outros fatores, por ele não ter a mão sua bateria,  que está em manutenção com os Guardiões.

    O número 2 dá vazão a uma trama que será explorada mais a frente (e que se chamará Senhores dos Escravos das Estrelas), e fala sobre uma estrela maligna e todo um estratagema meio enganoso, cujas únicas pistas que Hal tem,  são falas de testemunhas suspeitas, piratas espaciais. É engraçada a aproximação disso de um dos aspectos pouco explorados noa filmes de Star Wars, porque esses piratas lembram muito Dengar, Boba e Jango Fett, ou mesmo Han Solo. Essa edição também tem uma capa variante bela, de Francesco Mattina.

    Para que hajam maiores conclusões de arco, é preciso esperar, uma vez que só tem duas publicações, mas os elementos iniciais são ótimos, e aparentemente vale a pena acompanhar essa saga, muito por conta de toda a expectativa que envolve Grant Morrison, e por conta das pistas que já foram sugeridas, como a possibilidade até de um gêmeo do Mal. Policial Intergaláctico tem potencial para ser uma historia divertida e ao mesmo tempo, inteligente e seu começo é bastante animador.

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  • Resenha | Imperdoável: O Poder do Medo

    Resenha | Imperdoável: O Poder do Medo

    O super-herói mais poderoso do mundo. Ele ajuda a trazer a paz e combater os males. Não há nada que possa derrotá-lo. Isso deixa a humanidade tranquila. Porém…

    E se ele mudasse de lado e se tornasse um vilão?

    É justamente isso que acontece em Imperdoável. O herói mais poderoso, chamado de Plutoniano, agora direciona todas as suas forças para exterminar todos os outros heróis do mundo, e mais, não poupará os demais humanos. Ele já destruiu cidades inteiras e matou seus ex-companheiros de batalha sem remorso algum. Por que ele está fazendo isso?

    O roteiro visceral ficou a cargo de Mark Waid, que dentre os trabalhos mais famosos está O Reino do Amanhã. Waid retrata, de forma magistral, a situação desesperadora de ter um vilão extremamente poderoso contra a humanidade. Plutoniano é uma alusão clara e direta ao Superman, uma vez que tem praticamente os mesmos poderes do famoso herói da DC Comics (super-força, regeneração, visão de calor, entre outros). O pior de tudo é que Plutoniano foi o maior aliado da humanidade, eliminando diversos males e ajudando a manter a paz ao lado de vários outros heróis. Ele sempre foi o melhor e mais forte, ninguém era páreo para ele.

    E saber que agora ele é o vilão torna a situação muito crítica.

    A força de Plutoniano é absurda, com exageros inacreditáveis. Tudo isso afasta ainda mais as esperanças do mundo. A frieza e crueldade do agora vilão é muito bem mostrada pela excelente arte de Peter Krause, que constrói boas cenas e dá uma ótima dinâmica à narrativa de Waid. Ambos já trabalharam juntos em obras do DemolidorInsufferable.

    Interessante notar que os heróis retratados aqui não possuem características tão marcantes. São até genéricos em sua maioria, nesse início da história, inclusive o Plutoniano. Mas aqui está o grande mérito de Waid: o que mais importa não são os heróis e seus poderes, e sim a situação em que se encontram. A única coisa que precisamos saber é que Plutoniano é absurdamente poderoso, ninguém pode fazer frente a ele, e tudo indica que a humanidade não tem chance alguma. Todos estão à mercê do super-vilão. Essa falta de esperança cria um sentimento bem peculiar no leitor, e foge do padrão “ameaça será derrotada pelo herói”.

    Inevitavelmente caímos na máxima de Watchmen: “Quem vigia os vigilantes?”, neste caso “Quem impedirá o Plutoniano?”. Waid nos mostra o quão perigoso é depositar todas as suas esperanças em um “salvador da pátria”, acreditando cegamente que aquele grande herói do povo sempre estará do seu lado. Precisamos de um Superman genérico para nos ensinar isso?  Parece que sim. A própria origem do Plutoniano é desconhecida até este momento, o que agrava ainda mais a situação.

    Este primeiro volume inicia uma ótima construção da trama, porém não explica totalmente o que levou Plutoniano a mudar de lado, sendo este o ponto central da história. Esta é a questão que gera mais curiosidade e nos leva a virar cada página esperando a resposta. Não teremos a resposta definitiva, mas apenas alguns indícios, que por enquanto soam um pouco banais, porém isso torna as coisas mais verossímeis. Quantas pessoas não cometeram atrocidades por causa de uma única situação ruim? O Coringa já nos ensinou isso no clássico Piada Mortal. Apesar de que, aparentemente, ocorreu um longo processo interno até que Plutoniano mudasse de lado.

    Foi uma excelente escolha da Devir Livraria trazer esta obra para o Brasil, em uma edição encadernada de muita qualidade e a história foi premiada por Prêmio Eisner, além de contar com um prefácio escrito por Grant Morrison.

    Compre: Imperdoável – O Poder do Medo.

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  • Resenha | Mulher-Maravilha: Terra Um – Volume 1

    Resenha | Mulher-Maravilha: Terra Um – Volume 1

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    Lançado pela Panini Comics com atraso nas terras brasileiras, com cinco volumes ainda não disponíveis (Superman: Earth One – Volume 3, Batman: Earth One – Volume 2 e Teen Titans: Earth One – Volume 1, Teen Titans: Earth One – Volume 2 e este Wonder Woman: Earth One), a série Terra Um, da Dc Comics, desenvolveu-se como um novo multiverso do estúdio, focado na reinvenção de personagens icônicos com uma equipe de autores renomados em sua concepção em um formato direto para encadernados.

    Grant Morrison se alinha com outros grandes nomes como J. Michael Straczynski, Geoff Johns e Jeff Lemire, responsáveis pelas recriações lançadas até o momento, valendo-se do sucesso de seu currículo como mais um atrativo ao leitor, recompondo em Wonder Woman: Earth One uma nova leitura de Mulher-Maravilha. O escocês insano que sempre demonstrou apreço pela tradição das histórias em quadrinhos e pelo resgate de personagens obscuros ou acontecimentos antigos –  e quase desconsiderados – traz a tona aspectos da origem da heroína que, estrategicamente, foram esquecidos pelo tempo.

    Mesmo que William Moulton Marston, criador da personagem, tenha desenvolvido-a com o apoio de suas esposas, as quais apoiavam a filosofia feminista, muita das cenas de ação da época colocavam Diana em posição dominada, com excesso de correntes e outros adereços que evidenciavam como o público-padrão ainda era leitores masculinos em sua maioria. Sob esta ótica, retomar esta vertente de maneira explícita é proposital para causar um choque no leitor contemporâneo.

    O roteirista permeia a conhecida origem da personagem através destes extremismos, configurando tanto a dominação quanto uma sexualização exagerada das Amazonas nos belos traços de Yanick Paquette. A dinâmica entre a sagrada Themiscyra se mantém a mesma, bem como o encontro com Steve Trevor. Porém, o personagem mudou de etnia, movimento realizado para ampliar o conflito e desenvolver uma mensagem sobre escravidão e liberdade, simbolo histórico das Amazonas quando se livram do julgo de outros povos rumo a cidade sagrada em contraposição a escravidão de africanos trazidos para a América.

    Se grande parte das modificações parecem propositadas para causar choque ou estabelecer uma espécie de crítica que, ao mesmo tempo, demonstra a força da personagem mas não consegue evitar sua sexualização – ainda mais porque ainda não sabemos, ao certo, como isto será situado no futuro deste universo – há uma grande mudança em um dos aspectos da origem da deusa, que, para aqueles leitores que não desejam saber, devem evitar os parágrafos seguintes.

    Logo no início da trama, há um flashback de Hipólita em uma batalha contra Hércules. Afinal, na conhecida saga grego-romana dos Doze Trabalhos de Hércules, uma de suas tarefas foi roubar o cinturão mágico da rainha. Neste cenário de batalha, o semi-deus subjuga Hipólita e a estupra, e Diana é a criança que nasce dessa violação. Uma visão bem mais realista e triste do que aquela da deusa vinda do barro. Porém, fator que justifica porque Diana seria treinada como uma guerreira: para destruir o patriarcado, em parte, pela violência sofrida pela rainha.

    Evitando recontar a história de Diana apenas modificando detalhes, mesmo com críticas a favor e contra, Grant Morrison produz uma interessante história ainda que, como os primeiros volumes das histórias anteriores, ainda não apresenta um desenvolvimento sólido, justificando como tais elementos serão inseridos no futuro. Interessante, porém, imaginar como esse futuro universo será criado e se as personagens se encontrarão em algum momento, formando uma Liga da Justiça, principalmente porque os grandes heróis da Trindade ainda parecem tão vacilantes. Superman demora para assumir seu manto heroico, Batman é treinado por um mordomo militar sem nenhum senso emocional e os Novos Titãs são produtos de experiências genéticas. Aspectos diferentes e, de certa maneira, ousados diante dos conceitos originais de seus personagens.

    Compre: Wonder Woman – Earth One

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  • Resenha | Patrulha do Destino: A Pintura Que Devorou o País

    Resenha | Patrulha do Destino: A Pintura Que Devorou o País

    Patrulha do Destino - A Pintura Que Devorou Paris - capa

    A Panini Comics tem feito um interessante trabalho em resgatar algumas fases clássicas de personagens pouco conhecidos do público, como a publicação de todo o arco do Monstro do Pântano, no momento em que Alan Moore foi o roteirista e também de o Homem-Animal, de Grant Morrison, como exemplo. Neste esteio um grupo mais underground (é chique o uso de termos em inglês em seu texto, dá a ideia de que você tem um conhecimento maior do que o real, se for em francês então…) entrou neste processo de publicação A Patrulha do Destino, de Morrison, talvez um dos grupos menos conhecidos da DC Comics e também interessantes, já que a sua premissa básica são super seres com poderes bizarros, como se fossem os párias do mundo dos heróis.

    O fato de serem desconhecidos se trata de uma vantagem já que há um a possibilidade de liberdade editorial que não aconteceria em outros personagens. E essa liberdade é o destaque do segundo arco publicado aqui no Brasil A Pintura Que Devorou o País, no qual Morrison, com arte de Richard Case e John Nyberg, que são fundamentais para o sucesso da História, nos apresentam uma verdadeira viagem, tanto no que se trata de conceitos estranhos e interessantes como em termos de exploração de princípios artísticos.

    Basicamente, existe uma pintura que tem o poder de absorver as coisas que estão a sua volta, a Irmandade do Mal, que passou a se chamar Irmandade de Dadá, toma posse desta obra de arte e consegue que ela absorva a capital da França. Neste ponto, a patrulha do Destino entra em cena e na pintura para combater a Irmandade e também devolver paris para a sua realidade.

    Neste ponto que as coisas ficam mais interessantes e a HQ ganha o seu destaque, dentro da pintura existem múltiplas realidade e cada qual obedece a lógica de uma determinada escola artística, o que faz com que o experimentalismo dos desenhistas ganhem força, já que tem emular os conceitos e prerrogativas de cada movimento artístico nas páginas da HQ. Ainda neste quesito de arte, não sei se proposital, mas a capa da edição lembra muito a arte do álbum Ummagumma, do Pink Floyd. Dentro do quadro se descobre uma ameaça ainda maior que une heróis e vilões, e a resolução dos problemas também é sensacional.

    Ainda neste encadernado há outros arcos: “Nos subterrâneos”, “A seita do livro inescrito ou o descriador” e “A alma de uma nova máquina”. Todas são boas histórias, mas destacaria “Nos subterrâneos”, uma passagem que aprofunda em uma das personagens que considero mais interessantes, Crazy Jane (basicamente ela múltiplas personalidades e cada qual tem um poder), se trata de um arco mais sério e interessante no qual se entende como funciona a caótica psique de Jane, porém bem explorado por Morrison.

    Enfim, para quem procura algo diferente, mas ainda tem medo de ler coisas que não envolvam super heróis ou fora do eixo Marvel – DC, se trata de uma HQ bastante interessante de fácil acesso já que é comercializada em bancas e de preço razoável. E também é uma oportunidade de conhecer Grant Morrison em um momento mais inicial de sua carreira.

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

  • Resenha | LJA: Terra 2

    Resenha | LJA: Terra 2

    JLA - Terra 2 - capa - Grant Morrison - Frank Quitely
    Terras paralelas sempre foram um elemento chave da DC Comics, embora a editora tenha tentado acabar com o conceito nos anos 1980 com a maxi-série Crise nas Infinitas Terras. Para tornar seu universo de personagens mais coeso e aberto a novos leitores, a Crise serviu como uma forma de simplificar as muitas Terras tornando-as uma só. Isso facilitou a vida tanto de roteiristas quanto de novos leitores, embora elementos cruciais da cronologia da editora tivessem sido varridos pra baixo do tapete. Na saga em questão, universos inteiros morreram, e o primeiro a ser extinguido da existência foi o que comportava a Terra-3. Esse planeta era uma cópia às avessas da Terra principal, onde havia uma versão maligna da Liga da Justiça e o único herói era Alexander Luthor. O conceito de “cópia maligna”, apesar de parecer uma solução preguiçosa pra arranjar bons vilões, sempre foi usado na editora e se perdeu com a reformulação.

    No entanto, muitos personagens e várias linhas narrativas acabaram ficando prejudicados com a Crise. Se não existiam mais Terras paralelas, os roteiristas pós-Crise passaram a ter que justificar a existência de heróis que tinham sua origem fortemente ligadas a esses mundos. Assim, malabarismos precisaram ser feitos para explicar as origens de personagens como a Supergirl, a Legião dos Super-Heróis e a Poderosa. A maioria dos roteiristas apenas aceitou as mudanças e fizeram o melhor que puderam com um universo único.

    Mas Grant Morrison não era como a maioria dos roteiristas.

    Na metade da década de 90, Morrison reformulou a Liga da Justiça trazendo de volta vários elementos clássicos da Era de Prata, principalmente a formação da equipe com os sete maiores heróis do universo. Sua fase na revista LJA foi aclamada por público e crítica – cometendo alguns deslizes típicos do autor, de certa forma perdoáveis – e revitalizou o título, que havia se tornado uma comédia pastelão com heróis secundários desde o final da década de 80 até então. A Liga de Grant Morrison era grandiosa e empolgante.

    Morrison pretendia trazer de volta o conceito de Terras paralelas – algo que recentemente se mostrou fixação do autor, com a série Multiverso DC – mas parecia que não havia um jeito, devido à Crise. Mas o universo de antimatéria ainda era um conceito válido na época, e foi disso que ele se aproveitou para escrever LJA: Terra 2.

    Lançada nos Estados Unidos como uma graphic novel, Terra 2 passou quase que despercebida pelas terras brasileiras. Na época, a Editora Abril lançou uma ousada e questionável iniciativa na sua linha de hqs de super-heróis, abandonando o consagrado formatinho e adotando a linha Premium. Essa nova linha, embora maior e melhor, tinha um preço pouco acessível aos leitores da época, e muitos acabaram abandonando o hábito de ler quadrinhos. LJA: Terra 2 foi publicada na primeira edição de Superman Premium e nunca mais relançada em português, até agora com a Coleção de Graphic Novels da DC Comics, da editora Eaglemoss.

    Na trama, Morrison revela que o universo de antimatéria abriga uma versão espelhada da nossa Terra, tal qual a extinta Terra-3 pré-Crise. Mas esse universo parece muito mais sombrio do que sua extinta versão, adaptada para a realidade do fim do milênio (mais sombria e realista). Alexsander Luthor, único herói dessa Terra (tal qual a versão pré-Crise) descobre um universo livre da tirania do Sindicato do Crime e pede ajuda aos heróis da Liga da Justiça. Após um momento de deliberação, Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde (Kyle Rayner) e Flash (Wally West) resolvem ajudar, ficando apenas Aquaman e Caçador de Marte na nossa Terra. Os heróis descobrem que nesse universo, as coisas funcionam de forma bastante diferente do que estão acostumados: lá, o Mal sempre ganha!

    Temos alguns momentos interessantes, como o encontro de Batman com a versão de seu pai – o Comissário Thomas Wayne – e descobrimos que Ultraman e seu Sindicato do Crime dominam a Terra. Supermulher (versão da Mulher-Maravilha) tem um relacionamento com Ultraman, mas mantém um caso com o Coruja (o Batman de lá). Há uma “troca de lugares”, e o Sindicato do Crime vem parar na Terra da Liga e, invertendo a ordem das coisas, passa a chama-la de Terra 2! A Liga da Justiça vê-se então forçada a retornar para reestabelecer a ordem. Com uma trama bastante simplória, vence o Sindicato. Isso porque, em nosso mundo, o bem sempre vence o mal.

    É sempre interessante perceber como Grant Morrison utiliza conceitos simplistas de forma magistral. O autor costuma pegar elementos que a maioria dos fãs prefere ignorar e fazer deles algo bem construído e agradável de se ler. Além disso, a arte de Frank Quitely casa perfeitamente com o estilo de narrativa do autor. Quitely colabora com Morrison eu outras ocasiões, como em Novos X-Men ou Grandes Astros: Superman, e sempre adiciona a dose certa de modernidade e saudosismo à trama.

    Morrison prova, mais uma vez, que até o mais simples dos conceitos pode ser bem trabalhado e render uma boa história. A Eaglemoss acertadamente nos traz essa pérola há muito esquecida pelas editoras nacionais, ainda com uma história secundária de 1961 que mostra, pela primeira vez, o conceito de Terras paralelas. A história O Flash de Dois Mundos é simples e direta, mas alicerça a longa tradição de infinitas Terras da DC Comics.

    LJA: Terra 2 foi o pontapé inicial para que as Infinitas Terras voltassem com força total nos anos posteriores e retomassem lugar de destaque nas histórias da DC.

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  • Agenda Cultural 59 | Luther King, Sniper Americano e Demolidor

    Agenda Cultural 59 | Luther King, Sniper Americano e Demolidor

    agenda59

    Bem-vindos a bordoFlávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Carlos Brito, Wilker Medeiros (@willtage) e Douglas Fricke (@dwfricke) se reúnem para comentar o que rolou nos cinemas em fevereiro e ainda comentam sobre alguns lançamentos de quadrinhos, música e literatura.

    Duração: 120 min.
    Edição: Wilker Medeiros
    Trilha Sonora: Wilker Medeiros
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Comentados na Edição

    Matéria de Carlos Brito sobre os lançamentos da Editora Aleph
    Entrevista de Carlos Brito com Timothy Zahn, autor de “Star Wars – Os Herdeiros do Império”

    Cinema

    Literatura

    Os Demônios de Loudun – Aldous Huxley – Compre Aqui

    Quadrinhos

    Resenha Demolidor – Fim dos Dias (2 edições) – Compre Aqui
    Os Invisíveis Vol. 4: Infernos Unidos da América – Compre Aqui
    Bone 1 -Fora de Boneville – Compre Aqui
    Saga – Volume 1 – Compre Aqui

    Música

    Blind Guardian – Beyond the Red Mirror
    Dr. Sin – Intactus

  • Crítica | O Filho do Batman

    Crítica | O Filho do Batman

    O Filho Do Batman 1

    Iniciando-se nas instalações de Ra’s Al Ghul, a animação O Filho do Batman começa com uma invasão ocidental, com soldados armados massacrando os ninjas da Liga das Sombras, cujo contra-ataque começa por esforços isolados de Talia, filha do soberano e mãe do pequeno prodígio Damian. As profecias em torno do jovem eram muitas, sempre associadas a um legado sanguinário e massacrante, como nas primeiras cenas de ação.

    Logo a origem da investida é mostrada como fruto de uma vingança impingida por Slade Wilson – ou Exterminador – que busca o revanchismo pela expulsão do clã de guerreiros, decidida pessoalmente por seu antigo mestre, que sucumbe ante a sua espada. Diante da morte do Cabeça de Demônio, a voluptuosa mãe resolve levar seu filho ao único destino onde ele estaria seguro: Gotham City.

    O resgate ao arco de Grant Morrison, Batman e Filho, contém inúmeras liberdades criativas, tantas que quase não é possível identificar uma releitura tão fiel, exceto pela premissa de resgatar o filho perdido de Batman e da filha do Demônio, pensada pelo escocês. Como nas revistas, Talia deixa o rebento com o Morcego para que o menino fique longe de problemas, mas não distante dos incômodos provenientes da pouca idade. As travessuras dão lugar a um instinto assassino e a uma voracidade causados pela ausência de uma figura materna e pela persuasão dos assassinos com quem cresceu.

    Sem se prolongar muito, o roteiro trata de fazer o menino começar a agir contra o submundo de Gotham, onde encontra Asa Noturna, antigo pupilo de seu pai. Depois de lutar ferozmente com o antigo Robin, o menino reclama para si o capuz de garoto prodígio, e após uma acurada pesquisa de campo, com seu pai e Dick Grayson, Damian descobre o possível paradeiro de sua mãe, que é mantida refém pelo traidor da Liga das Sombras.

    Ao suprimir grande parte dos eventos mostrados nas sagas de Morrison, o roteiro acaba por perder um bocado do sentido, constituindo, em si, eventos, ocorridos um atrás do outro, sem muita significância, simplificando a história, mas também tornando-a menos atraente, especialmente para o espectador atento ao cânone dos quadrinhos. A versão filmada é como alternativa, no estilo dos Novos 52, aos fatos ocorridos antes do reboot da editora.

    Apesar da animação conter um escopo de violência poucas vezes visto em adaptações de super-heróis, ainda falta conteúdo. Os cortes feitos na história não alteraram a lógica de entendimento, mas sim um bocado do espírito presente nas tramas que introduziam Damian no universo do Morcego. Qualquer menção aos escritos de Morrison não passam de inspiração, quando muito. O Filho do Batman é semelhante às animações pós-reboot do Universo Animado da DC que substituem figuras chave e exclusivas por personagens mais famosos, sem tomar o cuidado básico de não descaracterizar a história, fato que infelizmente ocorre nesta animação.

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  • Resenha | Um Conto de Batman: Gothic

    Resenha | Um Conto de Batman: Gothic

    Gothic 1

    Um romance pensado em cinco volumes. A arte repleta de hachuras de Klaus Johnson consegue aumentar ainda mais o escopo de violência do roteiro, que exibe uma crueldade e crueza típicas dos filmes de ação oitentistas, claro, com maior aprofundamento e conteúdo que os dos clichês de cinema. Gothic tem em seus cenários e trabalho de cores um esmero diferente do usual nos quadrinhos de 1987, em que se remete a tempos pregressos, semelhante à época barroca, quando a tragédia era cantada a plenos pulmões de modo teatral, orquestrada pelo escocês Grant Morrison.

    O aspecto de sujeira predominante no traço dos personagens faz lembrar o quão imunda é a cidade de Gotham, manchada de um vermelho vivo, como se a cor do sangue fosse o objeto mais vivo dentro daquele cenário. Os contornos da gigantesca capa de Batman remetem a uma figura lendária, calcada em referências ao expressionismo alemão, que seriam repetidas por Paul Pope em Batman Berlim.

    O mergulho na intimidade de Bruce mostra uma imaginação de sua infância: vestido com o manto e analisando os perigos que aparecem, numa primeira menção da pequena mostra da psicanálise que seria realizada na saga Descanse em Paz, reutilizando elementos da história do personagem ao seu próprio modo. O traço de Janson lembra – propositalmente – o design dos primeiros escritos de Bob Kane e Bill Finger, tempos em que o escapismo era a tônica, e a simplicidade não era sinônimo de mediocridade, somente de diversão descompromissada.

    A história paralela, que exibe flashbacks da época da Peste Negra, mostra uma faceta mais mística das crenças de Batman, ao contrário do costumeiro ceticismo do detetive. As experiências de quase morte que o Cruzado sofreu fizeram-no mudar de ideia, demonstrando uma evolução de pensamento condizente com a realidade que ele depara. O farsesco evento da época da “caça às bruxas” contém um sem número de simbolismos e alegorias relativos ao presente de Gotham, onde também há uma perseguição aos mascarados.

    A vilania do Senhor Whisper tem um caráter de teatralidade, farsesco e pitoresco, com falas inflamadas e violência atroz. Os corpos pendurados na torre do castelo, pingando sangue, fazem lembrar os filmes de monstros da Universal,  que, por sua vez, também tinham um bocado de influências shakespearianas. O terror que o vilão demonstra ao herói lembra as fobias mais comuns aos homens, utilizando traquitanas comuns aos super-vilões do seriado sessentista de Adam West, mas, claro, sem perder a seriedade.

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    O visual barroco e o clima soturno certamente influenciaram o aspecto figurativo do filme de Tim Burton. A atmosfera pseudo fantástica é bastante semelhante a de Batman: O Retorno, e reproduz a ligação do principal vilão com o jovem Bruce Wayne, anos antes do milionário tornar-se o vigilante de Gotham em Batman, de 1989.

    A trivialidade acomete o final da publicação, mostrando uma batalha final sem muita pompa no quesito luta física, mas carregada de terror por seu desfecho sanguinário. O horror medieval do monastério inundado exibe um pouco do ideário de Morrison, das influências literárias de Bram Stoker, Mary Shelley e do clima comum aos romances e contos desses autores. A atitude de Batman valoriza a honradez no duelo com seu inimigo, um respeito não condizente com a postura do adversário supervalorizado por seu combatente, que vê nele uma figura além das próprias capacidades destrutivas, problema causado pelo trauma e marcas carregadas desde a infância de Bruce. Gothic é um conto isolado, mas remete ao passado de Batman, unindo-se a ele inúmeras referências literárias, demonstrando as qualidades de um Morrison ainda em início de carreira.

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  • Resenha | Batman e Filho

    Resenha | Batman e Filho

    batman e filho

    Em sua estreia no título mensal do Morcego, Grant Morrison optou por uma breve história em quatro partes, seguindo um recurso tradicional de suas obras: o resgate do passado por meio de releituras contemporâneas ou da reintrodução de personagens. Batman e Filho, desenhado por Andy Kubert, apresenta um novo herdeiro ao manto do morcego. Diferentemente dos parceiros e filhos adotivos de Bruce Wayne, este nasceu de noites de amor com Talia Al Ghul e, por muito tempo  desde O Filho do Demônio, de 1989 –, permaneceu fora da cronologia.

    A história de Damien está inserida logo após os eventos de Crise Infinita e o salto temporal de um ano do Universo DC. É o segundo arco de retorno da revista Batman, depois do primeiro, escrito por James Robison, no qual apresenta a volta de Harvey Dent como Duas Caras. Nesta nova fase do herói, é perceptível a tentativa de reintroduzir os vilões clássicos da personagem, tanto neste primeiro arco como nas revistas Detective Comics, cujos roteiros assinados por Paul Dini  situam histórias fechadas de 25 páginas abordando um vilão a cada edição.

    Refletindo o desfecho da Crise Infinita, em que os grandes super-heróis ficam fora de ação por um ano – espaço justificado para a megassaga 52, que tem Grant Morrison como um dos quatro roteiristas –, Batman voltou com energia total e conseguiu erradicar boa parte do crime em Gotham. Durante seu ano sabático – visto na megassaga –, o Morcego refez a trilha inicial de sua formação como herói e, entre descobertas e meditações, novamente encontrou o equilíbrio, uma força demonstrada ao combater o crime com afinco.

    A primeira página da trama apresenta um Comissário Gordon enlouquecido com um novo gás do Coringa e com um Batman falso tentando combater o vilão. Após levar um tiro deste falso Batman, o verdadeiro cavaleiro surge e deixa o Palhaço do Crime nas mãos dos policiais. Neste resgate interior de seu equilíbrio, Bruce Wayne decide dedicar um tempo como bon vivant e parte a Londres para visitar uma exposição artística, interrompida por uma horda de capanga que utiliza o soro do Morcego Humano do Dr. Robert Kirkland Langstrom. No meio da luta, é apresentado ao seu filho por Talia.

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    Morrison parece mais preocupado em inserir um personagem, que pode render no futuro boas histórias, do que realizar uma adequada introdução ao universo do Morcego. Normalmente, quando um novo roteirista assina uma revista, há a natural fundamentação de parâmetros para tramas que virão; o autor utiliza este recurso com Damian e o Coringa aprisionado. Mas, com boa execução em metade da história, a outra parte falha e torna-se apressada no final, com um dos recursos mais bobos utilizados por narrativas de qualquer estilo: uma explosão em que bandidos desaparecem, resultando em um desfecho inacabado. Em linhas gerais, também nota-se a intenção de fugir levemente do realismo noturno da personagem, dando maior dimensão ao seu arsenal como super-herói: Batman e Damian viajam em um foguete e a persona de Wayne parece mais crítica e cômica nas falas.

    O encadernado lançado pela Editora Panini apresenta este primeiro arco (publicado originalmente em Batman #655 a #658 e, no Brasil, Batman nº 58 a 61) e mais três histórias posteriores, lançadas após uma história dividida em quatro partes intitulada Grotesco. Em O Palhaço à Meia-Noite, Morrison demonstra sua loucura característica ao apresentar um conto dentro da revista. Há pequenas ilustrações irregulares de John Van Fleet, mas o destaque é o conto literário sobre o Morcego e seu arqui-inimigo. É inegável a vontade do roteirista em quebrar paradigmas. Imagine o choque do público ao abrir a revista à procura de uma costumeira história em quadrinhos e se deparar com um conto que flui de maneira muito diferente da de uma obra desenhada. No conto, mesmo preso no Arkham, Coringa arquiteta um plano para matar sua cadeia de contatos. Uma narrativa muito bem delineada que depende da inventividade do leitor devido às metáforas visuais. Além disso, a trama traz um gancho que envolve o Palhaço do Crime e Arlequina.

    As três histórias seguintes compõem um mesmo enredo. Em Os Três Fantasmas de Batman, Bruce Wayne ainda está viajando quando recebe a informação de que há uma ameaça em Gotham City, e o responsável por matar policiais é visto trajando um manto híbrido composto pelos uniformes do Morcego e do vilão Bane. O título inegavelmente cita Charles Dickens e os três espíritos do Natal que visitam o personagem principal do livro Um Conto de Natal. Os fantasmas de Bruce Wayne são elementos traumáticos de sua vida. O primeiro deles apresenta-se na primeira parte de Batman e Filho e é retomado nesta aventura: um Batman que utiliza armas de fogo para matar, símbolo que não só representa a morte de seus pais, mas também a mudança da filosofia da personagem, a de nunca utilizar armas fatais. Em seguida, o policial truculento com o uniforme meio Batman meio Bane dialoga com A Queda do Morcego. A primeira parte termina com uma cena semelhante, com Batman agonizando no chão após levar um chute nas costas. Em Casos Inexplicáveis, um Wayne alucinado e acamado vive um pesadelo e menciona os casos não solucionados durante sua carreira. Trata-se de outra retomada do roteirista a uma série de histórias antigas do Batman que não se encaixam mais em sua cronologia por serem diferentes demais do habitual. Tais narrativas foram a base para compor A Luva Negra. Mais um mistério que Morrison deixa para os fãs (um compilado com os casos citados também foram lançados pela editora).

    Por fim, Belém é uma história sobre um futuro apocalíptico. Na edição original, foi publicada no número 666 de Batman e apresenta Damian assumindo o manto do pai, modificando a filosofia de Batman ao tornar-se um herói que mata os vilões, elemento que evidencia o terceiro temor do Morcego, o de um futuro em que estará morto e seus sucessores não seguirão a base moral rígida de sua carreira. Este argumento será utilizado em referências futuras, demonstrando que, como sempre, a composição de uma história de Grant Morrison nunca possui o objetivo de ser uma mera leitura, mas também de um jogo de pistas e inferências que somente o bom leitor poderá elucidá-las por completo.

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  • Resenha | Os Invisíveis: A Revolução – Volume 1

    Resenha | Os Invisíveis: A Revolução – Volume 1

    Os Invisiveis - Revolução - Panini Comics - Capa

    Grant Morrison introduz anarquismo, terrorismo e viagem temporal em Os Invisíveis – talvez a mais louca experiência do autor em quadrinhos desde Patrulha do Destino. Sem usar os clichês, comuns neste universo, sua abordagem é diversificada e lembra o efeito de barbitúricos, pois é ácida e psicodélica.

    Dane McGowan, de alma arredia, é um menino que tenta ser nefasto e criminoso a despeito até de sua idade. No entanto, sua tenra juventude não permite que esse desejo se realize. Seu olhar registra as inúmeras pichações de King Mob que, como um mantra, penetram em sua mente por meio da repetição. A rebeldia dos meninos é reprimida num ambiente semelhante a de uma casa de repouso, a qual, na verdade, realiza tratamentos psíquicos nos detentos. O intuito destas experiências envolve a reeducação dos garotos.

    No primeiro arco, há uma bifurcação que se relaciona ao protagonismo da história: as partes são Gideon, um sujeito que esconde uma habilidade incomum de longevidade, e o outro é Dane, movido por ideais incendiários e que parece habitar um mundo de extremos, onde não tomar uma atitude significa não ser ninguém. A rejeição que o menino sofre dentro de casa ajuda a agravar ainda mais o seu sentido de inexistência e o complexo de inferioridade que sofre.

    A rebeldia e o vandalismo são as formas que o jovem encontra para chamar a atenção do mundo dos adultos, e, após um crime, ele é julgado e sentenciado a ir para uma casa de reabilitação, a Casa da Harmonia, uma instituição com viés alienador e que corrige seus detentos com métodos esquisitos, envolvendo criogenia e castração dos internos. Dane é salvo por uma mini-sociedade secreta, com motivações semelhantes às suas próprias, mas que tem poder real para mudar o status quo e não para mantê-lo, como tanto queriam os homens da Casa da Harmonia. Estes se chamavam Os Invisíveis.

    O que o personagem orelha ainda não parece ter entendido é que algo “oculto” comanda seus opositores, aumentando ainda mais o escopo de teoria da conspiração presente no título. No segundo número, denominado Pra Baixo e Pra Fora no Céu e no Inferno, um pregador, mostrado como um pseudo-revolucionário, começa o arco gritando sobre a ditadura da ideia. Ainda que seu discurso seja fraco, ele contém uma indagação forte: “quando foi a última vez que você teve um pensamento que não foi imposto por eles?”. Logo, o rapaz encontra um mendigo chamado Tom, que, atrás de seu comportamento de pedinte bêbado, esconde um enorme poder, convocando Dane para ser parte da tal sociedade secreta.

    O mendicante é um mentor pouquíssimo inspirador, seja por seu estilo de vida ou pelo seu método de ensino, pouco ortodoxo, para dizer o mínimo, que se utiliza da violência com o aluno. O intuito de libertar Jack Frost faz com que ele seja deveras agressivo com Dane, a fim de que este rompa com seus antigos medos e meios de vida para ressurgir como um novo homem. Certamente sem estas reprimendas, Dane não conseguiria expor todo o seu potencial e jamais chegaria ao ponto de sentir falta do mestre quando este sumiu. Depois de uma bad trip, Dane se encontra finalmente com King Mob e com os Invisíveis, e a ele é revelado que jamais lançou mão de alucinógenos. A doideira que viveu realmente aconteceu, e subitamente é obrigado a fugir com o grupo, antes que os opositores o alcancem.

    A lancinante fuga dos opositores faz Dave olhar o ancião com outros olhos. Aos poucos, muda sua perspectiva, mas em momento algum parece forçado a mudar a própria postura. A utopia do pensamento poético é discutida por meio de um retrocesso temporal que contempla uma discussão entre um par de artistas, o qual demonstra o prazer em falar da realidade e do metafísico, inclusive pondo em pauta a sua importância enquanto emissor da contestação no panorama político e o quão vazio ou repleto de conteúdo ele pode ser. Além disso, a dupla fala da sua importância enquanto formadora de opinião para gerações vindouras, especialmente as que não sofrem com uma tirania tão presente quanto a que vigora naquela linha temporal.

    Ainda neste ínterim, Jack Frost – alcunha dada pelos membros do grupo a Dean – começa seus treinamentos junto ao quinteto elemental, e enquanto aprimora sua parte atlética, discute os clichês do Thug Life com Boy, uma mulher negra de compleições femininas, apesar de seu codinome. Paralelo aos dois comentários, o planeta mostra-se como um ambiente em que coexistem “mundos” muito diversos. Nele, há um modo orgânico e simbiótico que permeia esta paisagem e onde, além de se notar uma forte influência militar, discute a máxima física de que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. O paradigma é notório. As criaturas, modificadas geneticamente por influência da radiação, condição que ultrapassa o arquétipo do normal e passa pela figura de mal necessário, parecem ser apenas parte de um efeito colateral de uma sociedade (supostamente) evoluída, mas que, obviamente, não pode ser levada de modo tão categórico quanto a apelação apolínea pede.

    Em outro momento, o quinteto consegue – vias misteriosas fontes – retornar ao passado, a uma era distante demais daqueles anos 1990. A Era Vitoriana deixa toda a sua aura clássica para apresentar uma fina camada de neblina, inebriante, cujo torpor quase ameniza as situações violentas mostradas na publicação.

    Arcádia tem um cunho contestatório ligado ao aspecto social e político, num arremedo de Morrison deveras inteligente que se utiliza de um clichê dentro do gênero ficção científica para perverter a mensagem e elevando-a a um ponto anarquista do aspecto político. As fronteiras entre realidade e o mundo imaginário ainda não são completamente claras, e neste início não é sequer correto declarar se há realmente uma diferenciação clara entre dois aspectos.

    Invisíveis é uma obra que foge do mainstream de quadrinhos, e, nos episódios posteriores, se aprofunda mais nas questões e aspectos políticos da trama, uma vez que os arcos precisam ser lidos em seguida para se ter uma compreensão completa do todo. Neste momento, Frost ainda era um neófito, um Invisível em começo de carreira. No entanto, este tomo, Revolução, já deixa o leitor a par do que virá nesta abordagem anormal da sociedade, retratando temporalmente, de modo singular, muitos períodos.

  • Resenha | Batman: Asilo Arkham

    Resenha | Batman: Asilo Arkham

    Batman - Asilo Arkham - Panini - Capa

    David McKean é um artista dos mais renomados da indústria de quadrinhos. Graças a sua ocupação maior como artista plástico, pouco se tem (fora, é claro, as inúmeras capas de artigos para o selo Vertigo) de materiais dele como desenhista. Seu modo peculiar de ver o mundo garante uma aura anárquica, caótica e até agressiva para as obras que assina, e sua arte sequencial é tão singular que não combina com tramas normativas ou convencionais. A química de McKean funciona com cabeças pensantes, como as de Neil Gaiman, e ganha mais um capítulo interessantíssimo com a tresloucada Asilo Arkham, uma das primeiras histórias de Grant Morrison com o Homem Morcego.

    No primeiro de abril em que os insanos malfeitores de Gotham resolvem se rebelar e tomar o asilo para os internos, pondo em risco os funcionários da instituição, já eram esperadas demandas das mais insanas possíveis, entre elas, a descida do Cruzado Encapuzado ao inferno que era o sanatório. Antes de qualquer recurso textual, há uma série de gravuras, na maioria figuras abstratas, remetendo a estados mentais alterados e idílicos lugares, recônditos mentais, esconderijos para a perturbada percepção daqueles que são internos do Arkham.

    Um trecho de Alice, de Lewis Carroll é flagrado, que reafirma o estado soberano de loucura, e a consequente inexorabilidade da condição. A partir daí adentra-se na intimidade de Amadeus, o mesmo que dá nome ao asilo, em seu diário, que demonstra de forma gráfica a nada aplacada realidade do ainda infante, pelos idos de 1901, ao conviver com uma mãe à beira da loucura. A mentalidade débil já o assombrava quando pequeno, de modo atroz. A cor que predomina neste plot é o castanho, diferente do tom grafite que contempla o Batman, que em sua primeira aparição é mostrado como uma rasura em formato humanoide, um esboço, que precisava de uma arte-final, e que sofreria este último tratamento ainda dentro daquele micro-universo.

    O Coringa convida seu nêmese a descer as escadas da mansão rústica, mas o convite é mera formalidade, uma vez que para o morcego adentrar os portões do Arkham parecia uma questão de tempo, talvez uma referência de Morrison a máxima freudiana denominada “retorno do recalcado”, onde – em linguagem popular – o doente tende a voltar aos seus pecados originais, mesmo os renegados a muito, além de ser um regresso aos seus traumas.

    É notável que o roteiro segue a dualidade da fórmula de transição entre protagonistas, de Batman para Amadeus. O ofício e repertório de ambos é muito semelhante, pois tanto o Detetive quanto o psiquiatra tratam em sua intimidade de insanos, e ambos vivem a atravessar a tênue linha da saúde mental plena, ou, no caso, o que mais se assemelhe a isto. Os pacientes, analisados pelo imberbe Coringa estão em condições ainda mais lastimáveis e penuriosas que o Palhaço, desde Harvey Duas Caras, que está explorando um campo maior de possibilidades, além do velho cara e coroa, e que em virtude disso mal consegue conter sua bexiga. A recuperação dos internos cai na tradição folclórica do local.

    A primeira vez em que o rosto do Batman é contemplado sem que quase todo ele esteja à sombra, é quando este quebra um pedaço de vidro, para então perfurar a própria mão, para não se ver capturado pela aura lunática do asilo. O artifício é tentar esconder-se do perigo não mostrando a face ao maior temor da vida, reconhecendo que o senso de loucura é mais forte que a resistência do homem por trás da máscara.

    Talvez a mais plausível posição ideológica seja a do Chapeleiro Louco, que é outra referência a Lewis Carroll, que guarda a ideia de que o Asilo é formado pelos pensamentos de alguém, como era o País dos Espelhos, e que talvez a mente por trás disso, fosse a do morcego – ou até de sua contraparte narrativa, o fundador.

    Um dos médicos da instituição, Cavendish, foi um dos responsáveis pela liberação dos presos. Seu motivo seria os escritos de Arkham, que assume a sua condição lunática, a mesma que tanto negou e reprimiu. Seu entendimento é de que aquilo seria uma questão hereditária e inegável ao sangue dos seus. Nem mesmo as precárias condições, que não permitiam ao psiquiatra ter uma pena para escrever, o impediram de registrar suas lembranças, e logo ele passa a riscar as próprias unhas para dar vazão ao seu texto profano e sedutor.

    Através de uma artimanha nada usual e pouco correta, o Morcego consegue através de interferência externa, vencer Cavendish, tomando para si a responsabilidade de restabelecer a Ordem e a saúde mental daquela sociedade. Seu avatar deveria ser o mais forte, assim que ele assume a via que finalmente o distinguiria dos derrotados, que era a loucura finalmente assumida. Assim, ele estaria em pé de igualdade com os seus semelhantes, afinal.

    O mergulho que Morrison e McKean fazem é na intimidade, na parte mais volátil da psiquê do Batman, expondo-o ao lugar mais sujo e fétido que todo o seu universo contempla. A soberania do herói só ocorre graças a sua atitude de abrir mão de suas crenças, entre elas, a de que criminosos são seres inferiores, supersticiosos e covardes. De fato a maioria é, mas somente a patuleia. Casos como os do Coringa, Duas Caras, Chapeleiro e Crocodilo provam que a tese não é tão congruente quanto ele gostaria, e que não há tantas diferenças entre eles e o paladino. O aspecto pitoresco e tragicômico imposto pela dupla de autores faz o peso de cada atitude do morcego ser ainda maior e mais trágico, além de ser uma reimaginação das mais pontuais, pelo quase ineditismo em assumir a condição de louco que preconiza veladamente o herói criado por Bob Kane e Bill Finger, num belo quadro expressionista que remete a um tipo de arte que infelizmente caiu em desuso, e que se diferencia muito da média industrial.

  • Resenha | Superdeuses: A Renascença – Grant Morrison (Parte Final)

    Resenha | Superdeuses: A Renascença – Grant Morrison (Parte Final)

    Grant Morrison fala dos seus últimos trabalhos e reafirma sua predileção pelo gênero super-heroico com Flex Mentallo, um personagem que introduz o elemento metalinguístico, a demonstração maior de seu processo criativo. Começava ali a parceria com Frank Quitely. O escritor fala dos paralelos que fez entre a sua vida e a de King Mob dos Invisíveis, passando pela doença que lhe acometeu nos anos 90 e de como a sua experiência de quase morte influenciou a sua escrita.

    O autor destaca seu retorno aos quadrinhos mainstream com seus números em Novos Titãs e Liga da Justiça, nos quais restabelecia a LJA como o panteão olímpico, com cada um de seus membros simbolizando os deuses gregos, muito diferente do que Keith Giffen e J. M. D. Matheis fizeram com a Liga Cômica.

    Mark Waid se aproximava de uma carreira permeada por alguns sucessos medianos, mas sem nenhuma obra memorável a nível épico. Isso até encontrar Alex Ross, que vinha do cultuado e visualmente esplendoroso Marvels, escrito por Kurt Busiek, e que retratava as muitas lendas da Casa das Ideias de um forma sensível e significativa. O Reino do Amanhã viria a ser a sequência em tom apocalíptico de Marvels, brincando, é claro, com o panteão do universo DC. Ross retratava os “imortais” heróis como homens barrigudos, carecas, decrépitos e decadentes, desconstruindo o mito há pouco restaurado.

    Warren Ellis criaria o Authority, que elevou o conceito da LJA a tempos mais violentos e influenciados pela geração Matrix. Ellis  amigo pessoal de Morrison  ganha popularidade e reconhecimento por Ruínas, o inverso dentro da Casa das Ideias do que fora Marvels de Kurt Busiek, mostrando um futuro obscuro e desesperançoso dos heróis.

    Authority tornou a Liga algo obsoleto. O sonho adolescente da geração anterior parecia não ter mais nada a dizer diante de seu análogo com influências do catastrofismo de Independence Day. O próximo lançamento de Ellis, Planetary, usava o sci-fi como pano de fundo e os arquétipos kyrbianos dos quatro fantásticos com o escopo aumentado para traduzir sua mensagem. Também bebendo da fonte do filmes dos irmãos Wachowski, Morrison lança Marvel Boy pela Marvel Comics, no qual mistura mitos do Príncipe Submarino e Kal-El, mas em um ambiente subdesenvolvido e belicista em vez do conservador do meio-oeste americano.

    O cinema de quadrinhos nos anos 90 engatinhava somente com a franquia Batman fazendo sucesso e alguns espécimes pulpescos como Darkman, de Sam RaimiO Corvo; e o incompetente Spawn. Além de alguns exemplos extremamente cartunescos como Dick Tracy, uma peça fora de seu tempo; O SombraO Fantasma; e comédias como Heróis Muito Loucos. Mas no verão de 2000 estrearia X-Men de Bryan Singer (apesar da Fox), com um elenco que funcionou perfeitamente. Mesmo com liberdades artísticas em relação ao visual, Jackman, Stewart e McKellen encarnaram muito bem os seus papéis. Mais tarde viria Corpo Fechado, de M. Night Shyamalan, com um personagem central que não conhece suas capacidades extraordinárias até chegar à meia-idade. Dunn de Bruce Willis é um deprimido sujeito que se descobre superpoderoso tardiamente, como uma reinvenção mais crível do mito do Super Humano.

    Sobre A Morte de Superman, havia pouco a se falar a respeito da dramaticidade da história  praticamente inexistente  o que se notava a olhos nus era a repercussão que ela se deu fora do ambiente dos quadrinhos. Exceto por histórias pontuais em minisséries como Quatro Estações (de Joeph Loeb e Tim Sale), Legado das Estrelas (Mark Waid) e Entre a Foice e o Martelo (Mark Millar), as atenções do Super estavam voltadas para outras mídias, como as séries de TV do Superboy, que contaram até com roteiro de Denny O’Neil graças à greve de roteiristas; mais tarde com a comédia romântica Lois e Clark, que perdeu a audiência com a queda da tensão sexual entre os protagonistas graças ao casamento dos dois; e mais recentemente com Smallville. O autor destaca que as críticas sobre o quanto o herói é datado são injustas e geralmente associadas erroneamente à má recepção do público em relação a Superman – O Retorno.

    Mas foi com a trilogia de Sam Raimi que os heróis entraram para o mainstream do cinema. Em Homem-Aranha tudo ia bem, com a valorização da vida civil de Peter, quase tão interessante quanto a rotina de super-herói  tudo emprestado do Ultimate Spiderman de Michael Bendis. O único erro, segundo Morrison, seria o Duende Verde de Williem Dafoe, que lembrava muito o fim de Jack Nicholson no Batman de Tim Burton. Homem Aranha 2 foi novelesco ao extremo, com o over-acting de Alfred Molina, mas foi o ápice enquanto o terceiro tornou-se um pastiche à la Joel Schumacher ao misturar a estética emo/gótica, nada condizente com o amigo da vizinhança. A Marvel trabalharia pouco depois com um remake mais rejuvenescido do Aranha, talvez para arrebatar o público da Saga Crepúsculo  o que se tornaria, à época, a nova franquia de Marc Webb, ainda a ser criada.

    A série do Batman para o cinema, em 1943, trazia um herói realisticamente tosco que combatia vilões estrangeiros. O caráter xenófobo e o tom pueril não possuem meios de prender a atenção de um público mais seletivo como o atual. O único modo do Batman de Lewis Wilson amedrontar os vilões seria com a força que um demente tem de deixar os sãos em pânico. A série de 1949 era de um orçamento ainda mais barato. Robert Lowery fazia do seu Batman um Dean Martin nas últimas, enquanto o Robin de Johny Duncan lembrava um “michê” que já teve dias melhores. Mas a série trouxe elementos canônicos, como o Bat-Sinal e o Comissário Gordon (que se chamava Arnold). Era mais tosco ainda que a primeira versão, com ênfase no batmóvel, um conversível onde Bruce Wayne se trocava de forma espalhafatosa no banco de trás enquanto Robin dirigia, e, por conseguinte, havia a troca.

    Em 66 surgia a versão burlesca de Adam West e Burt Ward. A era das televisões coloridas influenciou e muito na paleta de cores. O azul marinho tornava-se azul claro, os tons de cinza idem, o amarelo ficou chapado “lisérgico”. As roupas valorizavam o corpanzil de barril de West e continuavam pouco funcionais para as cenas de luta  que, por sua vez, pouco evoluíram desde os tempos da guerra. Para o grande público, o Batman austero e gótico do filme de Burton era uma novidade. O filme era notável graças ao Coringa de Nicholson, que emulava seus papéis de louco em Um Estranho no Ninho e O Iluminado, e  também ao novo visual do morcego explicitando a preferência pelo visual “sadomaso”, com muito couro e muito preto. Na continuação de 1992 tudo era maior e mais grandioso, ainda que a sensação de claustrofobia se estendesse graças aos cenários cheios de becos de Gotham. Michelle Pfeiffer fazia a Mulher Gato definitiva, mas o diretor sairia da franquia para pegar seus caminhos autorais, e a entregaria a Joel SchumacherBob Kane declarou na época que a atuação de Val Kilmer era a que mais lembrava o conceito original do Batman. O resto do elenco era bastante famoso, com Tommy Lee Jones e seu duas caras imitando um Coringa do Nicholson sem dualidade, enquanto Jim Carrey fazia uma amálgama entre Frank Gorshin e O Pentelho. A abordagem de desenho animado em live-action com cores gritantes já se provou errada em Dick Tracy  com clara referência de Warren Beatty à sua namorada da época, uma deliciosa Madonna —, sem falar, é claro, do uso de mamilos na armadura e dos closes na bunda e nas partes íntimas.

    O último filme dos anos 90 transformaria a franquia Batman, antes rentável, em “cocô de gato radioativo”. As entrelinhas homossexuais denunciadas por Fredric Wertham reconquistaram notoriedade e espaço. O morcego na roupa de Clooneysoltou-se de sua oval cerceante e tornou-se imenso, esvaindo as asas de ombro a ombro e banhado em prata“. O Batman sai das sombras para ir para as luzes estreboscópicas e dançando Village People. Era design puro, como a estética sem conteúdo dos anos 1990. A quantidade de gags e veículos davam ao filme um ar de miscelânea. Para piorar, Mister Freeze de Arnold Schwarzenegger era o bobo alegre e rei dos trocadilhos, diferente demais da boa interpretação de Bruce Timm na série animada do Batman.

    Batman Begins traz uma repaginação do Morcego, utilizando-se das influências do Universo Ultimate da Marvel quanto à ambientação, e de Alan Moore em relação ao tom adulto das histórias. Pela primeira vez nas telas, o uniforme era funcional e cada parte dele servia a um propósito. Em TDK o herói voltou à popularidade, muito graças ao vilão. O Coringa de Ledger era diferente do insano inofensivo de Cesar Romero e do artista pop pervertido de Nicholson, pois era uma “força da natureza maléfica, personificação do caos e da anarquia”, que mente o filme todo dizendo não ter planos, ainda que toda a trama seja envolvida por suas maluquices e traquinagens. A persona de Harvey Dent também foi muito bem representada por Aaron Eckhart, que começou como o Cavaleiro Branco e, depois, levado ao inferno e à loucura pelo Coringa, passando a usar o acaso como fonte de corrupção e correção, mostrando a dualidade até em seus atos maus.

    O Onze de Setembro transcendeu a barreira do real e invadiu o imaginário, obrigando os quadrinhos a se readequarem à atualidade. A Marvel resolveu, até por patriotismo, inserir o atentado no presente do seu universo fantástico, mostrando o grupo Al Qaeda mais poderoso do que Magneto, Doutor Destino etc, além de transformar a onipotência dos heróis coloridos em uma incômoda impotência diante de uma das piores tragédias da história estadunidense.

    Muito graças a essa catástrofe  e à onda de explicações pseudo-científicas para o universo dos “super-homens”  a Marvel traz à luz o Universo Ultimate, uma tentativa nem sempre vitoriosa de recontar seus momentos clássicos. De Homem Aranha Millenium surgiria Brian Bendis, que tinha em seus diálogos realistas e atuais o seu ponto forte. Aos poucos, Bendis torna-se o principal roteirista da Casa das Ideias, evocando suas referências literárias pautadas não em Stan Lee, mas no dramaturgo David Mamet, em quem se inspirava para criar seu próprio estilo narrativo.

    Os Supremos de Hitch/Millar se valiam da influência de Authority para fazer o esquadrão americano símbolo da “Era W Bush“: pouco afeitos a amenidades, belicistas, faceiros e fanfarrões  a fala do Capitão América é uma piada que representa tudo isso: “você vê um F de França na minha cabeça?”. Morrison começa a trabalhar em 7 Soldados da Vitória mesmo sem contrato para mais tarde voltar para a DC. Roteiristas de cinema embarcariam nas páginas das comics, mas poucos tiveram longevidade como Joss Whedon, que fez uma boa sequência em Astonishing X-Men e Mulher Maravilha.

    Uma nova idealização dos vilões mudou. Nos anos 40, o lugar comum eram opositores anti-nacionalistas (EUA no caso), e, na época, os inimigos tornaram-se carismáticos, rivalizando em popularidade até com heróis, citando O Procurado de Millar e J. G. Jones. Morrison fala um pouco sobre o seu Seaguy demonstrando um estado distópico num futuro pouco distante, com cores chapadas como embalagens de balas, e registra um herói num mundo que não precisa mais de heróis. “O que aconteceria se o vácuo da página se rebelasse contra a qualidade do material que lhe era imposto e decidisse reagir gerando espontaneamente um conceito vivo, capaz de devorar a própria narrativa?”  essa foi a definição do autor sobre sua controversa mega-saga Crise Final. O autor não discorre sobre os problemas editoriais que sofreu ao realizar o evento, talvez até pelos vínculos contratuais junto a DC.

    Morrison volta a falar de filmes, destaca Demolidor como uma boa ambientação, mas que peca nos estilos de luta  igualmente espalhafatosa para todos os personagens. Fala também sobre A Liga Extraordinária e guarda as críticas à “bombástica” produção, graças à amizade com a esposa do produtor Don Murphy  no entanto, relembra a aposentadoria de Sean Connery e conjectura teorias sobre o motivo que o fez se retirar das produções cinematográficas. Cita por alto O Hulk de Ang Lee e sua tentativa de fazer um filme que levasse o mito do gigante esmeralda à temática adulta, além de falar sobre Incrível Hulk e sua luta contra o Abominável  fora isso, nada mais comenta sobre a fita. Destaca Os Incríveis de Brad Bird como um expoente positivíssimo que toma emprestados conceitos de Miracleman e Quarteto Fantástico (que tiveram, inclusive, dois filmes nos anos 2000). Morrison fala brevemente dos fracos, segundo ele, Minha SuperEx- Namorada, Hancock, para então destacar Homem de Ferro como a maior surpresa da Marvel. O autor acredita que Watchmen de Snyder foi subestimado pelo público  assim com o seriado Heroes  , e dá grande atenção para os filmes de Mark Millar: O Procurado e Kick Ass, destacando a série cômica de TV No Heroics, que faz alusão reverencial a sua obra e a de Ellis.

    As grandes sagas eram da voga da primeira década do novo século. Em Crise de Identidade, a morte da inocência recebia uma versão pós-Watchmen, com o fim do espírito da era de prata no universo DC tradicional. Morrison destaca a arte de Rags Morales — com quem viria a trabalhar no reboot à frente da nova Action Comics , explicitando a especialidade do artista em mostrar os heróis no limite de suas forças: desenhados com suor, chorando, emasculados, carentes e paranoicos, às vezes tudo ao mesmo tempo. Crise Infinita, para ele, era densa e arcana, uma mistura de guia e quadrinho que animava e confortava o público central da DC Comics. Geoff Johns esteve bem alinhado com as sensibilidades precisas dos fanboys da editora e sabia quando fazer as caracterizações com as quais eles seriam familiares, e quando era preciso acrescentar elementos chocantes ou novidades.

    Em 2007, a DC lançou 52, co-escrita pelos quatro maiores roteiristas da editora na época: Johns, Greg Rucka, Mark Waid e ele, e publicada em 52 semanas que se passavam em tempo real. A Marvel também embarcou na tendência, apresentando, após Guerra Civil, a “morna” Dinastia M, e Invasão Secreta, que tencionava repetir os clichês de Battlestar Galactica, relacionando os vilões Kree/Skrulls aos muçulmanos. Seguido a estas, Reinado Sombrio era interessante graças ao estudo de personalidade de Norman Osborn, e após, Michael Bendis se mostraria indispensável novamente com O Cerco (Siege, no original).

    Morrison fala novamente de Crise Final e da responsabilidade de seguir após a saga de Geoff Johns, mas, em paralelo, comenta Batman Rip e a diversão em brincar com o arquétipo de Bruce Wayne e jogá-lo na sarjeta do vórtex temporal. Logo depois, comenta o que, a seu ver, era uma reinvenção do seriado de 66: Batman sendo Dick Grayson, o Robin Original como um herói mais jovem e relaxado, enquanto o papel de garoto prodígio caía sobre Damian, criado por assassinos até tornar-se um rapaz carrancudo e mimado. A dupla dinâmica inverteu-se, Batman era alegre e Robin soturno, o que causou em muitos leitores a reclamação pelo Retorno de Bruce Wayne, e nas séries subsequentes: Batman: O Retorno e Corporação Batman. Alguns fãs reclamavam de “fadiga do evento”, mas as vendas continuavam de vento em popa.

    Sobre o seu trabalho com músicos, destaca o clipe da banda emo My Chemical Romance, lembrando o trabalho quadrinístico de Gerard Way, vocalista, com o brasileiro Gabriel Bá em Umbrella Academy: ” um grupo de crianças renegadas preparadas para serem os maiores super-heróis do mundo. Era a história de sua banda (…) e a minha também, uma premonição do nosso destino.”

    Os super-heróis ocuparam o lugar no imaginário popular, antes cabível aos deuses  e ele tem certa razão nisso —, mas na contemporaneidade desceram à Terra e tornaram-se figuras em carne e osso, como Kick-Ass e Crimson Bolt (de Super), influenciando o mundo tangível, fazendo até Barack Obama declarar que nasceu em Krypton.

    O autor fala da sua ideia de revitalizar o Superman, com Superman Now, e relata emocionadamente os últimos momentos de Walter Morrison, seu falecido pai, de quem tirou as ideias para Superman All Star. A história viria entre os motivos citados anteriormente para combater a batida fórmula de “heróis fodões enlatados e medianos”, além de fazer valer os elementos presentes em Superdeuses.

    Superdeuses funciona melhor como livro de consulta, embora também seja uma competente literatura histórica e catalográfica das hqs de heróis e das comics. A ideia, que antes era apenas compilar as entrevistas do escocês sobre os super-heróis, tomou 15 meses de sua vida  uma eternidade para um roteirista de quadrinhos  e o dobro de páginas planejadas, mas segundo o escritor, valeu todo o esforço. Nos agradecimentos ele destaca os muitos artistas que teve de deixar de fora e que triplicariam o número de paginas caso fossem citados, o que demonstra que seu manuscrito, apesar de completo, não é definitivo. As últimas palavras do autor se referem a Action Comics Um junto a Rags Morales. No índice de leituras sugeridas ele diz que não indicará nenhuma leitura de seus próprios trabalhos por achar um ato oportunista demais, mas faz menção a, pelo menos, cinco de seus trabalhos, mostrando uma faceta narcísica/cômica enorme.

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  • Resenha | Superdeuses: Era das Trevas – Grant Morrison (Parte 3)

    Resenha | Superdeuses: Era das Trevas – Grant Morrison (Parte 3)

    O alvorecer da nova era começou com duas peças fundamentais: o artista Neal Adams, que em suas gravuras priorizava desenhos bem mais realistas que os dos seus antecessores, e, claro, Dennis O’Neil, que buscava referências ao The New Journalism, como Tom Wolfe, Norman Mailer e Jimmy Breslon, tentando tirar os quadrinhos do mundo cartunesco para aproximá-los ao mundo palpável e urbano. A parceria O’Neil/Adams possibilitou a mescla competente de gêneros tão distintos, como ficção científica e jornalismo. A fase dos dois com o Batman mostra isso de forma clara: o retorno ao soturno, tornando o Morcego algo grandioso novamente, deixando de lado a caracterização espalhafatosa e reaproximando-o da figura dos anos 30; lembrando-se, é claro, da invenção de Ra’s Al Ghull, um misto de Moriarty e Fu Man Chu, que remete a duas referências do personagem de Bob Kane, mas imortal, ainda contemplando característica quadrinística fantasiosa. Adams foi um profundo ativista a favor dos direitos autorais da dupla Jerry Siegel e Joe Shuster.

    Nas histórias, o divisor de águas foram as aventuras do Lanterna e Arqueiro Verde em sua fase Easy Rider, feita por O’Neil e Adams. O caráter de Hal foi regredido ao de um novato piloto de testes — novamente — aliado a um repaginado Oliver Queen, politicamente engajado para a esquerda e cheio de “razão”. Um dos pontos altos é a inversão de papéis, em que sua função de pai é questionada como a de um sujeito ausente, ao ver seu parceiro-mirim injetando heroína nas próprias veias.

    Capítulos mais tarde, um sujeito negro indaga a Lanterna o motivo de ele não ajudar a comunidade negra, e, neste momento, surge nos quadrinhos uma das primeiras demonstrações de um negro falando como um negro, e não de um branco pintado cuspindo gírias — sem contar o diferencial traço de Adams. A resposta do herói poderia ter sido altiva, demonstrando que já salvou o universo diversas vezes, o que inclui o povo marginalizado, mas, ao invés disso, ele abaixou a cabeça, assumindo seu papel de colaborador do conformismo e mantenedor do status quo. A dupla ainda delongaria no assunto, apresentando John Stewart como substituto de Hal Jordan, um arquiteto negro de conjuntos habitacionais que abriu mão de sua máscara afirmando que não havia nada em sua vida para esconder. Depois disso, a Marvel apresentou alguns exemplares de Black Heroes:  Pantera Negra de Wakanda; a dupla do Capitão América em sua própria versão de Lanterna/Arqueiro, o Falcão; e o ideal blaxpoitation de cabelo blackpower e roupa de pimp: Luke Cage.

    Um autor mais cáustico que seus contemporâneos era Steve Gerber, que usava sua criação Howard, o Pato para fazer um contraponto aos quadrinhos heroicos. Howard era irônico e até concorreu à presidência, tamanha sua popularidade em meio aos jovens universitários. Gerber também foi responsável pelo supergrupo Os Defensores, formado pelos heróis isolados Hulk, Surfista Prateado, Doutor Estranho. Enquanto isso, o cinema desconstruía a ambiguidade pós-Vietnã e pós-Watergate com a saga Star Wars.

    O autor declara sua predileção pelo punk, ainda que tenha aderido ao movimento em 1978, após sua decadência. O modo de pensar dessa “geração” o influenciou nos escritos que viriam no futuro, e influenciaram também a forma como ele enxergava os mitos heroicos, usando Ali X Superman como figura simbólica do quanto aquele tipo de história tinha se tornado irrelevante para ele.

    Os heróis tradicionais perdiam cada vez mais espaço. O único resquício que ainda permitia era o gênero Space Opera, com seu Star Wars, misturando trama novelesco com ambientação sci-fi. Os X-men de Chris Claremont beberam muito dessa fonte. Len Wein, editor do título, permitiu liberdade a Claremont que enxergou na causa mutante algo muito popular: o apelo à minoria, ou a quem se achava minoria, em especial os adolescentes revoltadinhos. Em 1979, o traço de John Byrne ajudou a dar contornos definitivos e clássicos aos mutantes multi-étnicos e de bandeiras variadas.

    Morrison começa a narrar suas próprias aventuras das primeiras publicações num tom auto-biográfico. Sua vida vira um dos seus objetos de análise, como no capítulo anterior em que descreve sua predileção ao punk rock. O autor passou a escrever o número Capitão Clyde, que teve vida durante 3 anos e 150 aventuras em tiras de jornal, semanalmente.

    Para apimentar ainda mais a recente questão de Grant Morrison contra Alan Moore, o autor destaca os méritos do barbudo escritor à frente de Miracleman, ao mesmo tempo em que destaca a personalidade do sujeito:

    1) Moore usava a falsa modéstia para se promover, dizendo que não era o Messias, mas sua ostentosa barba e ar blasé diziam o contrário.
    2) Seu Marvelman era maravilhoso, pois invertia o mito de Mick Anglo, fazendo de Mike Moran um velho barrigudo decadente — como os fãs de HQ — tornando-se a figura imponente do herói atômico.
    3) O confronto Micracleman x Kid Miracleman  = demonstração de como seria uma luta real entre dois superseres, com direito à crueldade ultrarrealista por parte do vilão onipotente, com sodomias, empalamento e taxidermia às avessas.
    4) Por trás dos panos havia muita subversão, como a homossexualidade disfarçada de admiração de Miracleman Jr.
    5) Futuro utópico, movido por deuses de carne e osso. Criação do selo Vertigo, histórias adultas, com liberdade criativa e royalties para os autores.

    Após o sucesso de Demolidor e Ronin, em que juntava as influências do mangá com a mitologia super-heroica americana, Frank Miller reformula a lenda do Batman, com o seu Dark Knights Returns. O Batman deixou o perfil criado por Bob Kane para assumir um ar mais anti-herói marginal, aproximando-se de Don Corleone e dos cowboys de Eastwood. Sem deixar de mencionar, é claro, os maneirismos do autor, que resgatou formas de narrar pouco convencionais. Morrison destaca Watchmen como um arroubo de criatividade que se utiliza dos mais geniais recursos narrativos, tão únicos e bem urdidos que fazem de Moore uma divindade que desconstrói cada um dos ideais heroicos, inclusive traçando paralelos com os heróis genéricos da Charlton, mas igualando-os ao panteão do universo DC.

    Os quadrinhos europeus tomavam o rumo das graphic novels, com produtos vendidos diretamente nas livrarias, ao invés de lançados em bancas. Já no universo “enfadonho” dos super-heróis, acontecia a mega-saga Crise nas Infinitas Terras, de Wolfman e Perez, que anexava todo o multiverso numa única realidade. A última história do Superman da Era de Prata era a cargo de Alan Moore, criticado por ter feito o alienígena chorar nesta trama. Já em sua reformulação, executada por John Byrne, Clark era atlético e perfeito, de volta ao status de último filho de Krypton.

    O Justiceiro dos anos 1980 tornara-se o anti-herói da direita, implacável como o Batman de Miller, mas sem o “estofo” intelectual de suas histórias. Morrison fala um pouco de seus trabalhos em Homem Animal e a quebra da realidade ficcional, e de Patrulha do Destino, no qual agrupou muitas das influências pop que tanto adorava, inclusive o dialeto dos marginalizados, gays, negros, punks, muçulmanos, quase todos os grupos que sentiam necessidade de serem representados. E, claro, Asilo Arkham, com seu Coringa de salto alto, prenunciando o travesti de Ledger em O Cavaleiro das Trevas, de Chris Nolan. Watchmen foi um divisor de águas, transformando quase tudo que levava o tema “super-herói” em algo bobo. Uma nova forma de abordar os quadrinhos nascia, com Sandman, de Neil Gaiman, como um desses representantes.

    O selo Vertigo era inaugurado, com uma autonomia muito grande junto aos autores, tanto com royalties como com liberdades criativas. A ascensão de Liefeld e McFarlane veio para estourar a bolha dos roteiristas ingleses, que se sentiam os maiores responsáveis pelo sucesso dos quadrinhos. A fórmula de visual superestiloso em detrimento da história predominaria especialmente com a ascensão da Image Comics. O público da Image era a Geração X, que exigia anti-heróis bombados, amorais, com trabucos a tira colo e zero medo de cometer homicídio. Resumindo, o massavéio pelo massavéio, sem necessidade alguma de conteúdo. Spawn teve Gaiman, Moore e Morrison nos roteiros de suas primeiras edições.

    Moore saiu brevemente de sua aposentadoria para mostrar a Batgirl ser aleijada, enquanto Kyle Hayner, o novo Lanterna Verde, encontrava sua namorada esquartejada na geladeira — os comics tradicionais tentavam chocar pelo grotesco, em resposta à violência descerebrada da Image. O último capítulo é introspectivo, onde o autor conta a sua reinvenção como escritor de quadrinhos, e até fisicamente, já que seus cabelos caíam e ele assumia, finalmente, sua careca.

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  • Resenha | Superdeuses: Era de Prata – Grant Morrison (Parte 2)

    Resenha | Superdeuses: Era de Prata – Grant Morrison (Parte 2)

    No final da década de 50, os editores (Mort Weisinger que trabalhara na série de tv) de Superman decidiram explorar a figura heroica em histórias de fantasia-científica (espaciais) difícil de reproduzir em qualquer coisa que não fosse quadrinhos. Os roteiros davam ênfase para o sensacional, e a arte era quase toda por conta de “Wayne Boring”, que Morrison critica como desenhista datado e preso a métodos ultrapassados de contar histórias, o herói de proporções titânicas era reduzido a algo que mãos pequenas poderiam tomar para si.

    O ideal heroico, graças a Weisinger, mudaria muito, do ideal chauvinista social para algo próximo do divino, espelhando a condição e o poderio dos EUA sobre o resto do mundo. Otto Binder e Edmond Hamilton entraram para a equipe criativa e fundamentaram o conceito “familiar” para o antes órfão visitante de Krypton, trazendo uma prima e a legião de Superpets, movimento semelhante ao que Bender e Hamilton fizeram com a Família Marvel de Billy Batson e seu herói movido pelos poderes do mago Shazam. Morrison traça um paralelo curioso entre a fase da revista de Jimmy Olsen onde o repórter se travestia de mulher, macacos etc, com histórias de cunho underground e contestador contemporâneas. Já com Super, as coisas iam por um viés machista em sua relação com Lois, quase sempre punidor com um cada vez maior distanciamento de um enlace matrimonial, esse comportamento tinha um pouco de misoginia presente e evidentemente muito medo do compromisso. Talvez essa postura fosse uma crítica de Weisinger a mulher independente – como Lois Lane, ganhadora de um Pulitzer – com uma mensagem que buscava retomar a figura da mulher submissa e ocupada com os afazeres da cozinha. Talvez a possibilidade mais plausível  para a mudança seja uma resposta ao código de ética, que fala sobre relacionamentos: “a paixão nunca deverá ser tratada de forma a estimular as emoções mais baixas. A abordagem das histórias deve enfatizar o valor do lar e a santidade do casamento.” Ora a indústria era formada por marginalizados, desprezados e rejeitados, que em seu duro ofício tentavam sobreviver, e poderiam através do subtexto passar uma mensagem importante para si. Cada vez mais longe de assuntos que tocassem o político, as histórias dos kryptonianos priorizavam a perfeição física que demonizavam pessoas carecas, gordas ou os desprovidos da beleza dita normal. A quase onipotência do anabolizado herói elevaram as aventuras para patamares cada vez mais absurdos e irreais.

    Surge Robin, o parceiro mirim e personificação da infância perdida de Batman – de onde Frederick Wertham buscou referências, e quem aliadas a paranoia a sua auto-análise, via um comportamento homoerótico. Tal associação parece ter afetado o herói de pernas de fora, tornando sempre inseguro e enciumado de qualquer aproximação de Batman a qualquer ser vivo ou inanimado, achando sempre que seria substituído. Batwoman, Kathy Kane se mostrava uma mulher dominadora e logo arrebatou a atenção do Morcego, com a choradeira de Robin, esta tornou-se na opinião de especialista na revista com maior possibilidade de “conversão” ao “homossexualismo”.

    Os heróis cientistas, representavam o ideal ligado aos anseios de Jack Kennedy – o exemplo máximo era Barry Allen. Flash era o herói preferido de Morrison, e foi este que primeiro quebrou a quarta parede, e o influenciaria em Animal Man. Shwartz fez um universo compartilhado, Flash era amigo de Hal Jordan, que por sua vez conhecia Ray Palmer e por este caminho seguiu a toada.

    Jack Kirby e Stan Lee resgatavam com o Quarteto algo somente visto em Superman de Siegel, heróis espaciais, com poderes espaciais, mas com os pés no chão, mais próximos da realidade que os homens titânicos da DC. A família tinha em seu caráter a mesma vontade de JFK, vencer os comunistas na corrida espacial. Os super-homens Marvel eram cientistas, o Quarteto Fantástico era composto por astronautas, Bruce Banner era físico, Hank Pymm físico de partículas, Parker fazia faculdade de Ciências, Don Blake era médico.

    Lee e Steve Ditko criaram o herói adolescente solo: Homem Aranha. O autor escreveu no final de Amazing Fantasy #15:o herói que podia ser você!” trazendo um novo patamar de realismo para suas histórias. Mais do que isso, Stan Lee tornou algo amedrontador e escuro em algo heroico e multi-colorido, os heróis da Marvel faziam uso do milagre nuclear, sendo este a fonte de poder da maioria dos seus espécimes. Homem Aranha era o herói nerd e trágico. A Marvel parecia ter uma preocupação maior com as consequências dentro das histórias e com o universo compartilhado. Os calcanhares de Aquiles do Marvel Heroes não eram a madeira ou as pedras alienígenas, mas sentimentos e segredos mortais.

    O Batman nos anos 60 era tão pueril quanto o telefilme Cassino Royale de 1967, mas à época e aos olhos de uma criança assistindo aquilo numa televisão de péssima resolução em preto e branco, aquilo tudo era eletrizante. Como na outra Era, outra guerra levaria os heróis a cair em um mar de irrealismo, o Vietnã levou muitos jovens e toda aquela crueldade devastou a auto-estima do americano, que se sentia como um perdedor.

    Julius Schwartz teria a ideia do Multiverso, diferencial da DC, que tentava tirar o atraso junto a Marvel. O exemplo mais notório disso é a história Flash de Dois Mundos, em que o conceito de viagem do Tempo tirou da aposentadoria Joel Ciclone e outros: Sandman, Homem Hora, Pantera, Senhor Destino, Doutor Meia Noite, e outros heróis da SJA e Era de Ouro, fora é claro outras realidades como a Terra X e o Sindicato do Crime. Schwartz dizia que Terra em que vivemos é Terra Primordial, parte integrante do multiverso, e já se inseriu em algumas histórias do Flash, encontrando-se com seu alter-ego.

    Morrison aponta os Novos Deuses como a obra-prima de Kirby, e usa uma fala de Neil Gaiman para exemplificar o que significava para ele: um gênio, que sabia tratar tanto de histórias suas, quanto de personagens de outros autores. Por questão de número de vendas, que não eram baixas, mas eram aquém das expectativas por ter seu nome na capa, foram canceladas, e impediram-no de concluir sua história. O golpe o magoou e ele só pôde concluir sua história na tacanha Hunger Dogs, já geriátrico, com apenas 60 paginas – muito pouco – e seu traço já  estava ultrapassado, além de muito primitivo gracas provavelmente a dificuldade motora que adquirira. Mas ele ainda faria Omac em 1974, que só viria a ser plenamente entendido anos após seu lançamento. Destaca boas sagas da Marvel como eco dos News Gods, usando Guerra Kree-Skull de Roy Thomas, e Odisseia Cósmica e Metamorfose de Jim Starlin. Todas sagas cósmicas, espaciais, viagens de ácido tanto no visual quanto no roteiro bastante louco com um caráter psicodélico de pop art psycho-sci-fi. No fim desta Era a Marvel solidificava-se cada vez mais como editora mais popular e pioneira, a essa altura já desafiara o Código de Ética dos Quadrinhos mostrando Harry se drogando, Rick Jones ficava chapado na zona negativa e tais subversões preveriam a próxima época, de forma cínica e explorando mais o amoralismo.

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  • Resenha | Superdeuses: A Era de Ouro – Grant Morrison (Parte 1)

    Resenha | Superdeuses: A Era de Ouro – Grant Morrison (Parte 1)

    Grant Morrison é um dos expoentes da chamada invasão inglesa dos comics americanos nos idos dos anos 80. Seu começo nos quadrinhos dos EUA foi com Homem Animal, transformando um reles coadjuvante em um personagem com histórias complexas e das mais populares. Com o tempo, angariou bons momentos na retomada à fase séria da Liga da Justiça, repaginou heróis como Batman e Superman (este nos pós-novos 52) e foi responsável por mega-sagas, como DC Um Milhão e Crise Final. Em Superdeuses, Morrison prometeu fazer uma análise meio jornalística e meio literária, no que ele chamava de panteão moderno, apontando os vigilantes coloridos como o novo Olimpo e novo objeto de adoração das multidões. Seu texto – e esta análise consequentemente – se divide cronologicamente em quatro Eras, e esta é a A Era de Ouro.

    Os heróis dos anos 1940 tinham um bocado de ambientação fantástica e o escapismo era uma alternativa para a paranoia das guerras que ocorreram no mundo. O autor escocês relata que se inspirava nos super-feitos dos arquétipos heroísticos para ver seu mundo de uma forma mais positiva e idealizada. A ideia do Super-Homem não precisava ser real, necessitava apenas superar o ideal da Bomba – visto que este começou a desfrutar dos quadrinhos na época da Guerra Fria – no imaginário do pequeno menino sonhador.  O Superman era tido por ele e pelo público como um ideal, físico e comportamental. Seria uma contraposição à grave crise econômica pela qual passava a América, e que ainda repercutia com grandes empresários vivendo em condições de vida miseráveis. Aliada a essas dificuldades, contava também a ascensão de Adolf Hitler como chanceler na Alemanha.

    Um dos pontos mais louváveis é a fluidez que a leitura proporciona. Morrison consegue passar o conhecimento de forma natural, sem ser enfadonho ou didático demais, mostrando conteúdo bastante relevante numa fórmula de equilíbrio pouquíssimo vista em ditos similares. Para ele, a capa de Action Comics, em outro tempos, seria uma referência à industrialização, com ênfase no carro como elemento de fascínio capitalista. Em contrapartida, Superman era assumidamente um representante das classes menos favorecidas,  criado por uma dupla de judeus que se utilizava da historia de Moisés, outro herói libertador.

    “Superman original era uma reação humanista e audaciosa aos temores do período da Grande Depressão, do avanço científico desregrado e da industrialização sem alma”.

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    Superman era a figura poderosa e perfeita, mas a sua contraparte não. Hercules, Teseu e outros heróis eram fortes o tempo todo e não permitiam nenhuma nuance ou dúvida de seu poderio quase infinito. Já Clark Kent era inseguro, com problemas com as garotas, tinha um patrão que o cobrava e um trabalho que exigia muito suor e esforço para ser exercido. Este arquétipo gerava uma fácil empatia nos leitores, assim como Homem-Aranha em seus primórdios – pioneirismo que cabe a Shuster e Siegel, e não a Stan Lee como tanto se fala. A figura de Salvador de outro lugar, papel que o herói veio a tomar com múltiplas interpretações de seu mito, precisa de sacrifícios, e o do Super-homem era o de ser um homem sem pátria, sem passado.

    Batman diferia muito do outro herói da National, com um misto de terror gótico de ar barroco e ficção pulp. Suas primeiras histórias exploravam um mundo mais sujo, urbano, visceral, com vilões ligados ao crime organizado das drogas. Um mundo mais corruptível, especialmente se comparado ao do Super. Seu nêmese, o Coringa, seria de suma importância para a lenda do Morcego. O visual andrógeno e camaleônico precederia David Bowie, Madonna, Lady Gaga e até Prince. Batman era o contraponto do Superman em muitos aspectos: Superman era o dia, Batman a noite; Superman era apolíneo e Batman dionisíaco, apesar de começar como um ícone socialista; Super tornou-se o ideal capitalista, já Batman era a exploração do dinheiro por meio de Bruce e de sua aventura escapista e fanfarrona através do capuz. Era um milionário que descontava sua fúria infantil nos bandidos e reforçava os valores de hierarquia; enquanto Superman era o ideal de combate ao crime exageradamente otimista, Batman era uma busca cínica para a solução dos problemas sociais, por meio da violência punidora.

    Batman e Superman inspiraram muitos, inclusive os criadores da Timely (futura Marvel), que, com seu Namor e Tocha Humana, fazia heróis que “desciam do Olimpo” e personificavam as forças da natureza. Namor tinha uma personalidade um tanto rebelde, prenunciando figuras com James Dean e Marlon Brando, um protótipo do anti-herói. Flash (Joel Ciclone) foi o primeiro super-homem acidental, também prevendo o que seria uma praxe nos heróis-Marvel.

    Nos anos 40, Superman foi transformado em um bom moço mantenedor do status quo, diferente do herói contestador e intervencionista idealizado pelos meninos judeus. Seu viés revolucionário foi tolhido, como a libido de Elvis foi substituída por farda e cabelo de recruta, como um lacaio preso ao esforço de guerra recriado por um setor de propaganda. A coisa mudaria de quadro timidamente com o Capitão América, de Joe Simon e Jack Kirby.

    Morrison ainda destaca o surgimento de alguns heróis marcantes, e faz citações a muitos deles, como Capitão Marvel, Mulher Maravilha, Marvelman etc. Também enfatiza que, com a guerra, o público procurava produtos de cunho escapista, algo para se distrair, figuras heroicas pelo mundo, cada uma com importância única: Astroboy e Gigante de Ferro no Japão; a sensualidade de Barbarella na Bélgica; Diabolik e tantos outros produtos de natureza erótica, ou não, provindos da Itália. Esses personagens costumavam ostentar os estereótipos de seus países como caracterização, ou então usavam as cores da bandeira como uniforme, exemplos de Guardião, Capitão Bretanha etc.

    O período imediatamente pós-conflito sepultou o interesse do público por super-heróis coloridos, distantes demais dos sofrimentos causados pela guerra. A busca pelo irreal prosseguiu para um lado oposto: zumbis, junkies, serial killers, monstros radiativos: ascensão do gênero Sci-fi.

    O americano neste momento era próspero, e diante do poderio da bomba, aqueles vigilantes coloridos e bidimensionais ficaram bobos. A Era de Ouro, como em seu começo, terminou com o Superman ainda em alta, graças, e muito, aos investimentos da TV, com George Reeves. Porém, quase todos os outros eram vendidos cada vez menos.

    Os quadrinhos de terror quase explícitos da EC Comics ajudaram a fomentar um discurso demonizador da mídia, o que acabou atingindo os super-heróis. O nome do imbróglio era Fredric Werthan, e o motivo da discórdia era o seu Sedução do Inocente. Na visão de Morrison, Wertham utilizou os quadrinhos da EC como desculpa, um precedente para atacar  os pueris vigilantes mascarados. Os homossexuais se levantam, querem ser ouvidos e ter seus direitos legitimados. A corrida espacial começa e olhar para uma revistinha tende a ficar menos interessante diante destas e de outras reivindicações.

    Leia aqui: Parte 2 | Parte 3 | Parte Final.

  • Resenha | WE3: Instinto de Sobrevivência

    Resenha | WE3: Instinto de Sobrevivência

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    Mais do que o costumeiro roteiro louco do escocês Grant Morrison, WE3 é um desbunde em se tratando da arte de Frank Quitely. Toda a narrativa visual eleva a revista ao ponto de torná-la absolutamente indispensável para o leitor assíduo de quadrinhos.

    A violência, os corpos dilacerados, a crueldade humana e o desprezo pela vida alheia são bem flagrados por seu lápis, cujas sequências quadro a quadro mostram toda a genialidade do desenhista. O primeiro balão de diálogo só ocorre na décima quarta página, o que por si só já demonstra que o enfoque é na arte.

    A sequência inicial tem o intuito de preparar o público para a loucura que vem a seguir: uma equipe de ciborgues, comandadas por animais domésticos que seriam utilizados como armas biológicas contra os inimigos americanos. Mas algo dá terrivelmente errado e os animais fogem de suas celas e passam a habitar o mundo civil – o que por si só é um grande imbróglio, visto que seu poderio bélico é enorme. As cenas dos coelhos silvestres sendo metralhados, além de boas, não são complacentes com o leitor. O contra-ataque dos bichinhos é igualmente violento e demonstra que, mesmo sendo seres irracionais, conseguiriam lutar de igual pra igual com os humanos, os quais os “controlariam” em circunstâncias normais. Há até uma discussão sobre o complexo de criador que acomete o homem, mostrando o catastrofismo causado por ele, sendo a volta ao tema bastante válida.

    A luta das três cobaias contra o exército de ratos é violentíssima. No quadro seguinte, é mostrado um homem se acidentando na ponte onde ocorre o embate, com o humano “salvo” por uma das três criaturas robóticas, claramente demonstrando que elas não são odiosas por natureza e têm misericórdia dos seres que estão em posições desvantajosas, e até capacidade sentimental para se arrependerem.

    O cão se culpa por, num momento em que estava sob ataque hostil, ter respondido com igual violência ao seu agressor, tirando a vida de um outro canino e atacando um humano confuso: “Cão Mau”, é o que repete para si, em penitência por seu ato ruim. Ao contrário do que uma das doutoras afirma, seu raciocínio não é tão amoral quanto previsto. A única ajuda humana que os animaizinhos receberam foi de um morador de rua, talvez a última pessoa a quem um “cidadão respeitável” recorreria, um dos poucos que não se corrompem.

    A motivo da história de Morrison primar mais pelo visual em detrimento do diálogo deve-se principalmente à tentativa de mergulhar no que seria a mente dos bichos modificados geneticamente; dentro do “raciocínio” destes, tudo é mais visceral, selvagem e violento. A sobrevivência passa pelo predatismo e menos pela civilizada discussão de valores, ainda que haja um enorme contraste, pois são as irracionais e selvagens criaturas que demonstram um maior sentimento de misericórdia pelos mais fracos, enquanto o homem, inteligente e munido de faculdades mentais mais avançadas, se preocupa em subjugar tudo e todos. O Gato, sem muito poder de gentileza ou predicados, consegue resumir bem como os humanos são enxergados por ele, considerando-os “criaturas fedorentas”, que exalam um odor terrível toda vez que apontam armas para eles. O final é politicamente correto e simples, mas condiz com a ideia que os pets tinham a respeito do mundo dos homens. No apagar das luzes, cumpriram seus papeis e tiveram, enfim, suas recompensas, enquanto o cientista responsável pelo experimento teve também a parte da justiça que lhe cabia – tudo funciona dentro do Ethos construído por Morrison e Quitely.

  • Resenha | Novos X-Men: E de Extinção

    Resenha | Novos X-Men: E de Extinção

    X Men - E de Extinção

    Antes mesmo do epílogo, Logan e Scott são mostrados combatendo sentinelas, as unidades móveis robóticas responsáveis por tentar extinguir a sua espécie, para logo depois mostrar uma viagem no tempo com Donald Trask III (neto de Bolivar Trask) e Nova: duas pessoas com posições distintas na batalha entre Homo Sapiens e Homo Superior – nos quadrinhos, é mostrada uma simulação à la Holodeck de Star Trek New Generation, contendo a extinção do Homo Sapiens Neanderthal pelo Homo Sapiens Sapiens. Para Nova, isso era profético: aconteceria novamente.

    Hank McCoy tem um aspecto ainda mais bestial que o normal, fruto da louca cronologia e aventuras em X-Treme X-men, mas ainda assim chama atenção das “vadias”. O mutante azul tornou-se ainda mais inteligente e genial que antes. Este primeiro arco de história é encabeçado pelo autor escocês Grant Morrison, que voltaria à premiada dupla de Flex Mentallo (e diversos outros trabalhos) com Frank Quitely e seus traços autorais, anárquicos e que combinam perfeitamente com os espécimes de gene X.

    Morrison tem preocupação até em explicar os uniformes antigos e as novas vestimentas, justificando que os trajes retrôs eram o símbolo do heroísmo, e que causariam nos humanos menos estranheza, no entanto estes tempos já passaram. O núcleo mostrado é uma equipe reduzida: Professor X, Ciclope, Wolverine, Fera, Jean Grey e Emma Frost. Xavier faz uso da Cerebra – uma versão aperfeiçoada da máquina mental que expande seus poderes, Cérebro – e recebe um aviso mental de que algo muito ruim se aproxima, algo catastrófico.

    Os arroubos entre Wolverine e Ciclope são muito engraçados: “Sabe o que eu mais admiro em você, Summer? Sua calma demente diante do perigo!” – a fala mostra um óbvio desprezo do velho Logan pelo escoteiro monóculo, mas explicita também o fato do segundo ser uma figura de autoridade, mesmo para o arredio carcaju. Os combates em que se metem seguem a mesma tônica, com Ciclope fracassando nos embates físicos e Wolverine resmungando.

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    A ideia de Nova é atacar a “nova raça dominante” enquanto ela está na adolescência evolutiva, fraca ainda para se defender com toda a força, e o ataque viria com novas versões de sentinelas, híbridos mais versáteis e com mais recursos tecnológicos. Para ela, os mutantes são malefícios: comparados a doenças horrendas como a varíola, devem ser igualmente exterminados. Seu plano consiste, em um primeiro momento, em devastar Genosha, república onde Magneto era o soberano. Lá um genocídio acontece e a população de quase 20 milhões de mutantes é dizimada sem piedade por jatos dos megassentinelas.

    Com a “morte” de Magneto e a preocupação de Xavier com Nova, as posições distintas sobre a guerra mutantes x humanos ganham novos porta-vozes, com Jean defendendo o pacifismo, e Frost buscando o intervencionismo belicista anticonservador, pronta para o revide aos ataques ao lugar que chamava de lar. Cassandra Nova se revela um ser de espécie desconhecida, superior até aos mutantes, que sabe do defeito genético humano, estopim do apocalipse de sua raça, utilizando-se disso para tentar exterminar os seus adversários naturais – os portadores do gene X. Xavier a executa sem dó, não só pela morte dos 16 milhões, mas também por legítima defesa. No entanto, os motivos de Nova ter tantas semelhanças com o telepata cadeirante ficam em suspenso.

    A DR entre Jean e Scott é interessante. Por mais que discussões de relações sejam enfadonhas no mundo real, o acréscimo do poder mental à fórmula causa uma abordagem interessante. Scott fala que da última vez que a mulher entrou em sua mente, ela eliminou algumas ilusões de sua psique, e que isto o deixou mais cínico e mais atormentado – no entanto, a conversa é subitamente interrompida pelo anúncio público de Charles assumindo ser o mentor dos X-Men em rede nacional: é um novo tempo, e é preciso de novas posturas.

    E de Extinção resgata o cunho social muitas vezes esquecido da historiografia do grupo mutante, emula Deus ama, o homem mata e atualiza muito dos seus conceitos. É um exercício muito bem executado de criatividade de Morrison/Quitely e um dos melhores momentos dos X-Men nas últimas décadas.

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  • Resenha | Vertigo Especial: Atire e Outras Histórias

    Resenha | Vertigo Especial: Atire e Outras Histórias

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    Qualquer coletânea, de contos, de HQs, de curtas, acaba irregular. Ao juntar esforços de pessoas diferentes é natural que alguns sejam mais interessantes que outros e o especial Atire e Outras Histórias, da Vertigo, é exatamente assim. São três seções: Vertigo Ressuscitada: Atire; Mate Seu Namorado; Estranhas Aventuras. Enquanto a primeira e a última são apanhados de histórias curtas, entre 8 e 12 páginas, Mate Seu Namorado é como um conto longo, de sessenta páginas e o que há de melhor na revista.

    Com roteiro de Grant Morrison e arte de Philip Bond, Mate Seu Namorado é a história de uma menina sem nome que vive em uma casa de classe média, estuda em uma boa escola, tem um namorado idiota e está profundamente entediada. Um dia ela encontra um desconhecido que a leva para uma vida de crime, drogas e liberdade. É uma espécie de Assassinos Por Natureza menos violento e, talvez, mais irreal. No entanto, embora a história seja absurda, ela funciona por conseguir capturar muito bem um tipo de tédio e angústia adolescente que me soou nostálgica e familiar. Talvez a personagem tenha imaginado tudo aquilo, mas de alguma forma é completamente verdadeiro.

    O desenho bastante realista captura bem as expressões e a mudança da protagonista, e a história ganha quando é sexualmente explícita, deixando claro que não se trata de uma pobre menina seduzida, mas de uma garota que gosta da vida que passa a levar, do sexo, das drogas e das escolhas que passa a fazer. Mate Seu Namorado é interessante não só pela identificação que causa, mas pela personagem feminina que escapa a estereótipos e é sensual e desejável, ela passa boa parte da história de vestido de vinil vermelho e peruca loira, mas é dona da própria sexualidade.

    A primeira parte, Atire, traz personagens familiares, como John Constantine e histórias que giram em torno de atos violentos e inexplicáveis, como crianças atirando em outras na escola, um homem que mutila sua mulher, ou ets ao estilo chupa-cabra. São narrativas que parecem ter como pano de fundo a atração irresistível de seres humanos pela violência e a brutalidade. Todas as histórias são cruas e secas, as melhores são também surpreendentes e incômodas, macabras com um pé no realismo.

    Nessa seção, Língua Nativa, embora não tenha a melhor história, apresenta imagens aquareladas lindamente soturnas e Brinquedos Novos faz uma interessante metáfora para a falta de sentido da guerra. Diagnóstico, com traço de pop art, é o fragmento mais surpreendente e compensa histórias como Prudência e Morte de Um Romântico, que parecem ser um recorte mal feito de uma narrativa maior.

    Já a última parte, Estranhas Aventuras traz histórias de ficção científica visualmente impressionantes. De novo, algumas, como Refugo e O Passeio de Pônei, parecem ir do nada para o lugar nenhum. Mas há narrativas breves e eficientes como o Quarto Branco e Parceiros. O Quarto Branco, aliás, traz um tipo de desenho inesperado e distinto dos quadrinhos tradicionais, com traços fluídos e um colorido que parece feito de giz pastel muito bonito.

    A diversidade de traços é no fim uma das coisas mais interessantes de Atire e Outras Histórias, mesmo os contos mais fracos  são interessantes visualmente e há espaço tanto para a experimentação quanto para detalhamento e minúcias. É uma coletânea interessante, com uma ótima história longa e uma variedade de contos estranhos, às vezes muito bons, em outros momentos nem tanto, mas que valem pela variedade.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.