Tag: frank quitely

  • Conheça o Pacificador

    Conheça o Pacificador

    O Pacificador é um personagem da DC Comics, que ganhou notoriedade após o filme O Esquadrão Suicida de James Gunn. O personagem foi criado por Joe Gill e Pat Boyette, na editora Charlton Comics, em novembro de 1966, na revista Fightin’ 5 #40.

    Seu alter-ego, é Christopher Smith, e ele quase fez parte da graphic novel Watchmen, na época em que Alan Moore ainda desejava usar os personagens da Charlton para contar sua história. Com a decisão da DC em preserva-los, seu papel coube ao Comediante, que era consideravelmente mais cínico que Smith, e teve uma boa recepção, não à toa que boa parte da personalidade dele hoje advém do personagem criado por Moore.


    Inicialmente, o Pacificador mantinha um código ético inabalável que usava armas estritamente não letais, embora com o tempo tenha se tornado um vigilante mais violento, disposto a fazer sacrifícios pelo bem maior, fato mostrado no longa de Gunn e aprofundado em sua série. Com o tempo, passou a agir tal qual em sua versão live action, como um homem perturbado, com graves questões mentais — isso pode ser observado na minissérie em 4 edições Peacemaker, escrita por Paul Kupperberg e desenhada por Tod Smith, lançada em 1988 nos EUA e 1991 no Brasil em DC Especial #06, publicada pela Editora Abril. Essa versão pós-Crise nas Infinitas Terras remodela o personagem após ser reintroduzido no universo DC, com uma conotação política e psicológica maior, tendo em vista que o personagem acredita que sua mente foi distorcida por seu pai abusivo e nazista quando ainda era jovem, e assim, muitas vezes ele é retratado ora como um herói, ora vilão… ou algo no limiar entre essas duas coisas.

    Com a compra Charlton pela DC nos anos oitenta, o Pacificador passa a figurar junto a outros personagens, mas continua ao lado de seus antigos parceiros, como Questão, Besouro Azul e Capitão Átomo — substituídos em Watchmen, respectivamente, por Rorschach, Coruja e Dr. Manhattan.

    Seus poderes e habilidades incluem uma condição e resistência física sobre-humana, tecnologia de voo, um capacete de comunicação high tech que confere habilidades — e variam conforme o gosto do roteirista. Além disso, é especializado em combate corporal, espionagem, tática e estratégia, além de possuir acesso a armas militares avançadas e ser um exímio atirador.

    Chris Smith era filho de um agente nazista que trabalhou nos campos de concentração durante a ocupação da Polônia pelo III Reich. No seriado a produção fez algumas mudanças, para começar ele está vivo e se chama Auggie Smith, interpretado por Robert Patrick, famoso por ser o T-1000 em O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final. Patrick é bastante conhecido nos EUA por seu alinhamento político junto à extrema-direita. Na série, ele recebeu a alcunha de O Dragão Branco, personagem da DC conhecido por ser um terrorista e supremacista branco.


    Gunn optou por uma amálgama. O Dragão Branco nos gibis era William James Heller, sujeito criado por seu avô nazista, depois se tornou um ativista da supremacia ariana, assumiu a alcunha de William Hell, e após brigar com um personagem homônimo, decidiu mudar seu nome, e começou a usar uma armadura vermelha e branca, inspirada nas roupas da Klu Klux Klan, grupo historicamente racista e fascista.

    O Dragão Branco fez parte de alguns grupos de vilões, entre eles o ajuntamento de bandidos nazistas, IV Reich –
    membros como Baronesa Blitzkrieg, Barão Gestapo e Capitão Suástica — e depois no Esquadrão Suicida, onde foi controlado por Amanda Waller e até tentou matá-la. Além de Heller, Daniel Ducannon, vilão do Gavião Negro também utilizou esse nome, mas ao contrário do original, ele tinha poderes pirotécnicos e voava.

    O grupo IV Reich

    O primeiro Pacificador, Christopher Smith, é comumente retratado como insano. Seu capacete além de possuir sensores de presença e outros aparatos, também captura os pensamentos dos fantasmas de quem ele já matou, ao menos é o que acredita o personagem. Na já citada minissérie de 1988, o personagem é enviado para o Vietnã e se mostra como um soldado bastante eficiente, mas tomado pela culpa pelo passado nazista de seu pai.

    Na prática, ele agia como um sujeito que inventava inimigos imaginários, sendo eternamente perseguido, mesmo que somente em sua mente, e essa faceta é muito bem enquadrada por John Cena e pela atmosfera criada pela série de Gunn.

    Apesar de ter claros problemas de conduta, o personagem já fez parte de alguns grupos, como a organização secreta Xeque-Mate, Esquadrão Suicida, Shadow Fighters, L.A.W. (Living Assault Weapons) e League Busters. Além de Smith, outros dois personagens usaram a alcunha de Pacificador, como Mitchel Black, que agiu na época da Crise Infinita, além de outra figura, misteriosa e sem identidade revelada, que assumiu o papel em Justice League International #65, de junho de 1994.

    Curiosidades:

    • O personagem apareceu em Reino do Amanhã, num flashback onde ele, junto aos outros heróis da Charlton, brigam contra o vilão Parasita. Vale perceber a influência de Star Wars, pois seu capacete lembra o de um mandaloriano, estilo Boba Fett. Na história Chris morreu com seus companheiros, quando o Capitão Átomo explodiu;

    • Em algum ponto, ele lideraria um grupo de soldados, chamado Força Pacificadora, que atuaria no Oriente Médio, em busca de “combater o terror”, mas o projeto foi abortado antes mesmo de ser colocado em prática, pelo presidente Gerald Ford;
    • John Cena é o primeiro ator a interpretar o personagem em carne e osso. O ex-lutador de wrestler, famoso por seu carisma e por ter uma trajetória semelhante a Dwayne “The Rock” Johnson parece ter afeiçoado bastante a Smith e seu alter-ego, tanto que assina a produção executiva dessa série;
    • Na série, há participações de alguns personagens da DC, como o já citado Dragão Branco, o mascarado Vigilante, introduzido em novembro de 1941 na revista Action Comics # 42,embora no seriado a versão do Vigilante é segunda, Adrian Chase, personagem introduzido em The New Teen Titans Annual #2 de 1983. Outra participação legal é a do Mestre Judoca, personagem também da Charlton, oriundo Special War Series #4 de novembro 1965;
    • A versão original do personagem pertence à Terra 4 do Multiverso da DC Comics, junto aos outros personagens da Charlton, em PAX Americana, de Grant Morrison e Frank Quitely, podemos acompanhar um pouco desse universo em uma releitura de Watchmen.

  • Resenha | O Legado de Júpiter – Livro Dois

    Resenha | O Legado de Júpiter – Livro Dois

    Os heróis falharam, o mundo não ficou cor-de-rosa e com nuvens de algodão, e sempre vai haver o mal porque faz parte da condição humana. Todo o resto é utopia, e na série O Legado de Júpiter (leia nossa resenha do Livro Um) parece que o desencanto com “os super-heróis vão salvar o mundo” nunca foi tão forte, desde que o Comediante levantou a seguinte questão, em Watchmen: “precisamos salvar as pessoas, mas delas mesmas”. Certo ou não, pessimista ou não, os humanos fantásticos de Mark Millar (Kick-Ass) habitam a ultrarrealista dimensão da neutralidade, aonde o bom e o mal não são muito diferentes, exceto quando alguns não veem problema nenhum em matar os outros para alcançarem seus delírios de poder.

    Após exterminarem o poderoso Utópico no Volume 1 da saga, os super-heróis estão sem freios e se tornaram intimidadores, sem ética ou moralidade alguma, e deixaram a Casa Branca e os Estados Unidos sob seu regime semi ditatorial, já que, na visão deles, estão levando a humanidade e seus governos a um novo nível de progresso civilizatório – e que os beneficie acima de todos, é claro. Enquanto isso, um grupo de exilados consegue enxergá-los como a ameaça que eles realmente são, presentes apenas em solo americano ainda, e para detê-los, começam a recrutar vários heróis fora de atividade, escondidos na Índia, Brasil ou na Antártida, para uma grande luta de poderosos. O mundo está em jogo, e neste cenário, há deuses e demônios entre nós, por mais que ambos nos vejam como reles insetos impotentes.

    É curioso como a parte 2 de O Legado de Júpiter dialoga, numa ótica oportuna, sobre o conceito de liberdade e o preço que vale a pena se pagar para obtê-la, em teoria. Enquanto o filho inescrupuloso do Utópico, o jovem e bonito Brandon acha que a Terra é o seu parque de diversão conquistado pôr direito, sua irmã Chloe não apenas quer vingança por seu pai, mas se sente na obrigação de livrar o mundo de seres como Brandon, que usam tudo e todos como marionetes a seu bel prazer – e necessidade predatória, vendendo liberdade como se fosse um slogan eleitoral. Nada mais verdadeiro. Se antes a bondade existia por si só, e bastava, agora os heróis são “bons” apenas para impedir a destruição do mundo, e deles mesmos por consequência. A vilania nunca dorme, e nunca some, por mais que os Coringas e os Thanos do século XXI se enxerguem como os verdadeiros salvadores, inquestionavelmente nobres no lema de que os fins justificam os meios. Um ledo engano, é claro.

    Se há um consenso entre vários filósofos ao longo dos séculos, é de que o Mal é sórdido o bastante para cegar os seus hospedeiros, confundi-los, e entregá-los junto ao mundo e o seu sistema a tragédia iminente. A série de Miller, e belissimamente ilustrada por Frank Quitely, põe em cheque o lugar de “deuses” e “demônios” em um mundo complexo e caótico já sem eles, e que na presença deles atinge seu ápice de desordem, com pessoas com dons incríveis servindo a seus interesses pessoais. A sobrevivência de seus planos. E se Mark Zuckerberg pudesse ler nossos pensamentos, sem a ajuda de algoritmos virtuais? E se alguns atletas tivessem super atributos físicos, e o presidente da Amazon conseguisse controlar os elementos da natureza? Quem melhor usaria desses dons: os poderosos, ou pessoas comuns? Os dois volumes de O Legado de Júpiter respondem a essa e outras perguntas de maneira um tanto espetacular demais, mas certamente reflexiva e simbólica o bastante para agradecermos o fato de não existir um Superman.

    Compre: O Legado de Júpiter – Livro Dois.

  • Resenha | O Legado de Júpiter – Livro Um

    Resenha | O Legado de Júpiter – Livro Um

    Mark Millar é cria do mundo pós-era de ouro que Alan Moore tratou de desnudar, em Watchmen. Depois desse marco zero, no qual super-heróis deixaram de ser oficialmente figuras unilaterais, mas capazes de matar também e ter sentimentos tão dúbios quanto qualquer ser humano (que voe ou não), Millar foi o artista das HQ’s que melhor soube lidar com o cinismo que veio após os anos 80. Com uma sociedade bem menos colorida, menos otimista, e mais egoísta e desesperançosa sobre um futuro que, sabemos no nosso íntimo, não será brilhante para todos. Kick Ass e The Kingsman são sobre isso, Guerra Civil da Marvel também, combinando símbolos da paz e da união para se matarem com causas bem menos humanitárias, que no passado. Nada mais é tão simples como era quando Superman e o Homem-Aranha apareceram, e na era moralmente caótica da pós-verdade, o que ficou complicado agora é absolutamente insolúvel. Ficamos céticos sobre nós mesmos, e isso causa um gosto amargo na boca.

    Os super-heróis estão de saco cheio. Trabalham porque o governo manda neles, ou para impressionar uns aos outros, mas isso não começou do nada. Em uma antiga viagem de navio, um grupo de amigos encontra uma ilha tão sonhada por um deles, e lá, deparam-se com seres que lhes ofertam virtudes extraordinárias. Após tanto sonhar com este lugar, Sheldon vira o líder deste grupo, e o mais poderoso entre eles: o Utópico. Junto de seu irmão Walter, ambos envelhecem na luta pelo bem do planeta e dos Estados Unidos, pois, se o chamado da ilha foi para um americano, é porque esse foi o país escolhido para salvar o mundo em seus piores momentos. O Legado de Júpiter ironiza o fato de apenas os EUA terem essas figuras, já que não existe o Capitão Angola nem um Batman da Austrália. Essa auto admiração não é poupada na história, uma vez que é ela que leva tudo a ruína, a corrupção, e a paradoxos que custam caro demais para quem um dia já sonhou com utopias.

    Utopia mesmo é esperar que o que passou continue, e viva para sempre. O bem e o mal são duas colunas fracas hoje em dia, cada vez mais substituídas pelo necessário, e Brandon e Chloe enxergam isso muito bem. Uma geração revoltada com o sistema, eclética e empoderada pela diversidade, e se o pai deles é a ordem e o conservadorismo resistente, os dois são a chave para a mudança e a falta de conformismo que podem envenenar filhos contra os pais, tal qual uma clássica alegoria de Shakespeare. Millar é astuto o bastante para deixar com que esse embate familiar ilustre muito bem essa questão contemporânea de ceticismo sobre tudo, e claro, sobre nós mesmos. A causa altruísta que consiste o heroísmo já deixou de existir faz tempo, e nisso, o conceito de honra também; uma mera sombra, ou nem tanto. O Legado de Júpiter coloca seres que reles mortais consideram divinos num mundo frio, violento e ultra realista, cuja política infecta a todos e a intriga está sempre à espreita, sem poupar ninguém.

    Em meio ao desencanto, uma coisa não se perdeu, pelo menos: grandes poderes sempre carregarão grandes responsabilidades, e num mundo cada vez mais caótico e perturbado pela informação, e desinformação, isso se faz cada vez mais real. Se a recente série da Amazon Prime, The Boys, ainda encontra certo impacto nestas questões de forma bastante eficiente para desconstruir essa idealização nossa de “Como seria bom ter uma Liga da Justiça nos amparando.”, a publicação da editora Panini joga por terra, sem dó, o quão inútil para a nossa paz isso seria. Com seres que poderiam nos pulverizar com o poder da mente dentro dos governos, ou soltos por ai, nossa raça poderia ser extinta ou escravizada de mil maneiras inimagináveis. O Legado de Júpiter é viciante, muitas vezes chocante (certas cenas o fazem impróprio para crianças), inserindo capas vermelhas em uma realidade desrespeitosa cujo sonho americano, aquele dourado e suculento, virou um pesadelo a luz do dia.

    Compre: O Legado de Júpiter – Livro Um.

  • Resenha | Sandman: Noites Sem Fim (1)

    Resenha | Sandman: Noites Sem Fim (1)

    Mais uma do Sonhar

    Apesar de uma das maiores histórias dos quadrinhos (tanto em extensão quanto em qualidade), ter sido encerrada em 1996, Sandman ainda continua com um universo gigantesco (literalmente) a ser explorado. Noites Sem Fim (Panini Comics), é outra incursão de Neil Gaiman no cenário que o fez famoso mundialmente. O que torna este trabalho mais ambicioso e especial em relação aos outros é o time escolhido a dedo de profissionais gráficos que ilustram as histórias: Glenn Fabry, Milo Manara, Miguelanxo Prado, Frank Quitely, P. Craig Russell, Bill Sienkiewcz e Barron Storey.

    Cada história de “Noites sem fim” explora um conto dos Perpétuos (a saber, Morte, Desejo, Sonho, Desespero, Delírio, Destruição e Destino). Os Perpétuos, segundo o universo criado por Gaiman, seriam as essências mais primitivas que posteriormente originariam os deuses de todas as mitologias. Então, é claro, milhões de contos poderiam ser escritos sobre eles.

    Mesmo com tamanha vastidão a ser explorada, há certa uniformidade que acompanha os quadrinhos. É muito mais que apenas uma coerência interna ou quase o mesmo número de páginas para cada conto, trata-se de uma harmonia quase subliminar que mantêm as histórias em uma mesma intensidade exploratória. Os traços acompanhando as subjetividades do universo de cada Perpétuo (nem preciso falar que o Manara ficou no Desejo) é outro fator que torna os contos vívidos por si só. Eles compartilham uma singularidade particular fruto do excelente trabalho de cada um dos envolvidos.

    Três histórias merecem especial destaque: Desejo, ilustrado pelo Milo Manara, Desespero, ilustrado por Barron Storey e Delírio, ilustrado por Bill Sienkiewcz. Pessoalmente foram as que mais gostei. Desejo cai como uma luva ao estilo provocador de Manara; até a protagonista, uma aldeã que é desejada pelo filho do líder da tribo, mas que não cede aos caprichos dele porque é ambiciosa, parece ter sido decidida em comum acordo entre ilustrador e escritor.

    Desespero é um mergulho no caos particular e gore que enreda algumas pessoas. A história, chamada “Quinze retratos de Desespero”, conta com depravações, desejos ocultos, infortúnios malévolos e todo o tipo de coisa que faria o Marquês de Sade sorrir de orelha a orelha. Cada página desse conto é uma obra de arte. Não há uma estrutura fixa de quadro; as marcações de leitura são irregulares; há diversas intervenções em cada imagem como se um grupo de psicóticos tomasse conta da finalização dos grafismos. Uma mixórdia de desesperança, abominações e irregularidades (principalmente corporais), toma conta do texto e dos quadrinhos. Pode funcionar como teste de Rorschach se você quiser.

    Delírio é outra obra de arte. Enredo não-linear, grafismos invadindo outros grafismos, panorâmicas multicoloridas com predominância do avermelhado típico da insanidade, figuras humanas disformes e por vezes apenas em preto e branco (sempre em contraste com a pluralidade de cores da página), Freud, misticismo, teses tresloucadas, e uma história de amigos tentando resgatar a “menina” Delírio de um machucado (pesadelo?) íntimo. Não procure respostas nesta história, assim como em Desespero, neste conto é o Perpétuo que dita a inexatidão do enredo.

    Não vou dar o currículo dos ilustradores por conta da extensão de cada um deles e porque o livro conta com dois apêndices bem explicativos sobre todos os envolvidos. Um adendo importante: você não precisa ter lido Sandman para apreciar esse livro. E apenas o conto do Sonho expande o universo comum aos Perpétuos, mas nada demais. Um livro excelente tanto em texto, quando diagramação, quanto grafismo, um deleite sem fim aos olhos e à imaginação.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Noites Sem Fim.

  • Resenha | LJA: Terra 2

    Resenha | LJA: Terra 2

    JLA - Terra 2 - capa - Grant Morrison - Frank Quitely
    Terras paralelas sempre foram um elemento chave da DC Comics, embora a editora tenha tentado acabar com o conceito nos anos 1980 com a maxi-série Crise nas Infinitas Terras. Para tornar seu universo de personagens mais coeso e aberto a novos leitores, a Crise serviu como uma forma de simplificar as muitas Terras tornando-as uma só. Isso facilitou a vida tanto de roteiristas quanto de novos leitores, embora elementos cruciais da cronologia da editora tivessem sido varridos pra baixo do tapete. Na saga em questão, universos inteiros morreram, e o primeiro a ser extinguido da existência foi o que comportava a Terra-3. Esse planeta era uma cópia às avessas da Terra principal, onde havia uma versão maligna da Liga da Justiça e o único herói era Alexander Luthor. O conceito de “cópia maligna”, apesar de parecer uma solução preguiçosa pra arranjar bons vilões, sempre foi usado na editora e se perdeu com a reformulação.

    No entanto, muitos personagens e várias linhas narrativas acabaram ficando prejudicados com a Crise. Se não existiam mais Terras paralelas, os roteiristas pós-Crise passaram a ter que justificar a existência de heróis que tinham sua origem fortemente ligadas a esses mundos. Assim, malabarismos precisaram ser feitos para explicar as origens de personagens como a Supergirl, a Legião dos Super-Heróis e a Poderosa. A maioria dos roteiristas apenas aceitou as mudanças e fizeram o melhor que puderam com um universo único.

    Mas Grant Morrison não era como a maioria dos roteiristas.

    Na metade da década de 90, Morrison reformulou a Liga da Justiça trazendo de volta vários elementos clássicos da Era de Prata, principalmente a formação da equipe com os sete maiores heróis do universo. Sua fase na revista LJA foi aclamada por público e crítica – cometendo alguns deslizes típicos do autor, de certa forma perdoáveis – e revitalizou o título, que havia se tornado uma comédia pastelão com heróis secundários desde o final da década de 80 até então. A Liga de Grant Morrison era grandiosa e empolgante.

    Morrison pretendia trazer de volta o conceito de Terras paralelas – algo que recentemente se mostrou fixação do autor, com a série Multiverso DC – mas parecia que não havia um jeito, devido à Crise. Mas o universo de antimatéria ainda era um conceito válido na época, e foi disso que ele se aproveitou para escrever LJA: Terra 2.

    Lançada nos Estados Unidos como uma graphic novel, Terra 2 passou quase que despercebida pelas terras brasileiras. Na época, a Editora Abril lançou uma ousada e questionável iniciativa na sua linha de hqs de super-heróis, abandonando o consagrado formatinho e adotando a linha Premium. Essa nova linha, embora maior e melhor, tinha um preço pouco acessível aos leitores da época, e muitos acabaram abandonando o hábito de ler quadrinhos. LJA: Terra 2 foi publicada na primeira edição de Superman Premium e nunca mais relançada em português, até agora com a Coleção de Graphic Novels da DC Comics, da editora Eaglemoss.

    Na trama, Morrison revela que o universo de antimatéria abriga uma versão espelhada da nossa Terra, tal qual a extinta Terra-3 pré-Crise. Mas esse universo parece muito mais sombrio do que sua extinta versão, adaptada para a realidade do fim do milênio (mais sombria e realista). Alexsander Luthor, único herói dessa Terra (tal qual a versão pré-Crise) descobre um universo livre da tirania do Sindicato do Crime e pede ajuda aos heróis da Liga da Justiça. Após um momento de deliberação, Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde (Kyle Rayner) e Flash (Wally West) resolvem ajudar, ficando apenas Aquaman e Caçador de Marte na nossa Terra. Os heróis descobrem que nesse universo, as coisas funcionam de forma bastante diferente do que estão acostumados: lá, o Mal sempre ganha!

    Temos alguns momentos interessantes, como o encontro de Batman com a versão de seu pai – o Comissário Thomas Wayne – e descobrimos que Ultraman e seu Sindicato do Crime dominam a Terra. Supermulher (versão da Mulher-Maravilha) tem um relacionamento com Ultraman, mas mantém um caso com o Coruja (o Batman de lá). Há uma “troca de lugares”, e o Sindicato do Crime vem parar na Terra da Liga e, invertendo a ordem das coisas, passa a chama-la de Terra 2! A Liga da Justiça vê-se então forçada a retornar para reestabelecer a ordem. Com uma trama bastante simplória, vence o Sindicato. Isso porque, em nosso mundo, o bem sempre vence o mal.

    É sempre interessante perceber como Grant Morrison utiliza conceitos simplistas de forma magistral. O autor costuma pegar elementos que a maioria dos fãs prefere ignorar e fazer deles algo bem construído e agradável de se ler. Além disso, a arte de Frank Quitely casa perfeitamente com o estilo de narrativa do autor. Quitely colabora com Morrison eu outras ocasiões, como em Novos X-Men ou Grandes Astros: Superman, e sempre adiciona a dose certa de modernidade e saudosismo à trama.

    Morrison prova, mais uma vez, que até o mais simples dos conceitos pode ser bem trabalhado e render uma boa história. A Eaglemoss acertadamente nos traz essa pérola há muito esquecida pelas editoras nacionais, ainda com uma história secundária de 1961 que mostra, pela primeira vez, o conceito de Terras paralelas. A história O Flash de Dois Mundos é simples e direta, mas alicerça a longa tradição de infinitas Terras da DC Comics.

    LJA: Terra 2 foi o pontapé inicial para que as Infinitas Terras voltassem com força total nos anos posteriores e retomassem lugar de destaque nas histórias da DC.

    Compre: LJA – Terra 2

    LJA - Terra 2 - 01

  • Resenha | WE3: Instinto de Sobrevivência

    Resenha | WE3: Instinto de Sobrevivência

    Capa-WE3

    Mais do que o costumeiro roteiro louco do escocês Grant Morrison, WE3 é um desbunde em se tratando da arte de Frank Quitely. Toda a narrativa visual eleva a revista ao ponto de torná-la absolutamente indispensável para o leitor assíduo de quadrinhos.

    A violência, os corpos dilacerados, a crueldade humana e o desprezo pela vida alheia são bem flagrados por seu lápis, cujas sequências quadro a quadro mostram toda a genialidade do desenhista. O primeiro balão de diálogo só ocorre na décima quarta página, o que por si só já demonstra que o enfoque é na arte.

    A sequência inicial tem o intuito de preparar o público para a loucura que vem a seguir: uma equipe de ciborgues, comandadas por animais domésticos que seriam utilizados como armas biológicas contra os inimigos americanos. Mas algo dá terrivelmente errado e os animais fogem de suas celas e passam a habitar o mundo civil – o que por si só é um grande imbróglio, visto que seu poderio bélico é enorme. As cenas dos coelhos silvestres sendo metralhados, além de boas, não são complacentes com o leitor. O contra-ataque dos bichinhos é igualmente violento e demonstra que, mesmo sendo seres irracionais, conseguiriam lutar de igual pra igual com os humanos, os quais os “controlariam” em circunstâncias normais. Há até uma discussão sobre o complexo de criador que acomete o homem, mostrando o catastrofismo causado por ele, sendo a volta ao tema bastante válida.

    A luta das três cobaias contra o exército de ratos é violentíssima. No quadro seguinte, é mostrado um homem se acidentando na ponte onde ocorre o embate, com o humano “salvo” por uma das três criaturas robóticas, claramente demonstrando que elas não são odiosas por natureza e têm misericórdia dos seres que estão em posições desvantajosas, e até capacidade sentimental para se arrependerem.

    O cão se culpa por, num momento em que estava sob ataque hostil, ter respondido com igual violência ao seu agressor, tirando a vida de um outro canino e atacando um humano confuso: “Cão Mau”, é o que repete para si, em penitência por seu ato ruim. Ao contrário do que uma das doutoras afirma, seu raciocínio não é tão amoral quanto previsto. A única ajuda humana que os animaizinhos receberam foi de um morador de rua, talvez a última pessoa a quem um “cidadão respeitável” recorreria, um dos poucos que não se corrompem.

    A motivo da história de Morrison primar mais pelo visual em detrimento do diálogo deve-se principalmente à tentativa de mergulhar no que seria a mente dos bichos modificados geneticamente; dentro do “raciocínio” destes, tudo é mais visceral, selvagem e violento. A sobrevivência passa pelo predatismo e menos pela civilizada discussão de valores, ainda que haja um enorme contraste, pois são as irracionais e selvagens criaturas que demonstram um maior sentimento de misericórdia pelos mais fracos, enquanto o homem, inteligente e munido de faculdades mentais mais avançadas, se preocupa em subjugar tudo e todos. O Gato, sem muito poder de gentileza ou predicados, consegue resumir bem como os humanos são enxergados por ele, considerando-os “criaturas fedorentas”, que exalam um odor terrível toda vez que apontam armas para eles. O final é politicamente correto e simples, mas condiz com a ideia que os pets tinham a respeito do mundo dos homens. No apagar das luzes, cumpriram seus papeis e tiveram, enfim, suas recompensas, enquanto o cientista responsável pelo experimento teve também a parte da justiça que lhe cabia – tudo funciona dentro do Ethos construído por Morrison e Quitely.

  • Resenha | Novos X-Men: E de Extinção

    Resenha | Novos X-Men: E de Extinção

    X Men - E de Extinção

    Antes mesmo do epílogo, Logan e Scott são mostrados combatendo sentinelas, as unidades móveis robóticas responsáveis por tentar extinguir a sua espécie, para logo depois mostrar uma viagem no tempo com Donald Trask III (neto de Bolivar Trask) e Nova: duas pessoas com posições distintas na batalha entre Homo Sapiens e Homo Superior – nos quadrinhos, é mostrada uma simulação à la Holodeck de Star Trek New Generation, contendo a extinção do Homo Sapiens Neanderthal pelo Homo Sapiens Sapiens. Para Nova, isso era profético: aconteceria novamente.

    Hank McCoy tem um aspecto ainda mais bestial que o normal, fruto da louca cronologia e aventuras em X-Treme X-men, mas ainda assim chama atenção das “vadias”. O mutante azul tornou-se ainda mais inteligente e genial que antes. Este primeiro arco de história é encabeçado pelo autor escocês Grant Morrison, que voltaria à premiada dupla de Flex Mentallo (e diversos outros trabalhos) com Frank Quitely e seus traços autorais, anárquicos e que combinam perfeitamente com os espécimes de gene X.

    Morrison tem preocupação até em explicar os uniformes antigos e as novas vestimentas, justificando que os trajes retrôs eram o símbolo do heroísmo, e que causariam nos humanos menos estranheza, no entanto estes tempos já passaram. O núcleo mostrado é uma equipe reduzida: Professor X, Ciclope, Wolverine, Fera, Jean Grey e Emma Frost. Xavier faz uso da Cerebra – uma versão aperfeiçoada da máquina mental que expande seus poderes, Cérebro – e recebe um aviso mental de que algo muito ruim se aproxima, algo catastrófico.

    Os arroubos entre Wolverine e Ciclope são muito engraçados: “Sabe o que eu mais admiro em você, Summer? Sua calma demente diante do perigo!” – a fala mostra um óbvio desprezo do velho Logan pelo escoteiro monóculo, mas explicita também o fato do segundo ser uma figura de autoridade, mesmo para o arredio carcaju. Os combates em que se metem seguem a mesma tônica, com Ciclope fracassando nos embates físicos e Wolverine resmungando.

    new-x-men-115-e-is-for-extinction-02-22

    A ideia de Nova é atacar a “nova raça dominante” enquanto ela está na adolescência evolutiva, fraca ainda para se defender com toda a força, e o ataque viria com novas versões de sentinelas, híbridos mais versáteis e com mais recursos tecnológicos. Para ela, os mutantes são malefícios: comparados a doenças horrendas como a varíola, devem ser igualmente exterminados. Seu plano consiste, em um primeiro momento, em devastar Genosha, república onde Magneto era o soberano. Lá um genocídio acontece e a população de quase 20 milhões de mutantes é dizimada sem piedade por jatos dos megassentinelas.

    Com a “morte” de Magneto e a preocupação de Xavier com Nova, as posições distintas sobre a guerra mutantes x humanos ganham novos porta-vozes, com Jean defendendo o pacifismo, e Frost buscando o intervencionismo belicista anticonservador, pronta para o revide aos ataques ao lugar que chamava de lar. Cassandra Nova se revela um ser de espécie desconhecida, superior até aos mutantes, que sabe do defeito genético humano, estopim do apocalipse de sua raça, utilizando-se disso para tentar exterminar os seus adversários naturais – os portadores do gene X. Xavier a executa sem dó, não só pela morte dos 16 milhões, mas também por legítima defesa. No entanto, os motivos de Nova ter tantas semelhanças com o telepata cadeirante ficam em suspenso.

    A DR entre Jean e Scott é interessante. Por mais que discussões de relações sejam enfadonhas no mundo real, o acréscimo do poder mental à fórmula causa uma abordagem interessante. Scott fala que da última vez que a mulher entrou em sua mente, ela eliminou algumas ilusões de sua psique, e que isto o deixou mais cínico e mais atormentado – no entanto, a conversa é subitamente interrompida pelo anúncio público de Charles assumindo ser o mentor dos X-Men em rede nacional: é um novo tempo, e é preciso de novas posturas.

    E de Extinção resgata o cunho social muitas vezes esquecido da historiografia do grupo mutante, emula Deus ama, o homem mata e atualiza muito dos seus conceitos. É um exercício muito bem executado de criatividade de Morrison/Quitely e um dos melhores momentos dos X-Men nas últimas décadas.

    background