Tag: Eaglemoss

  • O Abismo dos Quadrinhos em 2020

    O Abismo dos Quadrinhos em 2020

    Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.

    2020 ficará marcado na história do mundo como um ano trágico, para dizer o mínimo. Ao longo de doze meses, estivemos próximos de ameaças de guerra, desastres naturais, ascensão da extrema direitae ,claro, uma pandemia em escala nunca antes vista na história.

    No meio disso tudo, em Terra Brasilis, a cultura segue relegada ainda que, mais do que nunca, tenha se mostrado essencial para que o ano se tornasse mais palatável em tempos de quarentena e distanciamento social. Não obstante, o mercado editorial sofreu bastante com o aumento do dólar, falta de insumos, ameaça de taxação de livros por parte do governo federal, recuperação judicial das gigantes Saraiva e Livraria Cultura, além do fechamento de diversas livrarias menores. E o que se avizinha para 2021 não é nada promissor.

    Desse modo, o mercado, aliado também a fatores externos, não colaboraram para que a vida do consumidor se tornasse mais fácil. Pelo contrário, o que observamos foram diversas decisões equivocadas. Ainda que os quadrinhos não girem em torno apenas de problemas, faremos um resgate de publicações decepcionantes e escolhas editoriais desacertadas ao longo do ano passado que pode (ou não) ter relação com o que falamos acima.

    Coleções Eaglemoss e Planeta Deagostini

    Os lombadeiros de plantão sofreram forte revés em 2020 com as coleções capitaneadas pela Planeta Deagostini e Eaglemoss. Se a concorrente Salvat iniciou o mês de janeiro com apenas a coleção Tex Gold (Coleção Definitiva Homem-Aranha planejada com 60 volumes foi prematuramente cancelada no volume 40, em março de 2019) na 43ª pelo preço de R$ 59,90 e encerrou na 60ª no valor de R$ 64,90 – um reajuste razoável –, o mesmo não pode ser dito das outras duas. A Eaglemoss iniciou o ano com três coleções: DC Comics – Coleção de Graphic Novels (iniciado em 2014 e até dezembro de 2020 conta com 128 volumes), DC Comics – Coleção de Graphic Novels: Sagas Definitivas (iniciada em junho de 2018 e com mais de 32 volumes) e DC Comics – A Lenda do Batman (iniciada em outubro de 2018 e 41 volumes). Já a Planeta Deagostini segue distribuindo a coleção A Lenda do Batman da Eaglemoss, além de duas coleções próprias: Príncipe Valente (iniciada em outubro de 2018 e até dezembro de 2020 com 66 volumes até o momento) e Snoopy, Charlie Brown & Friends – A Peanuts Collection (iniciada em setembro de 2020 e com 9 volumes até o momento).

    Já não é novidade que os valores praticados pela Eaglemoss não são nenhum pouco atrativos. Com aumentos frequentes e sem qualquer justificativa, a editora permaneceu com a mesma política de não dar a mínima para o seu consumidor. A Coleção A Lenda do Batman abriu o ano de 2020 com o volume 17º, Batman: Nascido Para Matar (156 páginas), com o preço de capa de R$ 49,99, e chegou em dezembro com o volume 41º, Mulher-Gato: Cidade Eterna (180 páginas), pelo preço módicos R$ 73,99. Em compensação, as coleções Graphic Novels e Sagas Definitivas mantiveram os preços congelados de R$ 79,99 e R$ 139,99. Verdadeiros heróis.

    A Planeta Deagostini seguiu com sua coleção de todas as tiras dominicais de Príncipe Valente, que contará com 82 volumes, e iniciou o mês de janeiro de 2020 com o 20º volume (76 páginas) que reúne as tiras de 1956, no preço de capa de R$ 49,99, e encerrou o ano com o 66º volume (64 páginas) reunindo as tiras do ano de 2002, pelo preço de capa de R$ 78,99. A coleção Snoopy, Charlie Brown & Friends – A Peanuts Collection que reúne as tiras dominicais desde 1950 até o ano 2000 em volumes de 64 páginas manteve o preço de R$ 49,99. Veremos o que 2021 nos reserva.

    A ausência da SESI-SP

    A SESI-SP surgiu como uma editora interessante dentro do mercado, publicando material estrangeiro (em especial, europeu) e nacional em formatos e preços convidativos, e claro, ótima qualidade. Por meio dela fomos apresentados (e em alguns casos reapresentados) às séries Valerian, Verões Felizes, Spirou, Gus, Blacksad, autores como Mathieu Bablet (A Bela Morte e Shangri-Lá), Juan Cavia e Filipe Melo (Os Vampiros), Gabriel Mourão e Olavo Costa (Paraíba), Marcelo Lelis (Anuí), Gidalti Jr. (Castanha do Pará), Orlandeli (SIC, O Mundo de Yang, Daruma, etc), Gustavo Tertoleone e João Gabriel (Nobre Lobo), Jennifer L. Holm e Matthew Holm (Sunny) e tantos outros.

    A publicações minguaram em 2019, se reservando apenas aos materiais já programados e anunciados ainda em 2018 e publicados em sua esmagadora maioria no primeiro semestre do referido ano. Se o ano anterior já foi péssimo, 2020 reservou o total de ZERO publicações.

    A explicação é simples: antes mesmo da posse do atual presidente da República, já havia sido declarado guerra ao Sistema S, conjunto de nove instituições de interesse de categorias profissionais – Sebrae, Senac, Senai, Senar, Senat, Sesc, Sescoop, Sesi e Sest – que promovem atividades sociais e de aprendizagem, e emprega mais de 150 mil funcionários, mantidas pelas contribuições, pagas compulsoriamente pelos empregadores. Em 2019, o governo federal fixou um corte compulsório de 30% no orçamento dessas instituições, e com a pandemia isso se agravou ainda mais com o corte de contribuições. Que dias melhores se anunciem para a editora.

    O descaso da L&PM com as tiras de Peanuts

    Em novembro de 2009, a L&PM publicou o primeiro volume de Peanuts Completo, que reuniu as tiras diárias e dominicais, de uma coletânea de 25 volumes lançada nos EUA pela Fantagraphics. A editora americana tem um planejamento de dois livros por ano durante 12 anos e meio do material completo do clássico de Charles M. Schulz, Peanuts. Um projeto ambicioso sem dúvida. E até maio de 2019 a L&PM seguiu com um álbum por ano, totalizando 10 volumes até então.

    Para surpresa de todos, em 2020 a editora decidiu reiniciar do primeiro volume por meio de outra coleção mais simples da Fantagraphics, o que não seria um problema se houvesse algum indicativo de continuidade da coleção antiga ou sequer qualquer comunicado oficial por parte dos editores do que motivaram tal decisão. Se isso não fosse o bastante, os últimos volumes da coleção antiga esgotaram rapidamente e não há previsão de novas tiragens, de modo que não me parece ser o caso de vendas baixas, como também não se sabe se a série continuará nesse novo formato. Só nos resta aguardar e torcer para que a série não seja descontinuada como já aconteceu com outras tiras (Hagar, Garfield etc).

    A gourmetização dos quadrinhos

    O processo de elitização dos quadrinhos não é algo novo, já se fala sobre esse desenvolvimento há muitos anos. Mas tem acelerado bastante nos últimos três anos. Com a crise do mercado editorial, as editoras perceberam que a idade média do seu leitor aumentou muito. Não se tem mais crianças consumindo como acontecia no passado. Se por um lado esse fator geracional proporciona maior liberdade criativa e variedade de estilos, por outro tem avançado por parte das editoras a publicação de materiais cada vez mais luxuosos, culminando nos fatídicos omnibus em 2020. O que, pra ser sincero, não vejo como um problema, desde que esses materiais publicados nesse formato tivessem opções mais acessíveis em um passado recente. Veja, Quarteto Fantástico do John Byrne é um material pedido por leitores há anos, mas quando colocado no mercado a Panini opta por uma tiragem pequena, com o preço de capa de R$ 349,00, atingindo apenas uma pequena parcela do seu mercado consumidor. Em contrapartida, não vejo problema da editora apostar em materiais de luxo como anunciou com Monstro do Pântano, Miracleman e Noites de Trevas Metal (arghh). Afinal, há pouco tempo atrás tivemos acesso a esses materiais em um formato econômico. Logicamente, o preço praticado é uma outra discussão, que evidentemente, não pode ser separada de temas como aumento do dólar, falta de matéria-prima e problemas de distribuição.

    No entanto, o que se vê entre o mercado consumidor e influencers digitais é um (quase) completo silêncio em relação aos preços, e muitas comemorações com formatos cada vez mais luxuosos. Enquanto isso, nós nos enganamos que existe um processo de democratização da leitura e a Panini, principal player do mercado editorial de quadrinhos, se engana que está renovando seu público com encadernados Kids e Teens por mais de R$ 30,00. A nossa única certeza é que muita gente que lê Turma da Mônica não vai migrar para outros produtos.

    A Maurício de Sousa, o Boldinho e a censura

    E por falar em Turma da Mônica…

    No final de 2020, fomos surpreendidos, negativamente, com a notícia de que a Maurício de Sousa Produções havia notificado extrajudicialmente o cartunista underground Daniel Paiva em razão de sua paródia da Turma da Mônica, por conta de seu personagem Boldinho. Sim, Maurício de Sousa, o homem que tanto parodiou outros personagens, obras e histórias decidiu ameaçar de processo quem o parodiava com base na Lei de Direitos Autorais.

    Segundo a empresa, o personagem Boldinho e os demais coadjuvantes associavam a MSP ao consumo de entorpecentes, entre outras coisas. Sim, o personagem lida com temas voltados às drogas e transversais, em especial, maconha. No entanto, esse material não é comercializado para o público infantil, e sequer circula nesse meio.

    Causa estranheza tais argumentos para quem acompanha a empresa, já que em 2013 o Cebolinha em uma propaganda da AMBEV ensinou as crianças que tomar cerveja era um hábito transgeracional, apenas ensinando as crianças que existia uma idade correta para consumir bebidas com álcool. Em 2018, a parceria se deu com a indústria armamentista brasileira. Pelo visto a preocupação com a defesa da infância se dá em maior ou menor grau conforme os dígitos que entram na conta bancária da empresa.

    As baixas tiragens de mangás da Panini

    Se o aumento de preço frequente já é fator fundamental no dia-a-dia de qualquer consumidor de quadrinhos, os leitores de mangás da Panini ainda precisam se preocupar com as tiragens limitadíssimas da editora. Em 2020, isso parece ter se agravado ainda mais com diversos mangás recém-lançados esgotados em semanas. Isso se deu com títulos dos mais diversos, desde os mais simples até os mais luxuosos. E nós, reles mortais que ficamos equilibrando nossas finanças para poder adquirir os quadrinhos do mês entre uma promoção e outra, ainda nos deparamos com buracos em nossas coleções pela completa falta de planejamento de uma editora que sequer faz ideia do público que possui.

    O cancelamento e adiamento das feiras e convenções de quadrinhos

    Não é novidade que cultura e arte são pouco valorizados por aqui. Com a chegada do governo Bolsonaro e da pandemia, o que vemos é um cenário caótico para muitos artistas. O Fundo Nacional da Cultura seria uma ferramenta para suprir esta demanda em um momento atípico como este parece inexistente, e muitos deles dependem da ajuda de amigos para subsistência. Na área de quadrinhos não poderia ser diferente.

    Após os cancelamentos de boa parte das feiras e convenções o cenário se tornou ainda mais difícil para artistas e pequenas editoras que dependem desses eventos segmentados como importante fonte de renda. Enquanto não existe uma política pública adequada, eles se viram como podem, seja por comissions, promoções, plataformas de financiamento coletivo, e em alguns casos, ajuda de amigos.

    A crise da distribuição

    Já não é novidade para ninguém da crise de distribuição existente em um país de escala continental como o Brasil. Contudo, a pandemia parece ter surgido para acelerar processos, para o bem e para o mal. Em 6 de novembro, a Dinap e a Treelog, empresas integrantes do Grupo Abril, informaram o rompimento de contratos, unilateralmente, com suas editoras-contratantes. O problema de distribuição e consignação tem se agravado nos últimos anos, principalmente com o processo de recuperação judicial do Grupo Abril, mas agora parece que a pandemia colocou a última pá de cal neste sistema.

    2021 será um desafio para as editoras que dependem da do Grupo Abril, como ocorre com a Mythos. Além disso, esperamos que os problemas de consignação não tragam mais problemas ainda para as editoras, como ocorreu com a inadimplência da Saraiva e Cultura, que além de não devolver os produtos consignados, ainda não pagou por eles. Hoje as editoras aguardam na fila de credores para receber uma parte do que é seu por direito.

    O retorno dos mixes

    Após alguns anos sem publicação de quadrinhos no formato mix nas publicações mensais, 2020 também ficou marcado pelo anúncio da Panini em uma live no YouTube na CCXP Worlds sobre o retorno desse tipo de compilação editorial.

    Obviamente, muitos fãs se decepcionaram com a editora (mais uma vez), já que há algum tempo podiam acompanhar seus personagens em revista solo mensais ou em encadernados que reuniam arcos de histórias sequenciadas, e esperavam acompanhar o Thor do Donny Cates, Capitão América do Ta-Nehisi Coates e etc. de forma individualizada. Pelo visto as vendas não estavam agradando e a Panini decidiu retomar a prática do mercado editorial brasileiro durante décadas.

    Aos que seguirão acompanhando, torço para que a editora ao menos faça um bom mix, o que sequer ocorreu na revista Batman & Superman (já cancelada pela Panini) que tinha tudo, menos Batman & Superman.

    A não-tradução do omnibus do Conan

    Neste mesmo ano a Panini decidiu colocar no mercado seu primeiro omnibus – diversas edições que foram publicados separadamente compiladas em um volume único – e o personagem escolhido foi o Conan. A edição de mais de 700 páginas reúne o material publicado pela Marvel Comics nos anos 1970 nas revistas Conan: The Barbarian e Savage Tales.

    Ainda que se trate de um material de luxo, com preço de capa de R$ 249,00 (duzentos e quarenta e nove reais), a editora achou que seria de bom tom não traduzir quase 70 páginas de material extra existente na edição, ou seja, aproximadamente 10% do material não é possível ler em português. Um completo desrespeito ao público brasileiro, mas que diz muito sobre nosso consumidor, já que em poucos dias o material já era impossível de ser encontrado para compra. A resposta da editora foi a pior possível, informando que outros países de língua não-inglesa, como Itália e Espanha, saiu da mesma forma. O que só deixa claro que o editorial da Panini nesses países é tão patético quanto no Brasil.

    É óbvio que os extras de uma edição como essa não seria lido por todos, no entanto, num país de língua portuguesa, o mínimo que se espera é que o material seja publicado em… língua portuguesa. Do contrário, você está segregando leitores. Para piorar, a editora anunciou o volume 2 e disparou que não traduziria todos os extras, mas apenas uma parte deles. O brasileiro merece a Panini.

    Destro

    Sem romantismos do tipo “quadrinhos são uma mídia progressista, criados e consumidos pela classe trabalhadora”. Qualquer discussão nesse sentido ignora o processo de elitização da mídia, não só no Brasil, mas no mundo, e ainda ignora que uma parcela da classe trabalhadora é conservadora. Ora, em um cenário onde o sistema hegemônico é o capitalismo e a filosofia social que rege boa parte do mundo é o conservadorismo ou o liberalismo, não me causa qualquer estranheza que quadrinhos de direita tenham crescido nos últimos anos. E Destro e seu autor é apenas um expoente desse movimento no Brasil. Importante lembrarmos que Stan Lee criou o Pantera Negra antes do Partido dos Panteras Negras e tentou de todas as formas que seu personagem fosse vinculado ao movimento, Steve Ditko era grande apaixonado pela obra e filosofia de Ayn Rand e isso se refletiu até mesmo no sobrenome do personagem Punho de Ferro, Frank Miller despejou xenofobia em um passado recente e criticou o movimento Occupy Wall Street, entre tantos outros autores controversos e de direita que fizeram falas problemáticas, como Chuck Dixon, John Byrne, Bill Willingham etc. Nem todos são Alan Moore.

    No Brasil, Luciano Cunha publicou os quadrinhos do Doutrinador em 2013, início do processo de efervescência política nas ruas e redes sociais. O personagem ganhou filme anos depois e com a crescente polarização o autor foi se movendo cada vez mais à direita no espectro político, deixando de lado o discurso de “Fora Todos” e contra corrupção e se posicionando favorável a movimentos de extrema-direita e ao próprio presidente Jair Bolsonaro. Toda essa mudança culminou no lançamento de Destro, em 2020, ao lado do ilustrador Michel Gomes. Por alguma razão, Cunha optou por lançar meio do pseudônimo Ed Campos.

    Na trama, conhecemos uma São Paulo distópica do ano de 2045 governada pelos comunistas globalistas, onde o “real” foi substituído pela moeda “real rubro”, com a figura de Che Guevara estampadas em suas células e a população precisa caçar ratos para se alimentar. Destro é nosso herói, um vigilante destinado a lutar por nossa liberdade e derrubar esse governo que impõe sua agenda progressista, anti-conservadora, anti-cristã e outras idiotices do gênero (risos).

    O projeto foi financiado pelo Catarse e alcançou uma marca impressionante de quase R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), algo bastante considerável neste meio, mas que não causa espanto para quem o acompanha. Com frequência acompanhamos o público conservador, no Brasil e no mundo, se mobilizando de forma contrária à qualquer menção progressista dentro dos quadrinhos de super-heróis, sendo taxada de “lacração”, “mimimi” e “politicamente correto”. Desse modo é natural que Destro atinja tal público e já tenha sido licenciada em vários países antes mesmo de seu lançamento, enquanto outros artistas ainda lutam por seu lugar ao sol. Talvez isso seja um reflexo de como esses leitores tem uma certa dificuldade em crescerem, como Moore gosta de lembrar.

    Se você acha pouco, o autor está trabalhando em uma sequência de Doutrinador, dessa vez contra o globalismo (e lá vamos nós) e o vírus chinês (Família Bolsonaro e Ernesto Araújo aprovam). Para finalizar, encerro este assunto com duas belas páginas de Destro matando ratos com sua pistola (?!) para se alimentar. Genial!

  • Resenha | Arqueiro Verde: Os Caçadores

    Resenha | Arqueiro Verde: Os Caçadores

    Os Caçadores é uma das histórias clássicas e mais elogiadas do Arqueiro Verde, junto à união dele com Hal Jordan em Lanterna Verde e Arqueiro Verde. Lançada em 1987, com roteiro e arte de Mike Grell, com o auxílio de Lurene Hainrd, e as cores de Julia Lacquement, resultando num trabalho visual e dramático sem igual.

    Em 1987, a mega-saga Crise nas Infinitas Terras já havia revolucionado a cronologia da DC, e as influências nas histórias e ontologias dos personagens já havia ocorrido. Batman: O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, abriu as portas para que obras com uma temática mais adulta pudessem ocorrer, e Os Caçadores vai nesse sentido, buscando temas pesados e discussões político-sociais.

    A riqueza da história mora em representar, através dos vilões, realidades muito fáceis de encontrar nas áreas urbanas de qualquer grande cidade do mundo. A abordagem busca algum nível de realismo, com questões abrangendo assassinatos, estupros, tráfico de entorpecentes, e isso se reflete na própria arte. Engraçado como há um número grande de semelhanças com Watchmen, não só na abordagem mais adulta de Alan Moore, mas também pelos desenhos, que remete ao traço de Dave Gibbons.

    Grell não esquece de referenciar os elementos clássicos do herói, toda a parte que relembra as histórias do Arqueiro e a introdução da Canário Negro é simplesmente deslumbrante, não só pela beleza de Dinah Lance, mas também por sua presença impor um respeito não apenas artístico, mas pelo texto e diálogos escritos. Além disso, o roteiro também lida com questões envolvendo o casal, como receio de qualquer relação duradoura, desde convivência, casamento, filhos, etc.

    O modo como o gibi lida com Shado, a vilã asiática é um conceito muito bem utilizado. Até na versão audiovisual de Arrow, que por acaso teve em Grell o desenhista das adaptações para os quadrinhos, ela também é bastante importante. Além disso, esta versão lembra bastante O-Ren-Ishii, personagem de Lucy Liu em Kill Bill, e não surpreenderia se Quentin Tarantino tivesse a usado como uma das fontes de inspiração para a personagem, uma vez que até o Superman foi referenciado por David Carradine no segundo volume.

    A contraposição de Shado e do Arqueiro produz quadros incríveis, é como se o traço tradicional do Superman de Curt Swan se encontrasse com o quadrinho marginal europeu. As flechas cortando os bandidos, banhadas em sangue dão um efeito gráfico interessante, e por um momento, colocam em cheque a honra do herói. Parte da essência do Arqueiro Verde é o fato dele perverter o uso de flechas para um alvo não letal. O arco e a flecha são armas ideais para acertar um inimigo forte, sem barulhos estrondosos e sem maiores consequências, mas ele as usa para atordoar, já Shado é o inverso, um anjo vingativo que sucumbe ao pecado da vaidade e da vingança, e essa comparação ajuda a compor todo o código ético do personagem. Queen passa por problemas, encara os bandidos como eles são, e ao ver o torpor de sentir que eles estão mortos e que pagaram por seus atos maus, ele sente um pouco do que é o prazer de ser o juiz, o juri e o carrasco, e isso envolve dilemas morais e éticos dentro da história.

    Muitos fãs gostam de afirmar que essa é o equivalente ao Cavaleiro das Trevas do Arqueiro Verde. Isso até soa reducionista, mas não é totalmente sem cabimento ao menos em um ângulo, dado que ambas tem um tom mais maduro que as histórias comuns de super-heróis e elevam para outro patamar esses personagens. Uma grande história para um grande personagem, que felizmente foi republicada na coleção de Graphic Novels da editora Eaglemoss, depois de mais de décadas fora do mercado, quando a editora Abril a publicou no distante ano de 1989 em três partes.

  • Resenha | Superman: Brainiac

    Resenha | Superman: Brainiac

    superman_brainiac-vortex-cultural

    Durante grande parte da primeira década do novo milênio, a DC Comics investiu em novas formas de reformular seu universo de super-heróis sem necessariamente zerar sua continuidade, como já havia feito antes com a saga Crise nas Infinitas Terras. Assim, o recurso utilizado com frequência era o retcon, histórias que contavam detalhes “esquecidos” das origens dos heróis ou alteravam completamente alguma coisa que fosse necessária. Com a saga Crise Infinita a editora deu uma explicação de dentro do universo para esses retcons: uma versão do Superboy de uma Terra paralela literalmente esmurrava as paredes da realidade, mudando assim a continuidade de tempos em tempos sem precisar passar uma borracha em tudo. Sim, era uma explicação bem esdrúxula, mas parece ter funcionado. Com isso, Superman teve sua origem pós-Crise alterada várias vezes, tornando a narrativa de John ByrneO Homem de Aço, obsoleta.

    Geoff Johns foi responsável por grande parte dessa fase, deixando sua marca de “reparador de danos” nos gibis do Superman. Assim, dentre muitas coisas que escreveu, o arco Brainiac tem um grande destaque por resgatar elementos clássicos das histórias do herói.

    Assim como a Supergirl havia sido reintroduzida nas histórias do Azulão, com uma história de origem mais próxima da sua primeira aparição, na Era de Prata, Johns reapresenta o vilão Brainiac tal qual sua primeira aparição. Assim, fica estabelecido através da Supergirl que ele já era uma ameaça no passado, e que as outras versões do tirano confrontadas pelo Superman não eram “reais”. Brainiac era um conquistador de mundos, que absorvia toda a informação possível sobre civilizações planetárias, miniaturizava suas principais cidades e destruía o resto. Assim, em uma terrível lembrança de seu tempo em Krypton, a prima do Superman revela como a importante cidade de Kandor foi subjugada e engarrafada, com seus prédios e habitantes em forma diminuta, e armazenada na nave do vilão.

    Quando Brainiac ataca a Terra, diminuindo e engarrafando a cidade de Metrópolis, Superman o enfrenta em uma batalha épica para trazer de volta aqueles que ama. O enredo é basicamente o mesmo da história de 1958 na qual o vilão surgiu, porém trabalhado de forma quase cinematográfica, explorando diferentes facetas de personagens já há muito conhecidos do público.

    A arte de Gary Frank é de uma riqueza de detalhes impressionante. Seu Superman e Clark Kent realmente parecem pessoas distintas, e visivelmente emulam os traços característicos do ator Christopher Reeve, que imortalizou o herói nas telas do cinema por quatro filmes. Sua Lois Lane é uma versão mais jovem de Margot Kidder, que contracenou com Reeve nos filmes clássicos, e os personagens do Planeta Diário também apresentam traços marcantes que refletem suas personalidades. Cat Grant lembra muito a sua representação na série noventista Lois & Clark, com uma atitude ao mesmo tempo sexy e vulgar, muito diferente da mãe solteira que teve o filho de oito anos assassinado, na versão anterior dos quadrinhos. Grant não parece carregar a perda nos ombros como antes, e até mesmo Clark parece perceber isso. Assim, sua nova atitude seria decorrente do trauma, uma forma de abafar a dor. Infelizmente, isso fica apenas subentendido pela fala do repórter e não é explorado na história. Steve Lombard é o repórter de esportes, e se nos anos 70 era retratado como um galhofeiro que vivia pregando peças em seus colegas, aqui ele se torna um “tiozão do pavê”, completamente deslocado com suas piadas sem graça em um mundo que não mais admite seus preconceitos. Ron Troupe, Jimmy Olsen e Perry White permanecem basicamente os mesmos que já conhecemos de versões anteriores. Frank se utiliza de seu fino traço para fazer com que as expressões faciais desses personagens nos mostrem cada sentimento, cada interação entre eles, cada pequeno gesto, de forma a esquecermos um pouco dos vilões intergaláticos e possamos nos identificar com as “pessoas normais” da história.

    A relação de Clark com seus pais é explorada de uma forma como jamais viria a ser novamente nos quadrinhos posteriores. A vida no campo moldou a personalidade de Kent, e vemos em flashbacks momentos de sua educação que o levaram a ser quem ele é. O final trágico da história remete justamente a isso: Superman precisa fazer duras escolhas pelo bem maior, mesmo que isso pese sobre seus ombros por não conseguir salvar a todos ao mesmo tempo.

    Se as cenas de ação são muito bem desenvolvidas, as cenas do cotidiano não ficam longe. Em uma época em que as relações entre os personagens de Metrópolis estavam sendo quase que ignoradas, Superman: Brainiac as traz de volta de forma simples, porém certeira. Talvez seja isso que faz desse arco algo digno de figurar, no Brasil, duas versões encadernadas de capa dura ao mesmo tempo, por editoras diferentes.

    A importância dessa história também está em suas consequências nas revistas do Superman nos anos seguintes, já que o destino de Kandor e de seus habitantes kryptonianos seria o fio condutor da grande saga Nova Krypton, que tomaria as páginas das revistas de aço no meses posteriores. Também virou filme animado da DC Entertainment, com o título de Superman Sem Limites. Ainda assim, Superman: Brainiac apresenta uma grande aventura, com aquilo que pode ser considerado a essência do Homem de Aço, de uma forma moderna e ao mesmo tempo, clássica.

    Compre: Superman: Brainiac

  • Resenha | LJA: Terra 2

    Resenha | LJA: Terra 2

    JLA - Terra 2 - capa - Grant Morrison - Frank Quitely
    Terras paralelas sempre foram um elemento chave da DC Comics, embora a editora tenha tentado acabar com o conceito nos anos 1980 com a maxi-série Crise nas Infinitas Terras. Para tornar seu universo de personagens mais coeso e aberto a novos leitores, a Crise serviu como uma forma de simplificar as muitas Terras tornando-as uma só. Isso facilitou a vida tanto de roteiristas quanto de novos leitores, embora elementos cruciais da cronologia da editora tivessem sido varridos pra baixo do tapete. Na saga em questão, universos inteiros morreram, e o primeiro a ser extinguido da existência foi o que comportava a Terra-3. Esse planeta era uma cópia às avessas da Terra principal, onde havia uma versão maligna da Liga da Justiça e o único herói era Alexander Luthor. O conceito de “cópia maligna”, apesar de parecer uma solução preguiçosa pra arranjar bons vilões, sempre foi usado na editora e se perdeu com a reformulação.

    No entanto, muitos personagens e várias linhas narrativas acabaram ficando prejudicados com a Crise. Se não existiam mais Terras paralelas, os roteiristas pós-Crise passaram a ter que justificar a existência de heróis que tinham sua origem fortemente ligadas a esses mundos. Assim, malabarismos precisaram ser feitos para explicar as origens de personagens como a Supergirl, a Legião dos Super-Heróis e a Poderosa. A maioria dos roteiristas apenas aceitou as mudanças e fizeram o melhor que puderam com um universo único.

    Mas Grant Morrison não era como a maioria dos roteiristas.

    Na metade da década de 90, Morrison reformulou a Liga da Justiça trazendo de volta vários elementos clássicos da Era de Prata, principalmente a formação da equipe com os sete maiores heróis do universo. Sua fase na revista LJA foi aclamada por público e crítica – cometendo alguns deslizes típicos do autor, de certa forma perdoáveis – e revitalizou o título, que havia se tornado uma comédia pastelão com heróis secundários desde o final da década de 80 até então. A Liga de Grant Morrison era grandiosa e empolgante.

    Morrison pretendia trazer de volta o conceito de Terras paralelas – algo que recentemente se mostrou fixação do autor, com a série Multiverso DC – mas parecia que não havia um jeito, devido à Crise. Mas o universo de antimatéria ainda era um conceito válido na época, e foi disso que ele se aproveitou para escrever LJA: Terra 2.

    Lançada nos Estados Unidos como uma graphic novel, Terra 2 passou quase que despercebida pelas terras brasileiras. Na época, a Editora Abril lançou uma ousada e questionável iniciativa na sua linha de hqs de super-heróis, abandonando o consagrado formatinho e adotando a linha Premium. Essa nova linha, embora maior e melhor, tinha um preço pouco acessível aos leitores da época, e muitos acabaram abandonando o hábito de ler quadrinhos. LJA: Terra 2 foi publicada na primeira edição de Superman Premium e nunca mais relançada em português, até agora com a Coleção de Graphic Novels da DC Comics, da editora Eaglemoss.

    Na trama, Morrison revela que o universo de antimatéria abriga uma versão espelhada da nossa Terra, tal qual a extinta Terra-3 pré-Crise. Mas esse universo parece muito mais sombrio do que sua extinta versão, adaptada para a realidade do fim do milênio (mais sombria e realista). Alexsander Luthor, único herói dessa Terra (tal qual a versão pré-Crise) descobre um universo livre da tirania do Sindicato do Crime e pede ajuda aos heróis da Liga da Justiça. Após um momento de deliberação, Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde (Kyle Rayner) e Flash (Wally West) resolvem ajudar, ficando apenas Aquaman e Caçador de Marte na nossa Terra. Os heróis descobrem que nesse universo, as coisas funcionam de forma bastante diferente do que estão acostumados: lá, o Mal sempre ganha!

    Temos alguns momentos interessantes, como o encontro de Batman com a versão de seu pai – o Comissário Thomas Wayne – e descobrimos que Ultraman e seu Sindicato do Crime dominam a Terra. Supermulher (versão da Mulher-Maravilha) tem um relacionamento com Ultraman, mas mantém um caso com o Coruja (o Batman de lá). Há uma “troca de lugares”, e o Sindicato do Crime vem parar na Terra da Liga e, invertendo a ordem das coisas, passa a chama-la de Terra 2! A Liga da Justiça vê-se então forçada a retornar para reestabelecer a ordem. Com uma trama bastante simplória, vence o Sindicato. Isso porque, em nosso mundo, o bem sempre vence o mal.

    É sempre interessante perceber como Grant Morrison utiliza conceitos simplistas de forma magistral. O autor costuma pegar elementos que a maioria dos fãs prefere ignorar e fazer deles algo bem construído e agradável de se ler. Além disso, a arte de Frank Quitely casa perfeitamente com o estilo de narrativa do autor. Quitely colabora com Morrison eu outras ocasiões, como em Novos X-Men ou Grandes Astros: Superman, e sempre adiciona a dose certa de modernidade e saudosismo à trama.

    Morrison prova, mais uma vez, que até o mais simples dos conceitos pode ser bem trabalhado e render uma boa história. A Eaglemoss acertadamente nos traz essa pérola há muito esquecida pelas editoras nacionais, ainda com uma história secundária de 1961 que mostra, pela primeira vez, o conceito de Terras paralelas. A história O Flash de Dois Mundos é simples e direta, mas alicerça a longa tradição de infinitas Terras da DC Comics.

    LJA: Terra 2 foi o pontapé inicial para que as Infinitas Terras voltassem com força total nos anos posteriores e retomassem lugar de destaque nas histórias da DC.

    Compre: LJA – Terra 2

    LJA - Terra 2 - 01

  • Resenha | Superman: O Homem de Aço

    Resenha | Superman: O Homem de Aço

    Superman - O Homem de Aço - capa

    Em 1986, a DC Comics deu carta branca a um dos maiores desenhistas da Marvel para recriar a seu modo o maior herói da casa. A editora havia acabado de publicar a maxi-série Crise nas Infinitas Terras e a intenção era reorganizar os 50 anos de cronologia e deixar as histórias mais agradáveis para um público novo. Assim, John Byrne ficou encarregado de reformular o Superman. A mini-série em seis partes O Homem de Aço foi escrita e desenhada por ele, com arte-final de Dick Giordano, e até hoje é motivo de discussões entre os fãs do personagem, por ter, segundo alguns, “marvelizado” o Superman.

    Byrne quis deixar a história do personagem a mais simples possível. Para isso, varreu pra baixo do tapete muito da mitologia que o cercava, como os super-mascotes (Krypto, Raiado, Beepo, Cometa), e qualquer outro sobrevivente de seu planeta natal (como sua prima Kara Zor-El ou os criminosos da Zona Fantasma). Kal-El era, em sua visão, o Último Filho de Krypton.

    A primeira edição abre com um prólogo narrando os momentos finais do moribundo planeta Krypton. Usando uma estética que combinava com a ficção científica da época, Byrne descreveu um planeta com uma sociedade bastante desenvolvida nos mais diversos campos da ciência, porém estéril em seus relacionamentos. Jor-El e Lara não eram mais os pais amorosos de encarnações anteriores. Na verdade, o casal mal se tocava e o bebê Kal-El fora gerado em uma matriz, através de um processo parecido com o de clonagem, e ainda não havia nascido. Também diferente da versão clássica, onde o bebê é colocado em um foguete para ter sua vida preservada da catástrofe, Kal era apenas um embrião quando foi enviado para a Terra. Krypton, que estava sofrendo com a instabilidade de seu núcleo, explode, matando todos os seus habitantes com exceção do embrião na matriz gestacional.

    Isso já foi o suficiente para irritar muitos fãs do Superman na época. Parte importante de sua origem, de sua personalidade, sempre tinha sido sua ligação com o passado. O Superman pré-Crise era duas vezes órfão, o que lhe concedia uma bagagem emocional muito forte. Tudo isso se perdeu. Jonathan e Martha Kent estavam vivos e muito bem nessa nova versão, e qualquer coisa envolvendo Krypton não fazia sentido nenhum para o jovem Clark Kent. Mesmo a perda de seus pais biológicos não significaria nada, uma vez que nem mesmo os havia visto quando bebê.

    A história dá um salto para a época em que o jovem Clark Kent jogava futebol americano no colégio, em Smallville. Também diferente da origem anterior, aqui Clark se vale de seus poderes para ser um atleta, querido por todos na escola. Morre a identidade introspectiva de outrora, quando o disfarce do Superman era o pacato repórter, meio abobalhado, que não lembrava em nada a figura do campeão de Metrópolis. Clark, na visão de Byrne, era popular o suficiente para almejar uma carreira no futebol. Ao final do jogo, Jonathan Kent o chama para lhe contar o segredo há muito guardado, e revela que é seu pai adotivo. Mostrando-lhe o foguete que o trouxe ao Kansas, o velho pai conta que o encontrou e criou como filho biológico desde então. Jonathan imaginou que fosse um foguete russo (a Guerra Fria ainda não tinha acabado quando a história foi publicada), e aproveitando-se de uma nevasca que durou meses e impediu que saíssem de casa, o casal apresentou o bebê aos amigos como se fosse seu.

    Esse capítulo até hoje é bastante controverso, e muitos consideram John Byne xenofóbico por tê-lo escrito. Clark “nasceu” em terras norte-americanas, o que significa que o maior símbolo dos Estados Unidos não é mais um “imigrante ilegal”. Essa essência do “sonho americano”, da “terra das oportunidades”, onde qualquer um poderia alcançar o sucesso, cai por terra. O Superman de Byrne não era um imigrante, e sim totalmente americano como qualquer pessoa destacável deveria ser… Reflexo de sua época, quem sabe?

    Clark inicia uma jornada de auto-conhecimento pelo mundo que o leva a salvar vidas anonimamente, até ser forçado a se revelar publicamente em um desastre envolvendo um ônibus espacial. Inicialmente, esse ônibus seria a Challenger, mas devido ao desastre que ocorreu no mundo real (a nave explodiu em um voo que levava, além da tripulação, a primeira civil a ir ao espaço – a professora Christa McAuliffe), os editores alteraram isso de última hora. Clark salva a nave e seus tripulantes e não pode mais esconder sua identidade. Assim, volta ao Kansas e com a ajuda de Jonathan e Martha Kent, cria um uniforme para usar nos momentos heroicos, surgindo assim como Superman. Dessa forma, seu traje não é mais indestrutível e nem veio com ele na nave de Krypton, bem como o símbolo no peito foi criado por ele mesmo e nada tem a ver com a Casa de El. Nenhuma referência ao planeta natal – até aqui, ele ainda não sabe de onde vem.

    A segunda edição apresenta Lois Lane e a equipe do Planeta Diário na busca pela matéria mais importante do ano. Lois está bem caracterizada, assim como a equipe do jornal, e passa todo o capítulo buscando a primeira entrevista com o novo herói. Ousada, provoca um acidente de carro para ser salva e assim entrevistar o Superman, mas de nada adiantou: um novo repórter já havia escrito a matéria e seu nome era Clark Kent. Isso fez com que a relação entre os dois colegas fosse de rivalidade, pois Lois jamais o perdoaria por ter roubado seu furo de reportagem.

    As edições seguintes apresentam, cada uma, um aspecto da vida do herói focando em seus coadjuvantes. Temos então o primeiro encontro com Lex Luthor (não mais um gênio do mal e sim um mega-empresário inescrupuloso), com o Batman (e a relação entre os dois não seria mais de “superamigos”, e sim de leve rivalidade), com Bizarro (uma tentativa de Luthor clonar o Homem de Aço que deu muito errado)… Até a última edição, na qual ele retorna a Smallville e descobre sua verdadeira origem.

    Infelizmente, muitos “ganchos” espalhados pela história não são explicados. Claro que, nas edições posteriores de John Byrne, tudo fica esclarecido (quem é a figura misteriosa que o observa? por que ele passa mal ao chegar perto da nave?), mas falta um pouco de ação no último capítulo. Entretanto, a representação do Superman como um ideal a ser seguido é excelente, e Byrne consegue fazê-lo ser um bom-moço sem parecer chato. Em uma época em que os quadrinhos estavam começando a se tornar mais sombrios, é importante ver o Superman sorrindo com tanta frequência, voando com suas cores vivas e brilhantes pelos céus da Cidade do Amanhã.

    Compre: Superman – O Homem de Aço 

    the_man_of_steel-vortex

  • Resenha | Liga da Justiça: Torre de Babel

    Resenha | Liga da Justiça: Torre de Babel

    Liga da Justiça - Torre de Babel - capa

    Quarto lançamento da recém-lançada coleção de Graphic Novels da DC Comics pela Eaglemoss, Liga da Justiça – Torre de Babel apresenta uma elogiada história publicada originalmente no país pela Editora Abril em uma época que tentaram renovar os quadrinhos e, abandonando o formatinho, lançaram edições em estilo americano, fase conhecida como premium. Um interessante projeto que não se adaptou ao mercado naquele período.

    Escrita por Mark Waid e desenhada por Howard Potter, a história envolve os membros da Liga da Justiça mas se destaca devido ao Batman e um de seus grandes vilões, Ra´s Al Ghul, com um elaborado plano para derrotar a equipe. A trama estruturava um aspecto conflitante na personagem do Homem-Morcego que se tornaria definitiva em anos posteriores e fundamental para causar atrito entre a comunidade heroica, nas futuras grandes sagas da DC Comics: um herói de alta inteligência, precavido e paranoico, desenvolvendo planos de contingência para derrotar cada um de seus colegas, caso necessário. Planos que são furtados pela Liga dos Assassinos e executados por Ra´s ao lado de um sistema que inibe a compreensão da fala, fato que justifica o mito bíblico da Torre de Babel do título.

    A personalidade do Morcego é definida diante destas duas vertentes. Ao mesmo tempo que demonstra engenhosidade em estudar os pontos fracos de cada um de seus colegas, a preocupação de Bruce Wayne soa exagerada, e assume que, diante de adversidades, somente ele seria um personagem incorruptível. Se os planos ressaltam sua inteligência, também apontam uma falta de confiança na equipe, motivo que lhe faria desenvolver um satélite espião, parte fundamental do conflito em Crise de Identidade e Crise Final.

    O argumento de um Bruce Wayne metódico e preparado para qualquer adversidade foi utilizado na revista do Morcego na saga Jogos de Guerra, quando um plano para fazer o alterego Fosforos Mallone se tornar o chefão de Gotham é interceptado pela Salteadora e colocado em prática, resultando em uma guerra entre gangues no local. Ressalta-se, novamente, a vertente controladora di personagem, talvez por ele reconhecer intimamente que, mesmo sendo herói com muitos recursos, é ainda humano diante de toda uma equipe formada por super-seres. Wayne insere a dúvida dentro de uma equipe que deveria ser coesa, demonstrando que, mesmo com um senso nítido de moral heroica, há desvios que favorecem um bem maior em detrimento de um plano e paranoia pessoais.

    Como Batman se torna simultaneamente o herói e uma espécie de vilão, a figura de Ra´s Al Ghul funciona para aplicar seus planos de contingência, roubados da Batcaverna, para destruir a liga enquanto desenvolve o sistema que inibe a compreensão da linguagem. Mesmo como um coadjuvante catalisador do conflito, o vilão se apresenta fiel a sua personalidade, desejando uma nova ordem no mundo diante de uma condição global desoladora. A filha Talia também se destaca e é personagem principal de uma das partes da aventura que apresenta o roubo dos dados na Batcaverna.

    Os desenhos da história são o elemento mais destoante. A princípio, em comparação com o padrão atual, soam menos sombrios e menos realistas, fato que não diminui em nada a história a não ser pela composição exagerada de muitas expressões que desequilibram a densidade e um certo senso de realidade que o roteiro de Waid tenta impor.

    A edição da Eaglemoss apresenta também a primeira história da Liga da Justiça, momento em que os heróis se reuniram para lutar contra o vilão Starro. Uma visão bem diferente da maneira pela qual os heróis são descritos atualmente, mas interessante por tratar-se de material histórico de quando os quadrinhos eram somente um divertimento de primeira linha.

    Torre de Babel expande a composição do heróis, focando no medo de cada um, principalmente no de Bruce Wayne, em uma carga realista que demonstra o medo e apreensão de um mundo dominado por vilões e da validade de qualquer medida externa para evitar que isto ocorra. Sem dúvida, uma história que aflora mais o lado humano do que heroico das personagens, o que seria o conflito principal das futuras sagas mencionadas.

    Compre: Liga da Justiça – Torre de Babel

    Liga da Justiça - Torre de Babel - capa 2

  • Resenha | Batman: Silêncio

    Resenha | Batman: Silêncio

    silêncio - capa

    Quando Jim Lee foi anunciado como novo desenhista do Batman, na DC Comics, muita gente ficou com a pulga atrás da orelha. Afinal, o artista coreano era conhecido por desenhar os coloridos X-Men na Marvel, e não se imaginava como seria sua investida no mundo sombrio do Homem-Morcego. Felizmente, ele não fez feio! A arte de Lee caiu como uma luva e funcionou perfeitamente para aquilo a que se propôs. Tudo o que ele precisava era de um bom roteirista que soubesse aproveitar seus atributos em favor de uma boa narrativa. Infelizmente, não foi o que aconteceu com o roteiro de Jeph Loeb.

    Silêncio se mostrou uma trama arrastada, sem foco, rocambolesca e massavéi, o que desperdiçou todo o potencial de Lee. Loeb, que já nos brindou com a excelente maxi-série O Longo Dia das Bruxas, tentou imitar a si mesmo. Não colou. Em O Longo…, o autor desenvolve uma trama na qual ficamos as treze edições tentando adivinhar a identidade do assassino. O mesmo ele tenta fazer nesta história, mas com um problema: o assassino fica muito claro já na primeira edição!

    Loeb utiliza-se de um recurso narrativo que tem se tornado o pesadelo dos fãs de quadrinhos nas últimas décadas: o retcon. Esse recurso é usado quando o roteirista resolve mudar o passado de algum personagem, inserir algum detalhe na trama ou explicar algo que ele considere importante mas que nunca foi mostrado. Diferente de um flashback, o retcon abala as estruturas da história de um personagem. E é exatamente o que ocorre nessa história. Um personagem extremamente importante é “retro apresentado” aos leitores: um amigo de infância de Bruce Wayne do qual ninguém jamais tinha ouvido falar, mas que de uma hora para outra passa a ser a pessoa mais importante na vida do playboy milionário. Causa estranheza no leitor, e, em um momento, Robin chega até a mencionar o fato de Bruce não ter falado a ninguém sobre esse amigo. Nesse momento, lá pela metade da trama, parece que Tim Drake está expressando o pensamento de seus leitores.

    A trama é bastante rasa. Alguém está stalkeando o Batman e usando seus maiores inimigos contra ele. O herói tem que enfrentar os vilões mais perigosos de sua galeria, como o Crocodilo, Hera Venenosa, Arlequina, Coringa, Charada, Espantalho… E até o Superman! Aqui cabem dois comentários: primeiro, a ideia de enfrentar todos os vilões já foi explorada, e de forma muito melhor, na megassaga A Queda do Morcego; segundo, o Superman não acrescenta nada à trama a não ser o fan service para quem idolatra o Batman e odeia o Azulão. Lá pelas tantas, o tal amigo de infância é assassinado, aparentemente pelo Coringa, e Batman precisa descobrir quem está arquitetando o plano (que plano mesmo?). O roteirista parece querer brincar com o leitor (que não sacou na primeira edição), inserindo diversas possíveis identidades para o assassino. E talvez essa seja a parte mais frustrante da história. Em determinado momento, um importante aliado de Batman é revelado como sendo o vilão da história. E faria sentido, principalmente devido a algo que aconteceu na primeira edição (o rompimento da “batcorda” com um “batarangue”). Mas era mais uma “pegadinha”. Entre os personagens que poderiam ser o stalker está, inclusive, Harold – o corcunda de estimação do Batman –, que estava sumido desde a A Queda. O problema é que Harold aparece completamente solto na trama, e leitores mais novos podem ficar totalmente sem entender o que ele significa no universo do Morcego.

    (Nota do redator: Harold é um personagem que, para o bem de Bruce Wayne, deve ser desconsiderado editorialmente. Afinal, é praticamente um escravo que cuida da parte mecânica da Batcaverna, e que, além de corcunda e mudo, tem claros sinais de deficiência cognitiva. Já ouviu falar de ética, Patrão Bruce?).

    Batman Villains in The HUSH Storyline

    No fim da trama, a identidade do vilão é revelada (Nossa! Que surpresa!), e ficamos sabendo que um dos mais antigos vilões de Gotham conhece a identidade secreta do Cavaleiro das Trevas, mas não pode fazer nada com essa informação. Temos um Batman mais abalado e trágico do que já estamos habituados, e percebemos claramente que seus aliados são parte crucial de sua persona. A imagem do Batman solitário nos é colocada à prova, pois vemos o quanto ele depende de seus aliados – não, “amigos” seria a melhor palavra! – para se manter como defensor de Gotham.

    Para um leitor iniciante, talvez Silêncio não seja tão ruim. A saga apresenta bem os personagens, e o “fator fan service” talvez até agrade bastante aos leitores. É como se fosse um álbum do tipo Batman – Greatest Hits, por apresentar encontros com seus maiores inimigos no decorrer da saga. Como um narrador inexperiente de RPG, Loeb parece rolar dados e consultar uma tabela de “encontros aleatórios” para inflar sua trama. Talvez Silêncio tenha funcionado como série mensal, mas como Graphic Novel é sofrível. Vale lembrar que a edição lançada pela Eaglemoss Collections em dois volumes apresenta vários erros de digitação que, se não atrapalham o entendimento da saga, ao menos se tornam um incômodo desnecessário. Pelo menos, temos a arte de Jim Lee, que sofre do mesmo mal de seus amiguinhos da Image Comics – não desenhar pés, ou apresentar problemas com perspectiva , mas em diversos momentos é agradável e nos proporciona diversos “pin ups”. E é sempre bom ver um de nossos heróis favoritos bem desenhados!