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  • Conheça o Pacificador

    Conheça o Pacificador

    O Pacificador é um personagem da DC Comics, que ganhou notoriedade após o filme O Esquadrão Suicida de James Gunn. O personagem foi criado por Joe Gill e Pat Boyette, na editora Charlton Comics, em novembro de 1966, na revista Fightin’ 5 #40.

    Seu alter-ego, é Christopher Smith, e ele quase fez parte da graphic novel Watchmen, na época em que Alan Moore ainda desejava usar os personagens da Charlton para contar sua história. Com a decisão da DC em preserva-los, seu papel coube ao Comediante, que era consideravelmente mais cínico que Smith, e teve uma boa recepção, não à toa que boa parte da personalidade dele hoje advém do personagem criado por Moore.


    Inicialmente, o Pacificador mantinha um código ético inabalável que usava armas estritamente não letais, embora com o tempo tenha se tornado um vigilante mais violento, disposto a fazer sacrifícios pelo bem maior, fato mostrado no longa de Gunn e aprofundado em sua série. Com o tempo, passou a agir tal qual em sua versão live action, como um homem perturbado, com graves questões mentais — isso pode ser observado na minissérie em 4 edições Peacemaker, escrita por Paul Kupperberg e desenhada por Tod Smith, lançada em 1988 nos EUA e 1991 no Brasil em DC Especial #06, publicada pela Editora Abril. Essa versão pós-Crise nas Infinitas Terras remodela o personagem após ser reintroduzido no universo DC, com uma conotação política e psicológica maior, tendo em vista que o personagem acredita que sua mente foi distorcida por seu pai abusivo e nazista quando ainda era jovem, e assim, muitas vezes ele é retratado ora como um herói, ora vilão… ou algo no limiar entre essas duas coisas.

    Com a compra Charlton pela DC nos anos oitenta, o Pacificador passa a figurar junto a outros personagens, mas continua ao lado de seus antigos parceiros, como Questão, Besouro Azul e Capitão Átomo — substituídos em Watchmen, respectivamente, por Rorschach, Coruja e Dr. Manhattan.

    Seus poderes e habilidades incluem uma condição e resistência física sobre-humana, tecnologia de voo, um capacete de comunicação high tech que confere habilidades — e variam conforme o gosto do roteirista. Além disso, é especializado em combate corporal, espionagem, tática e estratégia, além de possuir acesso a armas militares avançadas e ser um exímio atirador.

    Chris Smith era filho de um agente nazista que trabalhou nos campos de concentração durante a ocupação da Polônia pelo III Reich. No seriado a produção fez algumas mudanças, para começar ele está vivo e se chama Auggie Smith, interpretado por Robert Patrick, famoso por ser o T-1000 em O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final. Patrick é bastante conhecido nos EUA por seu alinhamento político junto à extrema-direita. Na série, ele recebeu a alcunha de O Dragão Branco, personagem da DC conhecido por ser um terrorista e supremacista branco.


    Gunn optou por uma amálgama. O Dragão Branco nos gibis era William James Heller, sujeito criado por seu avô nazista, depois se tornou um ativista da supremacia ariana, assumiu a alcunha de William Hell, e após brigar com um personagem homônimo, decidiu mudar seu nome, e começou a usar uma armadura vermelha e branca, inspirada nas roupas da Klu Klux Klan, grupo historicamente racista e fascista.

    O Dragão Branco fez parte de alguns grupos de vilões, entre eles o ajuntamento de bandidos nazistas, IV Reich –
    membros como Baronesa Blitzkrieg, Barão Gestapo e Capitão Suástica — e depois no Esquadrão Suicida, onde foi controlado por Amanda Waller e até tentou matá-la. Além de Heller, Daniel Ducannon, vilão do Gavião Negro também utilizou esse nome, mas ao contrário do original, ele tinha poderes pirotécnicos e voava.

    O grupo IV Reich

    O primeiro Pacificador, Christopher Smith, é comumente retratado como insano. Seu capacete além de possuir sensores de presença e outros aparatos, também captura os pensamentos dos fantasmas de quem ele já matou, ao menos é o que acredita o personagem. Na já citada minissérie de 1988, o personagem é enviado para o Vietnã e se mostra como um soldado bastante eficiente, mas tomado pela culpa pelo passado nazista de seu pai.

    Na prática, ele agia como um sujeito que inventava inimigos imaginários, sendo eternamente perseguido, mesmo que somente em sua mente, e essa faceta é muito bem enquadrada por John Cena e pela atmosfera criada pela série de Gunn.

    Apesar de ter claros problemas de conduta, o personagem já fez parte de alguns grupos, como a organização secreta Xeque-Mate, Esquadrão Suicida, Shadow Fighters, L.A.W. (Living Assault Weapons) e League Busters. Além de Smith, outros dois personagens usaram a alcunha de Pacificador, como Mitchel Black, que agiu na época da Crise Infinita, além de outra figura, misteriosa e sem identidade revelada, que assumiu o papel em Justice League International #65, de junho de 1994.

    Curiosidades:

    • O personagem apareceu em Reino do Amanhã, num flashback onde ele, junto aos outros heróis da Charlton, brigam contra o vilão Parasita. Vale perceber a influência de Star Wars, pois seu capacete lembra o de um mandaloriano, estilo Boba Fett. Na história Chris morreu com seus companheiros, quando o Capitão Átomo explodiu;

    • Em algum ponto, ele lideraria um grupo de soldados, chamado Força Pacificadora, que atuaria no Oriente Médio, em busca de “combater o terror”, mas o projeto foi abortado antes mesmo de ser colocado em prática, pelo presidente Gerald Ford;
    • John Cena é o primeiro ator a interpretar o personagem em carne e osso. O ex-lutador de wrestler, famoso por seu carisma e por ter uma trajetória semelhante a Dwayne “The Rock” Johnson parece ter afeiçoado bastante a Smith e seu alter-ego, tanto que assina a produção executiva dessa série;
    • Na série, há participações de alguns personagens da DC, como o já citado Dragão Branco, o mascarado Vigilante, introduzido em novembro de 1941 na revista Action Comics # 42,embora no seriado a versão do Vigilante é segunda, Adrian Chase, personagem introduzido em The New Teen Titans Annual #2 de 1983. Outra participação legal é a do Mestre Judoca, personagem também da Charlton, oriundo Special War Series #4 de novembro 1965;
    • A versão original do personagem pertence à Terra 4 do Multiverso da DC Comics, junto aos outros personagens da Charlton, em PAX Americana, de Grant Morrison e Frank Quitely, podemos acompanhar um pouco desse universo em uma releitura de Watchmen.

  • O Abismo dos Quadrinhos em 2020

    O Abismo dos Quadrinhos em 2020

    Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.

    2020 ficará marcado na história do mundo como um ano trágico, para dizer o mínimo. Ao longo de doze meses, estivemos próximos de ameaças de guerra, desastres naturais, ascensão da extrema direitae ,claro, uma pandemia em escala nunca antes vista na história.

    No meio disso tudo, em Terra Brasilis, a cultura segue relegada ainda que, mais do que nunca, tenha se mostrado essencial para que o ano se tornasse mais palatável em tempos de quarentena e distanciamento social. Não obstante, o mercado editorial sofreu bastante com o aumento do dólar, falta de insumos, ameaça de taxação de livros por parte do governo federal, recuperação judicial das gigantes Saraiva e Livraria Cultura, além do fechamento de diversas livrarias menores. E o que se avizinha para 2021 não é nada promissor.

    Desse modo, o mercado, aliado também a fatores externos, não colaboraram para que a vida do consumidor se tornasse mais fácil. Pelo contrário, o que observamos foram diversas decisões equivocadas. Ainda que os quadrinhos não girem em torno apenas de problemas, faremos um resgate de publicações decepcionantes e escolhas editoriais desacertadas ao longo do ano passado que pode (ou não) ter relação com o que falamos acima.

    Coleções Eaglemoss e Planeta Deagostini

    Os lombadeiros de plantão sofreram forte revés em 2020 com as coleções capitaneadas pela Planeta Deagostini e Eaglemoss. Se a concorrente Salvat iniciou o mês de janeiro com apenas a coleção Tex Gold (Coleção Definitiva Homem-Aranha planejada com 60 volumes foi prematuramente cancelada no volume 40, em março de 2019) na 43ª pelo preço de R$ 59,90 e encerrou na 60ª no valor de R$ 64,90 – um reajuste razoável –, o mesmo não pode ser dito das outras duas. A Eaglemoss iniciou o ano com três coleções: DC Comics – Coleção de Graphic Novels (iniciado em 2014 e até dezembro de 2020 conta com 128 volumes), DC Comics – Coleção de Graphic Novels: Sagas Definitivas (iniciada em junho de 2018 e com mais de 32 volumes) e DC Comics – A Lenda do Batman (iniciada em outubro de 2018 e 41 volumes). Já a Planeta Deagostini segue distribuindo a coleção A Lenda do Batman da Eaglemoss, além de duas coleções próprias: Príncipe Valente (iniciada em outubro de 2018 e até dezembro de 2020 com 66 volumes até o momento) e Snoopy, Charlie Brown & Friends – A Peanuts Collection (iniciada em setembro de 2020 e com 9 volumes até o momento).

    Já não é novidade que os valores praticados pela Eaglemoss não são nenhum pouco atrativos. Com aumentos frequentes e sem qualquer justificativa, a editora permaneceu com a mesma política de não dar a mínima para o seu consumidor. A Coleção A Lenda do Batman abriu o ano de 2020 com o volume 17º, Batman: Nascido Para Matar (156 páginas), com o preço de capa de R$ 49,99, e chegou em dezembro com o volume 41º, Mulher-Gato: Cidade Eterna (180 páginas), pelo preço módicos R$ 73,99. Em compensação, as coleções Graphic Novels e Sagas Definitivas mantiveram os preços congelados de R$ 79,99 e R$ 139,99. Verdadeiros heróis.

    A Planeta Deagostini seguiu com sua coleção de todas as tiras dominicais de Príncipe Valente, que contará com 82 volumes, e iniciou o mês de janeiro de 2020 com o 20º volume (76 páginas) que reúne as tiras de 1956, no preço de capa de R$ 49,99, e encerrou o ano com o 66º volume (64 páginas) reunindo as tiras do ano de 2002, pelo preço de capa de R$ 78,99. A coleção Snoopy, Charlie Brown & Friends – A Peanuts Collection que reúne as tiras dominicais desde 1950 até o ano 2000 em volumes de 64 páginas manteve o preço de R$ 49,99. Veremos o que 2021 nos reserva.

    A ausência da SESI-SP

    A SESI-SP surgiu como uma editora interessante dentro do mercado, publicando material estrangeiro (em especial, europeu) e nacional em formatos e preços convidativos, e claro, ótima qualidade. Por meio dela fomos apresentados (e em alguns casos reapresentados) às séries Valerian, Verões Felizes, Spirou, Gus, Blacksad, autores como Mathieu Bablet (A Bela Morte e Shangri-Lá), Juan Cavia e Filipe Melo (Os Vampiros), Gabriel Mourão e Olavo Costa (Paraíba), Marcelo Lelis (Anuí), Gidalti Jr. (Castanha do Pará), Orlandeli (SIC, O Mundo de Yang, Daruma, etc), Gustavo Tertoleone e João Gabriel (Nobre Lobo), Jennifer L. Holm e Matthew Holm (Sunny) e tantos outros.

    A publicações minguaram em 2019, se reservando apenas aos materiais já programados e anunciados ainda em 2018 e publicados em sua esmagadora maioria no primeiro semestre do referido ano. Se o ano anterior já foi péssimo, 2020 reservou o total de ZERO publicações.

    A explicação é simples: antes mesmo da posse do atual presidente da República, já havia sido declarado guerra ao Sistema S, conjunto de nove instituições de interesse de categorias profissionais – Sebrae, Senac, Senai, Senar, Senat, Sesc, Sescoop, Sesi e Sest – que promovem atividades sociais e de aprendizagem, e emprega mais de 150 mil funcionários, mantidas pelas contribuições, pagas compulsoriamente pelos empregadores. Em 2019, o governo federal fixou um corte compulsório de 30% no orçamento dessas instituições, e com a pandemia isso se agravou ainda mais com o corte de contribuições. Que dias melhores se anunciem para a editora.

    O descaso da L&PM com as tiras de Peanuts

    Em novembro de 2009, a L&PM publicou o primeiro volume de Peanuts Completo, que reuniu as tiras diárias e dominicais, de uma coletânea de 25 volumes lançada nos EUA pela Fantagraphics. A editora americana tem um planejamento de dois livros por ano durante 12 anos e meio do material completo do clássico de Charles M. Schulz, Peanuts. Um projeto ambicioso sem dúvida. E até maio de 2019 a L&PM seguiu com um álbum por ano, totalizando 10 volumes até então.

    Para surpresa de todos, em 2020 a editora decidiu reiniciar do primeiro volume por meio de outra coleção mais simples da Fantagraphics, o que não seria um problema se houvesse algum indicativo de continuidade da coleção antiga ou sequer qualquer comunicado oficial por parte dos editores do que motivaram tal decisão. Se isso não fosse o bastante, os últimos volumes da coleção antiga esgotaram rapidamente e não há previsão de novas tiragens, de modo que não me parece ser o caso de vendas baixas, como também não se sabe se a série continuará nesse novo formato. Só nos resta aguardar e torcer para que a série não seja descontinuada como já aconteceu com outras tiras (Hagar, Garfield etc).

    A gourmetização dos quadrinhos

    O processo de elitização dos quadrinhos não é algo novo, já se fala sobre esse desenvolvimento há muitos anos. Mas tem acelerado bastante nos últimos três anos. Com a crise do mercado editorial, as editoras perceberam que a idade média do seu leitor aumentou muito. Não se tem mais crianças consumindo como acontecia no passado. Se por um lado esse fator geracional proporciona maior liberdade criativa e variedade de estilos, por outro tem avançado por parte das editoras a publicação de materiais cada vez mais luxuosos, culminando nos fatídicos omnibus em 2020. O que, pra ser sincero, não vejo como um problema, desde que esses materiais publicados nesse formato tivessem opções mais acessíveis em um passado recente. Veja, Quarteto Fantástico do John Byrne é um material pedido por leitores há anos, mas quando colocado no mercado a Panini opta por uma tiragem pequena, com o preço de capa de R$ 349,00, atingindo apenas uma pequena parcela do seu mercado consumidor. Em contrapartida, não vejo problema da editora apostar em materiais de luxo como anunciou com Monstro do Pântano, Miracleman e Noites de Trevas Metal (arghh). Afinal, há pouco tempo atrás tivemos acesso a esses materiais em um formato econômico. Logicamente, o preço praticado é uma outra discussão, que evidentemente, não pode ser separada de temas como aumento do dólar, falta de matéria-prima e problemas de distribuição.

    No entanto, o que se vê entre o mercado consumidor e influencers digitais é um (quase) completo silêncio em relação aos preços, e muitas comemorações com formatos cada vez mais luxuosos. Enquanto isso, nós nos enganamos que existe um processo de democratização da leitura e a Panini, principal player do mercado editorial de quadrinhos, se engana que está renovando seu público com encadernados Kids e Teens por mais de R$ 30,00. A nossa única certeza é que muita gente que lê Turma da Mônica não vai migrar para outros produtos.

    A Maurício de Sousa, o Boldinho e a censura

    E por falar em Turma da Mônica…

    No final de 2020, fomos surpreendidos, negativamente, com a notícia de que a Maurício de Sousa Produções havia notificado extrajudicialmente o cartunista underground Daniel Paiva em razão de sua paródia da Turma da Mônica, por conta de seu personagem Boldinho. Sim, Maurício de Sousa, o homem que tanto parodiou outros personagens, obras e histórias decidiu ameaçar de processo quem o parodiava com base na Lei de Direitos Autorais.

    Segundo a empresa, o personagem Boldinho e os demais coadjuvantes associavam a MSP ao consumo de entorpecentes, entre outras coisas. Sim, o personagem lida com temas voltados às drogas e transversais, em especial, maconha. No entanto, esse material não é comercializado para o público infantil, e sequer circula nesse meio.

    Causa estranheza tais argumentos para quem acompanha a empresa, já que em 2013 o Cebolinha em uma propaganda da AMBEV ensinou as crianças que tomar cerveja era um hábito transgeracional, apenas ensinando as crianças que existia uma idade correta para consumir bebidas com álcool. Em 2018, a parceria se deu com a indústria armamentista brasileira. Pelo visto a preocupação com a defesa da infância se dá em maior ou menor grau conforme os dígitos que entram na conta bancária da empresa.

    As baixas tiragens de mangás da Panini

    Se o aumento de preço frequente já é fator fundamental no dia-a-dia de qualquer consumidor de quadrinhos, os leitores de mangás da Panini ainda precisam se preocupar com as tiragens limitadíssimas da editora. Em 2020, isso parece ter se agravado ainda mais com diversos mangás recém-lançados esgotados em semanas. Isso se deu com títulos dos mais diversos, desde os mais simples até os mais luxuosos. E nós, reles mortais que ficamos equilibrando nossas finanças para poder adquirir os quadrinhos do mês entre uma promoção e outra, ainda nos deparamos com buracos em nossas coleções pela completa falta de planejamento de uma editora que sequer faz ideia do público que possui.

    O cancelamento e adiamento das feiras e convenções de quadrinhos

    Não é novidade que cultura e arte são pouco valorizados por aqui. Com a chegada do governo Bolsonaro e da pandemia, o que vemos é um cenário caótico para muitos artistas. O Fundo Nacional da Cultura seria uma ferramenta para suprir esta demanda em um momento atípico como este parece inexistente, e muitos deles dependem da ajuda de amigos para subsistência. Na área de quadrinhos não poderia ser diferente.

    Após os cancelamentos de boa parte das feiras e convenções o cenário se tornou ainda mais difícil para artistas e pequenas editoras que dependem desses eventos segmentados como importante fonte de renda. Enquanto não existe uma política pública adequada, eles se viram como podem, seja por comissions, promoções, plataformas de financiamento coletivo, e em alguns casos, ajuda de amigos.

    A crise da distribuição

    Já não é novidade para ninguém da crise de distribuição existente em um país de escala continental como o Brasil. Contudo, a pandemia parece ter surgido para acelerar processos, para o bem e para o mal. Em 6 de novembro, a Dinap e a Treelog, empresas integrantes do Grupo Abril, informaram o rompimento de contratos, unilateralmente, com suas editoras-contratantes. O problema de distribuição e consignação tem se agravado nos últimos anos, principalmente com o processo de recuperação judicial do Grupo Abril, mas agora parece que a pandemia colocou a última pá de cal neste sistema.

    2021 será um desafio para as editoras que dependem da do Grupo Abril, como ocorre com a Mythos. Além disso, esperamos que os problemas de consignação não tragam mais problemas ainda para as editoras, como ocorreu com a inadimplência da Saraiva e Cultura, que além de não devolver os produtos consignados, ainda não pagou por eles. Hoje as editoras aguardam na fila de credores para receber uma parte do que é seu por direito.

    O retorno dos mixes

    Após alguns anos sem publicação de quadrinhos no formato mix nas publicações mensais, 2020 também ficou marcado pelo anúncio da Panini em uma live no YouTube na CCXP Worlds sobre o retorno desse tipo de compilação editorial.

    Obviamente, muitos fãs se decepcionaram com a editora (mais uma vez), já que há algum tempo podiam acompanhar seus personagens em revista solo mensais ou em encadernados que reuniam arcos de histórias sequenciadas, e esperavam acompanhar o Thor do Donny Cates, Capitão América do Ta-Nehisi Coates e etc. de forma individualizada. Pelo visto as vendas não estavam agradando e a Panini decidiu retomar a prática do mercado editorial brasileiro durante décadas.

    Aos que seguirão acompanhando, torço para que a editora ao menos faça um bom mix, o que sequer ocorreu na revista Batman & Superman (já cancelada pela Panini) que tinha tudo, menos Batman & Superman.

    A não-tradução do omnibus do Conan

    Neste mesmo ano a Panini decidiu colocar no mercado seu primeiro omnibus – diversas edições que foram publicados separadamente compiladas em um volume único – e o personagem escolhido foi o Conan. A edição de mais de 700 páginas reúne o material publicado pela Marvel Comics nos anos 1970 nas revistas Conan: The Barbarian e Savage Tales.

    Ainda que se trate de um material de luxo, com preço de capa de R$ 249,00 (duzentos e quarenta e nove reais), a editora achou que seria de bom tom não traduzir quase 70 páginas de material extra existente na edição, ou seja, aproximadamente 10% do material não é possível ler em português. Um completo desrespeito ao público brasileiro, mas que diz muito sobre nosso consumidor, já que em poucos dias o material já era impossível de ser encontrado para compra. A resposta da editora foi a pior possível, informando que outros países de língua não-inglesa, como Itália e Espanha, saiu da mesma forma. O que só deixa claro que o editorial da Panini nesses países é tão patético quanto no Brasil.

    É óbvio que os extras de uma edição como essa não seria lido por todos, no entanto, num país de língua portuguesa, o mínimo que se espera é que o material seja publicado em… língua portuguesa. Do contrário, você está segregando leitores. Para piorar, a editora anunciou o volume 2 e disparou que não traduziria todos os extras, mas apenas uma parte deles. O brasileiro merece a Panini.

    Destro

    Sem romantismos do tipo “quadrinhos são uma mídia progressista, criados e consumidos pela classe trabalhadora”. Qualquer discussão nesse sentido ignora o processo de elitização da mídia, não só no Brasil, mas no mundo, e ainda ignora que uma parcela da classe trabalhadora é conservadora. Ora, em um cenário onde o sistema hegemônico é o capitalismo e a filosofia social que rege boa parte do mundo é o conservadorismo ou o liberalismo, não me causa qualquer estranheza que quadrinhos de direita tenham crescido nos últimos anos. E Destro e seu autor é apenas um expoente desse movimento no Brasil. Importante lembrarmos que Stan Lee criou o Pantera Negra antes do Partido dos Panteras Negras e tentou de todas as formas que seu personagem fosse vinculado ao movimento, Steve Ditko era grande apaixonado pela obra e filosofia de Ayn Rand e isso se refletiu até mesmo no sobrenome do personagem Punho de Ferro, Frank Miller despejou xenofobia em um passado recente e criticou o movimento Occupy Wall Street, entre tantos outros autores controversos e de direita que fizeram falas problemáticas, como Chuck Dixon, John Byrne, Bill Willingham etc. Nem todos são Alan Moore.

    No Brasil, Luciano Cunha publicou os quadrinhos do Doutrinador em 2013, início do processo de efervescência política nas ruas e redes sociais. O personagem ganhou filme anos depois e com a crescente polarização o autor foi se movendo cada vez mais à direita no espectro político, deixando de lado o discurso de “Fora Todos” e contra corrupção e se posicionando favorável a movimentos de extrema-direita e ao próprio presidente Jair Bolsonaro. Toda essa mudança culminou no lançamento de Destro, em 2020, ao lado do ilustrador Michel Gomes. Por alguma razão, Cunha optou por lançar meio do pseudônimo Ed Campos.

    Na trama, conhecemos uma São Paulo distópica do ano de 2045 governada pelos comunistas globalistas, onde o “real” foi substituído pela moeda “real rubro”, com a figura de Che Guevara estampadas em suas células e a população precisa caçar ratos para se alimentar. Destro é nosso herói, um vigilante destinado a lutar por nossa liberdade e derrubar esse governo que impõe sua agenda progressista, anti-conservadora, anti-cristã e outras idiotices do gênero (risos).

    O projeto foi financiado pelo Catarse e alcançou uma marca impressionante de quase R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), algo bastante considerável neste meio, mas que não causa espanto para quem o acompanha. Com frequência acompanhamos o público conservador, no Brasil e no mundo, se mobilizando de forma contrária à qualquer menção progressista dentro dos quadrinhos de super-heróis, sendo taxada de “lacração”, “mimimi” e “politicamente correto”. Desse modo é natural que Destro atinja tal público e já tenha sido licenciada em vários países antes mesmo de seu lançamento, enquanto outros artistas ainda lutam por seu lugar ao sol. Talvez isso seja um reflexo de como esses leitores tem uma certa dificuldade em crescerem, como Moore gosta de lembrar.

    Se você acha pouco, o autor está trabalhando em uma sequência de Doutrinador, dessa vez contra o globalismo (e lá vamos nós) e o vírus chinês (Família Bolsonaro e Ernesto Araújo aprovam). Para finalizar, encerro este assunto com duas belas páginas de Destro matando ratos com sua pistola (?!) para se alimentar. Genial!

  • Resenha | Spartacus – Howard Fast

    Resenha | Spartacus – Howard Fast

    Spartacus, romance escrito por Howard Fast e adaptado para o audiovisual em Spartacus de Stanley Kubrick, e posteriormente, na série da Starz Spartacus: Blood and Sand. Lançado em 1951, o livro conta a história da revolta de escravos liderada pelo personagem-título no ano 71 aC.

    Nota-se na escrita de Fast uma linguagem formal, em atenção à época imperial romana. Se discute bastante o papel dos escravos na república romana e a facilidade que se tem de construir estradas em poucos dias através dessa força de trabalho não-assalariada, além de escrutinar se foi Roma que gerou Spartacus.

    Toda a história por trás do filme de Kubrick geraria um estudo por si só, dada a questão conturbada que fez com que o diretor evitasse a todo custo filmes de estúdio. As histórias paralelas do livro, envolvendo os personagens secundárias, foram muito sublimadas no filme, e nesse ponto, a série da Starz acerta por dar mais camadas aos personagens que circundam o protagonista, e é importante que isso ocorra, pois Fast pensou nele como o líder de uma revolução, e uma revolução não se faz sozinho.

    A realidade é que nenhum personagem que passa pelo encontro com o líder da rebelião passa incólume, em uma comparação de impacto com outro personagem clássico que também ostenta espada, no caso Conan, O Bárbaro, ainda que eles tenham motivações e personalidades muito diferentes entre eles.

    Há bastante lirismo e poesia nas descrições que Fast faz a respeito dos sacrifícios do escravo revoltado. O que ele fala a respeito de não poder vomitar para não desperdiçar nada que está no estômago dá bem a dimensão de como era difícil lidar com as condições enfrentadas.

    As questões relativas a homossexualidade são tratadas de maneira pejorativa, talvez por conta do preconceito da própria época em que o livro foi escrito, já que questões envolvendo sexualidade na Roma Antiga eram vistos de forma completamente diferente daquelas encaradas nos anos 1950. Esse aspecto foi bastante explorado na série da Starz, e também é citado no livro. Os treinadores de gladiadores acreditam que tem que satisfazer sexualmente seus lutadores para que a masculinidade deles não atrofiasse, e foi nesse ínterim que Spartacus teve sua primeira noite de prazer. No entanto, o que Fast escreve foi traduzido de maneira exagerada nas duas mais famosas versões de seu personagem. Não há uma valorização conservadora da virgindade, como visto no cinema, muito menos a libertinagem mostrada no seriado. Há significado e pragmatismo. Os escravos sabiam que eram seres coisificados e que todos os seus pares também eram objetos, e por isso, não deveriam guardar sentimentos mais profundos.

    Outro ponto interessante se dá na forma como os nobres encaram os eventos orquestrados por Spartacus, ao achar que a revolta não é um evento isolado, mas uma guerra contínua. Há um claro subtexto de luta de classes, talvez por conta de sua militância política, já que participava de movimentos sindicais e antifascistas, e por isso, foi perseguido pelo macarthismo, assim como o roteirista que adaptou a obra para os cinemas em 1960, Dalton Trumbo.

    Spartacus se assusta com a volúpia que os romanos têm em matar. Para ele, o valor que os imperiais dão à vida dos outros é praticamente nulo, e essa é a diferença civilizatória entre os tiranos e os explorados. Fast detalha bem os povos que formavam os grupos de escravos.

    Há uma beleza poética no final, em Varínia se entregando ao sexo pós-morte do seu amado, e ao suicídio de um dos poderosos, que faz isso prevendo que sua classe morrerá. Spartacus é um livro claramente político, ainda que seja repleto de aventura, o autor não se omite em discutir o autoritarismo e nazifascismo utilizando os romanos como exemplo de opressão. O fim da vida do herói serve também de prenúncio à queda romana, já que demonstra a inteligência dos escravos, além de sua capacidade de pensamento e mobilização, ao contrário da torpe premissa de que os romanos eram os únicos seres pensantes da época. A mensagem que Fast passa é que mesmo que a batalha seja perdida, é preciso travá-la.

    Compre: Spartacus – Howard Fast.

  • Resenha | Como Esmagar o Fascismo – Leon Trotsky

    Resenha | Como Esmagar o Fascismo – Leon Trotsky

    “[…] nós não temos medo dos fascistas, senhores. Eles vão sumir daqui mais rápido do que qualquer outro governo.”

    Será? Diferente do que pode-se esperar, devido ao título da obra, Como Esmagar o Fascismo não indica uma receita mágica e imediatista contra o oportunismo que corrói as mentes e corações das nações diante de imensos problemas a serem enfrentados. O fascismo não tem hora para ir embora, depende de nós, mas está sempre a espreita; nunca morre. Revivido de geração a geração, o fantasma sedutor do “desespero contrarrevolucionário”, como bem aponta Leon Trotsky, volta para nos lembrar que nenhuma paz é duradoura, e que diante de tempestades, nós nunca devemos baixar a guarda a ponto de subestimar seu poder de corrupção. Nossos monstros não surgem do nada. Eles são construídos, e permitidos, por quem dorme achando que o jogo está ganho.

    Colocando o tema sob uma perspectiva histórica, o líder comunista Leon Trotsky analisa em diversas cartas antes da Segunda Guerra Mundial, aqui brilhantemente traduzidas para o português, todo o processo de envenenamento político e ideológico do povo alemão, francês e espanhol logo após o término da Primeira Guerra, e o super colapso econômico de 1929. Nota-se que, com países e valores nacionais entregues a uma frágil democracia europeia, e rendidos a um capitalismo agonizante, não demorou muito para os ratos do convés (eles não surgem do nada) enxergarem um terreno perfeito para virem à tona. Fato é que, com uma pequena burguesia e seu capital monopolista perdidos na névoa da instabilidade econômica e política, e uma classe trabalhadora sentindo-se injustiçada, às traças, qualquer um, ou melhor, qualquer persuasão em terra de cego vira lei.

    Por subestimar esse “qualquer um”, a esquerda europeia perdeu o jogo e viu o fascismo de antes evoluir, aos poucos, para um nazi-fascismo sem precedentes na história, com a ascensão de Adolf Hitler e seu apoio cada vez maior do povo alemão, enquanto a democracia europeia era usada para eleger demônios antirreformistas, antirrevolucionários e antiprogressistas, em suma. Nota-se, na prática, o quanto o fascismo cria abismos entre as classes, amplia a diferença entre seus interesses, e faz o povo duvidar de si mesmo, tornando-o fraco feito cristal. Assim, Trotsky na publicação da editora Autonomia Literária defende, em um compilado de reflexões inesquecíveis, uma estratégia clara e urgente do proletariado para ir à luta contra sistemas políticos peçonhentos, sempre com seus avatares de novos rostos e mofados discursos. Antes nos palanques, hoje reforçados pelas redes sociais, e outras plataformas de lavagem cerebral e corrupção moral. É claro que a luta será demonizada, e por isso mesmo a estratégia se faz imprescindível no combate.

    Sem apelar para os extremos, e sim a uma radicalização da classe trabalhadora em tempos de grande perigo, muitas vezes não-reconhecido, Como Esmagar o Fascismo joga uma luz impiedosamente crítica e alarmante para a eficiente e atemporal manobra de se alimentar grande problemas, para enfim, apresentar uma nova solução – que de novidade não carrega nada, apoiando-se numa sociedade pouco escolarizada e má formada historicamente para voltar em cena. Tal um velho filme de Charles Chaplin que, exibido a uma plateia que desconhece o gênio, pode ser convencida de presenciar algo inédito e esperançoso, este é o poder cruel do fascismo, além de se adaptar as épocas com rapidez e irreverência impressionantes. O sucesso eleitoral nazista, em 1932, provou como a agonia de um povo o arremessa a um possível suicídio político e ideológico, no que Trotsky reforça ser culpa, em larga escala, de uma esquerda desorganizada, e que nunca leva em conta a força de uma burguesia unida, com seus pares e seus múltiplos recursos persuasivos.

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  • Crítica | Zoya

    Crítica | Zoya

    Produção do estúdio de cinema Soyuzderfilm lançada em 1944, Zoya é uma produção soviética, em preto e branco e um registro cinebiográfico da vida de Zoya Kosmodermyamskaya, uma militante e combatente russa que lutou contra a invasão nazista na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). O filme começa com a chegada de uma pessoa estranha numa instalação militar que só tinha homens. Logo, percebem ser essa pessoa uma mulher e a levam até os lideres do regimento nazista. O sujeito dá um tapa com as costas da mão na mulher, interpretada por Galina Vodyanitskaya, basicamente porque ela se mantem em silêncio. Aos poucos, a história da personagem real é desenvolvida, com direito a um retorno à época de sua infância.

    Quando retorna ao passado, o filme relembra os períodos da Revolução Soviética e utiliza imagens reais de Josef Stalin, soando como uma propaganda do governo, mas sem compromisso de louvar a figura do líder soviético, mas demonstrando apenas o teor informacional. A forma como aparecem essas referências não tem demora, o foco narrativa nesse trecho é na construção do código ético da personagem, que já no início, era estabelecido pela sua militância e estudos, visando tornar a juventude em algo mais que apenas massa de manobra.

    No longa é retratado que durante a ofensiva alemã, uma das maiores armas contra a ideologia nazifascista foi a instrução da juventude, que ocupava sua mente com conceitos que punham o povo como soberano, um pensamento que tinha nos trabalhadores seu foco central e suas articulações, dessa forma, a ascensão do Fuhrer e de uma mentalidade segregadora batiam de frente com o ideal não só de Zoya, como de todos os seus contemporâneos. Ora, para aquele juventude não existia alternativa senão o combate de forma veemente a ideologia de Adolf Hitler, Benito Mussolini e outros líderes de extrema-direita.

    O filme foi lançado em Novembro de 1944, alguns poucos meses depois de Dia D onde as forças aliadas invadiram a Normandia, ou seja, é uma obra bem contemporânea. Os letreiros que descrevem as ações de Zoya dão a ela um caráter de heroísmo, mas não tornam ela um incidente isolado, ao contrário, fica claro que ela e tantos outros compatriotas se juntaram no esforço de guerra contra o Eixo. Falando assim parece maniqueísta a premissa, e de fato é quase impossível não soar assim dada a época do filme, mas o exemplo da personagem-título serve demais ao propósito de mostrar como prevenir a simpatia ou tolerância ao nazifascismo.

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  • Resenha | O Longo Adeus a Pinochet – Ariel Dorfman

    Resenha | O Longo Adeus a Pinochet – Ariel Dorfman

    O Longo Adeus a Pinochet (Companhia das Letras), de Ariel Dorfman é um livro que mistura momentos de jornalismo literário e crônica política sobre a História chilena. O ponto de partida é a informação sobre a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, em Londres, em 1998. A partir daí, o autor, que trabalhou para o ex-presidente Salvador Allende antes do golpe, agora exilado, percorre meio-mundo para recontar a memória do Chile e exigir justiça contra o ditador.

    A narração é ágil, mistura elementos do presente e do passado, e a impressão que temos é que Dorfman quer explicar muita coisa em pouco espaço porque algo impressionante irá acontecer. A escrita é ansiosa; como se o escritor estivesse a segundos de Pinochet e quisesse mostrar ao leitor a face mais profunda da ditadura chilena para que o motivo alegado pelo ex-general (insanidade mental), não cole para aliviar a pena dele. Dorfman é um participante da História do Chile.

    Como ex-assessor do ex-presidente Allende, primeiro presidente socialista eleito democraticamente na América Latina, o escritor viu a ditadura engolir os seus amigos e outros milhares de chilenos; Dorfman viu pessoas desaparecerem, bairros desaparecerem e, acompanhou, com a esperança de um exilado aos dezessete anos, que o crime do ex-general finalmente fosse julgado. Com a prisão do genocida, Dorfman quer observar e exigir justiça da primeira fila. Para isso, não cai no mérito legal do caso, coisa que poderia tornar o texto labiríntico e de difícil compreensão, ao invés, o autor se atém aos significados políticos e simbólicos dessa condenação.

    O passado perpassa o presente. A todo o momento temos flashbacks de uma história que ainda se repete: repressões, mortes, desaparecimentos, violência de todo o tipo, atrocidades, tudo documentado pelo escritor. Por isso a escrita de Dorfman é urgente, um grito que demorou anos para ganhar o mundo. O escritor acompanha o processo e, em uma narração que beira o autobiográfico, nos entrega um relato forte sobre a necessidade que os crimes cometidos contra a humanidade possam ser julgados em outros países.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Crítica | Operação Final

    Crítica | Operação Final

    Ainda sob os vestígios ultra recentes de uma segunda grande guerra mundial, agentes secretos israelenses descobrem que um oficial nazista, responsável por inúmeras mortes e tragédias, está refugiado na Argentina. Nisso, uma operação toma forma para capturar o perigoso e calculista Adolf Eichmann, a fim de levá-lo a responder por seus crimes em Israel, e evitar assim a impunidade que pode parecer existir a qualquer outro que queira seguir os seus exemplos homicidas. E é justamente essa busca ambígua por justiça que norteia a trama do melhor filme da carreira de Chris Weitz, o cineasta de O Céu Pode Esperar e A Saga Crepúsculo: Lua Nova.

    Pela sua narrativa cheia de pequenos grandes episódios, todos preocupados a explicar cada detalhe de uma história de perseguição por meio de diálogos expositivos, Operação Final parece, em inúmeros momentos, ser baseado em algum livro semi ou totalmente desconhecido sobre as consequências do maior conflito da humanidade a ferir seus direitos básicos, e provocar mazelas civilizatórias e culturais ainda muito sentidas, principalmente nos idos que o filme de Weitz se passa. Todos ainda lidam com seus traumas, e tocam a vida como podem, principalmente em solo israelita, entre bares e casas de família ainda sob uma tensão que parece, aos poucos, dar lugar a uma paz ainda que ilusória.

    Na verdade, pode-se fazer aqui um paralelo bastante curioso e deveras específico com O Espião que Sabia Demais, outro exemplar desse mundo de agentes secretos cuja atmosfera de desconfiança e de paranoias onipresentes é bastante similar a obra, em questão. Ambos os filmes conseguem nos seduzir facilmente, e com muito charme e elegância, para esse mundo onde tudo é uma pista em potencial rumo a um alvo único, ou não, e ninguém é confiável nas trevas onde esses agentes operam. Uma realidade na qual seus profissionais estão condenados a ter uma vida pessoal interrompida por qualquer ligação chamando ao dever, a qualquer hora, e seria por isso que Oscar Isaac encaixa-se perfeitamente no papel de Peter Malkin, peça-chave na operação rumo ao paradeiro de Eichmann. Poucos atores conseguem atuar sem alma nos olhos igual Oscar. Eis então o típico homem de gelo.

    Junto de um pequeno grupo de aliados infiltrados na América Latina, Malkin chega a Argentina e rapidamente captura o oficial nazista, conseguindo prendê-lo sem dificuldades tamanha a precisão da operação título, só para descobrir que tudo ficaria mais difícil a partir de agora, pois Eichmann não se propõe a ajudar ninguém através de suas declarações, mesmo sendo deixado vivo e alimentado pelo povo que ajudou a executar. Ben Kingsley encarna o vilão com maestria esperada para um velho mestre do seu naipe, e nas cenas de reclusão, em seu quarto escuro manipulando oficiais israelenses com mil e uma palavras, sua atuação certamente torna-se a coisa mais preciosa de Operação Final, e quando nazista e israelense começam a estreitar laços de afinidade, e amizade, a linha entre pessoalidade e profissionalismo desfoca em todos os sentidos. A forma como Weitz acha humanidade na sua história é interessante, extraindo um drama saudável tanto de uma relação imprevista, quanto de uma fatia histórica praticamente impossível de se ignorar.

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  • Crítica | Uma Questão Pessoal

    Crítica | Uma Questão Pessoal

    Desde que Guerra ao Terror ganhou o Oscar, e Clint Eastwood fez uma ode ao vício estadunidense por auto bajulação, com Sniper Americano (um dos 50 filmes mais lucrativos nas bilheterias americanas de todos os tempos), poucos filmes no mundo tentaram e de fato foram bem-sucedidos em mostrar conflitos de proporções bélicas alarmantes, em diversos cenários onde ainda explodem e devastam a pacificidade que pessoas, suas tribos e culturas precisam ter para resistir, sobreviver, e por fim, se isso é possível em lugares como Israel e Palestina, viver.

    Agindo como se todo tipo de visão já tenha sido destilada ao público de Cinema, os “filmes de guerra” hoje em dia (com exceção de Os Campos Voltarão em 2014, o último filme do mestre Ermanno Olmi antes da sua morte) focam mais nas consequências paralelas e/ou posteriores de se passar por uma situação dessas; como se o centro da problemática não fosse mais o foco nas bombas e seus dramas de campo de batalha, e sim as suas questões periféricas, familiares, suas marolas, seus efeitos no homem ou na sociedade que sempre o torna quem ele(a) é, e que colhe os frutos do conflito armado que soldados e seus comandantes presenciam a ferro, fogo e sangue.

    Essa manobra discursiva, algo simbolizado por Stanley Kubrick nos dois filmes que existem dentro de Nascido para Matar, abraçando tanto o lado dos fuzis e das explosões (a violência gráfica de uma guerra), quanto o stress psicológico resultante de uma constante tensão onipresente, e suas avaliações dentro de um quartel general norte-americano, essa abordagem desse último lado menos icônico mas com grande potencial de aprofundamento dramático, estudando o comportamento das pessoas vivendo dia após dia uma situação desumana, deve-se a incrível capacidade de toda obra de arte de nos impactar, na forma que for, e dialogar com as nossas experiências de vida – sejam elas quais forem.

    Uma Questão Pessoal é uma boa prova disso, conectando-nos em pleno solo italiano a uma segunda grande guerra mundial cujas lembranças latentes a fazem respirar eternamente, encontrando por isso fortes ecos hoje e amanhã num sem-número de produções culturais ao redor do nosso pequeno grande globo que, para a raça humana, poucas vezes foi tão complexo quanto no conturbado vigésimo século D.C. Tendo como contexto histórico a luta contra o nazifascismo em 1943, o filme da dupla Paolo e Vittorio Taviani, adaptando de modo deliciosamente visual uma das mais importantes obras da literatura italiana, o homônimo livro de Beppe Fenoglio, foca na luta interna do militar Milton, vagando pelas colinas e campos de Langhe no noroeste da Itália, dividido entre ajudar seu país e se prender de vez no amor que ele sabe ser a mulher da sua vida.

    De espírito benevolente, Milton vaga entre a danação do seu povo, e o resistir militar do mesmo, mas sem nunca conseguir colocar em segundo plano a história que viveu e ousa resgatar a quase todo momento com a doce e bela Fulvia, aquela que dança em tempos em que isso é proibido. Assim, o título de Uma Questão Pessoal ironiza o ótimo equilíbrio que tanto livro e filme conseguem atingir entre as esferas militares e particulares de um homem que se arrisca e se devota sem descanso a duas questões, uma nacionalista e muito mais ampla, e a outra invariavelmente emocional e pertinente só a si mesmo e mais ninguém (a cena na qual Milton encontra seus velhos pais, muito próximo de soldados inimigos, e os abraça como um raio, partindo em questão de segundos para não chamar a atenção, é dolorosamente maravilhosa).

    A narrativa imagética da adaptação do livro de Fenoglio merece um capítulo à parte, sendo que o filme faz uso aqui de um ótimo e contido trabalho de câmera, ainda que por vezes ousado e totalmente participativo de uma dramaticidade acionária que nunca descansa, nunca deixa de nos surpreender, principalmente nos minutos iniciais e que nos fazem submergir as forças reais que movem a história: Medo político, a expectativa de estar sempre passos à frente dos inimigos fascistas, os aliados à resistência, o mundo externo que chama para as incertezas da neblina e que não deixa Milton relembrar seu passado, mais simples e infinitamente mais feliz. Por essas e por outras, eis aqui uma história (e filme) muito maior que os seus rótulos, e que por mais que guarde semelhança com uma típica obra de conflitos armados, carregando todos os seus típicos elementos de gênero, consegue ir além dos limites do seu gênero, tal como o recente e magnífico Timbuktu. Outros cenários políticos, mesmos dilemas humanos.

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  • Crítica | A Outra História Americana

    Crítica | A Outra História Americana

    Tony Kaye trouxe à luz o jovem clássico A Outra História Americana, um filme incisivo sobre questões de intolerância e preconceito, que chegava aos cinemas em 1998. O início do longa ocorre em preto e branco, mostrando uma família estranha e desajustada chamada Vyniard, comandada – ao menos no meio da noite – por Derek (Edward Norton) um jovem supremacista branco, que tem armas pela casa inteira, cartazes de louvor ao pensamento de extrema direita e uma tatuagem no peito esquerdo de uma suástica nazista.

    Os primeiros eventos do filme mostram o irmão mais velho transando com uma moça, e seu irmão Danny (Edward Furlong) acordando por conta o barulho do lado de fora da casa. Ao perceber que eram assaltantes negros, ele interrompe o ato sexual do irmão, que se levanta, toma um revólver e tenta assassinar os jovens que tentavam roubar seu carro. A câmera registra esses eventos lentamente, mostrando em detalhes a crueldade do sujeito que, para todos os efeitos, falava em tom de autodefesa, de que só havia feito aquilo para proteger sua propriedade e a vida dos seus.

    Logo, o primogênito sai de cena e o filme foca no irmão caçula, Danny, e nesse ponto é mostrado o Dr. Bob Sweeney (Avery Brooks), um professor inteligente e letrado que não desiste do menino que flerta com a delinquência. Na mente do docente, ele perdeu Derek, mas não queria perder o outro irmão, já que quando novo, Derek se revolta com uma tragédia familiar, e em meio a essa juventude sem argumentos válidos e apelando sempre para um pensamento simplista, revelou seu pensamento racista, culpando tudo que é não branco pelos males do país, inclusive por aquilo que lhe ocorreu.

    Kaye diferencia o filme através das cores, as partes coloridas mostram o presente da história, enquanto o passado é retratado em preto e branco. A identidade passada de Derek, um garoto ardiloso, capaz de travar um jogo de basquete contra os negros do bairro só para tentar provar a eles que os Vyniard e seus amigos são melhores e mais bem preparados, dignos da glória de ter uma quadra pública só para si.

    O objetivo central do filme é mostrar os personagens como humanos, seres falhos, mostrando que esse pensamento não é exclusivo de monstros, e sim de gente com mente fraca, fragilizada e desesperada, que se agarra em um discurso desonesto, imoral e oportunista por falta de opção, se valendo de valores comuns e caros a todos para se estabelecer como comportamento dominante.

    Em seu retorno, após passar pela prisão, a transformação de Derek não é só física. Ele perdeu 22 quilos, deixou o cabelo crescer e tem vergonha de ficar sem camisa exatamente por conta de suas tatuagens. Ao voltar da prisão ele realmente parece diferente, cobrando moralidade de seus parentes. Só após algum tempo de exibição é que é elucidada como terminou a cena do início, e o quão violenta e grave era ação do personagem central. Danny mudou e se tornou um skinhead após ver seu irmão matando um negro a sangue frio. Aquele foi o momento em que ambos mudariam drasticamente, o início do processo de redenção de um e deterioração do outro.

    O roteiro de David McKenna é tão franco e pragmático que não se permite ser sonhador ou ingênuo, mostrando que os destinos das pessoas que se envolvem ou se envolveram com ideias dessa natureza ou com a intolerância pura e simples, tendem a sofrer, mesmo que se arrependam e vivam de modo diferente. A Outra História Americana mostra de maneira certeira o quanto o fascismo pode facilmente tocar as pessoas simples, ajudando a evocar os piores sentimentos possíveis, dominando corações e mentes com facilidade, e deixando apenas um rastro de sangue e tristeza por onde passou.

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  • VortCast 58 | Maus e as Atrocidades do Nazifascismo

    VortCast 58 | Maus e as Atrocidades do Nazifascismo

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Thiago Augusto Corrêa (tdmundomente) e Filipe Pereira (@filipepereiral) recebem Delfin (@DelReyDelfin), do Terra Zero, para comentar um pouco sobre a obra de arte de Art Spiegelman: Maus. Falamos um pouco sobre a carreira do artista, o contexto geopolítico existente na época e a importância de toda essa discussão nos dias de hoje.

    Duração: 112 min.
    Edição: Pablo Grilo, Caio Amorim e Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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  • Crítica | Getúlio

    Crítica | Getúlio

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    Getúlio Vargas foi um dos maiores nomes da política brasileira e um dos comandantes mais importantes da história do Brasil. O período de quase 20 anos do político no poder transformou radicalmente a face da República brasileira, o que levantou paixões a seu favor e contra, especialmente ao final de sua administração.

    O filme de João Jardim (do excelente Lixo Extraordinário), com roteiro de George Moura, retrata os últimos 19 dias da vida do ex-presidente, quando o governo é acometido por um turbilhão de críticas após o principal rival político de Vargas, o ferrenho anticomunista Carlos Lacerda, sofrer um atentado, descobrindo-se, logo depois, que os mentores do ato eram pessoas intimamente ligadas a Getúlio.

    Contando com fotografia e design de produção excelentes, o filme consegue reproduzir toda a ambientação da época e fazer o espectador se sentir naquela primeira metade da década de 1950. O Palácio do Catete também contribui enormemente nesse sentido, tendo em vista que o local se manteve praticamente inalterado desde os eventos retratados.

    Optando por uma ótica mais intimista e com toques de thriller psicológico, o diretor tenta mostrar o lado humano do presidente, já idoso, sofrendo todas as pressões políticas em um momento diferente do país, pois se na década de 30 Getúlio conseguiu impor seu modelo, já na democracia, durante a ascensão da Guerra Fria e da influência dos EUA  na América Latina, Vargas sofre a oposição dos setores da sociedade alinhados aos interesses americanos, enquanto sua postura nacionalista, outrora tão eficaz, agora atrai cada vez menos adeptos. O enfoque intimista e pessoal por vezes se torna desnecessariamente lento, e o uso da metalinguagem para explicar os pesadelos do personagem também se mostra repetitivo, dando ao filme um certo tom novelístico característico da TV brasileira.

    Essa pressão se manifestava na figura de Carlos Lacerda (Alexandre Borges), governador da Guanabara e principal porta-voz do udenismo. Suas ferozes críticas ao presidente iam desde o moralismo simplista de acusá-lo de causar todos os problemas do país, até o de culpá-lo pela degeneração da democracia e pela explosão endêmica da corrupção, discurso este muito usado até hoje pelos setores herdeiros do udenismo contra governos que não conseguem vencer no jogo democrático.

    A figura de Carlos Lacerda no filme é mostrada de forma distante, com discursos inflamados, transmitidos na televisão, exigindo a renúncia de Vargas  uma escolha estranha, pois naquela época a TV não era utilizada como meio de comunicação em massa, pois havia poucos aparelhos no país. Esse papel era desempenhado pelo rádio. No entanto, uma construção maior desse personagem poderia tornar a trama menos maniqueísta.

    Maniqueísmo este que se manifesta o tempo todo ao focar a figura de Vargas de forma uníssona, em dúvida apenas quanto ao que mostrar em relação a sua honestidade em lidar com o problema. O presidente é retratado como uma pessoa íntegra que desconhecia absolutamente tudo o que se passava com sua guarda pessoal. Ainda que não soubesse sobre o atentado propriamente dito, para alguém tão centralizador como ele, torna-se um fato que, se não impossível, bastante improvável. No final, tendemos a nos simpatizar com Vargas e antagonizar Lacerda de maneira simplista em razão dessa abordagem.

    O que é muito bem retratado é a relação ambígua com os militares, que já se mostravam descontentes com a democracia e ávidos por terem uma participação maior no poder desde a Era Vargas. Enquanto alguns militares lutavam para manter o legalismo, grande parte se organizava para exigir a renúncia do presidente e preparar o terreno para um golpe militar, o que não seria novidade nem no Brasil, nem na América Latina no período.

    Também merece destaque a atuação de Tony Ramos no papel do presidente. Apesar do exagero do tamanho da barriga e do pouco trabalho com o sotaque gaúcho, o ator transmite ao personagem todo o peso dramático que os eventos narrados impuseram a Vargas.

    O suicídio do ex-presidente no filme também possui parte de seu impacto retirado por não ter sido bem construída a cadeia de eventos que levou a esse fato. Quando a situação se torna insustentável, após Vargas ter abdicado de tomar qualquer posição ofensiva em sua defesa, a única saída possível ao presidente parece ter sido o suicídio, sozinho em seu quarto com seu revólver. O ato, mostrado de forma engrandecedora, oculta os relatos de que, após o tiro, Getúlio sobreviveu ainda por algumas horas. Também oculta, dentre a comoção popular por sua morte, a ira de parte da população que depredou sedes e carros de jornais opositores, caso de O Globo, que teve papel chave na oposição ao governante, ausência essa convenientemente deixada de lado no filme.

    Dessa forma, Getúlio opta conscientemente por construir um personagem que é fruto de escolhas da direção, excluindo algumas informações e exaltando outras. Apesar de ter sucesso em compor um personagem forte mostrando seus dilemas internos e pesadelos, falha em dar a profundidade necessária a seus algozes e aos eventos que levaram a escolha pelo seu suicídio. Talvez por isso, o filme se mostre interessante somente a quem já conheça os fatos e pessoas ali descritos, se mostrando uma experiência não muito agradável ao espectador tradicional.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.