Tag: Edward Norton

  • Crítica | Broklyn – Sem Pai Nem Mãe

    Crítica | Broklyn – Sem Pai Nem Mãe

    Broklyn – Sem Pai Nem Mãe começa nos anos 1950 apresentando seu personagem central, Lionel Essrog, um sujeito de vida simples e à espera de alguém que logo iria aparecer para atende-lo. Ele aguarda ao lado de Gilbert Coney (Ethan Suplee), seu companheiro de jornada e trabalho. Logo, o motivo da espera chega, e quando Frank Minna (Bruce Willis) surge pedindo o auxílio do sujeito, uma jornada de sangue, tristeza e amargura se iniciam. O filme se mostra uma obra trágica, repleta de personagens com graves crises de comportamento e que fazem parte de um cenário de eterna perseguição.

    Edward Norton não só estrela o filme como Lionel Essrog, mas também dirige e escreve o roteiro (baseado no livro de Jonathan Lethem), e sua entrega ao papel impressiona. O modo como ele revitaliza o gênero noir impressiona, não só pela condição extrema de seu personagem, sofrendo de Síndrome de Tourette, e tendo que trabalhar como detetive particular em uma agência falida. Incrivelmente, a narração feita pelo personagem soa natural, e isso colabora na ambientação típica do subgênero Noir, para além de outros clichês.

    O cenário apresentado na obra é de uma Nova York selvagem, desesperançosa e bastante preconceituosa, não muito diferente do que é hoje, mas sem o verniz social que acometeu os Estados Unidos nas décadas de 2000 e início de 2010. Aqui é uma história e uma América mais simples, menos preocupada em velar preconceitos, com o combate às forças criminosas sem qualquer viés glamourizador. É incrível como se evoca obras como Os Intocáveis, no tom justiceiro, mas como também se subverte a expectativa de que a luta contra esse “mal” é limpa e livre de possíveis traumas.

    Este é um universo frágil, como um castelo de cartas que a qualquer sopro fica prestes a ruir, e ter como narrador dessa história um homem de problemas sérios de comunicação e sentimentos é bastante apropriado. Broklyn – Sem Pai Nem Mãe acaba soando como uma pequena pérola, que sem pretensão traz uma trama simples e que resgata toda complexidade da sociedade ocidental e seu caráter cíclico ao longo dos tempos.

  • Crítica | O Incrível Hulk

    Crítica | O Incrível Hulk

    A Universal já tentou contar a história do Gigante Esmeralda com Ang Lee, no Hulk de 2003, um filme que divide muitas opiniões por ter sido cabeça demais para as plateias nerds, e pouco voltado a ação. Para a nova versão do monstro de Bruce Banner, chamaram o diretor francês Louis Leterrier, e Edward Norton para interpretar o personagem título e seu alter-ego, e toda sua origem é contada de maneira muito rápida, durante a apresentação que dura em torno de três minutos, quase sem falas, apenas com imagens e infográficos.

    Antes mesmo de mostrar Banner na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, já se estabelece que ele se culpa por quase ter matado Betty Ross (Liv Tyler). Norton parece muito dedicado a fazer crer que é um personagem trágico e que se culpar por ferir pessoas próximas ou inocentes.

    Boa parte do drama de Bruce, vive de sua paranoia em relação a contaminação que pode vir do seu sangue, e há momentos bastante engraçados de sua passagem no Brasil. Também é engraçado como os Estados Unidos vêem o Brasil, mandando alguns agentes procurarem um homem branco trabalhando em uma fábrica específica, como se isso não fosse algo comum.

    A criatura só aparece em torno dos vinte minutos de filme, reforçando os estereótipos brasileiros de uma maneira tão fantasiosa que não há como não achar engraçado, tal qual Velozes e Furiosos 5: Operação Rio, no entanto, é nesse momento que a cooperação entre General Ross (William Hurt) e Emil Blonsky (Tim Roth) deveria ser levada a sério, mas não há como, dada a galhofa da operação como um todo.

    As principais críticas ao que Ang Lee fez se deu em relação a ação, e Leterrier parece buscar o extremo oposto disso. Há muita ação, e a transformação pela qual passa Blonsky faz lembrar a forma de dirigir que Paul Greengrass fez em Supremacia Bourne e Ultimato Bourne, quase emulando uma filmagem documental e realista, de como seria um monstro venenoso como o Abominável agindo pelas ruas de Nova York.

    A tática utilizada por Banner para deter seu nêmeses encontra eco nos quadrinhos, inclusive num arco dos Supremos. As lutas mesmo quanto tem muito computação gráfica não soam datadas, mas também carecem de textura, principalmente com o vilão, que soa tão artificial quanto um boneco mal feito, batendo nos prédios e destruindo o asfalto da cidade. Mesmo que em alguns momentos o combate de titãs seja épico, a razão pelas quais esses enfrentamentos ocorrem é vazio, algo entre a dedicação de Norton ao papel e o produto final que chegou aos cinemas em 2008 se perdeu.

    A recepção do filme foi mista, os elogios do público passavam pelas cenas de ação, e as críticas também reclamavam da pouca dramaticidade e da narrativa genérica do roteiro, mas muito do impacto negativo foi absorvido pela cena pré-créditos finais, com Robert Downey Jr. aparecendo, para falar de uma iniciativa que reuniria homens com grandes feitos, incluindo aí Bruce. Esse, até mais que em Homem de Ferro, foi o início da mania dos filmes produzidos por Kevin Feige em driblar a própria mediocridade com uma cena no final sensacionalista e covarde, disfarçada de easter egg unicamente para deixar o espectador satisfeito com o que ocorreu em tela. É uma pena, pois o gigante esmeralda merecia muito mais do que isso.

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  • Crítica | Alita: Anjo de Combate

    Crítica | Alita: Anjo de Combate

    Pelos meados dos anos noventa, James Cameron pensou em adaptar A obra Gunnm ou Gun-Mu, de Yukito Kishiro, uma historia sobre uma adolescente encarnada em uma inteligência artificial capaz de matar qualquer pessoa. O tempo passou e entre as duas maiores bilheterias do cinema, Titanic e Avatar e Cameron passou um bom tempo sem dirigir produtos para o cinema, e graças a sua dedicação as continuações de Avatar, a adaptação de Alita: Anjo de Batalha recaiu sobre outro diretor, Robert Rodriguez, que é um cineasta de produtos mais autorais mas que também sabe fazer filmes que rendem bem. Cercado de expectativas, ele possui alto e baixos, mas não erra tanto quanto outras versões americanas de mangás.

    A historia da adolescente guerreira começa com a introdução de Ido, um doutor interpretado por Christoph Waltz que tem por costume consertar ciborgues. O cenário aqui é muito bem explorado, se explica bem como funcionam o sistema de castas dessa sociedade, com a elite vivendo no alto, em uma cidade flutuante, e a ralé vivendo em baixo. Os restos da ciborgue/androide são encontrados no lixão, como restos de Zalem, a tal moradia dos ricos, mas obviamente que ela é mais do que isso.

    A primeira hora do filme consegue dar vazão a toda a mitologia que Kishiro pensou, e embora hajam problemas sérios com as motivações dos personagens periféricos a protagonista, em especial Ido, que faz o mentor clichê que não tem qualquer firmeza como figura paterna (além de ter uma assistente que sempre está presente mas quase não profere palavras), de Hugo (Keen Johnson) que é o interesse romântico da personagem-título cuja vontade de ascender socialmente o faz um personagem confuso moralmente (além de oportunista), a interpretação de Rosa Salazar como Alita é bastante crível e verossímil, e conseguir atuar embaixo de muita maquiagem já é difícil, sendo uma boneca digital então é mais difícil ainda, e tanto visualmente quanto em espírito, Salazar consegue imprimir uma menina carismática, intrigante e que gera muito interesse no espectador não só sobre seu passado, mas também como ocorrerá o seu futuro.

    Há um pequeno problema de ritmo no filme, a segunda metade se dedica demais a construção do possível romance entre Alita e Hugo, e não há qualquer química entre os dois, talvez pela dificuldade de Johnson em lidar com um par digital, além disso, se dá muita vazão a alguns vilões bobos, como os personagens de Mahershala Ali (Vector) e Jennifer Connoly (Chiren), essa ultima, ao menos no final, consegue se redimir de certa forma.

    No entanto, toda a configuração tirada do mangá como a questão dos caçadores de recompensas que lidam com os ciborgues marginais e o esporte Motorball são exemplificadas de modo muito rico, e é nessa parte que se percebem semelhanças visuais com Jogador Nº1 de Steven Spielberg, filme recente que tem coincidências temáticas. De resto, há também referencias a Blade Runner e a continuação mais recente Blade Runner 2049, e a dúvida que pairava sobre Rodriguez conseguir lidar com computação gráfica de orçamento alto foram completamente sanadas, e o resultado é lindíssimo visualmente, muito por mérito da fotografia de Bill Pope, de Mogli: O Menino Lobo e Homem-Aranha.

    As cenas de ação são muito bem coreografadas, e por mais que perca tempo demais com os personagens periféricos e em draminhas fúteis, a construção da personagem de Alita é muito bem feita, ao menos no que tange a personagem não há muitas liberdades poéticas ou suavização de qualquer drama seu. Há uma possibilidade de  continuação em um dos confrontos finais, fator que preocupa, pois além do filme ser caro, em torno de 200 milhões, os vilões são péssimos, em especial o visual de Nova, feito por Edward Norton que está irreconhecível no papel. Mesmo não tendo uma execução tão divertida quanto no mangá, Alita: Anjo de Combate acerta mais do que erra, e talvez seja a adaptação Hollywood mais fiel  ao material original e que consegue imprimir melhor o caráter da arte japonesa, embora obviamente não seja tão complexa em temática e reflexão.

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  • Crítica | A Outra História Americana

    Crítica | A Outra História Americana

    Tony Kaye trouxe à luz o jovem clássico A Outra História Americana, um filme incisivo sobre questões de intolerância e preconceito, que chegava aos cinemas em 1998. O início do longa ocorre em preto e branco, mostrando uma família estranha e desajustada chamada Vyniard, comandada – ao menos no meio da noite – por Derek (Edward Norton) um jovem supremacista branco, que tem armas pela casa inteira, cartazes de louvor ao pensamento de extrema direita e uma tatuagem no peito esquerdo de uma suástica nazista.

    Os primeiros eventos do filme mostram o irmão mais velho transando com uma moça, e seu irmão Danny (Edward Furlong) acordando por conta o barulho do lado de fora da casa. Ao perceber que eram assaltantes negros, ele interrompe o ato sexual do irmão, que se levanta, toma um revólver e tenta assassinar os jovens que tentavam roubar seu carro. A câmera registra esses eventos lentamente, mostrando em detalhes a crueldade do sujeito que, para todos os efeitos, falava em tom de autodefesa, de que só havia feito aquilo para proteger sua propriedade e a vida dos seus.

    Logo, o primogênito sai de cena e o filme foca no irmão caçula, Danny, e nesse ponto é mostrado o Dr. Bob Sweeney (Avery Brooks), um professor inteligente e letrado que não desiste do menino que flerta com a delinquência. Na mente do docente, ele perdeu Derek, mas não queria perder o outro irmão, já que quando novo, Derek se revolta com uma tragédia familiar, e em meio a essa juventude sem argumentos válidos e apelando sempre para um pensamento simplista, revelou seu pensamento racista, culpando tudo que é não branco pelos males do país, inclusive por aquilo que lhe ocorreu.

    Kaye diferencia o filme através das cores, as partes coloridas mostram o presente da história, enquanto o passado é retratado em preto e branco. A identidade passada de Derek, um garoto ardiloso, capaz de travar um jogo de basquete contra os negros do bairro só para tentar provar a eles que os Vyniard e seus amigos são melhores e mais bem preparados, dignos da glória de ter uma quadra pública só para si.

    O objetivo central do filme é mostrar os personagens como humanos, seres falhos, mostrando que esse pensamento não é exclusivo de monstros, e sim de gente com mente fraca, fragilizada e desesperada, que se agarra em um discurso desonesto, imoral e oportunista por falta de opção, se valendo de valores comuns e caros a todos para se estabelecer como comportamento dominante.

    Em seu retorno, após passar pela prisão, a transformação de Derek não é só física. Ele perdeu 22 quilos, deixou o cabelo crescer e tem vergonha de ficar sem camisa exatamente por conta de suas tatuagens. Ao voltar da prisão ele realmente parece diferente, cobrando moralidade de seus parentes. Só após algum tempo de exibição é que é elucidada como terminou a cena do início, e o quão violenta e grave era ação do personagem central. Danny mudou e se tornou um skinhead após ver seu irmão matando um negro a sangue frio. Aquele foi o momento em que ambos mudariam drasticamente, o início do processo de redenção de um e deterioração do outro.

    O roteiro de David McKenna é tão franco e pragmático que não se permite ser sonhador ou ingênuo, mostrando que os destinos das pessoas que se envolvem ou se envolveram com ideias dessa natureza ou com a intolerância pura e simples, tendem a sofrer, mesmo que se arrependam e vivam de modo diferente. A Outra História Americana mostra de maneira certeira o quanto o fascismo pode facilmente tocar as pessoas simples, ajudando a evocar os piores sentimentos possíveis, dominando corações e mentes com facilidade, e deixando apenas um rastro de sangue e tristeza por onde passou.

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  • Crítica | Ilha dos Cachorros

    Crítica | Ilha dos Cachorros

    É fácil perceber que se está diante de um filme de Wes Anderson, mas não só pelos motivos “aparentes” e esperados, em especial neste filme de 2018. Incorporando sua identidade rigorosamente meticulosa na elaboração visual de toda a sua mise-en-scène, com a história do garotinho Atari em busca de seu cachorro numa ilha japonesa dominada por raças caninas simpáticas e inteligentíssimas, forma-se uma (tentativa raquítica e apática de) jornada sobre liberdade e amizade e que começa e termina na vã estratégia de ser um Cinema autoral e de entretenimento ao mesmo tempo, algo que Anderson sempre conseguiu, mas que aqui simplesmente não consegue basilar-se nas suas pretensões. Resumindo: Sobra estilo e esquematização, e faltam conflitos e emoções reais em Ilha dos Cachorros, como se isso fosse tudo.

    Wes Anderson não acredita na sua história pois não assume risco algum; fato. Zona de conforto total, e que impressiona dada a mente brilhante que está por trás desse projeto, o filme inteiro parece ser um ato só: Coisas se desenvolvendo com a leveza do vento e sem alcançar patamares significativos em absoluto – nem na filmografia de Anderson, nem no Cinema recente. Mesmo quanto as peculiaridades do cineasta, seus travellings ultra planejados e seu ritmo incessante, ágil e palco para um humor negro irresistível, em A Ilha dos Cachorros tudo torna-se desinteressante pela primeira vez na carreira do cara. E, caso a obra não mereça ser chamada de “desinteressante”, o oposto tampouco atinge na percepção sensorial de quem esperava a regularidade de sempre do autor de Moonrise Kingdom, e de uma das grandes animação dos últimos anos: O Fantástico Sr. Raposo.

    Entre gangues formadas por diversas raças de cães e que lutam pela sobrevivência em um território que dominam, e muito corre-corre vazio, a história grita desesperada por um nível básico digamos de naturalismo que jamais poderia encontrar junto a alguém cuja frontalidade sempre foi orgulhosamente cênica, à beira do artificial. Parece que Anderson quer escapar um pouco do seu estilo e tentar ser mais solto, mais humanizado igual sua cachorrada solta em terreno japonês seguindo Atari. Mas nesse desejo de se expandir, poucas vezes nessa década se viu uma animação tão carente de carisma e tão atolada por uma artificialidade oca; um vai e vem que, se diverte mais ou menos, não chega em lugar algum. Entre um cinismo estrutural e um apoio extremo na beleza e outras virtudes da sua técnica, Ilha dos Cachorros é o típico filme calculado em demasia que não aguenta a essência da sua sensível trama frondosa, e banalmente desenvolvida.

    Neste exemplar do seu gênero, nem a boa trilha-sonora de um Alexandre Desplat ou o fascínio que técnicas de animação promovem não enganam ninguém (pelo menos aqui), e apenas embalam superficialmente a falta de envolvimento de todos os lados com a produção. Anderson apresenta uma mão surpreendentemente pesada na direção, e a trama centrada em amigos inesperados (e uma subtrama política feita às pressas por meio de analogias baratas) tampouco combina com o seu estilo de aventuras hiper organizadas em seu espaço/ tempo tão particular, e sempre tão delicioso – até agora. Estamos falando de um quase filme, de uma ideia que talvez merecia ser contada mas de uma forma muito mais calorosa – o clímax do filme é ordinário. Nem as boas sacadas visuais evitam a apatia e o aborrecimento em meio as tramoias de espécies humanas e caninas, aqui. Parece que todo cineasta precisa ter um mau exemplo da sua visão no currículo, e é uma pena Anderson não ser uma exceção.

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  • Crítica | Dragão Vermelho

    Crítica | Dragão Vermelho

    Dragão Vermelho - Poster

    Um ano após o lançamento de Hannibal, a esperada continuação de Silêncio dos Inocentes, foi o tempo suficiente para que uma refilmagem de Dragão Vermelho, primeiro livro sobre o canibal de Thomas Harris, fosse anunciada e, de maneira às avessas, finalizasse a trilogia sobre a personagem.

    A obra já havia sido adaptada para as telas por Michael Mann em lançamento anterior ao filme consagrado. Embora seja uma obra elogiada, Anthony Hopkins não interpretava a enigmática personagem, o que motivou esta nova versão. Inicialmente, o ator seria substituído por um ator mais jovem, mas uma maquiagem rejuvenescedora foi o suficiente para que o ator assumisse novamente Hannibal.

    A narrativa de Dragão Vermelho possui pontos estruturais semelhantes com Silêncio dos Inocentes. O agente do FBI Will Graham pede ajuda ao renomado psiquiatra para resolver um caso de assassinato envolvendo duas famílias. Diferindo-se de Clarice, Graham possui uma relação de trabalho com Hannibal quando suspeita do psiquiatra em uma série de assassinatos e se torna responsável por levá-lo a prisão.

    No papel de Graham, Edward Norton compõe um interessante personagem que, graças à série, Hannibal, ganhou o destaque necessário na interpretação de Hugh Dancy. Até então, Graham nunca havia sido páreo para a popularidade de Clarice Starling de Jodie Foster. Inteligente e destacado por sua aptidão em compreender a mente de criminosos e interpretar com precisão cenas de crimes, o policial sente um medo aparente de Lecter, ainda que tenha sido responsável por sua prisão e, consequentemente, provado sua superioridade intelectual. A caracterização de Norton – exceto pelo estranho cabelo aloirado – é contida, mas suficiente para transmitir a insegurança diante do canibal e destreza na condução da investigação.

    Abordando tanto a investigação quanto o vilão do título, a história tem um interessante equilíbrio entre as frontes conflitantes de bem e mal. O Dragão Vermelho é composto entre o grotesco de suas ações – crimes chocantes que atraem o leitor da narrativa policial em geral – e um escopo psicológico que justifica os atos desse homem que viveu a infância com uma mãe agressiva. Desenvolvem-se tanto a batalha do policial versus assassino como a relação entre Will e Hannibal, um monstro aparente que transita entre os dois polos, ajudando a polícia ao mesmo tempo que se comunica com o vilão, um fã assumido dos feitos de Lecter.

    A direção de Brett Ratner mantém o estilo de Jonathan Demme, uma tentativa de simular a claustrófica ambientação de O Silêncio Dos Inocentes. O ponto mais fraco da trama seja talvez sua personagem de maior nome. Em cena, Anthony Hopkins não mantém uma presença bem composta como na história lançada em 1991. Sua personagem parece afetada demais, com uma prosódia mais exagerada do que a composição anterior e sem o mesmo brilho, como se sentisse desconfortável de alguma maneira além da personagem. A suposta maquiagem rejuvenescedora não funciona e parece limitar o ator, como se evitasse expressões faciais para não marcar sua idade avançada. Talvez, com a tecnologia atual – a qual rejuvenesceu Michael Douglas de maneira impressionante em Homem-Formiga –, fosse possível uma interpretação mais apurada que corrigisse posteriormente eventuais marcas de velhice em seu rosto. Ainda assim, a elegância ambígua de Lecter está intacta em sua interpretação.

    Mesmo esta interpretação estranha não é capaz de destruir o bom equilíbrio da trama e as outras boas atuações que sustentam o suspense, com uma boa versão de um dos grandes vilões do cinema. Uma produção que não se configura como a obra-prima de 1992, mas muito melhor executada do que o terceiro ato dirigido por Ridley Scott.

  • Crítica | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

    Crítica | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

    birdman 2

    Como é bonito ver uma câmera de Cinema, sendo que só ela atinge a magia a seguir, flutuando do palco aos bastidores num balé muito mais que espacial entre duas nebulosas paralelas – de certa maneira, após uma reflexão de ônibus – bastante inconfundíveis. Talvez seja o teatro, bom e velho reino que suporta e abranda, com uma concordância mais segura sobre todas as outras bases, a alma de um artista posto que venha a ser o que for, numa relação de amor e ódio, concebível e perpétua, refletindo a atração e a repulsa que, seja a vida, seja a arte, sente pelo oposto de cada uma desde eras paleolíticas. Se o Cinema não aguentou ficar no preto e branco e teve que buscar os matizes expansivos do CinemaScope em testamentos revolucionários (tal Os Sapatinhos Vermelhos (1948), um marco histórico de Michael Powell do uso colorido do sentido visual e inspiração de influências soberbas, tipo Os Amores de Pandora (1951), Delírio de Loucura (1956), A Balada de Narayama (1958), ou Yimou Zhang e seu quente O Sorgo Vermelho (1987), primeira empresa do artista chinês), que dirá quanto o artista, seja ela fotógrafo, seja ele músico ou um gari de sítio público, digno sempre de ser maior que sua arte: sua vil e incorruptível semelhança sempre à prova – sempre. Primeiro, à mercê da fome de se tornar artista, aprender o aflito equilíbrio na margem da dúvida se de dia ou se de noite, cedo ou tarde, irá ou não padecer na triste analogia ao conto de Franz Kafka; ser alguém na vida é difícil, mas na arte é delírio de amantes. É a loucura de abrir a caixa de Pandora e espiar com uma lupa o conteúdo do seu plexo solar em noites quentes, em especial de lua cheia. Ser arteiro é a inadvertida sentença de ser o que é.

    Eu queria ser Michael Keaton, ou melhor, o Batman. Eu queria ser o Keaton com a roupa do Batman ganhando aquele beijo (no mínimo) de Pfeiffer e sua clássica Catwoman nos longínquos anos 90 – e também para trabalhar com Tim Burton quando ele sabia usar o taco. Porque, sério, nem o Batman é tão legal quanto Keaton, tanto quanto a pele por trás da máscara. Pele, crise e humanidade a atormentar a intolerância do Coringa que vive em todos nós, dividido em psicanálise e danação para a carga ser mais leve.

    Após assistir à obra de Alejandro Inãrrìtu, a versão talvez mais próxima que o Cinema já chegou dos quadrinhos de Watchmen, todo mundo quer descobrir A Inesperada Virtude da Ignorância, procurando, assim e a partir disso, o sentido por trás dessa metalinguagem galopante e infinita de um teatro e adjacências em Nova York, cheia de seres que precisam se esforçar para serem humanos, às vezes. Lá, onde encontramos o símbolo e os sons simbólicos, a alegoria contextual e o frisson de adentrar um filme que não se sabe o que fala mais alto, se são as palavras ou as ações, pois, afinal, é Iñárrítu. Birdman, o alterego do verdadeiro herói, pouco importa, pois se Federico Fellini focou no Guido, homem e artista (em )Billy Wilder na Norma, mulher e artista (em Crepúsculo dos Deuses), e Werner Herzog e Klaus Kinski além do doméstico e cênico, já nascidos sob aquela sentença, então que mal faz a ambição aos holofotes, quando regidos por quem refina a luz de meia dúzia de vórtices ambulantes?

    O que concluir quanto ao sentimento inesquecível de uma cena inesquecível, em prol de Keaton, homem, ator e personagem, diante de seu esquecimento e agora retorno ao apogeu de Hollywood, quando encontra um ator amador na rua, persona síntese de seu céu e inferno, sendo livre como o ator não se permite ser, sereno em exercício como a pessoa do ator não se deixa, aliás, nem diante de sua imagem num espelho qualquer. Iñárrítu é o típico cineasta masoquista com os arquétipos de suas histórias, mas em seu melhor filme reconhece que a vida já é canalha demais e parte para juiz da partida, impedindo apenas que tudo fique ainda pior, já que o abismo que surge da colisão entre a Vida e a Arte mais inerente não pode ficar. Não é uma questão de profundidade, isso vai de cada um. É pavimentar o terreno, para tanto, com tudo o que há de melhor e conceitual a favor da reciclagem de valores e experimentações de causas epifânicas, sejam quais forem, deliberada a pluralidade de intenções que superam qualquer outra obra do cineasta. Tudo oriundo de uma simplicidade existencial em forma de incógnita quântica. É preciso saber assistir à obra.

    Uma vez que o bendito travelling é uma questão de moral, o “plano-sequência” é do quê? De ética? Precisamos ser tão previsíveis assim? É claro que não. A vida não para. Hoje se está lá, amanhã no purgatório e depois, no espaço. A virtude da grande sequência de consequências na qual Birdman é conjurado, com ótimos e poucos cortes de cena, não só remete à hipnose provocada pela continuidade sensorial no Cinema e Teatro, verdadeira homenagem objetiva aos nobres fundamentos das artes em seu porão compartilhado, mas sobretudo: 1) respira na metáfora intervisual do ritmo urbano moderno; 2) na própria visão continuada do real para a ficção de um preciso artesão artístico; e ainda: 3) na proporcionalmente irônica conexão entre a vontade de se perder para enfim se achar – no desabafo em um bar com uma crítica teatral, ou no enfrentamento ou suplício carnal, como aspectos do natural em um mundo de fantasia, tão almejada como irresistível.

    Em suma: Iñárrítu, mais bem-sucedido do que nunca, apresentando a bússola de orientação de homens e mulheres num cenário de pura desorientação, de fato não poderia ter achado técnica mais certeira que a sequência infinita pelas escadas e camarins onde lirismo e pressão comercial vivem juntos, muito mal, obrigado, como todo jogo de interesses nada pequenos. Birdman é de uma atuação espetacular enquanto coletivo de atores pulsante e inebriante. Obra livre, pássaro livre de qualquer explicação singular. Não é um filme completo, mas é um dos poucos filmes americanos recentes que são tão completos e interessantes de se revisar quanto poderia, por fim, se impor e vir a calhar a algo ou a alguém.

  • Crítica | Clube da Luta

    Crítica | Clube da Luta

    Clube da Luta 1

    Por vezes, a humanidade passa por períodos de conflitos. Do antigo com o novo, do espiritual com o material, do “certo” com o “errado”, dentre outros. Também nessas épocas, a humanidade tenta produzir obras para interpretar esses fenômenos e as angústias do homem. Atualmente, em uma sociedade pós-industrial e com gerações de jovens com cada vez mais recursos e cada vez menos perspectivas, o livro de Chuck Palahniuk oferece uma visão singular sobre nós. Adaptado para o cinema em 1999 por David Fincher, o filme Clube da Luta não fez sucesso em sua estreia, e foi muito mal falado por muitos dos principais críticos de cinema do planeta. Porém, hoje, é cultuado por jovens e adultos que identificam na obra a crítica ao vazio existencial de milhões de pessoas frente a uma cultura de consumo em massa, que propõe definir personalidades através da compra de produtos.

    A história gira em torno do narrador (Edward Norton), um funcionário de uma indústria automobilística nos EUA e que leva uma vida tediosa, enquanto descarrega suas frustrações consumindo itens para decorar sua casa, mesmo que não use nada disso. Ao conhecer o excêntrico Tyler Durden (Brad Pitt) em uma viagem de negócios, sua vida irá mudar completamente.

    Dividido em três atos, o primeiro se concentra em detalhar o vazio da vida do narrador (fazendo uma analogia com a vida moderna da humanidade em geral) e sua tentativa de vencer a insônia que lhe impede de dormir. Quando passa a frequentar os grupos de ajuda a pessoas com doenças graves, encontra um certo conforto na profundidade de emoções de pessoas perto do fim, até sua hipocrisia ser desmascarada por Marla Singer (Helena Bonham-Carter), uma mulher atormentada que também procura os grupos de ajuda, segundo ela, por ser mais barato que cinema e ter café de graça.

    O primeiro ato tem como maior mérito a direção de David Fincher, e a edição, com cortes rápidos e usando artifícios para exemplificar o vazio existencial do narrador. As luzes da máquina de xerox se relacionando com a passagem do tempo, e a correria do aeroporto para hotéis com a velocidade dos aviões fornecem um importante elemento de como sua vida está passando, e ele parece sempre estar correndo atrás dela.

    O segundo ato, quando o narrador conhece Durden em um avião, é focada em estabelecer a relação entre ambos. Enquanto o narrador, que já conhecemos, mantém se mostrando superficial e preocupado com bens materiais, Durden oferece outra perspectiva ao fazer uma série de críticas ao consumismo e a forma como somos programados para simplesmente fazer o que a propaganda manda.

    O ponto alto dessa sequência é quando Durden pede para que o narrador lhe dê um soco, o mais forte que conseguir, pois nenhum homem sabe muito sobre si até que tenha entrado numa briga. Tal ato desencadeia a principal linha narrativa do filme a partir de então: a de autodescoberta e autoconhecimento do homem enquanto atinge seus limites físicos e mentais no chamado Clube da Luta, que consiste em pessoas comuns lutando de forma crua e brutal, com as famosas 10 regras, replicadas à exaustão na cultura pop. Funcionando como válvula de escape do homem selvagem preso dentro do reprimido homem moderno, o clube funciona como um elo entre todas aquelas vidas sem sentido, e a camaradagem ali surgida, além da devoção a Durden, servirão também de elemento principal da construção do terceiro ato.

    Simplesmente a libertação individual através do clube da luta não adiantava mais. Era necessário levar essa etapa adiante com o Projeto Caos, onde atos de vandalismo e depois “terrorismo” eram cometidos seja para mandar mensagem, seja para realmente tentar mudar a lógica da sociedade moderna ao explodir os prédios e os centros de informação das empresas de cartão de crédito para zerar as dívidas de todas as pessoas do sistema.

    O terceiro ato, então, se dá exatamente na construção e clímax das ações do “Projeto Caos”, onde o narrador acorda assustado para uma realidade que foi construída sob seus olhos. Quando descobre o que está realmente acontecendo em sua volta (e consigo mesmo), é tarde demais.

    Um dos segredos do sucesso de Clube da Luta é se focar justamente em uma geração que tem todas as necessidades materiais satisfeitas, e como isso não consegue satisfazê-los por completo enquanto seres vivos, ao contrário de toda a propaganda do século XX. Cada vez mais doenças comportamentais como obesidade, associadas ao consumo de drogas prescritas (além de uma nova geração de doenças como depressão, TDHA, DDA, etc.) indicam que o homem moderno não está feliz onde se encontra. Utilizando-se fartamente de metalinguagem, a história tenta mostrar por um lado tragicômico esse quadro. A sequência criada unicamente para o filme, dos protagonistas levando sacos de gordura de lipoaspiração feitas em madames ricas para fazer sabão, que será revendido a elas, demonstra a genialidade agressiva e brutal de um círculo tão simples de acontecimentos.

    A narração, ferramenta tão criticada e tão comumente mal usada, é perfeita no objetivo de clarificar ao espectador o que se passa na cabeça do narrador, aflito por tantas questões no início, e depois nos acompanhando em sua descoberta de um novo mundo, apresentado por Tyler Durden.

    Também importante são os diálogos milimetricamente pensados. Nenhuma fala está desconexa junto ao contexto do filme, ou apresenta contradição. Cada personagem tem sua personalidade e funções definidas, e suas interações representam esse universo de forma crível, fortalecendo a história. Por vezes usando passagens literais do livro, às vezes alterando-as, e até mesmo criando outras totalmente novas, Fincher consegue criar novos elementos dentro deste universo que avança a discussão colocada pelo livro de Palahniuk, o que também é bem raro na indústria cinematográfica. As atuações de Pitt e Norton, talvez as melhores de suas carreiras, também contribuem para isso.

    A música dos Dust Brothers, com toques eletrônicos e industriais (que lembra um pouco o que Fincher iria buscar depois na parceria com Trent Reznor), também contribui para criar o clima seco e caótico do filme, também construído pelas cores de tom alaranjado, azul e cinza usadas, cada um com seu propósito.

    Além da parte técnica, os méritos do filme vão para as citações, iconizadas e reproduzidas por fãs no mundo todo. Frases como “As coisas que você possui acabam te possuindo”, “É somente após perder tudo que você está livre para fazer qualquer coisa” e outras simbolizam essa dicotomia entre uma humanidade que consome para preencher um vazio, mas que nunca consegue. A atração por ideias tão radicais também se dá pela necessidade do espectador procurar um contato com sua natureza interna, ao mesmo tempo em que nega a propaganda a que foi submetido por toda a sua vida. A ação direta contra o sistema, passando longe dos gabinetes políticos e discursos oficiais vazios soa como música para uma geração intermediária, que não construiu nada, não lutou contra nenhuma ameaça real, e aproveitou todos os frutos dessas conquistas. Como o próprio Tyler diz, a falta de desafios reais torna essas vidas uma grande depressão. O próprio conceito de luta de classes é ressignificado não só como interpretação teórica da realidade, mas na ação direta, no puro caos criado pela classe trabalhadora na vida dos ricos através de ações como urinar em sua sopa ou colocar cenas de filmes pornográficos em filmes infantis.

    Clube da Luta funciona, então, como um retrato não só de como as atuais gerações jovens se sentem, mas como elas gostariam de se sentir, e experiências que gostariam de viver. Os clubes da luta e a violência física funcionando como um abandono a toda a sofisticação da vida moderna, e a busca pelo contato com o lado selvagem perdido da humanidade. Talvez o filme não fale para todos. Para aqueles poucos que se sentem confortáveis frente a imensidão do planeta, soe tudo bobo, inocente e negativo demais. Porém, análises profundas da realidade social soam negativas e atraem antipatia ou indiferença de quem não compreende, não se importa ou ainda não se viu em contato com essas questões. Mesmo nestes casos, Clube da Luta pode ser muita coisa, mas não é “simplista”. Nem perto disso. Sua mensagem, produzida nos anos 90, ainda menos “moderno” do que hoje, continua atual e profunda, atraindo novos fãs que também sentem em si esse eterno desconforto com a sociedade. E a tendência deste desconforto é a de só aumentar.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Grande Hotel Budapeste

    Crítica | O Grande Hotel Budapeste

    o grande hotel budapeste

    O Cinema de Wes Anderson, sendo a arte antes do artista, é claro, é um corredor de pinturas, uma ida ao museu numa tarde chuvosa onde não há mais nada a se fazer senão apreciar a viagem histórica. O cineasta tem a preferência de centralizar seus mundos enquanto expande os significados deles através de uma simbologia única em nível de identificação universal. Mundos onde todos os personagens são totalmente imprescindíveis à história ao mesmo tempo em que são totalmente desnecessários à narrativa em retalhos: substituíveis e relevantes ao mesmo tempo. O Grande Hotel Budapeste é o Cinema de Jacques Tati e Stanley Kubrick feito para todas as idades e mentalidades. Lindo, matemático, extremamente planejado em planos cênicos milimétricos, mas não é superficial em toda a sua estilização, afinal de contas, apenas por denunciar a beleza existencial do mundo a partir dos valores humanos de cada vida vinculada à teia apresentada.

    Até porque Anderson tem olho clínico e confiança de chamar atores do mais alto nível, assim como semi-desconhecidos, para interpretar figuras icônicas que pertencem a mentes de pessoas como Alan Moore, genial escritor inglês e famoso por sua excentricidade. Logo no começo de Budapeste, percebemos os traços marcantes da filmografia do diretor de Moonrise Kingdom, seja na (ótima) direção de arte, seja na atmosfera visual ou na musicalidade inocente e eclética de sempre. Enfim, temos, ao longo de uma hora e meia de projeção, a desconfiança da releitura artística que o filme vem a ser, na real, muito antes do clímax esperado.

    Releitura devido ao ponto alto da carreira que o cineasta já conseguiu alcançar “por acaso” é onde repousa seu belo e extravagante hotel. Um cume no qual não carece mais provar seus talentos e visão pessoal a mais ninguém, vide a falta de pretensão, de autoestima, e de altos e baixos de uma energia linear e constante ou mesmo de alguma dose de seriedade da história de corre-corre e de amizades inesperadas pelos caminhos. Veredas a partir e muito além dos corredores e escadas sinuosas do edifício homônimo.

    A fusão entre realidade e realidade particular pode ser uma das explicações para definir a arte de cada um; o Cinema, inclusive, o qual muitos chamam de “a arte completa” por ser justamente a fusão da maioria delas. Seja como for, e sem mais delongas, Anderson e seu elenco espetacular – Tilda Swinton aparece 5 minutos depois do início do filme, durante 60 segundos apenas, e é tão impressionante sua participação que a projeção poderia terminar com sua saída e tudo seria maravilhoso do mesmo jeito – defendem a teoria que abre este último parágrafo na aurora de uma realidade particular, a que todos nós aprendemos a amar, cada um à sua maneira, e que muito completa a verdadeira realidade das coisas.

  • Crítica | Moonrise Kingdom

    Crítica | Moonrise Kingdom

    Wes Anderson é conhecido por seus personagens estranhos e histórias um tanto surreais que, ao serem embaladas em uma direção de arte cuidadosa, constroem universos que parecem funcionar no limite entre a realidade e uma espécie de conto de fadas. Em Moonrise Kingdom, seu filme mais recente, essas características aparecem com clareza e montam um filme leve, divertido e extremamente autoral.

    O filme se passa em uma minúscula ilha na costa leste dos Estados Unidos, nos anos 60, onde vivem Suzy e Sam, uma “menina problema” e um garoto órfão. Os dois se conhecem por acaso, iniciam uma correspondência e planejam uma fuga através de uma trilha indígena famosa na região.

    Suzy e Sam se encontram por serem desajustados. Ele é órfão e detestado por seus colegas do grupo de escoteiro, ela é a filha problema de uma família “perfeita”, famosa pelas brigas violentas na escola para meninas. No entanto, conforme o filme avança vemos que todos os personagens, dos pais de Suzy ao chefe dos escoteiros, são igualmente desorientados em relação a vida e aos seus papeis no mundo e é Anderson ironiza com precisão esse desajuste entre as expectativas infantis e a desorientação dos adultos.

    Em vários momentos Moonrise Kingdom faz versões em miniaturas de filmes grandiosos: a uma sequência construída exatamente como um filme de guerra, a perseguição com motos de brinquedo a própria fuga que lembra clássicos como Bonnie e Clyde e Monika e o Desejo. Mas Anderson transforma os soldados em escoteiros e um casal de ladrões em duas crianças fugindo de casa, ele fala de pessoas comuns, pequenas e perdidas e do ridículo que as cerca.

    A paleta de cores do filme é toda construída com cores primárias ou pasteis e retoma os mesmos toms que o diretor vem usando desde seus primeiros filmes. Essa escolha, aliada a fotografia lavada, com cara de polaroid, ajudam a deslocar o filme para uma época e um lugar fora do tempo, tornando-o esse conto de fadas torto. O Narrador e a montagem evocam ainda os filmes da Nouvelle Vague, clara referência de Wes Anderson com sua simpatia por anti-heróis e desajustados, mas sempre de forma mais simples e infantil, como se o próprio cinema não merecesse ser levado a sério.

    Dessa forma, Wes Anderson articula os elementos recorrentes de seu cinema com um elenco notável e uma protagonista adorável e carismática para criar um filme que fala de um tema possivelmente dolorido, mas que o faz de forma leve, divertida e irônica. Moonrise Kingdom é irônico em cada imagem e finalmente faz jus ao humor ácido de Wes Anderson, além de ser seu melhor filme desde Os Excêntricos Tenenbaums.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.