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  • Crítica | Adoráveis Mulheres (2020)

    Crítica | Adoráveis Mulheres (2020)

    Greta Gerwig é uma atriz de mão cheia e recentemente, resolveu voltar a dirigir, mesmo que o hiato entre seus dois filmes, Nights and Weekends e Lady Bird – A Hora de Voar fosse de nove anos. Sua obra atual, Adoráveis Mulheres conta a trajetória da família March, começando pela existência e vivência de Jo, personagem de Saorsie Ronan, uma moça com talentos de escrita, que ganha a vida vendendo contos anônimos. Não demora-se a mostrar a intimidade dos seus e as dificuldades que todos tem em manter sustento.

    O roteiro é uma adaptação literária, do romance homônimo (chamado originalmente de Little Women, em atenção ao modo carinhoso como o pai da família fala das meninas) de Louisa May Alcott se percebe que cada filha de Marmee (Laura Dern) tem um talento ímpar. A Meg de Emma Watson é uma boa atriz, Amy (Florence Pugh) pinta e Beth (Eliza Scanlen) é uma eximia pianista. Elas convivem bem com o vizinho abastado das mesmas, e com seu filho, Laurie (Thimotée Chalamet), e a linha  narrativa varia entre momentos temporais diversos, explorando as relações e contradições sentimentais de cada personagem, obviamente voltado mais para a vida das garotas.

    A reconstituição de época é bem feita, embora boa parte do discurso supostamente progressista seja mostrado de uma forma gratuita. Há pouca sutileza na tentativa de mostrar as mulheres como independentes e empoderadas, e na maioria dos pontos, não há muito desenvolvimento além da rasa premissa de mostrar gente independente – ou algo que se aproxime disso – vivendo só um dia normal. Esse caráter raso dá ao longa uma impressão de abordagem folhetinesca, quase como as novelas de época da Rede Record (excluindo obviamente os dramas bíblicos) misturado as famigerados comerciais de margarina. O auge dessa situação adocicada é uma cena de dança, que grita o tempo inteiro como se esse fosse um “evento que conecta”, isso soa tão infantil que faz irritar o espectador.

    O filme também investe em alguns simbolismos que, apesar de óbvios, não são gratuitos, como o uso do fogo como elemento de consumo e renovo. O fato disso se repetir em muitos momentos soa desnecessário, mas certamente não é o maior dos pecados da obra de Gerwig. Tanto Dern quanto Meryl Streep (que faz uma tia das moças) estão ótimas. Elas servem como a âncora moral de Adoráveis Mulheres, e representam a beleza e segurança provenientes da vida adulta, ainda que as duas tenham um código de conduta bem diferente, sendo uma bastante otimista e necessitada, e outra azeda e pragmática. De certa forma, a personalidade de cada uma das quatro meninas pega emprestado alguns elementos da experiência de ambas.

    A idas e vindas temporais amenizam boa parte dos momentos piegas do filme, em especial nas futilidades das jovens, que tem boas  lições morais ao longo de suas vidas. A rivalidade de Amy e Jo por exemplo é um bom aspecto, pra muito alem do discurso arrogante do script. As duas são certamente as personagens mais ricas, pois são encantadores enquanto também são falhas, com uma sendo o resumo da definição de pedância e a outra a personificação da inveja e ressentimento.

    Quando o filme não aposta no discurso pseudo revolucionário e é “só” uma historia familiar cheia de dissabores, acerta muito, pois emulaa vida. As partes que mostram as pessoas se frustrando por não terem dado certo até certo ponto da vida também revela o que é mais rico nas personagens de Adoráveis Mulheres, e o que salva é exatamente isso os laços sanguíneos que não permitem muita pretensão, e ainda garantem momentos de rara emoção, seja a melancolia ou alegria por ver pessoas tão tangíveis vivendo confusões mentais e sentimentais, tal qual é na vida.

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  • Crítica | Ilha dos Cachorros

    Crítica | Ilha dos Cachorros

    É fácil perceber que se está diante de um filme de Wes Anderson, mas não só pelos motivos “aparentes” e esperados, em especial neste filme de 2018. Incorporando sua identidade rigorosamente meticulosa na elaboração visual de toda a sua mise-en-scène, com a história do garotinho Atari em busca de seu cachorro numa ilha japonesa dominada por raças caninas simpáticas e inteligentíssimas, forma-se uma (tentativa raquítica e apática de) jornada sobre liberdade e amizade e que começa e termina na vã estratégia de ser um Cinema autoral e de entretenimento ao mesmo tempo, algo que Anderson sempre conseguiu, mas que aqui simplesmente não consegue basilar-se nas suas pretensões. Resumindo: Sobra estilo e esquematização, e faltam conflitos e emoções reais em Ilha dos Cachorros, como se isso fosse tudo.

    Wes Anderson não acredita na sua história pois não assume risco algum; fato. Zona de conforto total, e que impressiona dada a mente brilhante que está por trás desse projeto, o filme inteiro parece ser um ato só: Coisas se desenvolvendo com a leveza do vento e sem alcançar patamares significativos em absoluto – nem na filmografia de Anderson, nem no Cinema recente. Mesmo quanto as peculiaridades do cineasta, seus travellings ultra planejados e seu ritmo incessante, ágil e palco para um humor negro irresistível, em A Ilha dos Cachorros tudo torna-se desinteressante pela primeira vez na carreira do cara. E, caso a obra não mereça ser chamada de “desinteressante”, o oposto tampouco atinge na percepção sensorial de quem esperava a regularidade de sempre do autor de Moonrise Kingdom, e de uma das grandes animação dos últimos anos: O Fantástico Sr. Raposo.

    Entre gangues formadas por diversas raças de cães e que lutam pela sobrevivência em um território que dominam, e muito corre-corre vazio, a história grita desesperada por um nível básico digamos de naturalismo que jamais poderia encontrar junto a alguém cuja frontalidade sempre foi orgulhosamente cênica, à beira do artificial. Parece que Anderson quer escapar um pouco do seu estilo e tentar ser mais solto, mais humanizado igual sua cachorrada solta em terreno japonês seguindo Atari. Mas nesse desejo de se expandir, poucas vezes nessa década se viu uma animação tão carente de carisma e tão atolada por uma artificialidade oca; um vai e vem que, se diverte mais ou menos, não chega em lugar algum. Entre um cinismo estrutural e um apoio extremo na beleza e outras virtudes da sua técnica, Ilha dos Cachorros é o típico filme calculado em demasia que não aguenta a essência da sua sensível trama frondosa, e banalmente desenvolvida.

    Neste exemplar do seu gênero, nem a boa trilha-sonora de um Alexandre Desplat ou o fascínio que técnicas de animação promovem não enganam ninguém (pelo menos aqui), e apenas embalam superficialmente a falta de envolvimento de todos os lados com a produção. Anderson apresenta uma mão surpreendentemente pesada na direção, e a trama centrada em amigos inesperados (e uma subtrama política feita às pressas por meio de analogias baratas) tampouco combina com o seu estilo de aventuras hiper organizadas em seu espaço/ tempo tão particular, e sempre tão delicioso – até agora. Estamos falando de um quase filme, de uma ideia que talvez merecia ser contada mas de uma forma muito mais calorosa – o clímax do filme é ordinário. Nem as boas sacadas visuais evitam a apatia e o aborrecimento em meio as tramoias de espécies humanas e caninas, aqui. Parece que todo cineasta precisa ter um mau exemplo da sua visão no currículo, e é uma pena Anderson não ser uma exceção.

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  • Agenda Cultural 64 | Pantera Negra, Filmes do Oscar e Meu Amigo Dahmer

    Agenda Cultural 64 | Pantera Negra, Filmes do Oscar e Meu Amigo Dahmer

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral) e o convidado Matheus Fiore (@matheuusfiore) retornam para mais um episódio da Agenda Cultural, e comentam sobre os principais lançamentos de cinema no mês de fevereiro — com diversas indicações de filmes do Oscar —, o programa de entrevistas de Jerry Seinfeld e o quadrinho Meu Amigo Dahmer, publicação da DarkSide Books.

    Duração: 94 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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  • Crítica | Lady Bird: A Hora de Voar

    Crítica | Lady Bird: A Hora de Voar

    Lady Bird além de dar nome ao filme de Greta Gerwig, é também a alcunha da personagem principal Christine McPherson (Saoirse Ronan), que rejeitou seu nome de batismo para dar vazão a uma nova identidade. Na primeira sequencia de ação, se vê uma cena engraçada, em que a personagem discute com sua mãe, Marion (Laurie Metcalf), a bordo de um carro, onde a mesma se joga do veículo em movimento ao ser contrariada sobre sua alcunha. O tom é cômico, e bem parecido com outras obras da diretora.

    Gerwig não é exatamente uma iniciante em condução de filmes, colaborou em roteiros junto a seu antigo par Joe Swanberg e co-dirigiu Nights and Weekends, um rumblecore de gosto duvidoso. Além disso, escreveu com Noah Baumbach o texto de Frances Ha e Mistress America, e muito da comédia desses dois se vê aqui, ainda que a capa utilizada seja bem diferenciada neste. Normalmente, os filmes que envolvem ou Baumbach solo ou o mesmo com Gerwig falam sobre a fase adulta em seu inicio, enquanto esse, tal Aos 17, trata da puberdade e da tentativa de ser alguém apesar de ainda não ter atingido a maturidade.

    A maior parte dos dramas da personagem titulo são meio bobos, não há uma complexidade maior em suas agruras, não é como em Trainspotting ou Kids, de Larry Clark (ou mesmo qualquer um dos seus muitos filmes que abordam delinquência juvenil), o que se vê é uma historia, em que quase nada acontece, não de uma forma tão gritante e irritante como era nos filmes universitários que a diretora estrelava, mas ainda guardando grande parte das características desse estilo, ainda que tenha algumas pitadas de crise existencial.

    As brigas com sua mãe se intensificam na segunda metade do filme, inclusive com a moça propondo a mãe que ela faça as contas do quanto gastou com ela ao longo dos anos para que ela pudesse ressarcir sua parente quando tivesse chance, dando um novo significado tanto para a expressão quanto para o filme que usa a alcunha de Rebelde Sem Causa. As descobertas que a personagem faz não fogem em momento nenhum do ordinário.

    Após viver um pouco, Christina percebe quem colaborou para que ela pudesse ser o que se tornou, deixando de lado a bronca com seus pais e a falta de diálogo. A moça que por um tempo se auto intitulou Lady Bird nada mais é do que uma pessoa comum, que tem que lidar com as responsabilidades de crescer, com frustrações e alguns eventos pouco pesados mas que no geral, não foge do status quo. Gerwig consegue trazer uma historia repleta de sensibilidade, mas ainda assim um filme que não tem nada de extraordinário.

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  • Crítica | Lady Bird: A Hora de Voar

    Crítica | Lady Bird: A Hora de Voar

    Greta Gerwig já tem história, a diretora tem no currículo diversos dramas independentes pelo movimento nova-iorquino Mumblecore e pela primeira vez decidiu assumir sozinha um longa por atrás das câmeras. Ela escreve e dirige Lady Bird: A Hora de Voar, um dos filmes mais premiados da temporada e que está concorrendo a 5 Oscar, incluindo Roteiro Original, que é de longe o maior triunfo do longa, pois Gerwig pode ou não ter feito algo autobiográfico, mas no fim das contas ela conta a história de todo mundo.

    Christine (Saoirse Ronan) não acredita em nomes dados pelos pais e mudou seu nome para Lady Bird, ela está no último ano do colégio e quer estudar numa faculdade de artes, mantém uma relação explosiva com a mãe (Laurie Metcalf) e coleciona novos amores e amizades. Sem um plot principal, Lady Bird acompanha os últimos dias da vida de colegial desta garota que passa ou pensa passar por todos os problemas do mundo, e entrelaçando todos os acontecimentos de pura dramédia tem-se diálogos belamente escritos, de realismo certeiro.

    As situações que a personagem de Ronan se mete nos faz lembrar que talvez a diretora tenha passado por tudo isso, talvez seja um sincero retrato sobre todas suas nuances naquela época, mas chega um ponto da experiência em que a ficha cai e percebe-se que o que está vendo também fala de você e de metade das pessoas que conhece. Ela escreve de si e de todas as pessoas que um dia olharam demais para si mesmas e esqueceram de olhar o próximo, todos que já falaram eu te amo para quem só se gostava, para quem já foi jovem.

    E enquanto a cineasta constrói a personalidade errante, ás vezes chata e bastante inteligente da sua personagem principal, ela não esquece de seus coadjuvantes, todos eles ganham um espaço especial na narrativa, eles têm seus problemas invisíveis e suas influências, mas a mãe de Lady Bird interpretada por Metcalf é mais do que digna de sua indicação ao Oscar, a atriz carrega um olhar triste e sempre que fala soa como mãe, soa forte e carrega na voz todos os problemas que vemos sua personagem passar.

    A relação mãe e filha é um grande tema do filme, mas ele também caminha por primeiros amores, sexo, depressão, amizade, tudo de maneira simples e ao mesmo tempo afiada, se em alguns momentos a personagem de Ronan possa parecer uma adolescente imatura, Greta dá indícios que ela não é só isso, mostra que algumas atitudes permanecem nobres mesmo que a forma que foram feitas sejam impulsivas ou ignorantes. Faz de suas personagens tridimensionais, e com isso ela consegue verdade, ainda mais com atuações tão boas, desde todo o elenco jovem até Ronan e Metcalf, bem lembradas pela Academia.

    O longa é um drama, mas também tem um ótimo timing cômico, tem situações comuns, mas acerta em fazê-las relacionáveis e bem escritas, tem uma bela fotografia, personagens cativantes e críveis, e uma relação de mãe e filha especialmente retratada, principalmente em seu terceiro ato. Carrega também uma sensibilidade essencial, pois em tempos que Gerwig é apenas a quinta mulher indicada a Melhor Direção no Oscar, ter um coming of age sobre uma garota e encabeçado por uma mulher de maneira tão apaixonada e abrangente é fundamental. Lady Bird: A Hora de Voar é uma delícia e nos faz lembrar o que é ser filho, amigo e sonhador, sem esquecer de nos mostrar quem nos faz assim.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Mulheres do Século XX

    Crítica | Mulheres do Século XX

    O século XX pode ser visto como um dos, talvez o mais denso da história da humanidade. Das grandes guerras e depressão até os direitos civis de negros e mulheres; o direito de ir e vir, o direito de ser. A mudança do entendimento do nosso mundo de vidas em pequenas comunidades, com palpáveis significados, para a solidão de uma percepção para além do que nos cerca, para além das cercas de nossos bairros. É nesse século que o homem pisa na lua, mas não consegue entender seus vizinhos; que as grandes guerras não mais ousarão ser quentes, mas frias e eternas; que o divórcio “sem motivo” nos EUA é liberado, com o estado pioneiro sendo a Califórnia em 1969. É nesse século de eterna crise que viveu Dorothea, desde seu nascimento na crise de 29, passando pela crise dos mísseis e terminando na crise dos 2000, mas sua memória vive até hoje no que Jimmy Carter chamou de crise de confiança.

    Mulheres do Século XX é um filme dirigido e escrito por Mike Mills. É baseado na juventude do diretor, mas especialmente em sua mãe. Dorothea (Annette Bening), uma adulta de 50 e poucos anos da Califórnia, se vê obrigada a buscar outras influências para o filho, Jamie (Lucas Jade Zumann), nesse momento de mudança de paradigmas, 1979, e é nas mulheres jovens que habitam sua grande casa em eterna reforma que encontra a solução. Abbie (Greta Gerwig), uma ex-estudante de artes de Nova York que se recupera de câncer, e Julie (Elle Fanning) uma jovem que se declara autodestrutiva e se aproxima muito de Jamie. Além desses personagens, há também William (Billy Crudup), o único homem adulto da casa, que trabalha no eterno conserto do local.

    O choque entre gerações se faz de forma bem distinta em relação a tantos outros filmes do tipo. Por ser baseado na mãe e juventude do próprio diretor, há uma presente intimidade e utilização de um denso conjunto de relatos e eventos em nível micro para clarear o que se entende do nível macro de uma época. Essa abordagem beneficia especialmente as personagens, que apresentam um profundo desenvolvimento pessoal. É uma forte base para o que o filme se propõe a tratar, especialmente em relação a gênero, exemplificando com diversos eventos e facetas de vivências que as personagens passam, em assuntos que vão desde maternidade e solidão até sexualidade. E em meio a essas mulheres de personalidades intensas, há um jovem se formando em homem.

    “Mas não é preciso um homem para formar um homem?
    “Não, eu acho que vocês vão funcionar pra ele”.

    A direção e roteiro biográfico de Mills permite que as atrizes encontrem nessas complexidades a humanidade simples e latente, essa característica tão forte que permeia todo o filme. Especialmente Annette Bening, que atua sem melodrama como uma mulher vezes melancólica e vezes extrovertida, alguém viva, e que toma como objetivo a salvação de seu filho de um mundo que se sente descrente, ou como foi traduzido por Jimmy Carter: Podemos ver essa crise na crescente dúvida sobre o significado de nossas vidas e na perda de unidade de propósito para nossa nação.

    A apresentação do filme compartilha da energia de seus personagens, com sua direção de arte de cores fortes, mas especialmente sua montagem. Vários momentos se tornam acelerados e com efeitos a lá Koyaanisqatsi, com narrações que trazem uma clara manifestação de memória e reflexão. Dessa forma o filme consegue transmitir toda essa vivência sem se tornar arrastado ou acelerado; simplesmente um fluxo de consciência como alguém que conta sobre uma distante infância a seus filhos.

    Mills criou uma obra de amor em memória de sua mãe, assim como a seus valores, e que se posiciona como um entendimento das dificuldades que ela passou e queria evitar que ele passasse. É um filme sobre a aceitação do tempo: o que pode ser profundo e cheio de significado agora, logo se tornará vazio, assim como as vidas que agora são, deixarão de ser. O que Carter chamou de crise de confiança é atualizada hoje como a de autoestima. A segurança dos muros de nossas casas, a distância entre nossas camas e o chão; nada é suficiente para nos proteger do inimigo mais desconhecido: nós mesmos. Você não gosta disso, e nem eu. O que podemos fazer? Primeiro de tudo, devemos encarar a verdade, e então podemos mudar.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Lola Contra o Mundo

    Crítica | Lola Contra o Mundo

    Lola Contra o Mundo - poster

    O apreço por contar uma trajetória cinematográfica por meio de imagens é mostrado no primeiro take de Daryl Wein em seu Lola Contra o Mundo. Caso quisesse expressar o mote de seu roteiro sem a narração da personagem-título, a mensagem já seria passada. Lola é interpretada pela nova queridinha do cinema independente norte-americano, Greta Gerwig, ainda antes de seu sucesso em Frances Ha, curiosamente interpretando uma menina alternativa, deslocada e levemente insana, mas com nuances completamente diferentes entre as personagens.

    Apesar da cena da praia, que inicia a trama, mostrando a areia suja e com lixo, os momentos posteriores visam contradizer de maneira óbvia o conceito de que aquele mundo ruiu. Lola é surpreendida por seu até então namorado Luke (Joel Kinnaman), que entrega a ela uma aliança, o símbolo máximo de compromisso matrimonial, e como “toda” mulher, ela cede ao sonho com o seu parceiro. O chamado à aventura acontece com pouco mais de sete minutos, quando Luke cancela o pedido de casamento duas semanas antes da festa, fazendo Lola mergulhar em uma profunda depressão, tornando seu sofá e cobertas em objetos apetecedores.

    A resistência ao sentimento depressivo permeia o seu entorno, começando com a visita de seus pais e conhecidos. Adentrar no mundo dos solteiros torna-se algo ameaçador e digno de anti-fantasias, imaginando péssimas transas no meio de um bar, sonhos estes provindos da frustração de estar novamente sozinha, depois de 12 anos de relação e beirando os 30.

    A busca por uma fuga da condição forçada de solteira faz Lola se agarrar em qualquer possibilidade de companheirismo, mesmo em amigos de longa data. Mesmo diante disso não há qualquer possibilidade de sucesso nestas empreitadas. Cada um dos fracassos a faz retornar ao pensamento originário, de só conseguir sair da miséria existencial com o causador de seu recente estado depressivo. A câmera de Wein não se engana ao mostrar o apartamento dos seres logo após o orgasmo que pretensamente viria para redimir o casal. O que sobra é a solidão inexorável de uma vida que não tem mais condições de ser compartilhada.

    As superações e não superações da relação fazem crescer uma enorme distância entre as partes, um abismo de proporções dantescas, exacerbado pela estética romântica do filme. A máscara de mentor é compartilhada por diversos personagens, cada um com seu momento mágico de sabedoria e vulgaridade moderada. Mesmo diante dessas figuras, Lola é obrigada a se autocriticar, e ver em si a profunda análise do fracasso e da própria culpa, cuja demora em ser praticada provocou um sem número de afastamentos.

    A trajetória de Lola se finda de um modo condizente com a realidade agridoce do roteiro, e em seu microuniverso consegue ser absolutamente plausível, e até otimista. O intimismo da proposta fílmica ganha ares de maturidade totalitária, sem abrir mão da delicadeza sentimental e das mostras de apoio mútuo, inerentes à qualquer relação de confraternização saudável. Lola Contra o Mundo pode ser lido facilmente como uma jornada de autodescoberta, em que o principal inimigo e aliado é o próprio homem em plena existência.

  • Crítica | Mistress America

    Crítica | Mistress America

    Mistress America 1

    Roteiro de Noah Baumbach com a atriz que já estrelou dois de seus filmes, Greta Gerwig, Mistress America é mais uma história singela, cujo drama parece feito sob medida para a atriz, nos dois papéis principais. O mote do filme envolve a jovem solitária, entediada, carente e ainda assim bela Tracy, vivida por Lola Kirke.

    O estereótipo visual e de idade faz Tracy lembrar uma versão rejuvenescida de Frances, em Frances Ha, substituindo a área artística da dança pela da literatura, mas igualando o mesmo “não pertencimento” ao glamouroso mundo em que tenciona adentrar. O destino faz Tracy encontrar uma pessoa muito mais segura, decidida e de bem com sua identidade pessoal. O fator de união seria o casamento dos pais de ambas, o que faria Brooke (Gerwig) enxergá-la automaticamente como uma irmã caçula, suprindo uma carência afetiva cuja lacuna está vazia desde o falecimento da mãe de Brooke.

    A persona de Brooke é tão curiosa em essência que Tracy se permite usá-la como personagem falha em um conto literário, usando-a como inspiração em um misto de admiração e desdém, tão complexo quanto a montagem que o caráter de um ser adulto deve ser. Brooke é sonhadora, amoral e moderna, feminista e sensível, a ponto de fazer a pretensa escritora rever seus paradigmas, se agarrando sem pensar à rotina da sua nova parente.

    O roteiro toma o cuidado em dar conteúdo e substância à personagem de sua roteirista, mostrando-a como quem usa um pensamento muitas vezes pautado na futilidade, misturando animação e paranoia de um modo que é quase indistinguível onde começa um sentimento e onde termina o outro. Seu jeito verborrágico faz lembrar o personagem clássico de Woody Allen, ainda que haja uma carga de feminilidade mais interessante do que a do desgastado personagem do diretor judeu.

    Brooke é a típica fútil legal, mistura animação e paranoia; se acha certa o tempo todo. Ela faz contraposição à insegurança de uma mulher que tem uma possibilidade de futuro muito lucrativa, em especial graças à sua pouca idade, mas que é atacada pela ansiedade e não consegue desenvolver bem sequer seus próprios desejos, já que não tem clarividência sobre quais seriam esses anseios. Brooke é tão perfeitamente complexa que se assemelha a um personagem literário idealizado, ao mesmo passo em que possui defeitos muito comuns a uma mulher comum.

    Baumbach parece, a partir de O Solteirão, localizar quase todas as suas histórias no mesmo universo particular, não deixando isso tão evidente quanto Scorsese e Tarantino geralmente o fazem, mas dando indícios narrativos filme a filme, seja na repetição de conflitos, seja na construção de pessoas desajeitadas tentando encontrar a definição sentimental, profissional ou de algo que faça sua identidade valer de algo. O roteiro usa o constrangimento para emular carisma, além de uma dose cavalar de emoção, como já é costume do cineasta.

    A direção de Baumbach faz lembrar o recente Enquanto Somos Jovens, embora a ótica da jornada seja a partir dos olhos do jovem que se inspira no mais experiente. A antimoral e vida de pequenos excessos mostram ter seu “preço”, que é a insegurança financeira e emocional, o que faz a mulher mais velha ter de enfrentar os entes de seu passado, acompanhado, claro, uma coleção de pessoas tão ou mais desajustadas que ela.

    Mistress America discorre sobre distúrbios emocionais, como depressão e bipolaridade, além de outras anátemas a doenças mentais, com uma personagem carismática que resiste em ainda ter tesão na vida, apesar dos fracassos e da sua idade que não para de avançar. O desfecho, com reviravoltas semelhantes às de Enquanto Somos Jovens, novamente põe um choque de gerações em pauta, ainda que seja um aspecto secundário, um ponto de partida para um drama sobre desfechos sem despedidas, que, mesmo não sendo tão inspirado quanto o filme anterior de seu diretor, ainda traz uma bela abordagem agridoce sobre as dificuldades em crescer e se tornar responsável por suas próprias inseguranças e medos.

  • Crítica | O Último Ato

    Crítica | O Último Ato

    O veterano diretor Barry Levinson dá prosseguimento a sua parceria com Al Pacino, muito bem-sucedida em Você Não Conhece o Jack, para dar vazão ao metalinguístico O Último Ato, filme que conta a história de Simon Axler, um ator de teatro reconhecido por seu méritos dramáticos que de repente percebe-se do lado de fora do teatro, um pesadelo comum de qualquer ator. Na verdade, este é somente o primeiro aspecto de sua tragédia pessoal.

    O arroubo emocional em que Axler está metido faz com que ele tenha atitudes drásticas, impingindo a si uma dor tremenda na tentativa de sentir algo sob a própria pele, no desespero de não conseguir mais exercer seu talento. Os takes em lugares bastante distintos remetem à dificuldade que Simon possui em atuar por diversos cenários, tendo como constante o terrível temor de não conseguir mais pôr em prática os ensinamentos que propaga em palestras a seus alunos. A perda de sua essência enquanto artista invade inclusive sua perspectiva de identidade.

    Em meio a sua crise existencial, buscando fugir de sua depressão habitual, Simon prossegue seus dias, até receber a visita da filha de amigos de longa data: Peggen Mike Stapleford, mais um papel forte de Greta Gerwig. Peggen é uma jovem lésbica, de bela aparência, que fantasiava casar-se com o astro desde que era apenas uma garotinha. Após tomar bastante vinho, a moça inicia uma interação sexual com o homem, em um flerte que só ocorre em virtude das atitudes da moça, muito por causa da completa inadimplência emocional e sexual que o ator geriátrico vive em sua rotina.

    A apresentação dessa nova relação abre mais possibilidades de conflito, combalindo ainda mais a mente do artista, já em degradação, com novos paradigmas de brigas e disputas, a começar pelos antigos affairs de Peggen. Deparar-se com a amante de sua parceira faz Simon ter ainda mais dúvidas, principalmente sobre os motivos que a fizeram trocar a antiga rotina para estar com ele, sendo assim incapaz de enxergar o óbvio, que envolve a proximidade causada pela admiração do passado entre ambos.

    Da maneira mais patética possível, os pais de Peggen chegam ao  lar de Simon para indagá-lo a respeito dos desejos e atos lascivos do padrinho com sua afilhada. Mesmo tendo vivido sua rotina de modo dionisíaco até então, o artista começa a se perguntar sobre a moralidade, ou a falta dela, de seus atos, assim como a posição de conviver entre seres completamente insanos, que lhe pedem favores nefastos baseados na ilógica, tão tresloucados que fazem duvidar qual é o nível de realidade em que vivem.

    Toda a dimensão do trabalho de imersão de Simon Axler é duramente analisada sob os olhos atentos da câmera de Levinson, dionisíaca como todo o esforço de exercer atuação sobre material e texto alheio. A preparação e energia que deviam ser empregadas para fazer Rei Lear são gastas em discussões e na resolução das vicissitudes inerentes à vida do adulto, fruto da mesma rotina que lutou tanto para apagar ou fugir; o cotidiano que refutou graças à dedicação ao seu próprio, que, vez ou outra, contemplava também seu talento.

    A repentina crise que passa faz pensar que aquilo é a retribuição do que Simon plantou, resumida na perda da única coisa que lhe foi importante e constante em vida. A arte é tão ingrata quanto a soberba: só se permitiria ser capturada novamente quando a entrega do intérprete fosse completa. Os aspectos teatrais fazem lembrar o texto de A Pele de Vênus, de Roman Polanski, no desesperador ato que une rei e figura artística, os quais têm nas luzes da ribalta e aplausos a sua igual gratificação. Os momentos finais justificam tanto a versão brasileira de “último ato” quanto a descida ao cerne da humildade na tradução de “humbling”, tratando desta humilhação não como afronta, mas sim como a arma necessária para a entrega completa e a solução para o quadro depressivo.

  • Crítica | O Último Ato

    Crítica | O Último Ato

    Com profundos e furiosos olhos verde-escuros, um dos grandes atores americanos vivos, Al Pacino vive em baixa há quase duas décadas. Salvo três interpretações feitas em filmes televisivos, que lhe renderam indicações e prêmios, nenhuma das últimas produções envolvendo o ator foi suficiente para que pudesse se destacar como anteriormente, em personagens que se tornaram icônicas no cinema mundial. Talvez o último momento mais luminoso de sua carreira tenha sido em 1999 com O Informante, de Michael Mann.

    Representante de um estilo de interpretação extremada, chamada de overacting, o ator talvez esteja vivendo o declínio representativo devido ao envelhecimento físico. Diante das modificações físicas naturais do corpo, o semblante do ator ganhou mais vincos e, por consequência, uma imagem que sempre transmite desolação ou fúria. Além disso, papéis rasos de produções como Tudo Por Dinheiro, O Articulador, entre tantos outros filmes ruins ou desnecessários, não lhe deram o espaço para uma de suas grandes interpretações. Aos 74 anos, Pacino continua em cena, mesmo sem brilhar como antigamente.

    Adaptado do trigésimo livro de Philip Roth, O Último Ato estabelece um diálogo ativo com a carreira de Pacino, que representa Simon Axler, um consagrado ator de teatro que perde a habilidade da interpretação e, em um surto, se joga de um palco em meio a uma peça teatral. Dirigida por Barry Levinson, que trabalhou recentemente com o ator no premiado filme da HBO, Você não Conhece o Jack, a trama permanece entre o drama da personagem e o tradicional diálogo sobre a própria arte.

    Como Axler, Pacino entrega uma interpretação mais contida, ciente de que sua popular atuação explosiva seria incoerente com o declínio devastador do ator renomado. Conforme trabalha com um terapeuta sua inadequação perante a perda da capacidade interpretativa, o papel do ator se transforma em material filosófico para o longa-metragem.

    Comumente aproximamos dos atores o conceito de uma pessoa com talento e trabalhos suficientes para interpretar qualquer papel, sendo assim, transitando entre uma quantidade infinita de vidas e personagens. Trabalhando de maneira ativa com uma espécie de faz de conta, o ator também é observador atento que filtra reações diversas para espelhá-las em suas atuações. Não há um parâmetro definido que seja limítrofe entre vida real e universo interpretativo, com cada ator delimitando o quanto uma personagem influencia em seu cotidiano. Axler questiona a função do ator assumindo um distanciamento da realidade. Um observador que monitora a reação das pessoas, como se a vida fosse um conjunto de papéis cênicos. Um homem que perdeu a tessitura entre a ficção e o real.

    O talento interpretativo sempre visto como certo grau de erudição criativa também seria responsável pelo cansaço ao se inserir no cotidiano dos atores como um trabalho qualquer. A composição da arte sempre foi vista com parcelas de dedicação e suor, um amor estabelecido que, sem reciprocidade, se transforma em ato mecânico. Além das tensões internas, a indústria também promove, ou não, a continuidade do ator. Sabemos que muitos grandes atores chegam à velhice quase sem bons papéis, devido à demanda de um comércio que explora mais a juventude do que a terceira idade.

    Aos poucos, o drama sobre os limites de um ator se modifica para explorar o significado simbólico por trás da narrativa, a metáfora da humilhação da personagem central. Diante de uma história breve, originada em uma narrativa de aproximadamente cem páginas, Roth e consequentemente o roteiro adaptado acrescentam elementos demais para a discussão do crepúsculo da arte. A Humilhação, nome do romance e título original do filme, peca por excessos narrativos que vão contorcendo a vida da personagem de maneira demasiada, destruindo parte da realidade proposta por uma desvirtuação que suscita dúvida e deforma a intenção inicial.

    Em consequência da disparidade narrativa, o longa perde a potência e entrega um final comum a outras produções que fizeram da arte um objeto de reflexão e que ainda conseguiram manter a carga dramática. Uma pena para Pacino que, ao distanciar-se de uma interpretação explosiva, entrega um bom papel decadente, situação que, infelizmente, representa o estágio atual de sua carreira.

  • Crítica | Frances Ha

    Crítica | Frances Ha

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    Noah Baumbach é um cineasta que acumula um número grande de contribuições para realizadores reconhecidos – trabalhou no roteiro de Fantástico Sr. Raposo e A Vida Marinha com Steve Zissou, de ambos de Wes Anderson – e em seu sétimo longa-metragem como diretor, apresenta um dos filmes mais pontuais de 2013.

    Frances Ha pode ser classificado como uma dramédia, pois não é tão melodramático quanto um drama puro e simples ou hilário como uma comédia pastelão – apesar  de conter muitos momentos engraçados. O gênero que mais justifica a película é o épico, porque a câmera acompanha todos os passos da personagem título. Frances é uma bailarina com uma vida absolutamente normal, longe dos holofotes, da fama ou glamour. Sua personagem passa dificuldades financeiras, sente falta da casa dos pais, sofre pra manter-se bem morando sozinha e tem dificuldades de se relacionar com os outros.

    Frances é um personagem de facílima identificação, graças à atuação de Greta Gerwig – que também colaborou com o roteiro junto a Baumbach – e ao background da dançarina. As agruras pelas quais ela passa poderiam ocorrer a qualquer um, assim como quase todos os seus sonhos – não realizados – sua apatia e sua mudança de atitude no ato final. Mesmo com tudo isso, Frances não é depressiva, murmuradora, queixosa ou ranzinza. Seu ânimo é sempre alto, mesmo quando está decepcionada. Nos momentos em que está triste ela ensaia um choro, mas nunca o põe em prática.

    O filme é registrado em preto e branco, e a fotografia monocromática contrasta com o ânimo e bom humor da protagonista. Em compensação, a ausência de cores combina com o seu estilo de vida, quase nunca exitoso nas realizações que propõe a si mesma e aos que a cercam.

    Frances só compreendeu que precisava crescer quando se viu sozinha – e o avatar dessa solidão se deu por meio de sua melhor amiga Sophie (uma irreconhecível Mickey Sumner). Este drama em particular empresta muita verossimilhança à fita. Em um ataque de raiva, Sophie quase desata seu noivado – relacionamento que já havia causado muita discórdia entre as amigas – após um porre. Mas a atitude dela em relação a isso foi madura, e pensada de cabeça fria, de forma não-impulsiva. Frances corre para encontrar sua “contraparte”, mas percebe que ela tomou o seu rumo, independente da própria relação entre as duas, e só então a bailarina percebe que precisa mudar a si mesma e as suas ações.

    As passagens de tempo são um tanto corridas e a jornada ao amadurecimento fica au passant, mas isso serve muito bem a trama, compondo um relato exposto de forma magistral e crível, pois quando uma pessoa discorre sobre a própria vida, certamente falará de forma resumida os fatos marcantes dela – mesmo os mais importantes – o roteiro presta o serviço de narração da jornada de Frances rumo ao seu aperfeiçoamento pessoal, profissional e até sentimental. Frances Ha é delicado, bonito e muitíssimo bem filmado, para dizer o mínimo e registra de forma simples uma carreira real, trôpega em alguns momentos, mas inspiradora em quase todos.

  • Crítica | Para Roma com Amor

    Crítica | Para Roma com Amor

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    Woody Allen é um cineasta de fórmulas: sua filmografia consiste em algumas histórias contadas repetidas vezes de forma mais ou menos parecida.  Porém o diretor é tão dono de seu estilo que é capaz de injetar frescor na obra e manter o interesse em filmes que apresentam pouca coisa de novidade.

    Mas, se o talento de Woody Allen é ser Woody Allen, seus filmes não são tão bons quando ele tenta ser outro diretor. Ainda que esse diretor seja Federico Fellini.

    Para Woody Allen (como para mim e, imagino, para a maior parte daqueles que já ficaram atrás de uma câmera de cinema), Roma é de Fellini, e ele enche seu filme de referências e homenagens ao diretor italiano: o núcleo do casal em lua-de-mel é adaptado de Abismo de um Sonho, o surrealismo da história de Leopoldo ou do “cantor de chuveiro” são absolutamente fellinianos.

    Mas de todas essas histórias a mais interessante é que tem menos Fellini e mais Woody Allen. O personagem de Jesse Eisenberg é um dos muitos alter-egos do diretor, um daqueles personagens inseguros, neuróticos, intelectuais e desajustados que ele analisa tão bem, mas que nesse filme não ganha espaço para ser olhado de perto, justamente por conta dos múltiplos núcleos.

    O forte de Allen são seus personagens e a forma como ele destrincha suas inseguranças, medos e neuroses. A graça de seus filmes é a lupa colocada nas nossas relações, nas brigas e detalhes de cada personalidade. Assim, ao optar por contar várias histórias ao mesmo tempo o diretor perde aquilo que tem de melhor e constrói um filme bastante simpático e eficiente, mas que não tem o carisma de seus melhores momentos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.