Tentei deixar um texto final com o mínimo de spoilers possível, para ser uma leitura tanto para quem já viu, como quem não viu a série.
Então, todas as coisas ruins chegam ao fim, certo? As boas também, e chegou a hora de Breaking Bad. Pretendo aqui analisar a série como um todo, e não apenas a última temporada, ou a impressão final, apesar de como algo termina sempre ter um peso maior do que o resto.
Se você já conhece a série pode pular para o próximo parágrafo, pois não me pergunte porque, eu colocarei uma breve sinopse aqui: BB trata de Walter White, um professor de química da High School, frustrado por várias razões, é um gênio da química, mas que pulou fora de uma empresa bilionária, quando ela não valia nada. Frustrado porque está com câncer, não tem grana pra pagar o seu tratamento, e o seu ego não permite que ninguém à sua volta o ajude. Ele então resolve que sua única saída para poder pagar o tratamento do câncer e ainda deixar uma grana pra família, quando ele morrer, é começar a cozinhar meta-anfetamina.
Ok, mas porque uma série com um plot tão absurdo, e num primeiro olhar, inverossímil, afinal de contas, um professor frustrado? De onde ele vai tirar coragem pra fazer tudo que é necessário para se tornar um traficante? Como ele vai conseguir se desvencilhar de todas essas amarras que uma pessoa de classe média padrão tem para se tornar o temido Heisenberg. E acredito que o grande trunfo e acerto de Breaking Bad, está justamente nisso: usar essa capa de violência, tráfico, mortes e tudo de ruim em que Walt vai se transformando, para nos mostrar que na verdade, aquilo tudo sempre esteve com ele, de uma forma inerente, ele sempre foi capaz de fazer tudo que o fez, só precisava de uma centelha, precisou se encontrar em uma situação fatal, uma situação em que tudo, a não ser um pouco que restava da sua dignidade já estava perdido, portanto, se já não resta mais nada, porque não arriscar? Isso toma ainda mais corpo, quando no episódio final, em seu último encontro com Skyler, ele finalmente admite, que ele não fez tudo aquilo pela família, ele fez por ele mesmo, para se sentir vivo, para poder fazer algo que ele realmente era bom. Afinal, se fosse pela família, ele teria aceitado a grana do pessoal da Grey Matter pra fazer o tratamento, e a série não existiria. hehehe
Breaking Bad tem vários pontos altos, sua fotografia, trabalho de edição e colorização, montagem, escolha de trilha sonora, a maioria das atuações durante toda a série também são magníficas, mas pra mim o grande estouro da série, maior do que todo o resto, é o roteiro. Principalmente por um motivo recorrente da série em que ao mesmo tempo que estamos vendo cenas de violência brutal, tráfico, assassinatos a sangue frio, enfim, todo tipo de situação ruim, que sabemos que existe, mas que não faz parte do nosso dia-a-dia. Toda essa brutalidade era vivida por Walt, que apesar de alguns deslizes e desvios de percurso, na maior parte do tempo vivia uma vida dupla, sendo o criminoso Heisenberg, e também Walter White, um cara meio esquisito, mas gente boa, que trata bem os filhos, faz um churrasquinho no fim de semana com os amigos, enfim, um cara normal. Com essa dualidade, é muito fácil você se colocar no lugar de Walter White, e muitas vezes se perguntar, o que seria necessário para mim, para que eu fizesse o meu próprio “Breaking Bad” (usado aqui como a expressão linguística que da nome à serie), o que pra mim seria o meu limite pra finalmente chutar o balde? Largar minha vida mediana, e partir pra uma jornada de loucura como Walt fez? Visto que, loucura aqui não precisa ser necessariamente traficar drogas e matar meio mundo. Digo isso num sentido mais amplo, como quebrar de uma vez a rotina, pra fazer algo que queremos e gostamos, mas que num primeiro momento nos parece impossível, ou fora de qualquer padrão?
Para mim, o grande tema de Breaking Bad, é justamente esse, qual é o limite que cada um chegaria pra alcançar algo que quer. Ou ainda mais, esse limite seria diretamente proporcional a situação ruim que você se encontrava para mandar tudo pro alto de uma vez? Ou é algo inerente a cada pessoa, seja por qualquer motivo, e o limite de cada um já seria “pré-estabelecido”?
Tentando fazer um recap mental da série, dos temas que ela pretende abordar, e os assuntos que estão colocados por ali, principalmente puxando a última temporada. Você facilmente percebe, que dentre os personagens apenas um importa, Walt/Heisenberg, todo o resto gira apenas em torno dele, têm o destino selado e definido por ele, seja a paz, o esquecimento, ou o caixão. O que não faz com que os secundários sejam menos interessantes, como o meu favorito, Hank, por justamente ser o completo oposto do Mr. White. Ele é um oficial do DEA, que funciona quase como um paladino da justiça, mas em nenhum momento deixando de ser humano, com falhas. É como se o fazer justiça, e caçar traficantes, resolver casos complexos, tudo isso que o Hank faz, sempre me passou a impressão de ser quase que pelos mesmos motivos do Walter. Hank não é um agente por que ficar do lado da lei é “a coisa certa a se fazer”, mas sim porque ele sabe que é bom nisso, e de certa forma aquilo o mantém vivo, aquilo preenche e massageia o ego dele.
Tudo isso fica claro, quando acidentado ele começa a colecionar minerais, deitado na cama, como se esperando pela morte, numa vida que não mais valia a pena. E apenas quando seus amigos do DEA trazem trabalho para ele, é que ele volta a se sentir com força e vontade de sair da situação que se encontra. Ou até mesmo para o final em que sua mulher, Marie, tenta convencê-lo a contar ao DEA o que ele descobriu sobre o Walt, para pelo menos salvar a carreira dele que estava a perigo caso tudo viesse à tona. E ele simplesmente não o faz, preferindo correr o risco de ficar sem nada seguindo em sua caçada “low profile”, do que simplesmente dar tudo como perdido, ou deixar aquilo correr como se deve, já que ele não mais era um agente de campo, e sim coordenador do DEA. E esse espelho entre os cunhados, sempre foi meu ponto favorito da série.
Não sou adepto dos exageros, não gosto dos rótulos mesmo antes de terminar, como a de melhor série já feita, ou que nunca mais veremos algo tão bom, etc, etc. Até porque a série, a meu ver, tem seus pontos negativos, como o arco dramático sempre seguindo uma estrutura muito parecida entre as temporadas, em algo como: cozinhar, dar uma merda violenta pra conseguir vender e se safar, ganhar a grana, perder tudo. Sempre escalando no nível de violência, volume e profissionalismo do tráfico conforme a série avança. Outro ponto bastante negativo para mim foi o foco total no Walter ao fim da série, mesmo sabendo que era ele que importava, ele era a “estrela principal do show”, muitos personagens foram subaproveitados ao fim da trama, principalmente Jesse Pinkman, que ao final da história me deixou com a impressão de um ratinho acoado, que estando ali, ou não, não faria grande diferença para a história, virando uma peça para girar o roteiro e não mais ser explorado pela história. Principalmente porque até a quarta temporada, ele sempre foi peça chave, e junto com o Hank formavam meus personagens preferidos. Gostaria de um final mais digno para ele.
Apesar dessas falhas, o resultado final é muito positivo, tanto por toda a sua qualidade técnica, as grandes atuações, e novamente pelo seu roteiro, tratando de personagens humanos, multifacetados, que abordam temas complexos e aplicáveis a nós mesmos, apenas sem o seu invólucro de sangue, e drogas. Trazendo também vários temas e questionamentos ao espectador, às vezes mais implícitos, outros claramente abertos, para nos colocarmos na situação dos personagens e talvez se perguntar, eu faria tal coisa nessa condição, ou meu limite já teria sido ultrapassado? Muitas vezes esse tipo de pergunta, com sinceridade, nos surpreende, assim como Walter White, professor de química do High School, inofensivo, com câncer inoperável, surpreendeu a todos ao se tornar Heisenberg.
