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  • Crítica | Ilha dos Cachorros

    Crítica | Ilha dos Cachorros

    É fácil perceber que se está diante de um filme de Wes Anderson, mas não só pelos motivos “aparentes” e esperados, em especial neste filme de 2018. Incorporando sua identidade rigorosamente meticulosa na elaboração visual de toda a sua mise-en-scène, com a história do garotinho Atari em busca de seu cachorro numa ilha japonesa dominada por raças caninas simpáticas e inteligentíssimas, forma-se uma (tentativa raquítica e apática de) jornada sobre liberdade e amizade e que começa e termina na vã estratégia de ser um Cinema autoral e de entretenimento ao mesmo tempo, algo que Anderson sempre conseguiu, mas que aqui simplesmente não consegue basilar-se nas suas pretensões. Resumindo: Sobra estilo e esquematização, e faltam conflitos e emoções reais em Ilha dos Cachorros, como se isso fosse tudo.

    Wes Anderson não acredita na sua história pois não assume risco algum; fato. Zona de conforto total, e que impressiona dada a mente brilhante que está por trás desse projeto, o filme inteiro parece ser um ato só: Coisas se desenvolvendo com a leveza do vento e sem alcançar patamares significativos em absoluto – nem na filmografia de Anderson, nem no Cinema recente. Mesmo quanto as peculiaridades do cineasta, seus travellings ultra planejados e seu ritmo incessante, ágil e palco para um humor negro irresistível, em A Ilha dos Cachorros tudo torna-se desinteressante pela primeira vez na carreira do cara. E, caso a obra não mereça ser chamada de “desinteressante”, o oposto tampouco atinge na percepção sensorial de quem esperava a regularidade de sempre do autor de Moonrise Kingdom, e de uma das grandes animação dos últimos anos: O Fantástico Sr. Raposo.

    Entre gangues formadas por diversas raças de cães e que lutam pela sobrevivência em um território que dominam, e muito corre-corre vazio, a história grita desesperada por um nível básico digamos de naturalismo que jamais poderia encontrar junto a alguém cuja frontalidade sempre foi orgulhosamente cênica, à beira do artificial. Parece que Anderson quer escapar um pouco do seu estilo e tentar ser mais solto, mais humanizado igual sua cachorrada solta em terreno japonês seguindo Atari. Mas nesse desejo de se expandir, poucas vezes nessa década se viu uma animação tão carente de carisma e tão atolada por uma artificialidade oca; um vai e vem que, se diverte mais ou menos, não chega em lugar algum. Entre um cinismo estrutural e um apoio extremo na beleza e outras virtudes da sua técnica, Ilha dos Cachorros é o típico filme calculado em demasia que não aguenta a essência da sua sensível trama frondosa, e banalmente desenvolvida.

    Neste exemplar do seu gênero, nem a boa trilha-sonora de um Alexandre Desplat ou o fascínio que técnicas de animação promovem não enganam ninguém (pelo menos aqui), e apenas embalam superficialmente a falta de envolvimento de todos os lados com a produção. Anderson apresenta uma mão surpreendentemente pesada na direção, e a trama centrada em amigos inesperados (e uma subtrama política feita às pressas por meio de analogias baratas) tampouco combina com o seu estilo de aventuras hiper organizadas em seu espaço/ tempo tão particular, e sempre tão delicioso – até agora. Estamos falando de um quase filme, de uma ideia que talvez merecia ser contada mas de uma forma muito mais calorosa – o clímax do filme é ordinário. Nem as boas sacadas visuais evitam a apatia e o aborrecimento em meio as tramoias de espécies humanas e caninas, aqui. Parece que todo cineasta precisa ter um mau exemplo da sua visão no currículo, e é uma pena Anderson não ser uma exceção.

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  • Crítica | A Melhor Escolha

    Crítica | A Melhor Escolha

    A Melhor Escolha é o novo filme de Richard Linklater, apresentando um resgate de um cinema mais simples e pouco pretensioso, tal qual seus antigos Escola de Rock, Bernie e Jovens, Loucos e Rebeldes. Curiosamente, em Jovens, Loucos e Mais Rebeldes, o diretor já resgatava elementos de “Jovens, Loucos…” e aqui compõe uma continuação espiritual de A Última Missão, dirigido por  Hal Ashby e estrelado por Jack Nicholson. Ambas produções baseadas em livros de de Darryl Ponicsan, que inclusive trabalhou com o diretor neste roteiro.  Dessa vez, a história acompanha o veterano do Vietnã Larry Doc Shepherd (Steve Carrell), que encontrará seus antigos colegas de farda, o profano Sal Nealon (Bryan Cranston) e o reverendo Richard Mullah Mueller (Lawrence Fishburne) para realizarem uma última missão juntos: velar o corpo de seu filho morto, Larry Jr., até sua terra natal.

    O reencontro do trio em 2003 sob circunstâncias pesadas põe a prova a amizade construída em solo inimigo, bem como a lealdade prometida entre os alistados. O desbocado e sempre bêbado Sal não hesita em ir com o antigo amigo para a jornada, enquanto o pastor vê nos afazeres religiosos, bem como nos problema em suas pernas, desculpas para não partir. Apesar dessas questões, ambos partem rumo a essa nova jornada, conduzida sob uma mistura de personalidades diferentes que soa muito engraçada.

    Ao ter de encontrar o corpo de seu filho – que também serviu as forças militares – Larry se depara com um ardil completamente desonesto, em que os homens de alta patente mentiram sobre o falecimento de seu herdeiro. Então, o caráter de Road movie se intensifica, com os amigos tendo de levar o cadáver do fuzileiro estrada a dentro, ignorando o que o governo poderia transportar sem custos o sujeito.

    No hall onde encontram o caixão, quem decide contar a verdade para o lutoso veterano é Sal, um homem do mundo e não o homem santo. A brincadeira com a inversão de ideais é salutar, pois funciona tanto nas questões irônicas e humorísticas como também nas mais sérias. Apesar desses conflitos, e da letargia de Larry, percebe-se uma camaradagem intrínseca entre os viajantes, como se mesmo após certo tempo, e apesar de todas as mudanças em suas vidas, não houvesse uma distância real entre os que lutaram juntos, e essa intimidade certamente se dá pelas adversidades que tiveram.

    Mesmo sem grande pretensões, com uma trama simples, Linklater propõe uma boa reflexão sobre a necessidade que os Estados Unidos tem em se embrenhar em conflitos armados desnecessários. E ainda faz uma trama que não soa panfletário, uma vez que até as reclamações são feitas por pessoas que estiveram em campo de batalha.

    Ao se aproximar do final, o filme investe bastante em melodrama para destacar ao publico que trata-se de uma obra sobre o luto. Um filme sobre perdas e como lidar com essa sensação. O memorial estabelecido é muito bonito e a musica acompanha bem o cortejo. Doc buscou forças nos homens que correram perigo junto a ele, para lidar com um mau que, apesar de não ser completamente inesperado, também não é tão comum de acontecer, uma vez que a ordem natural são os filhos enterrarem os pais e não o contrário.

    É a partir dessa tragédia que a personagem faz florescer um novo sentimento fraterno por seus irmãos de farda, não exatamente substituindo o amor que tinha por Júnior, mas ao menos ajudando-o a aplacar um pouco o amargor e a dor. É essa singeleza o melhor aspecto de A Melhor Escolha.  Muito bem construída pelo roteiro e muito bem interpretada pelo elenco veterano. Uma obra tocante que não soa piegas, apesar de sua premissa sensível.

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  • Crítica | Artista do Desastre

    Crítica | Artista do Desastre

    Era uma vez Tommy Wiseau, um sujeito bem peculiar, sotaque diferente e fortuna de origem desconhecida. Fazia aulas de atuação nos Estados Unidos, e foi aí que sua vida se cruzou com outro aspirante a ator: Greg Sestero. Os dois cultivaram uma amizade forte, porém estranha, visto que Tommy se negava a conversar sobre sua própria vida (origem, idade etc). O tempo foi passando, os dois tentaram a sorte em Los Angeles mas sem grandes resultados. Desta forma, obstinado por seu grande sonho, Tommy resolve fazer ele mesmo um filme. O resultado foi o bizarro The Room, considerado um dos piores filmes já feitos.

    Os bastidores de The Room e a relação entre Wiseau e Sestero foram relatados por este no livro The Disaster Artist. A falta de talento e noção do realizador, aliado a diversos outros fatores, resultaram na atrocidade cinematográfica chamada The Room, mas rendeu belas histórias. A partir do livro, temos o filme Artista do Desastre, onde James Franco é o diretor e interpreta Wiseau.

    Logo de cara, temos que destacar a atuação de Franco. Ele conseguiu, de forma surpreendente, incorporar os trejeitos, sotaque, personalidade e o timbre da voz do realizador. Até a aparência física se aproxima com o ser humano original. O resultado é uma atuação excelente e muito divertida.

    Vários atores estão bem parecidos com os reais. Além do próprio Franco, podemos destacar Dave Franco, que interpretou Sestero, e Zac Efron, que viveu o traficante Chris-R, personagem do filme. Outros nomes conhecidos interpretaram personagens, como Alison Brie, Seth Rogen e Judd Apatow, enquanto outros aparecem sendo eles mesmos: Bryan Cranston, Kevin Smith, J. J. Abrams e Kristen Bell.

    O filme se apoiou bastante nos relatos do livro, mas também adicionou outros elementos. Houve uma tentativa maior de humanizar o diretor, só que acabou fazendo com que ele duvidasse dele próprio em alguns momentos, algo que destoa bastante do que é mostrado em grande parte do filme. Wiseau é megalomaníaco e tem uma autoconfiança extrema, beirando ao ridículo, e esses momentos de “Será que eu consigo? Será que sou capaz?” não faz jus à personalidade dele.

    O roteiro consegue mostrar bem as decisões erradas do realizador, que vão desde a compra de duas câmeras até a decisão de filmar em sets toscos ao invés de locações externas reais. O ponto mais interessante de Artista do Desastre é o fato de que ele trouxe ao grande público a existência de The Room, sendo que este voltou aos cinemas catorze anos após seu lançamento. Demorou, mas Wiseau finalmente realizou seu grande sonho de ver seu filme sendo passado além daquela única sala em 2003.

    Artista do Desastre é divertido, bem feito e certamente fará com que muitas pessoas corram atrás de The Room. Aliás, o filme será muito melhor aproveitado se você assisti-lo antes. Eles refilmaram diversas cenas, e se você conhecer o filme original, as coisas ficam bem mais interessantes. Não importa em qual ordem você assistirá, confira ambos que vale muito a pena. E por favor, assista à cena pós-créditos.

    https://www.youtube.com/watch?v=UtzsorjuK-o

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  • Crítica | Kung Fu Panda 3

    Crítica | Kung Fu Panda 3

    Em 2008, a Dreamworks nos apresentou a primeira parte das aventuras do panda Po, um atrapalhado urso que seria a reencarnação do “dragão guerreiro” conforme uma antiga profecia interpretada pelo mestre Oogway. O filme foi indicado ao Oscar de melhor animação no ano seguinte, mas não levou. Em 2011, sua sequência também obteve grande êxito de bilheteria e recebeu uma indicação ao Oscar, mas também não levou. Agora, chegamos na terceira parte das aventuras de Po e seus amigos, os Cinco Furiosos, e a Dreamworks novamente entrega um filme divertido que funciona tanto pra garotada quanto pros marmanjos que gostam de uma boa animação.

    Na trama, o pai desaparecido de Po reaparece e o convoca para viajar a um paraíso panda secreto a fim de que ele conheça mais sobre suas origens e também para se aproximarem. Mas quando o vilão sobrenatural Kai derrota o mestre Oogway, foge de sua prisão no mundo espiritual e começa a varrer toda a China derrotando todos os mestres de Kung Fu, Po deve fazer o impossível – aprender a treinar uma aldeia cheia de amantes da diversão e irmãos desajeitados para que juntos possam deter a terrível ameaça de Kai.

    Escrito pela dupla Jonathan Aibel e Glenn Berger, e dirigido por Jennifer Yuh Nelson e Alessandro Carloni, o filme é mais um passo na jornada de autoconhecimento do urso panda bonachão. Desde o primeiro filme, o protagonista está sempre em uma procura sobre o seu lugar no mundo e qual o seu propósito. Uma temática bem pertinente e desenvolvida com bastante leveza e sensibilidade nesse terceiro filme. A mistura de filosofia zen com filmes de artes marciais mais uma vez funciona bem, porém nesse filme temos um embate interessante: enquanto Po é uma espécie de amálgama de todos os seus ídolos, pois aprendeu e absorveu todas as lições de artes marciais que lhe foram ensinadas, Kai, o vilão, é uma espécie de fanático alucinado e predatório que além de querer tomar o lugar de suas inspirações, deseja tê-las para sempre como objetos de sua coleção, uma vez que os derrota e os transforma em tokens carregados em uma corrente. Interessante observar também a metalinguagem utilizada no filme, com Po sendo um representante do espectador, tecendo comentários sobre entradas triunfais, pausas dramáticas e outros clichês usados no cinema de super-herói, artes marciais e ação.

    Uma grave problema que o filme possui é o excesso de sequências de “montagem”. Se para os pequenos isso não é um problema, para os marmanjos isso dilui a dramaticidade e o impacto do treinamento dos personagens, fazendo com que Po perca um pouco da graça que tinha ao estar sempre enrolado com as tarefas e tendo que se superar a cada instante. Visualmente, o filme é espetacular, com técnicas de animação sendo mescladas em vários momentos para contar pontos cruciais da história, provocando um verdadeiro deslumbre para os olhos. A direção também acerta na direção de vozes, com escolhas novamente muito acertadas para os papéis (ressaltando que assisti a versão legendada), com destaque para o vilão Kai, dublado por Bryan Cranston. O ator altera sua voz para um tom ameaçador que por vezes remete aos momentos mais cruéis de seu Walter White.

    Fugindo do lugar comum dos filmes da Dreamworks, sempre lotados de melodrama, Kung Fu Panda 3 une muito bem a cultura oriental, voltada para a espiritualidade e a evolução pessoal, com a ocidental, voltada para o capitalismo, e entrega um grande divertimento para todas as idades.

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  • Crítica | Tinha Que Ser Ele?

    Crítica | Tinha Que Ser Ele?

    A nova comedia que James Franco protagoniza se foca em um assunto clichê, que é o choque entre gerações muito diferentes. Seu personagem, Laird Mayhew é um sujeito moderno, terrivelmente rico e tão excêntrico e afável quanto o saldo de conta bancária. Por sua vez, ele namora Stephanie Fleming (Zoey Deutch), filha do quadrado dono de uma empresa de cartões, Ned (Bryan Cranston), um sujeito tão correto que não permite sequer que seu filho Scotty (Griffin Gluck) fale palavrões.

    O chamado à aventura ocorre após a festa de aniversario do patriarca, onde ele acidentalmente conhece o par de sua herdeira, tendo então aceito o convite para ir para a casa do rapaz, onde descobrem não só a fortuna do sujeito como a vocação dele para o ramo de videogames.

    Laird é um sujeito carente e que precisa de constante aprovação, semelhante demais com o visto no filme anterior do diretor John Hamburg, Eu Te Amo Cara, mostrando que o cineasta tem uma verdadeira vocação para tocar nesse assunto tão comum as preocupações do homem adulto moderno. Nas pouco menos de duas horas subsequentes o que se vê é um montante de situações constrangedoras que põem a prova o discurso e os ideais do homem velho, mostrando a si toda a espontaneidade e visceralidade que perdeu ao longo dos anos, deixando de ser um homem impulsivo para se tornar um sujeito excessivamente seguro.

    O fato é que, apesar de reunir em si muitos clichês do humor moderno, Tinha Que Ser Ele? não trata seu espectador como bobo, apesar de ter uma comédia que se baseia bastante no que é popular entre o público teenager, com uma dose de pimenta do que as vistas em Superbad e demais sub produtos.

    Como se não bastasse o filme ser histericamente cômico, ainda há um personagem que serve basicamente para fazer troça com tudo e todos, que é Gustav (Keegan Michael Key), que serve como auxiliar nos cuidados da casa tanto para seu patrão quanto para os convidados. Seu ponto alto consiste nas interações que tem com Ned, em especial na invasão de intimidade ocorrida quando o segundo está se aliviando de suas necessidades biológicas, além de ser ele o catalisador da percepção do racismo vigente no cotidiano do sujeito careta.

    Se existe alguma inteligência no roteiro de Hamburg, Ian Helfer e Jonah Hill é no deboche que ele faz tanto ao americano médio que se orgulha por ser o suburbano bem sucedido, ao desconstruir a figura de homem perfeito normalmente sustentada por si, assim como também critica os pseudo conhecedores de culturas alternativas, em especial os que acham que são sommeliers culinários, unicamente porque se alimentam do que a maioria não consome. Há também um comentário bem ácido ao ambiente corporativo dos aficionados por tecnologias, apelando até para a questão da mansão em que reside o protagonista ser um lugar sem papéis, fato que faz a rotina de todos ser muito estranha.

    Os momentos antes do final são épicos, com algumas participações especiais que vinham sendo anunciadas ao longo da duração do filme, e apesar de conter um final conciliador e pueril, Tinha Que Ser Ele consegue apresentar com vigor uma comédia descompromissada com grandes discussões, mas que faz um bom papel no sentido de colidir universos díspares.

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  • Crítica | Power Rangers (2017)

    Crítica | Power Rangers (2017)

    Quando Power Rangers chegou à TV aberta brasileira, em janeiro de 1995, na programação da TV Colosso, o gênero não era nenhuma novidade para o público tupiniquim. Acostumados com os Super Sentai japoneses exibidos na extinta Rede Manchete desde a segunda metade dos anos 1980, as crianças brasileiras já conheciam os esquadrões coloridos que lutavam contra monstros de borracha em seus robôs gigantes. Changeman, Flashman, Goggle Five e Winspector fizeram grande sucesso no país, mas a chegada de Power Rangers mudaria todo o cenário dos Tokusatsu por aqui. Isso porque a série utilizava as cenas de lutas de Jyu Rangers (que nunca foi exibido no Brasil) mesclando à cenas com atores norte-americanos, e esse se tornou o padrão de exibição para o público ocidental desde então. Uma pena que os tokusatu originais não cheguem mais até nós, graças à incapacidade do público norte-americano (ou mais provável, dos produtores) em aceitar atores não-ocidentais em papéis principais.

    Se hoje o que mais rende blockbusters para Hollywood é a nostalgia e os filmes de super-heróis, nada mais óbvio do que um reboot cinematográfico da franquia. Power Rangers, de Dean Israelite, é um filme que usa a nostalgia a seu favor, embora deslize – e muito – no roteiro e no tom. Como alguém que insiste em chamar seus bonequinhos de “action-figures“, o longa traz um ar de seriedade a algo que deveria, desde o início, ser destinado ao público infantil. Não há nada de errado nisso, e a seriedade que o filme se propõe, em determinados momentos, chega a atrapalhar o ritmo alucinante de uma aventura dos rangers.

    A história começa com a geração anterior dos Power Rangers, lutando na Terra há 65 milhões de anos e, consequentemente, trazendo a extinção dos dinossauros. Somos apresentados a Zordon, o Ranger Vermelho de então e Rita Repulsa, a Ranger Verde que traiu seu grupo. Tudo de forma muito rápida para poder passar à próxima cena, onde somos apresentados a Jason, o esportista do colégio de Alameda dos Anjos, em uma situação bastante constrangedora ao tentar roubar uma vaca de madrugada pra pregar uma peça no time rival. A cena é bastante confusa e resulta em um acidente também confuso, além de uma piada infame. Assim, diferente da série original onde Jason era um exemplo a ser seguido, vemos o jovem jogador de futebol americano sendo punido pela brincadeira de mau-gosto e condenado à detenção escolar. Ali, Jason conhece outros “desajustados” como ele: Kimberly e Billy. Incrivelmente, as atuações dos atores estão bem além do que normalmente se espera de um filme como esse, embora os diálogos soem muitas vezes um tanto forçado. Descobrimos que Billy possui um tipo de autismo e por isso tem dificuldade em entender piadas. A amizade entre eles começa a se formar e, logo, já estão na pedreira da cidade onde conhecem os outros dois futuros rangers (Trini e Zack) e encontram as moedas do poder. Adentrar a pedreira gera uma nova confusão, um novo acidente e, como consequência, o despertar dos poderes nos cinco adolescentes.

    Interessante notar como elementos da série são introduzidos aos poucos no filme, ora dando novos significados e subvertendo o que já conhecemos, ora ajustando elementos absurdos a uma história mais realista, ou mesmo fazendo piadas com esses absurdos. Assim, temos uma pequena troca de etnias entre os personagens principais em relação à série, mas que foi bastante acertada – evitando conotações possivelmente racistas ou ofensivas. A pedreira, palco onde as batalhas  na série clássica eram magicamente transportadas, ganha um pano de fundo e uma conexão com a economia de Alameda dos Anjos, além de ser importante para o surgimento do vilão Goldar.

    A história prossegue como um clássico filme de origem de super-heróis: os cinco aprendem a lidar com seus poderes e buscam conhecer sua origem e missão. A nave de Zordon é encontrada soterrada na pedreira, e ali os cinco são apresentados a seu mentor. Zordon é brilhantemente interpretado por Bryan Cranston, que já dublava personagens na série noventista e aqui ganha muito mais profundidade. O robozinho Alpha (Bill Hader), por outro lado, tem uma aparência horrível e movimentos simiescos que causam muita estranheza. Talvez ao se afastar demais do ridículo conceito original, a nova abordagem acabou piorando o personagem. Os jovens então passam por um treinamento intenso para aprenderem a “morphar” e os Power Rangers propriamente ditos demoram demais para aparecerem em cena. Contudo, há um ótimo desenvolvimento dos personagens e conhecemos um pouco da vida de cada um, com alguns dramas bastante envolventes e que, por alguns minutos, nos fazem esquecer que se trata de um filme de super-sentai!

    Paralelo a isso, temos o retorno de Rita Repulsa, agora como uma terrível feiticeira em busca de ouro para aumentar seu poder. A atuação de Elizabeth Banks chega a surpreender em alguns momentos de forma razoavelmente assustadora. Na construção da vilã, muita coisa foi limada da série para caber melhor no formato de cinema. Assim, ao invés do séquito de monstros que a acompanhava no original, Rita está sozinha e contando apenas com seus poderes – entre eles, o de criar os “bonecos de massa”. Aliás, os bonecos de massa dessa versão cinematográfica estão muito além dos soldados capengas de outrora, todos feitos em CGI e representando uma ameaça real, como grandes golens de pedra dispostos a proteger sua ama com toda brutalidade necessária. Da mesma forma, Goldar é um golem de ouro gigante – daí a importância da pedreira na trama.

    Os Power Rangers finalmente conseguem “morphar” e os vemos em apenas cerca de vinte minutos de tempo de tela. Porém, o terceiro ato é simplesmente recheado de fanservice, mas que funcionam. Desde a descoberta dos zords até a luta contra o monstro gigante, passando pelo tema clássico revigorado, tudo é empolgante e faz o espectador na casa dos trinta anos lembrar de como aquilo tudo era divertido na sua infância. Assim, o sentimento de nostalgia pode afetar a percepção da qualidade real do filme, e temos noção de que tudo parece muito melhor do que realmente é.

    Entre boas atuações, diálogos fracos, mudanças de tom, reviravoltas na trama, bons e maus momentos, Power Rangers é um filme que incrivelmente não é ruim, e já teve sua sequência garantida – embora motivada pelas altas vendas de bonequinhos e não pela qualidade do longa. As cenas de lutas com os zords bebem da fonte de Transformers, e o surgimento do Megazord ao acaso soa forçado demais até para os padrões estabelecidos pelo roteiro. No fim das contas, o filme parece ser mais sobre a interação entre os personagens do que sobre os Power Rangers como heróis, e isso não é nem de longe um defeito. E a cena no meio dos créditos deixa a dica do que vem por aí na sequência ao citar um dos personagens favoritos dos fãs que ficou de fora do filme. É bem provável que nos próximos anos a fórmula seja usada até a exaustão, com mais sequências sendo lançadas enquanto estiverem vendendo brinquedos.

    https://www.youtube.com/watch?v=5rOxrAaVTu8

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  • Crítica | Conexão Escobar

    Crítica | Conexão Escobar

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    Pablo Escobar está na moda. Desde que a Netflix lançou Narcos, o maior traficante de drogas de todos os tempos ganhou status de ícone pop. Desde então, a curiosidade das pessoas sobre a sua história ficou aguçada. Entretanto, Conexão Escobar não é um filme centrado em El Patrón, mas em um agente alfandegário americano que se infiltrou em seu cartel.

    O filme conta a história de Robert Mazur, o agente da alfândega americana que, nos anos 80, se infiltrou no cartel de Escobar juntamente com Emir Abreu e Kathy Ertz com o intuito de desmantelar todo o esquema de lavagem de dinheiro do cartel de Escobar. O longa, cujo nome em inglês é The Infiltrator, é baseado no livro homônimo escrito pelo próprio Mazur.

    Por ser baseado em um livro que reporta fatos reais, o roteiro escrito por Ellen Brown Furman não possui um único ponto de apoio. Há uma multiplicidade de subtramas, que vão desde os problemas decorrentes de um trabalho infiltrado, como também os conflitos morais que a investigação gera no trio de agentes, principalmente no protagonista. Há uma fuga de soluções fáceis e de clichês, o que deixa o espectador positivamente surpreso. Entretanto, a direção de Brad Furman, de O Poder e a Lei, acaba sendo um pouco irregular. Furman tem muito esmero em trabalhar os personagens, com uma atenção especial em suas reações e emoções durante toda a investigação. A atmosfera de tensão que o diretor constrói em alguns momentos faz com que o espectador se insira no filme e habitualmente se coloque no lugar do protagonista e de seus parceiros. Porém, há um contraponto nisso tudo. Em determinados momentos, o diretor se entrega ao melodrama fácil, comprometendo a agilidade do filme e deixando a sua direção um pouco irregular.

    A fotografia de Joshua Reis consegue captar muito bem o trabalho de cenografia, que expressa muito bem o que foi a década de 80. Em conjunto com o figurino idealizado por Dinah Collins, toda a ambientação é muito bem trabalhada, principalmente na oposição dos ambientes glamourosos frequentados pelo protagonista Bryan Cranston e nas periferias escuras por onde o personagem de John Leguizamo costuma fazer incursões. A trilha sonora composta por Chris Hajian e as músicas da época apresentadas durante o filme também ajudam na imersão do espectador.

    Conexão Escobar também se beneficia da escolha de elenco. Cranston emula o Walter White de Breaking Bad em vários momentos, expressando muito bem os conflitos morais a que o seu personagem enfrenta. Leguizamo, está muito bem como Emir Abreu, o agente que é o oposto do protagonista Robert Mazur. Seu personagem é malandro e tem muito conhecimento de rua e é interessante observar como ele e Cranston trabalham a dinâmica dos dois, uma vez que ao longo da operação surge uma relação de amizade e extrema confiança mútua. Diane Kruger também se destaca como a novata Kathy Ertz, adição de última hora à operação. Sua personagem possui nuances interessantíssimas que fogem da lugar-comum da agente iniciante que somente assume posturas reverenciais aos mais escolados ou comprometem as investigações e além de compreender isso, a atriz torna a personagem magnética.

    Ainda que não seja um filme perfeito, Conexão Escobar cumpre bem seu papel de contar uma boa história sobre como os Estados Unidos iniciaram a sua cruzada contra Pablo Escobar.

  • Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Trumbo 1

    Em meio a tantas cinebiografias chapa-branca, normalmente premiáveis pela Academia em especial nesta época do ano próximo às festividades do Oscar, uma se destaca pela discussão de um período turbulento e paranoico da história americana. Trumbo: Lista Negra começa mostrando a ação de seu personagem-título, o roteirista Dalton Trumbo, encarnado pelo ator recentemente alçado ao patamar de estrela Bryan Cranston, em uma performance que beira a perfeição, graças aos trejeitos resgatados do operário do cinema.

    A persona de Trumbo varia entre o homem preocupado com as condições de trabalho do proletariado, ligado a sindicatos dos trabalhadores, e claro um astro dentro do papel de argumentista de filmes. Jay Roach utiliza sua experiência com comédias variadas entre o tom escrachado de Os Candidatos e o humor ácido de Virada no Jogo para estabelecer um cenário cínico e paranoico, resumido já nos primeiros sete minutos de filme, ao exibir uma cena em que o espectador comum revida o estereótipo que lhe é atribuído, como comunista e inimigo do estilo de vida americano. O repúdio, que começa a partir do receptor furioso, aos poucos se alastra por praticamente todos os membros da indústria, incluindo aí intérpretes de atores famosos como John Wayne.

    O roteiro de John McManara compreende momentos encenados e de gravações de depoimentos da época, que ajudam a assinalar o mesmo clima de perseguição injusta ocorrido na época do macarthismo. Nos depoimentos de Trumbo, há o cuidado de registrar as cenas metade em partes coloridas, metade em preto e branco.

    Trumbo 3

    A evolução do quadro se dá na primeira metade com uma introdução à situação de encarceramento de Trumbo ainda há um modo cínico, com o personagem observando a exibição do filme-propaganda Os Boinas Verdes, distante demais da realidade daquela época. Ligado a este momento há demonstrações emocionais do quão cruel era a época, com a delação entre amigos, o que faz o elenco de apoio sobressair-se, especialmente Michael Stuhlbarg, que faz o ator Edward G. Robinson; Diane Lane que interpreta a esposa do protagonista Cleo; Louis C.K. (cada vez melhor em papéis não cômicos) como Arlen Hird e Ellen Fanning, que executa Nikola, a filha mais velha do casal.

    O didatismo do texto permite demonstrar o infortúnio do escritor mesmo após sua libertação do cárcere, sem perspectivas de trabalho, tendo que se submeter a trabalhos hercúleos sem o crédito e merecimento que lhes eram devidos, como no Oscar que Ian Mclellan Hunter (Alan Tudyk) recebeu por A Princesa e o Plebeu, cujas linhas foram escritas pelo roteirista perseguido.

    Os bastidores da relação de Trumbo com pessoas ilustres do cinema são mostrados em detalhes interessantes, desde Otto Preminger a Kirk Douglas. Talvez o maior pecado de Trumbo: A Lista Negra seja não conseguir expressar todas as polêmicas e dificuldades de carreira que o biografado sofreu, passando rapidamente por grande parte delas, além de aludir a questões cotidianas desimportantes que visavam obviamente humanizar o personagem-título e agradar aos ditames de Hollywood, curiosamente tentando alcançar a simpatia dos mesmos olhos e corações raivosos que destilavam sobre Dalton um desprezo imenso.

  • Crítica | Godzilla (2014)

    Crítica | Godzilla (2014)

    Black-and-White-Godzilla-2014-Poster

    Engenheiro responsável por uma usina nuclear no Japão, Joe Brody (Bryan Cranston) cria seu filho Ford sozinho após perder sua esposa, Sandra (Juliette Binoche), num acidente que leva ao fechamento do local e ao isolamento de todo o entorno. Quinze anos após o acontecimento, Joe ainda acredita que não houve um acidente e Ford (Aaron Taylor-Johnson), casado e com um filho, acha que o pai está obcecado com essa ideia por não aceitar a perda da esposa. Os eventos que se seguem demonstram que Joe não estava enganado.

    Filmes de super-heróis, monstros e catástrofes são autoexplicativos. E Godzilla cabe perfeitamente nas duas últimas categorias. Salvo detalhes que diferenciam a trama, mesmo que ligeiramente, filmes de Godzilla obrigatoriamente têm o lagarto gigante invadindo cidades e causando destruição. E este não foge à regra. Porém a história é conduzida de modo a não ofender a inteligência do espectador. Há clichês? Lógico. Aliás, como escapar deles num filme do gênero? Há justificativas científicas meio capengas, que não resistiriam a um crivo mais exigente? Sem dúvida. Mas, convenhamos, num filme de monstro, quem em sã consciência está preocupado com a legitimidade das explicações? Quem vai ao cinema para rever Gojira quer basicamente apenas duas coisas: um monstro que seja grandioso o bastante para meter muito, muito medo, mesmo que estejamos seguros na poltrona; e muita destruição causada pelo monstro. E se houver uma luta entre monstrengos, ainda melhor.

    A nova adaptação de Godzilla entrega isso e muito mais. Uma boa solução do roteiro foi não incluir um casalzinho romântico ou uma família em perigo para aumentar a carga dramática (e melosa) da trama. Os dramas humanos ocorrem, mas não são foco da história. Não há o intuito de criar tensão desnecessária a ponto de fazer o espectador chorar pelos personagens, algo que enfraqueceria a narrativa. Afinal, é um filme de monstros, oras! E não um romance água-com-açúcar que acontece enquanto uma catástrofe atinge a cidade.

    Outra boa sacada foi não apresentar o monstro no início e passar o restante do filme mostrando a humanidade – leia-se “os americanos” – perseguindo-o e tentando matá-lo. Seria um lugar-comum. Dessa vez, o objetivo do monstro não é invadir e destruir cidades. Godzilla e os outros passam pelas cidades e, consequentemente, devido ao seu tamanho,  saem pisando em veículos e pessoas, além de destruir construções. O mesmo que nós, humanos, fazemos ao passear num campo, por exemplo. Não saímos de casa com o intuito de aniquilar formigas ou amassar gramíneas. Apenas acontece enquanto andamos.

    Bebendo nitidamente da fonte de Spielberg, em Tubarão, a aparição “de corpo inteiro” de Godzilla demora a ocorrer e é precedida de várias cenas em que o vemos apenas de relance ou envolto por névoa. Quando finalmente surge a cena completa, a espera é compensada. Difícil evitar uma exclamação de admiração pela grandiosidade do monstro. Não dá para não pensar “Finalmente, um lagartão bem feito!”. Não é apenas bem composto digitalmente, mas fiel ao Gojira original japonês, sem aquele ar de T-Rex que tinha o Godzilla, de Roland Emmerich.

    Se há algo que chama atenção além do monstro (lógico) é o som do filme. Não apenas a trilha sonora de Alexandre Desplat  lembra um pouco a de John Williams em alguns momentos, mas o design de som também se destaca ao evitar pontuar todas as cenas com a trilha, fazendo ótimo uso do silêncio (recurso dramático infelizmente subutilizado, principalmente em blockbusters). Criando a tensão necessária para amplificar a aparição triunfal de Godzilla.

    Não resta dúvida de que para ser melhor do que o filme de 1998, com Matthew Broderick, não precisa muito. Mas a produção vai além: consegue fazer o público esquecer que aquela versão existiu e tornar esta o definitivo filme de Godzilla.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • O Último Respiro de Breaking Bad

    O Último Respiro de Breaking Bad

    breaking-badTentei deixar um texto final com o mínimo de spoilers possível, para ser uma leitura tanto para quem já viu, como quem não viu a série.

    Então, todas as coisas ruins chegam ao fim, certo? As boas também, e chegou a hora de Breaking Bad. Pretendo aqui analisar a série como um todo, e não apenas a última temporada, ou a impressão final, apesar de como algo termina sempre ter um peso maior do que o resto.

    Se você já conhece a série pode pular para o próximo parágrafo, pois não me pergunte porque, eu colocarei uma breve sinopse aqui: BB trata de Walter White, um professor de química da High School, frustrado por várias razões, é um gênio da química, mas que pulou fora de uma empresa bilionária, quando ela não valia nada. Frustrado porque está com câncer, não tem grana pra pagar o seu tratamento, e o seu ego não permite que ninguém à sua volta o ajude. Ele então resolve que sua única saída para poder pagar o tratamento do câncer e ainda deixar uma grana pra família, quando ele morrer, é começar a cozinhar meta-anfetamina.

    Ok, mas porque uma série com um plot tão absurdo, e num primeiro olhar, inverossímil, afinal de contas, um professor frustrado? De onde ele vai tirar coragem pra fazer tudo que é necessário para se tornar um traficante? Como ele vai conseguir se desvencilhar de todas essas amarras que uma pessoa de classe média padrão tem para se tornar o temido Heisenberg. E acredito que o grande trunfo e acerto de Breaking Bad, está justamente nisso: usar essa capa de violência, tráfico, mortes e tudo de ruim em que Walt vai se transformando, para nos mostrar que na verdade, aquilo tudo sempre esteve com ele, de uma forma inerente, ele sempre foi capaz de fazer tudo que o fez, só precisava de uma centelha, precisou se encontrar em uma situação fatal, uma situação em que tudo, a não ser um pouco que restava da sua dignidade já estava perdido, portanto, se já não resta mais nada, porque não arriscar? Isso toma ainda mais corpo, quando no episódio final, em seu último encontro com Skyler, ele finalmente admite, que ele não fez tudo aquilo pela família, ele fez por ele mesmo, para se sentir vivo, para poder fazer algo que ele realmente era bom. Afinal, se fosse pela família, ele teria aceitado a grana do pessoal da Grey Matter pra fazer o tratamento, e a série não existiria. hehehe

    Breaking Bad tem vários pontos altos, sua fotografia, trabalho de edição e colorização, montagem, escolha de trilha sonora, a maioria das atuações durante toda a série também são magníficas, mas pra mim o grande estouro da série, maior do que todo o resto, é o roteiro. Principalmente por um motivo recorrente da série em que ao mesmo tempo que estamos vendo cenas de violência brutal, tráfico, assassinatos a sangue frio, enfim, todo tipo de situação ruim, que sabemos que existe, mas que não faz parte do nosso dia-a-dia. Toda essa brutalidade era vivida por Walt, que apesar de alguns deslizes e desvios de percurso, na maior parte do tempo vivia uma vida dupla, sendo o criminoso Heisenberg, e também Walter White, um cara meio esquisito, mas gente boa, que trata bem os filhos, faz um churrasquinho no fim de semana com os amigos, enfim, um cara normal. Com essa dualidade, é muito fácil você se colocar no lugar de Walter White, e muitas vezes se perguntar, o que seria necessário para mim, para que eu fizesse o meu próprio “Breaking Bad” (usado aqui como a expressão linguística que da nome à serie), o que pra mim seria o meu limite pra finalmente chutar o balde? Largar minha vida mediana, e partir pra uma jornada de loucura como Walt fez? Visto que, loucura aqui não precisa ser necessariamente traficar drogas e matar meio mundo. Digo isso num sentido mais amplo, como quebrar de uma vez a rotina, pra fazer algo que queremos e gostamos, mas que num primeiro momento nos parece impossível, ou fora de qualquer padrão?

    Para mim, o grande tema de Breaking Bad, é justamente esse, qual é o limite que cada um chegaria pra alcançar algo que quer. Ou ainda mais, esse limite seria diretamente proporcional a situação ruim que você se encontrava para mandar tudo pro alto de uma vez? Ou é algo inerente a cada pessoa, seja por qualquer motivo, e o limite de cada um já seria “pré-estabelecido”?

    Tentando fazer um recap mental da série, dos temas que ela pretende abordar, e os assuntos que estão colocados por ali, principalmente puxando a última temporada. Você facilmente percebe, que dentre os personagens apenas um importa, Walt/Heisenberg, todo o resto gira apenas em torno dele, têm o destino selado e definido por ele, seja a paz, o esquecimento, ou o caixão. O que não faz com que os secundários sejam menos interessantes, como o meu favorito, Hank, por justamente ser o completo oposto do Mr. White. Ele é um oficial do DEA, que funciona quase como um paladino da justiça, mas em nenhum momento deixando de ser humano, com falhas. É como se o fazer justiça, e caçar traficantes, resolver casos complexos, tudo isso que o Hank faz, sempre me passou a impressão de ser quase que pelos mesmos motivos do Walter. Hank não é um agente por que ficar do lado da lei é “a coisa certa a se fazer”, mas sim porque ele sabe que é bom nisso, e de certa forma aquilo o mantém vivo, aquilo preenche e massageia o ego dele.

    Tudo isso fica claro, quando acidentado ele começa a colecionar minerais, deitado na cama, como se esperando pela morte, numa vida que não mais valia a pena. E apenas quando seus amigos do DEA trazem trabalho para ele, é que ele volta a se sentir com força e vontade de sair da situação que se encontra. Ou até mesmo para o final em que sua mulher, Marie, tenta convencê-lo a contar ao DEA o que ele descobriu sobre o Walt, para pelo menos salvar a carreira dele que estava a perigo caso tudo viesse à tona. E ele simplesmente não o faz, preferindo correr o risco de ficar sem nada seguindo em sua caçada “low profile”, do que simplesmente dar tudo como perdido, ou deixar aquilo correr como se deve, já que ele não mais era um agente de campo, e sim coordenador do DEA. E esse espelho entre os cunhados, sempre foi meu ponto favorito da série.

    Não sou adepto dos exageros, não gosto dos rótulos mesmo antes de terminar, como a de melhor série já feita, ou que nunca mais veremos algo tão bom, etc, etc. Até porque a série, a meu ver, tem seus pontos negativos, como o arco dramático sempre seguindo uma estrutura muito parecida entre as temporadas, em algo como: cozinhar, dar uma merda violenta pra conseguir vender e se safar, ganhar a grana, perder tudo. Sempre escalando no nível de violência, volume e profissionalismo do tráfico conforme a série avança. Outro ponto bastante negativo para mim foi o foco total no Walter ao fim da série, mesmo sabendo que era ele que importava, ele era a “estrela principal do show”, muitos personagens foram subaproveitados ao fim da trama, principalmente Jesse Pinkman, que ao final da história me deixou com a impressão de um ratinho acoado, que estando ali, ou não, não faria grande diferença para a história, virando uma peça para girar o roteiro e não mais ser explorado pela história. Principalmente porque até a quarta temporada, ele sempre foi peça chave, e junto com o Hank formavam meus personagens preferidos. Gostaria de um final mais digno para ele.

    Apesar dessas falhas, o resultado final é muito positivo, tanto por toda a sua qualidade técnica, as grandes atuações, e novamente pelo seu roteiro, tratando de personagens humanos, multifacetados, que abordam temas complexos e aplicáveis a nós mesmos, apenas sem o seu invólucro de sangue, e drogas. Trazendo também vários temas e questionamentos ao espectador, às vezes mais implícitos, outros claramente abertos, para nos colocarmos na situação dos personagens e talvez se perguntar, eu faria tal coisa nessa condição, ou meu limite já teria sido ultrapassado? Muitas vezes esse tipo de pergunta, com sinceridade, nos surpreende, assim como Walter White, professor de química do High School, inofensivo, com câncer inoperável, surpreendeu a todos ao se tornar Heisenberg.

    breaking bad

  • Crítica | Argo

    Crítica | Argo

    Quando se ouve o nome de Ben Affleck, muitas torções de nariz e desconfiança são dadas. Affleck não construiu sua carreira de maneira tão promissora enquanto ator, porém vem se destacando na direção. Argo é a prova viva da maturidade de Affleck no ramo cinematográfico, evidenciando que merece mais respeito e reconhecimento do que lhe dão de fato.

    Baseado em fatos reais, Argo se passa no contexto do auge da tensão entre EUA e Irã, no final dos anos 70 e início dos 80. Àquele tempo, os EUA haviam dado asilo político ao Xá Reza Pahlevi enquanto fundamentalistas iranianos invadiram a embaixada americana em Teerã, requerendo a extradição do mesmo. Porém, seis funcionários da embaixada conseguiram fugir e se esconder dentro da casa do embaixador canadense. Tony Mendez (Ben Affleck), agente da CIA especialista em “exfiltração”, desenvolve um improvável plano criando um falso longa-metragem de ficção científica canadense intitulado “Argo” e usando-o como desculpa para adentrar o país e retirar os fugitivos a salvo.

    A primeira coisa a se dizer do filme é que a clássica exaltação do heroísmo norte-americano está, sim, presente. Porém, Affleck tem o cuidado de iniciar a história explicando o contexto da época e mostrando a motivação do povo iraniano em suas manifestações. O que se segue dali em diante é a criação meticulosa de uma tensão sincera e real – tendo em vista que vivenciada pelos fugitivos em 1980 -, porém aos olhos da plateia, que acaba participando emocionalmente daqueles fatos (mesmo aqueles que já sabem do final da história). Affleck desenvolve o filme com uma direção muito segura e extremamente satisfatória, demonstrando que sua carreira como diretor só tem a se desenvolver.

    Em alguns momentos, o filme se diverte com as auto-referências a Hollywood, mostrando personalidades e vícios dos bastidores da indústria cinematográfica. John Chambers (famoso maquiador que venceu o Oscar por Planeta dos Macacos, interpretado por John Goodman aqui) e Lester Siegel (Alan Arkin) representam esses momentos do filme, que funcionam como alívio cômico no desenrolar do longa. Apesar de não serem tão expressivos assim para o desenrolar da tensa trama, não depreciam a obra final – principalmente ao considerar que os dois atores esbanjam conforto em seus papéis e o fazem muito bem. A atuação de Affleck é relativamente inexpressiva, mas coerente no papel de um agente da CIA, cujo emprego é lidar com tensão e com a vida de outras pessoas enquanto se está correndo risco da própria.

    Soma-se às qualidades do filme a fotografia, adequada à época retratada, e a trilha sonora, discreta porém intensa. A qualidade técnica de Argo como um todo é muitíssimo bem trabalhada e todo esse rigor merece ser reconhecido.

    Apenas em 1997 o ex-presidente americano Bill Clinton permitiu a publicidade deste caso, cujos detalhes eram confidenciais até então. Hoje temos o privilégio de ver essa história sendo contada nos cinemas e, felizmente, por um diretor tão competente quanto Ben Affleck.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

    Ouça nosso podcast sobre Ben Affleck.

  • Crítica | O Vingador Do Futuro

    Crítica | O Vingador Do Futuro

    total_recall

    Na onda interminável dos remakes hollywoodianos, chegou a vez de uma das maiores pérolas das traduções brasileiras, O Vingador do Futuro (tudo a ver com o nome original, Total Recall). Não vou entrar em comparações com o clássico de 1990 dirigido por Paul Verhoeven, pelo simples motivo de que não o vi, shame on me. Mas não precisa ser nenhum gênio pra deduzir que a nova versão já sai perdendo ao colocar Colin Farrell no papel que foi de Arnold Schwarzenegger.

    Num futuro não tão distante, uma guerra química tornou inabitável a maior parte do planeta. Os dois únicos locais povoados são a Federação Unida da Bretanha e a Colônia (Oceania). Superpopulação é apelido, e na segunda área há um movimento de resistência contra o Estado opressor da primeira, exigindo direitos iguais para os explorados trabalhadores. Nesse cenário, Quaid é um operário atormentado por uma rotina maçante e sonhos recorrentes nos quais é alguém importante. Buscando um escape, ele vai até um local chamado Total Recall, que implantará em sua mente memórias falsas a título de “férias”. Porém, antes que o procedimento comece, ele é atacado por agentes do governo e a correria começa.

    Correria, aliás, é a definição do filme. Apesar de bem executadas, as cenas de ação são inúmeras, permeadas por breves momentos de respiro. Meio na linha Michael Bay de ser, o que inevitavelmente acaba cansando lá pelo meio da história. O diretor aqui é Len Wiseman (da franquia Anjos da Noite e Duro de Matar 4.0), na melhor das hipóteses apenas competente na parte visual, mas sem qualquer brilho. E isso se reflete nesse novo O Vingador do Futuro, que sugere potencial para ter um algo a mais, algum conteúdo, mas de cara já opta por se dedicar inteiramente à ação desenfreada.

    A crítica social é de um capitalismo tão agressivo que evolui pra um novo imperialismo, mas isso fica apenas como um raso pano de fundo. Os aspectos de sci fi são mais dignos de nota, apesar de estarem presentes somente na ambientação. Os cenários urbanos são muito interessantes, uma extrapolação da nossa própria realidade em termos de moradia, trânsito e cidades cosmopolitas. Nada original, porém: é fácil encontrar elementos de Blade Runner Minority Report. Não por acaso, todos inspirados em contos de Philip K. Dick. Outra possibilidade do filme seria uma discussão sobre identidade, realidade e ilusão, subconsciente e o diabo a quatro nesse viés psicológico. Os próprios trailers e pôsteres sugerem isso – que é incrivelmente mal trabalhado! Em momento algum surgem dúvidas sobre a veracidade da situação do protagonista, e tudo se resume a algumas frases soltas dignas de filosofia de biscoitos da sorte.

    Dentre os atores, Farrell se esforça, mas a seriedade do papel o impediu de usar sua melhor faceta, a de canalha irônico canastrão. Jessica Biel está apagadíssima, Bill Nighy faz pouco mais que figuração, e o vilão vivido por Bryan Cranston ficou muito abaixo do potencial do ator. O destaque vai mesmo para a esposa do diretor, a linda e maravilhosa Kate Beckinsale. Como uma vilã incansável, cachorrona e determinada a ferrar o herói, ela rouba a cena ao definir o que é uma “ex-mulher”. Antes que me acusem de machista ou coisa parecida, é o filme que sugere isso, gerando um humor que não decidi se foi ou não involuntário.

    No fim das contas, O Vingador do Futuro versão 2012 serve apenas como uma boa distração entre Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge e Os Mercenários 2, e dificilmente será lembrado como um destaque dos gêneros ação ou ficção científica.

    Texto de autoria de Jackson Good.