Tag: Dalton Trumbo

  • Resenha | Trumbo – Bruce Cook

    Resenha | Trumbo – Bruce Cook


    Trumbo
    é uma publicação em prol do montar, desmontar e, simultâneas vezes, do remontar o que é o sonho americano, questionável desde os anos oitenta, pós era-Vietnã, na terra dos sonhos, onde a magia acontece, palco já de muita perseguição e escândalos inomináveis. Seria a ilusão de sucesso dos idealizadores que se arranja, e aos poucos é rearranjada pela realidade cruel dos fatos, ou apenas o auto-engano que guia os mais corajosos em direção do reconhecimento, da fama e das grandes festas regadas de sexo, promessas e uísque? Publicado no Brasil pela Intrínseca editora, na esteira da vida e obra de um dos mais famosos roteiristas de Hollywood, a tal La La Land das constelações ambulantes, tem-se o retrato de uma época paranoica e que escancarou, de fato, a tensa relação entre Cinema, e política – e o que acontece de pior quando há indícios de traição.

    Tanto que, esconder essa relação, hoje, seria em vão. Hollywood age como a mais útil ferramenta de disseminação de entretenimento mundial, conferindo aos EUA um soft power absoluto, infiltrando o modo de vida americano de uma forma muito mais efetiva do que por armas e exércitos predatórios, colonizando os continentes. O que é divertido nós compramos sem questionar quase nada sobre, e Hollywood sabe disso. Sempre soube, e Dalton Trumbo também – e muito bem. O cara era esperto como poucos, competitivo, e pendendo mais para a megalomania nos projetos de Cinema que escrevia, segundo o depoimento de Ian Hunter, um dos amigos de profissão que salvaram sua pele, na montanha-russa que acometeu sua vida. Todos esses aspectos o faziam diferente de outros roteiristas da era de ouro, quando os estúdios e as grandes estrelas detinham o poder, e não os personagens.

    E por mais brilhante e único que fosse, Trumbo não criou Hollywood, e portanto, tinha de se adaptar as regras pré-concebidas da casa. Assumidamente comunista, o homem que conhecia as celebridades hollywoodianas como a palma de sua mão encabeçou a lista-negra que pretendia varrer qualquer traço comuna do “american business”, como apontou o lendário ator John Wayne, que ajudou a dedurar amigos de profissão. Preso, julgado, difamado, e a pior coisa para um autor, forçado a reescrever e em muitos casos dar seus roteiros para outros nomes assinarem, Trumbo, assim como tantos outros nomes de todos os setores dessa bilionária indústria, desceu aos sete círculos do inferno por trás da máquina de delírios, amparada por um governo capitalista e intolerante. Bruce Cook, num empenhado trabalho de apuração dos eventos, e contando com grandes depoimentos, remete o próprio caminho dessa figura emblemática a história de mil faces de uma Hollywood linda por fora, e, claro, apenas por fora.

    Após sobreviver a grande depressão americana dos anos 1920, sempre quebrado, frustrado, e tendo sido indicado a trabalhar na Warner Bros., onde ganhou notoriedade e escreveu seu roteiro de filme mais famoso, Spartacus, o qual foi filmado por nada menos que Stanley Kubrick, Trumbo notou desde o começo que as cores do sonho americano são pura fachada. Resta, então, já na posteridade hoje presente, ler a obra que disseca o mitológico roteirista para encontrarmos o certo e o errado entre suas inspirações, afiliações e ideais. Certamente polêmico, hoje, o seu comunismo na época foi totalmente imperdoável, enxergado em forma de propaganda sutil nas narrativas que escreveu, forçando-o a se refugiar no México, e recomeçar do zero, após a perseguição política de quem nem ao menos se deu ao trabalho de averiguar seu trabalho (“Páginas demais”, declarou o investigador-chefe do Comitê de Atividades Antiamericanas, em 1947).

    Nem mesmo Luis Buñuel e Charles Chaplin, dois dos maiores cineastas de todos os tempos, escaparam das investigações. Grandes nomes, ou melhor, lendas do passado cultural ocidental que foram prontamente ajudadas por quem defendia a liberdade de pensamento, tal como é garantida na Constituição dos Estados Unidos. Humprey Bogart, Henry Fonda, Bette Davis, John Huston e William Wyler, entre outros gigantes, lutaram em nome dos chamados “traidores” e “antipatriotas”. Os rebeldes com causa cuja política quase os consumiu. Mas é que o escritor, o teimoso extravagante bem representado no filme de 2015, Trumbo: A Lista Negra, na pele de Bryan Cranston, também sabia que os conflitos que planejava na ficção não eram à toa, e que a vida sem uma boa guerra a ser combatida, principalmente em Hollywood, não poderia ser, afinal, uma vida bem vivida.

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  • Crítica | Sua Última Façanha

    Crítica | Sua Última Façanha

    É de praxe como artistas americanos costumam vangloriar o seu país, e disso extrair para si e para o mundo belos filmes embalados em tratados sobre temas típicos da cultura nacional. Hoje, o pacote vem na forma do heroísmo mitológico que sempre remete, nas cores oriundas dos quadrinhos editoriais que esses super-seres usam, à bandeira dos EUA, notoriamente azul e vermelha. Se agora é assim, teve um antes pra servir de prelúdio a essa moda. O faroeste de Ford a Leone já serviu de referência a essa espécie de patriotismo exportado e importado que Hollywood tanto ostenta, entendendo portanto que a promoção dos ideais nacionalistas do Tio Sam se dá muito mais pelo Cinema, que pela Literatura ou até mesmo que pela Música, já que a sétima-arte tem uma capacidade maior de sedução imaginativa, oferecendo uma hipnose audiovisual mais propícia e latente à publicidade dos valores de um grande shopping center chamado Estados Unidos da América.

    E é por isso mesmo que Sua Última Façanha seria o filme, como outros que não vem a calhar aqui, que de forma alguma poderia vir a faltar na filmografia desse país. Uma terra continental que integra a política de tantos outros, e se vê responsável, tal um Superman de características geopolíticas, de interferir como bem acha que deve na vida de um planeta por inteiro. E que, muito que resumidamente falando, exclama seus poderios em troca de soberania, sob a égide da democracia que vende, ou melhor, diz conferir a quem segue seus preceitos capitalistas do “ter” acima do “ser” da questão – qual seria essa, então? Uma questão de valores, é claro. O longa é a fuga de um homem de uma liberdade imposta (?!). Um brilhante tratado estadunidense, do começo ao fim, e um tanto que esquecido pelas plateias sobre a intolerância, e logo na terra das oportunidades e da democracia – mais irônico que isso, fica difícil.

    Kirk Douglas é o irrefreável vaqueiro Jack Burns, um sobrenome que já deixa claro no que que a vida de Jack se baseia, ou irá se basear. Um homem avesso a qualquer tipo de modernidade mas não por isso bruto, ignorante ou violento: deixa-se prender para ajudar um amigo (Michael Kane) a escapar da prisão, mas descobre que esse, ao sair, terá muito mais a perder aqui fora. Nisso, Jack escapa sozinho, e uma perseguição frenética a cada minuto assola sua vida feito um incêndio devastador nos seus calcanhares, a partir de então, seguindo-o e à espreita do homem num cenário e ritmo perfeitos para fundir um estilo clássico e já enraizado na cultura americana com novas possibilidades tanto de se contar uma história, quanto de abordar um gênero.

    Na mesma década do western spaghetti de Sergio Leone e Clint Eastwood, a obra do cineasta David Miller (não apenas a partir de seu segundo ato aventuresco) configura-se na tela como embate do novo com o velho, e na história, como um marco narrativo e estético por ser mais uma pedra moderna em cima do cadáver resistente do faroeste clássico; um bang-bang monumental que agora divide sua tela fullscreen com um helicóptero sobrevoando um peão e seu cavalo, inundando o quadro de elementos inversamente icônicos e que, antes da década de 60, eram impensáveis de se contemplar num filme dum gênero tão simbolicamente conservador aos primórdios dos EUA. É por isso que o roteiro do tumultuado e famoso escritor comunista Dalton Trumbo, o mesmo de Spartacus, merece uma análise a parte, adaptado aqui do romance do anarquista Edward Abbey.

    A caça sofrida por Jack Burns, suas causas e consequências, exala semelhança e remete à perseguição que Trumbo sofreu por ser membro do Partido Comunista, bem antes dos anos 40, e aos ideais que o segundo autor defendia, afirmando que “O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”, uma frase atribuída a muitos(as) autores(as), mas escrita originalmente por Abbey num simples jornal estudantil. Vale ressaltar ainda que, no que se refere a vida profissional de ambos os escritores, suas carreiras acharam um ótimo paralelo ideológico num filme que representa e faz refletir, cena após cena, a moralidade da anarquia e da violência nacionalista, e a tendência tão norte-americana de perseguir (aqui, literalmente) quem não segue as suas regras, seja o alvo das ações um simples homem e seu cavalo, seja países inteiros que não concordam, obedientes, com suas demagógicas imposições de liberdade (?!).

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  • Crítica | Spartacus

    Crítica | Spartacus

    Spartacus é um ensaio frágil sobre as possibilidades de um épico formalista. E quando me refiro a isso, quero ascender a importância da forma, da escala, das dimensões de um visual, e não necessariamente das dimensões da história, de um estilo de direção ou atuação. Stanley Kubrick tenta malabarizar tudo isso por mais de três horas, mas a forte materialidade desse épico americano (sobre Roma) fala mais alto. Do império icônico à beira da bacia do mediterrâneo onde um escravo, um gladiador execrado lidera uma revolução política, nascem as mesmas intenções que permeiam Ben-Hur (1959), Cleópatra e Jasão e os Argonautas (ambos de 1963), com todos deixando a ação histriônica e a reciclagem da iconografia desse simbolismo ultraclássico falar mais alto, gritar na tela e nas caixas de som, em detrimento de se alcançar um frescor narrativo nunca antes visto, ou ao invés de escalonar o poder da palavra, é quisto focar quase que puramente no poder de um símbolo histórico e do que se pode extrair visualmente disso, nada muito além. Épicos lidando com sua farta energia de forma unilateral, recreativa com a nossa visão e barulhenta aos nossos ouvidos.

    Esse texto portanto não vai contra o Épico e a favor das pequenas histórias (Morte a Ben-Hur, longa vida a nouvelle vague!), não, mas cobiça reconhecer suas diferenças e grandezas e unificá-las num exemplo que parece ser um dos mais acessíveis: A trilogia O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola. Três Épicos ambiciosos pelas imagens e a glamourização da ética e da antiética, da corrupção e da criminalidade de uma forma nunca antes vista, com o fotógrafo “rei das sombras” Gordon Willis dando o tom da construção visual do universo dos Corleone, mas num paralelo exato ao poder de uma narrativa revolucionária, de um jogo de palavras tão forte e inesquecível quanto o visual, e com personagens tão complexos entre si quanto um ângulo dourado de câmera muito bem planejado. Essa trilogia e tantos outros exemplos de dramaticidade pontual se configura, então, feito um verdadeiro e maiúsculo Épico, tratando-se (na sua concepção e na nossa interpretação) de um Épico completo, tendo a sua epicidade presente e vibrante em todos os aspectos de uma grande (e absoluta) experiência cinematográfica. Agora, vamos falar do outro lado da moeda. Vamos pensar Spartacus.

    O ano era 73 a.C, e o império romano estava consolidado, vencendo meio mundo de batalhas com tecnologia e estratégia militares ímpares. Criou-se, então, em ordem de inúmeras desigualdades sociais, uma legião de escravos normalmente feita por todos aqueles perdedores das guerras que Roma venceu (estimativas modernas sugerem que, na época, havia um escravo para cada três pessoas livres, destinados a serem servidores domésticos, escravos (as) sexuais ou, como no caso do lutador em questão, gladiadores). Kubrick parece tentar traduzir numa gama de cores saturadas e situações emocionantes e frívolas toda aquela tensão social, relatando o destino de personagens relacionados com base numa história só e numa narrativa simples e humilde que de revolucionária tem só a casca, mas muito bem amparado por uma parte técnica impecável (talvez seja essa então a maior contribuição dessa Hollywood mais nababesca, sempre revolucionando a técnica dos seus espetáculos mas deixando-se cegar facilmente por todas as fascinações que a tecnologia lhe traz).

    A visão do cineasta parece ter certa dificuldade em equilibrar a história de proporções bíblicas com uma narrativa realmente forte, que costure todas questões subjetivas e explícitas de um arco histórico tão notório para com um cinema americano que sempre se apropria da identidade de outras culturas. Sente-se que Kubrick sabe a fantasia que deve mostrar, mas não o que está abaixo dela, numa abordagem por vezes superficial dos clássicos tempo romanesco – algo tão diferente do ótimo Barry Lyndon, mas que viria anos depois. No filme protagonizado por outra lenda, o ator Kirk Douglas e um elenco de peso atemporal, nota-se também como Spartacus na sua reconstituição histórica chega com quase nenhum(a) personagem negro ou abertamente gay, algo completamente mentiroso ao meio escravocrata e diversificado daqueles idos, caso o realismo estivesse realmente ligado a visão de Kubrick para a jornada desse herói revoltado – um espécime de William Wallace do filme de Mel Gibson, mas sem tanto ufanismo patriótico esguichando a cada frame do filme mais naturalista, sujo e corajoso e menos tecnicista e carnavalesco que Coração Valente termina sendo.

    Ora, é claro que os sensores de 1960 eram bem mais rígidos à produção artística de cinquenta, sessenta anos atrás, o que justamente impediu o roteiro de Dalton Trumbo – primeiro filme a ser creditado aós entrar na lista negra do macartismo – em Spartacus de imprimir uma cruel realidade social, fazendo-o apelar para uma releitura mais apoteótica e aventuresca de um período longo e bem conturbado da história da humanidade. De acordo com o próprio Kubrick: “Foi o único dos meus filmes sobre o qual não tive controle total”, batia no peito o cineasta meio que tirando seu cavalo da chuva sobre o que o filme acabou tendo de bom, e de questionável. Corta agora pra 2015.

    Outros tempos, as mesma histórias, claro. Chega George Miller com Max Mad: Estrada da Fúria, assumindo de vez e sem vergonha ou pedantismo nenhum toda a carga de formalismo que um épico de Hollywood pode ostentar, sem perder sua pose e a sua capacidade de reformulação de fórmulas, como a jornada do herói onde a Furiosa de Charlize Theron está inserida, aqui revirada e posta em cheque pelo ambiente caótico da personagem. Reparem que Miller ao contrário do Kubrick de Spartacus não usa em momento algum esse formalismo como fim absolutista, mas como meio de manobras narrativas dramáticas para se extrair desse quarto Mad Max que muitos podem acusar de puramente visual, algo mais e maior que apenas outra mise en-scène grandiloquente. Talvez seja isso que faltou e ainda falta para outros épicos de grandes escalas e sons retumbantes: Algo a mais.

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  • Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Trumbo 1

    Em meio a tantas cinebiografias chapa-branca, normalmente premiáveis pela Academia em especial nesta época do ano próximo às festividades do Oscar, uma se destaca pela discussão de um período turbulento e paranoico da história americana. Trumbo: Lista Negra começa mostrando a ação de seu personagem-título, o roteirista Dalton Trumbo, encarnado pelo ator recentemente alçado ao patamar de estrela Bryan Cranston, em uma performance que beira a perfeição, graças aos trejeitos resgatados do operário do cinema.

    A persona de Trumbo varia entre o homem preocupado com as condições de trabalho do proletariado, ligado a sindicatos dos trabalhadores, e claro um astro dentro do papel de argumentista de filmes. Jay Roach utiliza sua experiência com comédias variadas entre o tom escrachado de Os Candidatos e o humor ácido de Virada no Jogo para estabelecer um cenário cínico e paranoico, resumido já nos primeiros sete minutos de filme, ao exibir uma cena em que o espectador comum revida o estereótipo que lhe é atribuído, como comunista e inimigo do estilo de vida americano. O repúdio, que começa a partir do receptor furioso, aos poucos se alastra por praticamente todos os membros da indústria, incluindo aí intérpretes de atores famosos como John Wayne.

    O roteiro de John McManara compreende momentos encenados e de gravações de depoimentos da época, que ajudam a assinalar o mesmo clima de perseguição injusta ocorrido na época do macarthismo. Nos depoimentos de Trumbo, há o cuidado de registrar as cenas metade em partes coloridas, metade em preto e branco.

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    A evolução do quadro se dá na primeira metade com uma introdução à situação de encarceramento de Trumbo ainda há um modo cínico, com o personagem observando a exibição do filme-propaganda Os Boinas Verdes, distante demais da realidade daquela época. Ligado a este momento há demonstrações emocionais do quão cruel era a época, com a delação entre amigos, o que faz o elenco de apoio sobressair-se, especialmente Michael Stuhlbarg, que faz o ator Edward G. Robinson; Diane Lane que interpreta a esposa do protagonista Cleo; Louis C.K. (cada vez melhor em papéis não cômicos) como Arlen Hird e Ellen Fanning, que executa Nikola, a filha mais velha do casal.

    O didatismo do texto permite demonstrar o infortúnio do escritor mesmo após sua libertação do cárcere, sem perspectivas de trabalho, tendo que se submeter a trabalhos hercúleos sem o crédito e merecimento que lhes eram devidos, como no Oscar que Ian Mclellan Hunter (Alan Tudyk) recebeu por A Princesa e o Plebeu, cujas linhas foram escritas pelo roteirista perseguido.

    Os bastidores da relação de Trumbo com pessoas ilustres do cinema são mostrados em detalhes interessantes, desde Otto Preminger a Kirk Douglas. Talvez o maior pecado de Trumbo: A Lista Negra seja não conseguir expressar todas as polêmicas e dificuldades de carreira que o biografado sofreu, passando rapidamente por grande parte delas, além de aludir a questões cotidianas desimportantes que visavam obviamente humanizar o personagem-título e agradar aos ditames de Hollywood, curiosamente tentando alcançar a simpatia dos mesmos olhos e corações raivosos que destilavam sobre Dalton um desprezo imenso.