Tag: Michael Stuhlbarg

  • Crítica | Me Chame Pelo Seu Nome

    Crítica | Me Chame Pelo Seu Nome

    Há beleza no novo, na epifania da descoberta é que nos sentimos vivos e desse curto espaço de tempo que o próprio tempo se revela um inimigo. Me Chame Pelo Seu Nome fala disso, fala do novo e também da experiência, do tempo e de distância, temáticas brotam como um romance de verão no novo longa do italiano Luca Guadagnino, ovacionado em festivais do mundo todo desde o início de 2017 o filme é simples como seus temas e tão profundo e sensível quanto, soa como poesia e resgata o valor de se contar uma história de amor.

    Elio – interpretado brilhantemente por Timothée Chalamet – está passando as férias de verão de 1983 no norte da Itália com seus pais, até um dos alunos do seu pai, sete anos mais velho, chegar para semanas de estudos na casa, interpretado por Armie Hammer, o recém-chegado Oliver desperta em Elio desejo e admiração, fazendo com que os dois se conheçam aos poucos envoltos numa rotina calma e calorosa. Sem três atos pontualmente divididos, o filme passa bom tempo mostrando as investidas silenciosas dos dois rapazes entre jogos de vôlei, passeios de bicicleta e leituras a beira de piscinas, a atração deles é construída a passos lentos e está longe de ser puramente física, os dois se provocam culturalmente em cenas belíssimas, e é nesse começo longo e rotineiro que Guadagnino nos fazer perceber que Me Chame Pelo Seu Nome não está enraizado em padrões, fórmulas ou filtros.

    Entre essas cenas uma história coming of age vai brotando entrelaçada ao romance eminente, acompanhamos um Elio maduro e talentoso, mas que ao mesmo tempo se julga não saber das coisas que importam, ele lê, faz a barba, reflete grandes questões, explora sua bissexualidade – sensivelmente trabalhada na narrativa, algo raro de se ver no cinema –, experimenta seus sentidos, e seu intérprete Chalamet não deixa de ser impecável, o jovem ator entende seu Elio nos mais sinceros olhares e gestos, transmite os desejos e anseios de seu personagem em movimentos travados e ferventes, o Elio de Timothée é palpável e a atuação masculina mais sensível do último ano. Hammer também faz do seu Oliver um personagem de olhares, e é um deleite acompanhar todos os escudos do mesmo serem desmanchados ao decorrer da história, mostrando brechas de um Oliver desconsertado e inseguro em milésimos de cena, um trabalho muito bem feito, mas nada maior do que ver os dois juntos em tela, é como pegar fogo, a química é tão forte quanto ambígua, é calmaria e sensualidade caminhando de mãos dadas. Os beijos são cheios de paixão, os toques são fortes, sente-se os dois atores entregues a história e a seus personagens, o que faz do longa um filme tão verdadeiro.

    O diretor sabe muito bem criar essa atmosfera crível, um dos motivos de algumas cenas tratarem tão bem de certo erotismo e sensualidade é a escolha dele em dar grande destaque aos sons, a trilha musical desaparece e dá lugar a sons de respiração, um personagem engolindo seco, o roçar da pele na roupa, o suspiro de prazer, o som de pele tocando na pele, os sons das árvores lá fora… o diretor encabeça uma deliciosa atmosfera sonora durante todo o longa, que também se destaca pela inspirada trilha musical, principalmente as canções performadas por Sufjan Stevens, umas das melhores músicas originais em anos. A cinematografia é baseada em composições inspiradas e entrega imagens significativas, tanto quando enquadra os dois personagens principais, quando observa de longe em longos planos, tanto quando caminha por paisagens e olhares.

    O final do filme traz um monólogo magnífico nas palavras de Michael Stuhlbarg na pele do pai do Elio, que deve ser lembrado ainda por muitos anos, por ser muito bem escrito e por concretizar o longa como um filme único, ele mais uma vez se mostra muito mais do que aparenta, novas temáticas desabrocham e é difícil não se relacionar. O longa é bonito em todas as significâncias da palavra, consegue ser simples e natural como a rotina enquanto conta a história de um amor gigante, conta a história do novo, da descoberta e da experiência, ousa em mostrar da forma mais crível possível o tiro certeiro do nosso inimigo tempo, ou a falta de dele, ou o que não fizemos dele. Me Chame Pelo Seu Nome é altamente sensível e já nasce importante, desabrocha no coração de uma geração sem amarras, como “filme queer” representa muitos, mas quando fala de ser humano, de amor, fala de todo mundo.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | A Forma da Água

    Crítica | A Forma da Água

    Após alguns fracassos de crítica com Círculo de Fogo e A Colina Escarlate, o diretor mexicano Guillermo Del Toro ressurge com uma novo longa que conta com fortes elementos fantásticos e nuances de terror. A Forma da Água ganhou o Leão de Ouro em Veneza e não é à toa, pois o filme é deslumbrante visualmente e com um texto muito terno.

    A história começa com a funcionária de limpeza Eliza Esposito (Sally Hawkins), uma mulher muda e bastante sensível a arte, não tem qualquer receio em saciar seus desejos sexuais diários, a despeito até do pensamento conservador vigente nos anos 1960. Ela trabalha em uma base militar e tem contato direto com o impertinente “sargentão” Strickland, vivido por Michael Shannon.

    A trama acrescenta ainda a figura mítica de um ser humanoide poderoso interpretado por Doug Jones, chamado de homem anfíbio nos créditos, que se encontra encarcerado por ser diferente dos demais. Seu semblante lembra bastante O Monstro da Lagoa Negra.

    A história é desenvolvida sob a ótica de Eliza, que rapidamente enxerga no ser anfíbio uma figura semelhante a si, inteligente, munida de sentimentos complexos mas que sofre de um problema de comunicação profundo, além de ter em si um talento escondido e começa a se envolver emocionalmente com ele. A inocência e ingenuidade é tratada como uma dádiva quase divina dentro do roteiro de Del Toro e Vanessa Taylor, fato este que torna ainda mais gritante a arrogância e o machismo exacerbado do psicótico Strickland.

    Em meio ao cenário caótico da Guerra Fria, os tons acinzentados do confronto entre a União Soviética e os Estados Unidos é mostrado sobre um viés pouco maniqueísta, apesar de mostrar os russos como adversários, também denuncia os desmandos dos americanos, apelando é claro para máscara vilanesca do personagem de Shannon. Seu papel de certa forma reprisa o agente Nelson Van Alden de Boardwalk Empire em seus momentos mais inspirados na série da HBO, acrescentando aí uma carga de egoísmo e necessidade de auto-afirmação via opressão aos que estão abaixo de si.

    O desenvolvimento das personagens são bem encaixados à trama, fato que casa incrivelmente com o ritmo do filme. Em alguns momentos ele lembra a valorização do lúdico presente em A Invenção de Hugo Cabret, que curiosamente também conta com Michael Stuhlbarg em um papel secundário, igualmente importante para a trama. O contraponto entre o amor e a ganância é apresentado de uma maneira bastante madura, ainda que não abra mão de ser pueril. Tudo isso faz de A Forma da Água uma pérola em meio ao cinema mainstream, especialmente por não focar em estardalhaços visuais, mas sim em contar histórias utilizando estes recursos visuais como papel secundário à obra final.

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  • Crítica | Armas na Mesa

    Crítica | Armas na Mesa

    O dito cinema “liberal” americano vez ou outra entrega filmes promissores com interessantes e profundos debates sobre temas que estão em evidência na sociedade. Porém, quando se faz cinema com um objetivo apenas político sem sensibilidade artística e subestimando o espectador, por vezes temos filmes que apenas raspam na beira de discussões interessantes, mas passam longe de trazer qualquer debate verdadeiramente profundo sobre o que se propõe, e este é o maior problema da nova produção do diretor John Madden, chamado Armas na Mesa (Miss Sloane).

    O filme conta a história de Elizabeth Sloane, personagem ficcional baseada no mundo dos lobistas profissionais do congresso americano, interpretada por Jessica Chastain, que trabalha em uma grande firma do ramo, sempre agindo de formas obscuras no limite da lei. Ao ser contatada pela indústria armamentista para tentar fazer o público feminino comprar armas, tem uma crise de consciência e vai trabalhar em uma pequena firma que quer passar uma lei de controle de armas, mas que quer apenas fazer com que pessoas em listas de terrorismo e criminais não consigam armas tão facilmente, semelhante a polemica que se deu recentemente no país quando Obama lutou em vão para tentar restringir o fácil acesso a armas de fogo no país.

    Ao ter uma suposta crise de consciência, é abordada pelo “outro lado” e vai trabalhar para o lobby a favor de uma maior regulamentação da venda de armas, e aí que a trama começa a desenrolar, pois o telespectador começa a ser jogado de um lado para o outro, como se estivesse vendo um thriller de espionagem, onde uma Elizabeth Sloane começa a ficar cada vez mais fora de controle em sua obsessão pela vitória, o que a leva a decadência final, quando sua antiga equipe a coloca frente a uma comissão de ética do Senado.

    Mas eis que uma antiga e fiel assistente, interpretada por Alison Pill, reaparece. Em uma cena anterior, ela havia sido estabelecida como fiel a Sloane. Depois as duas rompem. E depois, claro, ela se mostra uma infiltrada e na verdade estava trabalhando para Slone durante todo o tempo. Tudo enquanto Sloane dá o seu discurso moralista e destrói a imagem dos bandidos corruptos e malvadões de Washington.

    Desta forma, Armas na Mesa, com a qualidade e orçamento que teve, se tivesse uma história e roteiro à altura, poderia trazer à tona discussões interessantes sobre lobby, sobre o controle de armas, sobre corrupção, sobre qualquer assunto. Mas o que traz é o mesmo moralismo dos libleft americanos e o ar de superioridade intelectual e moral que avassala as produções do gênero. E contar com uma parte do elenco de uma produção tão boa quanto The Newsroom deixa isso ainda pior.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

    https://www.youtube.com/watch?v=591hCwxsNsM

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  • Crítica | A Chegada

    Crítica | A Chegada

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    O começo do novo filme de Dennis Villeneuve mistura docilidade com melancolia, mirando um evento bastante sentimental antes de adentrar na questão central da vinda de alienígenas pelo globo terrestre. A Chegada tenciona ser poético e reflexivo, resgatando conceitos antigos de Carl Sagan a fim de reimaginá-los, mas esbarra em um maniqueísmo que já havia sido ofensivo em Sicário e que aqui, é suavizado. O drama é contado através da vivência da doutora em linguística Louise Banks, vivida por sua vez por Amy Adams.

    Louise é uma mulher bem resolvida, inteligente, solteira e de pensamento progressista. No passado ela já havia auxiliado o governo americano com uma situação com árabes, da qual se arrependeu, já que os americanos cercearam a vida de seus adversários sem piedade. Quando ocorre um evento global de invasão de alienígenas, é a linguista que chamam, após uma situação de calamidade e comoção que se assemelhava demais ao ocorrido em 11 de Setembro de 2001.

    Villeneuve é indiscutivelmente um diretor interessante, seu trabalho de imagens é de uma qualidade ímpar e o mesmo está sempre acompanhando por bons cinematógrafos. No episódio anterior, o diretor canadense havia trabalhado com Roger Deakins, e neste sci-fi a direção de fotografia está a cargo de Bradford Young, que já havia mostrado um olho apurado para cenas de suspense e tensão tanto em Selma quanto em O Ano Mais Violento. Young apresenta imagens lindíssimas e consegue harmonizar o CGI fruto do orçamento milionário com cenas emocionantes e carregadas de melodrama, fazendo toda a questão soar naturalista apesar do aspecto fantasioso presente na adaptação do livro de Ted Chiang, Story Of Your Life.

    O principal problema no texto é compartilhado com o nome da literatura do qual foi baseado, uma vez que todos os aspectos positivos do filme e toda a filosofia por trás dos visitantes giram em torno de uma experiência individual, no caso de Louise. A personagem de Adams é forte mas há um claro desequilíbrio narrativo. Todo e qualquer personagem da trama soa caricato e forçado, para fazer a protagonista brilhar sozinha, sub aproveitando os préstimos de gente tarimbada como Forest Whitaker e Michael Stuhlbarg, e outros famosos como Jeremy Renner. O enfoque na mulher soaria ainda mais interessante se aqueles que a envolvem não fossem tão incapazes de gerar nuances diante das câmeras.

    O estabelecimento do primeiro contato é feito gradativamento, pautado no talento da linguista que consegue em pouco tempo estabelecer uma empatia com os visitantes. A questão da gravidade é recorrentemente mencionada dentro do argumento, e a demonstração gráfica dela soa interessante. A questão é que esse escopo de realidade e pragmatismo é levado em conta em alguns momentos e em outro não, fazendo com que toda a suspensão de descrença para alguns graves furos de roteiro de Eric Heisserer soe ofensiva. O paradoxo estabelecido dentro da história beira o deus ex machina, fator que infelizmente está cada vez mais em uso nos blockbusters, quase jogando o filme em uma vala comum e medíocre.

    O cenário sócio político é risível, mais uma vez se apelando para uma paranoia que cabia mais na época da Guerra Fria do que em 2016, ao mostrar os Estados Unidos como o povo mais compreensivo com os problemas de comunicação e os chineses como seres teimosos, que só se veem compelidos a mudar sua atitude depois de uma revelação pessoal e certeira em uma de suas autoridades. A inteligência do roteiro mora também em um de seus defeitos, já que apesar da glamourização do auto sacrifício soar pueril e oportunista, também acaba fazendo paralelo com o pensamento freudiano de que a simples ciência de um diagnóstico de uma condição de doença não necessariamente a soluciona, semelhante ao visto na dor que Louise teria de sentir mesmo tendo consciência do que ocorreria no futuro. A Chegada mira uma versão moderna de Contato e entrega um desfecho de dádiva bastante parecido com o de Highlander, ainda que a seriedade da película de Villeneuve em nada tivesse semelhança com a de Russel Mulcahy. Ainda assim, pelas questões propostas e pelo fascínio ao que o humano desconhece, Arrival soa interessante apesar de suas falhas de concepção.

  • Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Crítica | Trumbo: A Lista Negra

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    Em meio a tantas cinebiografias chapa-branca, normalmente premiáveis pela Academia em especial nesta época do ano próximo às festividades do Oscar, uma se destaca pela discussão de um período turbulento e paranoico da história americana. Trumbo: Lista Negra começa mostrando a ação de seu personagem-título, o roteirista Dalton Trumbo, encarnado pelo ator recentemente alçado ao patamar de estrela Bryan Cranston, em uma performance que beira a perfeição, graças aos trejeitos resgatados do operário do cinema.

    A persona de Trumbo varia entre o homem preocupado com as condições de trabalho do proletariado, ligado a sindicatos dos trabalhadores, e claro um astro dentro do papel de argumentista de filmes. Jay Roach utiliza sua experiência com comédias variadas entre o tom escrachado de Os Candidatos e o humor ácido de Virada no Jogo para estabelecer um cenário cínico e paranoico, resumido já nos primeiros sete minutos de filme, ao exibir uma cena em que o espectador comum revida o estereótipo que lhe é atribuído, como comunista e inimigo do estilo de vida americano. O repúdio, que começa a partir do receptor furioso, aos poucos se alastra por praticamente todos os membros da indústria, incluindo aí intérpretes de atores famosos como John Wayne.

    O roteiro de John McManara compreende momentos encenados e de gravações de depoimentos da época, que ajudam a assinalar o mesmo clima de perseguição injusta ocorrido na época do macarthismo. Nos depoimentos de Trumbo, há o cuidado de registrar as cenas metade em partes coloridas, metade em preto e branco.

    Trumbo 3

    A evolução do quadro se dá na primeira metade com uma introdução à situação de encarceramento de Trumbo ainda há um modo cínico, com o personagem observando a exibição do filme-propaganda Os Boinas Verdes, distante demais da realidade daquela época. Ligado a este momento há demonstrações emocionais do quão cruel era a época, com a delação entre amigos, o que faz o elenco de apoio sobressair-se, especialmente Michael Stuhlbarg, que faz o ator Edward G. Robinson; Diane Lane que interpreta a esposa do protagonista Cleo; Louis C.K. (cada vez melhor em papéis não cômicos) como Arlen Hird e Ellen Fanning, que executa Nikola, a filha mais velha do casal.

    O didatismo do texto permite demonstrar o infortúnio do escritor mesmo após sua libertação do cárcere, sem perspectivas de trabalho, tendo que se submeter a trabalhos hercúleos sem o crédito e merecimento que lhes eram devidos, como no Oscar que Ian Mclellan Hunter (Alan Tudyk) recebeu por A Princesa e o Plebeu, cujas linhas foram escritas pelo roteirista perseguido.

    Os bastidores da relação de Trumbo com pessoas ilustres do cinema são mostrados em detalhes interessantes, desde Otto Preminger a Kirk Douglas. Talvez o maior pecado de Trumbo: A Lista Negra seja não conseguir expressar todas as polêmicas e dificuldades de carreira que o biografado sofreu, passando rapidamente por grande parte delas, além de aludir a questões cotidianas desimportantes que visavam obviamente humanizar o personagem-título e agradar aos ditames de Hollywood, curiosamente tentando alcançar a simpatia dos mesmos olhos e corações raivosos que destilavam sobre Dalton um desprezo imenso.

  • Crítica | Um Homem Sério

    Crítica | Um Homem Sério

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    A cultura judaica possui diversas características que a tornam uma das mais ricas e influentes do ocidente. Além de comandarem grande parte do show business dos EUA, pessoas com ascendência judaica sempre se destacam também no campo artístico, em especial na comédia, onde seu tom de humor negro e autodepreciativo já é consagrado. Por fazerem parte desse universo, os irmãos Coen sempre tiveram afinada essa veia humorística, mas em seu longa de 2009, Um Homem Sério, decidem se aprofundar na cultura judaica que conhecem tão bem desde a infância.

    O filme começa com uma representação de uma antiga lenda judaica sobre o dybbuk, um espírito que toma o corpo de pessoas comuns. Essa pequena história, que é falada em íidiche e se passa em algum país do leste europeu em alguma época (que pode ser tanto há 1000 ou há 100 anos), dará o tom de todo o filme, contrastando as características de um casal, onde o homem é esperançoso e vê tudo pelo lado positivo, enquanto a mulher, com um tom mais realista, vê tudo pelo lado negativo. Seu encerramento se dá também deixando ao encargo do espectador tirar a lição do que tudo aquilo significou, o que só fará realmente sentido após o final do filme.

     história principal começa intercalando personagens de uma mesma família judaica de um subúrbio do meio-oeste norte-americano (local similar a onde os Coen cresceram), os Gopnik. O patriarca, Larry (Michael Stuhlbarg), é um professor universitário de matemática avançada que está fazendo um checkup no médico, e aparentemente, tudo está normal. Seu filho, Danny (Aaron Wolff), ouve Somebody to Love de Jefferson Airplane (que embalará todo o filme) em meio a uma tediosa aula de uma escola judaica, de onde também precisa fugir do grandalhão que vendeu-lhe maconha e agora cobra a dívida.

    Larry é um cidadão pacífico e submisso. Nunca levanta a voz para ninguém, segue todas as regras sociais e morais, e não é respeitado por ninguém. Porém, uma onda de acontecimentos desastrosos, ao melhor estilo dos Coen, o acomete. Sua mulher Judith (Sari Lennick), quer o divórcio para casar com o vizinho Sy Ableman (Fred Melamed), um aluno reprovado o suborna e ameaça processá-lo, seu irmão problemático Arthur (Richard Kind) se recusa a sair de sua casa e ele também passa a receber cartas o difamando para a comissão que o avaliaria para uma promoção dentro da universidade em que leciona. A partir daí, seu questionamento do “o que eu fiz para merecer isso?” passa a dar o tom da narrativa, já que Larry não entende a razão pela qual Deus (ou Hashem) está castigando um homem que nunca fez nada de mal a ninguém.

    Portador de uma personalidade totalmente lógica, toda a organização do universo depende uma ação e consequência, fato que deixa bem claro quando seu aluno sul-coreano tenta suborná-lo para passar. Quando ele recebe a avalanche de acontecimentos ruins, tem uma dificuldade imensa em conseguir se organizar e lidar com elas. Ele sai de casa e vai morar em um motel ao mesmo tempo que seus filhos, de forma bem egoísta, só se preocupam consigo mesmos. As cartas o difamando não param de chegar, ameaçando sua promoção. Os custos com os advogados parecem só crescer, enquanto sua mulher exige cada vez mais dele. Até mesmo quando seu pretendente morre em um acidente de carro (onde Larry curiosamente sofre outro, provavelmente no mesmo instante), ela pede que Larry pague seu funeral. Lá, o rabino o chama de “homem sério”, mesmo ele tendo causado a ruína do casamento de Larry, e depois ter sido o autor das cartas de difamação (em uma revelação curta, porém, poderosa e muito bem construída), enquanto Larry não tem nenhum reconhecimento. Mais ou menos da mesma forma que é a vida.

    Sob toda essa pressão e a ponto de quebrar, Larry procura ajuda dentro da tradição judaica, falando com três rabinos. O primeiro, um rabino jovem e sem experiência, só consegue traçar paralelos hilários com o estacionamento. O segundo, o rabino experiente da comunidade, conta uma história também hilária e absurda sobre um dentista, que não tem nenhuma relação com Larry e seus problemas, para sua e nossa aflição. O terceiro, o rabino já aposentado, não garante a Larry nem uma audiência para ouvi-lo.

    Essa sucessão tragicômica de eventos aleatórios nos coloca ao lado do protagonista, relembrando um pouco a lição de Magnólia, onde essas coisas, por mais trágicas e pessoais que possam parecer, acontecem. Não por nossa causa. Não para nos agradar nem punir. Simplesmente acontecem. E nós temos de lidar com elas.

    Essa é a lição, então, simples e fria, transmitida de forma tecnicamente apurada (onde cada plano é necessário e se encaixa perfeitamente com a narrativa) e com um roteiro muito bem construído (além de ousado). Nas mãos de pessoas menos competentes, talvez se tornasse um filme insuportável. Porém, os Coen conseguem dar a essa tragédia pessoal a leveza de seu humor negro, e a sensibilidade na hora de carregar nos elementos corretos para deixar tudo balanceado ao ponto de fazer a história fluir. Passagens memoráveis deixam transbordar essa sensibilidade dos direitos, com um rabino super tradicional citando a letra de Jefferson Airplane, ou um homem coreano, pai de família tradicional e rígida, diz a Larry para “aceitar o mistério” dos acontecimentos, confundindo a ele e a nós, para seu desespero e nosso prazer.

    Esses pequenos momentos, marca característica dos Coen, que tornam “Um Homem Sério” tão sedutor, pois eles aliam todo o seu rigor técnico a uma história simples, mas contada de tal forma que carrega emocionalmente o espectador enquanto vai, camada por camada, mostrando o que está por trás de cada personagem e sua visão de mundo. E no final, estamos nos perguntando o que temos de Larry em cada um de nós. O quanto agiríamos diferente. O quanto somos diferentes. Quantos golpes aguentaríamos de pé até cairmos e questionarmos tudo o que consideramos sagrado. Perguntas incômodas, mas sempre necessárias.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.